RESUMO

O presente trabalho aponta dois estudos realizados por duas linhas diferentes para a Aquisição da Linguagem: o cognitivismo e o interacionismo. Em algum momento essas nomenclaturas podem se confundir, pois já foram e ainda são chamadas pelo mesmo nome. Mas as teorias divergem em muitos pontos, inclusive, no quesito aprendizagem da leitura e da escrita.

INTRODUÇÃO.

O objeto de estudo da Linguística como ciência é a língua (Saussure, 2006). Sendo assim, é indiscutível a importância de se estudar como a adquirimos. O processo de aquisição de linguagem materna é complexo e demanda diferentes posições do sujeito perante a linguagem. A aquisição desse sistema arbitrário não depende unicamente do falante: ele precisa do outro, do meio, ele precisa estar na língua para dominá-la em seus vários aspectos, seja oral ou escrito.

Os estudos nessa área se iniciaram há muitos anos e teve suas primeiras impressões registradas com os diaristas. Esses primeiros observadores da fala da criança tinham o papel de escrever manualmente aquilo que elas diziam, desde as primeiras palavras até a, agora conhecida, a aquisição da linguagem como um todo. As anotações por eles feitas encadearam o surgimento de algumas linhas de estudo como a Psicolinguística em 1954, quando a área foi criada.

Há três perspectivas importantes de como a aquisição de linguagem se dá, são elas: o Inatismo de Chomsky, o Cognitivismo de Vygotsky e o Interacionismo de Claudia De Lemos. O presente estudo irá se deter apenas nas duas últimas por, de certa maneira,  se aproximarem mais em alguns aspectos.

Não é de nosso interesse estabelecer qual das teorias apresentadas se encaixa melhor aqui ou ali, muito menos atribuir juízo de valor. Apenas desejamos apresentar uma 

breve discussão a respeito de como a leitura e a escrita é vista em interacionismos distintos.

Muitos estudiosos acreditam que a linguagem é construída na interação. Essa interação pode não ser a mesma para duas teorias diferentes, mas a ideia de que é ela é necessária em algum grau ou de algum modo, é quase unanime.

Claudia de Lemos (apud ROCCO, 1990) diz que

O termo interacionismo (na leitura psicológica) tem servido a muitas décadas para designar uma posição epistemológica distinta quer do racionalismo, quer do empirismo na medida em que assume a interação o organismo humano e o ambiente como matriz de transformações qualitativas desse organismo, capaz, por isso, de explicar a gênese das atividades mentais superiores do conhecimento. (...) Embora o termo pareça aplicável tanto às obras de Vygotsky e de Wallon quanto à de Piaget, é à desse último que tradicionalmente se faz referência quando se fala em interacionismo na Psicologia desenvolvimentista. (DE LEMOS, 1986, p.1-2, apud ROCCO 1990).

O primeiro estudo apresentado chamado, por muitos, de interacionismo ou de cognitivismo será o de Vygotsky, seguido de mais um interacionismo o de De Lemos. Com isso vejamos as razões que levam a essa nomenclatura e os aspectos divergentes em tão ricas teorias de aquisição de linguagem.

1. A AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E SUA RELAÇÃO COM O HISTÓRICO-CULTURAL.

Para Vygotsky a aprendizagem da criança se divide em dois momentos: o primeiro seria aquilo que a criança faz sozinha e o segundo seria o que ela faz com a ajuda de outras pessoas, imitando os adultos.

A língua, então, estaria presente no segundo momento, mas sem deixar de ser uma estrutura interna (como veremos adiante). Ela é um entre todos os objetos de conhecimento a que a criança acede graças às estruturas cognitivas, construídas ao longo do desenvolvimento. A linguagem, então, é adquirida através da interação com o histórico-cultural. De acordo com De Freitas (2007)


 A visão interacionista social (Vygotsky) considera os fatores sociais, comunicativos e culturais para a aquisição da linguagem, estudando as características da fala dos adultos. Segundo esse ponto de vista teórico, a interação social e a troca comunicativa são pré-requisitos básicos para a aquisição da linguagem. Nessa perspectiva, a linguagem é atividade constitutiva do conhecimento de mundo e a criança se constrói como sujeito (De Freitas, 2007). 

Essa teoria é desenvolvimentista, visto que defende a aprendizagem da linguagem como parte do desenvolvimento cognitivo da criança. Nesse âmbito se encaixa o estudo de Luria, que vê o aprendizado como sócio-interacionista, tendo como enfoque a raiz histórico-dialética.

Luria contribui nos estudos de Vygotsky, entre outros aspectos, na questão das funções mentais superiores serem construídas na história social do homem. Então, o cérebro seria um órgão capaz de interagir com o meio e se adaptar a ele modificando seu mecanismo de funcionamento. Para Luria essas modificações ocorrem ao longo do desenvolvimento individual (OLIVEIRA.1995).

Uma premissa de Vygotsky (1998) é que o indivíduo não aprende sozinho. Estudar o comportamento humano tem que ser feito a partir de um contexto histórico em interação com outras pessoas, já que o funcionamento da mente é ligado a processos sociais. É essa interação com o social que se define comportamentos, “pois os processos sociais e psicológicos são moldados por formas de mediação e se dão a partir da transformação de objetos em signos culturais” (PAZ, 2003).

A linguagem teria como principal função o intercâmbio social, ou seja, a comunicação entre os homens. Para Vygotsky o pensamento e a linguagem seguem por caminhos diferentes, isso em crianças na fase pré-verbal, o individuo consegue raciocinar, resolver pequenos problemas no dia a dia, mas não consegue falar, não tem domínio sobre a linguagem. Até que se chega a um determinado nível de conhecimento em que há a união de ambos e surge o pensamento verbal e a linguagem racional, mediado pelo sistema simbólico da linguagem (OLIVEIRA, 1995).

Nessa perspectiva não é apenas por falar com outras pessoas que o sujeito desenvolve o pensamento verbal. Ele também progredirá em um “discurso interior”, uma forma interna de linguagem que diz respeito somente ao sujeito em si e não a um interlocutor. Isso se dá gradualmente no processo de aquisição da linguagem.

Entendamos que a interação aqui posta diz respeito ao social. Para Vygotsky é através da interação humana que se constrói objetos de ação do conhecimento. Porém “o indivíduo é ativo em seu próprio processo de desenvolvimento: nem está sujeito apenas a mecanismos de maturação, nem submetido passivamente a imposições do ambiente” (OLIVEIRA, 1993, p.103). Essa compreensão é imprescindível para que, mais a frente, entendamos o “outro” interacionismo apresentado.

Essa premissa é aplicada no processo de aquisição de leitura da criança. Ela é adotada pelo MEC quando esse faz menção do que seria ler “Trata-se de uma concepção que envolve o indivíduo, enquanto ser psicológico, que desenvolve suas habilidades cognitivas, e ser social, inserido em determinadas práticas histórico-sociais de leitura” (MEC,1996:20). Ou seja, a leitura como produto do conhecimento trazido pelo texto em um processo de construção de conhecimento, levando em conta o que o aluno já possui de conhecimento prévio, já que se defende que o sentido não está contido no texto. Ele vai ser construído a partir do leitor que interage com o texto através da leitura.

Segundo Paz (2003)

Pode-se reconhecer que essa abordagem está calcada na teoria vygotskyana que permite levar o aluno e o professor a conceberem a leitura como processo de construção do sentido entre o leitor (ser individual e social), o texto (produto individual, determinado histórica e socialmente) e o autor (sujeito condicionado historicamente) e as práticas sociais e culturais nas quais ocorre essa interlocução. (...) Nessa perspectiva de leitura, ganham relevância a memória, a percepção, o raciocínio e a linguagem. Tal concepção reconhece que a leitura é um processo que começa no momento em que o cérebro recebe a informação visual e termina quando esta informação é associada aos conhecimentos prévios (experiências de mundo e de linguagem) que o leitor adquiriu. Podemos dizer que ganham força os conjuntos de relação cognitivas que se encontram armazenadas na mente, formando uma rede de informações que são acionadas e determinam a leitura (PAZ, 2003).

Desse modo, apregoa-se que o conhecimento prévio do aluno deve ser explorado, valorizando a realidade em que ele se insere, visto que contribuíram nas aprendizagens futuras. A leitura aqui não é vista como uma atividade isolada entre o leitor e o autor do texto, mas há uma necessidade de imersão no contexto social da linguagem: leitor e autor inseridos em um contexto social, cada um com sua leitura de mundo.

Antes de passarmos para escrita segundo Vygotsky é interessante fazermos uma observação a respeito da investigação de Luria que fazia parte do mesmo grupo de Vygotsky e que ficou responsável por explorar a pré-história da escrita (ROCCO, 1990). Para eles a escrita viria muito antes de ser ensinada na escola: ensinam-se os símbolos e o traçado, mas não a linguagem escrita. Rocco (1990) afirma que

Segundo Luria a condição fundamental para que uma criança seja capaz de ‘tomar nota’ de alguma noção ou frase reside de ela já ter uma espécie de ‘hipótese particular’ em termos de se ‘lembrar de algo’.(...) Luria procura então, através de um demorado trabalho com crianças, ‘traçar o desenvolvimento dos primeiros sinais’ que já indiquem o aparecimento de uma relação funcional, mesmo que primitiva, entre as linhas e rabiscos com um objeto qualquer de referência. (...) A pré-história da escrita tem suas origens no momento em que a criança consegue relacionar rabiscos e marcas gráficas diversas com um determinado referencial (ROCCO, 1990, p.28).

A escrita, em Vygotsky, representaria uma parte do desenvolvimento simbólico da linguagem. Ela é funcionalmente diferente da fala, pois pede uma simbolização do acústico através de signos escritos. A escrita também necessita de uma consciência fonológica, ou seja, da estrutura sonora que cada palavra possui. A criança precisa entender que a fala interior e a escrita tem gramáticas distintas e que, diferente da linguagem oral, o interlocutor não estará presente no momento da escrita, fato que pede uma linguagem mais elaborada e um texto mais explicativo, ou seja, o uso de mais palavras. Todos esses aspectos tornam a escrita algo mais distante das necessidades imediatas da criança. A escrita seria, assim, algo externo, social.

2. O SUJEITO CAPTURADO PELA LINGUAGEM DO OUTRO.

O interacionismo a seguir apresentado tem seu nome justificado pela precursora dessa teoria, Claudia de Lemos. Segundo Morais (2001)

A autora coloca que ela própria usa o termo interacionismo, que, em sua história vem da época de 1975, quando em sua tese de doutorado deparou-se com a dificuldade de descrever a fala da criança através de teorias linguísticas, pois estas não davam conta  nem de descrever, nem de explicar o que ela encontrava em seu corpora, como o espelhamento da fala do outro. Na linguística, esse “outro” não existia, e De Lemos vê como resolução para esse impasse de ordem linguística a busca de um caminho na área da Psicologia ou em trabalhos sobre aquisição da linguagem que valorizassem esse “outro” (MORAIS, 2001, p.38). 

A noção de interação abordada nesse tópico segue a teoria estruturalista, ou seja, o conceito de língua apresentado por Saussure. Vejamos, então, resumidamente, do que se trata.

 Em 1916, Ferdinand de Saussure oferece o Curso de Linguística Geral, o qual marcaria em definitivo o início da Linguística como ramo independente da ciência. Surge aí o chamado estruturalismo linguístico em oposição aos estudos históricos acerca da língua. O que Saussure faz, em primeiro lugar, é determinar, especificar o objeto dessa ciência, que, para ele, é a língua enquanto estrutura.

Para o conceito estruturalista, língua é um sistema de signos arbitrário. Tal afirmativa é proposta uma vez que se considera que “o signo linguístico é, pois, uma entidade psíquica de duas faces” (SAUSSURE. 2006, p.80), o significante (conceito) e o significado (imagem acústica), relacionadas arbitrariamente. Assim, o segmento fonológico que constitui o signo casa, por exemplo, não teria relação com o objeto casa no mundo físico, pois não é disso que se trata. A noção de sistema implica a de relação: nenhum termo existe isoladamente, mas na sua relação com o outro, especificamente em termos de sua negatividade, pois um elemento é o que o outro não é.

Segundo Saussure (2006, p.17), língua “é, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos”. Assim, nesta perspectiva, a língua é um objeto que se deposita na mente do falante através dos atos de fala entre os falantes.

A teoria interacionista estruturalista em aquisição de linguagem confere ao outro um papel de destaque na aquisição da linguagem. É o adulto (pai, mãe) que significa os gestos e balbucios da criança, conferindo-lhes status de linguagem. Nessa teoria, a criança vem a ser capturada pelo funcionamento linguístico-discursivo que possui uma ordem própria e que lhe é anterior. Ela é capturada e mantém relações com essa língua, mudando de posição em uma estrutura, e o outro é considerado com instância de funcionamento da língua, ou seja, por já estar nessa ordem, o adulto interpreta as manifestações da criança, sendo, portanto, também afetada por elas (AZENHA, 2005).

Claudia de Lemos afirma que a criança é capturada por um funcionamento linguístico-discursivo por meio de sua interação com o adulto, instância desse funcionamento. Desse modo, o que predomina na fala da criança são as marcas da fala do adulto, ou, ainda, não há como negar a relação estrutural entre essas falas.

Na perspectiva interacionista, a criança é vista como um sujeito cuja fala é interpretada pelo adulto, estando sobre o efeito da linguagem do outro. Essa interpretação do outro é que permite que a fala da criança tenha significação. Nesse sentido, o que a criança quis dizer – a sua intenção – fica interrogada, mas, de um outro lado, tem-se a garantida da continuidade de um diálogo, de que há o efeito entre as falas.

O diálogo foi eleito por De Lemos como unidade de análise e nele está inscrito a sua problemática, já que não deve ser visto como comunicação entre parceiros simétricos, ainda mais no caso da interação adulto-criança.

O processo de aquisição compreende mudanças na relação da criança com a linguagem; uma trajetória na/pela linguagem, na qual, de início há o infans (aquele que não fala), mas que, nessa relação com o outro, instância de funcionamento da língua, virá a ser falante da língua.

Nessa teoria há uma captura do funcionamento da linguagem para a aquisição da linguagem oral. Tal ideia se aplica também no modo como se dá a aquisição da leitura e da escrita.

Um ponto, podemos dizer, em comum entre as teorias apresentadas seria o modo como a leitura influencia na formação do indivíduo e da necessidade de levar em conta os conhecimentos prévios que a criança leva para a escola.

Para Cruvinel (2012) ler é dialogar. É no diálogo com o texto que o leitor encontra sentido. A leitura é encontro e confronto de informações e conhecimentos de ambas as partes, um dos motivos pelos quais a leitura é tida como instrumento de formação.

Para ler e até mesmo escrever um texto, é necessário dialogar com outros textos. É com a intertextualidade que se chega ao sentido. O texto não conduz o leitor, afirma Cruvinel, a um sentido. Há efeitos de sentidos, possibilidades que o leitor vai tecendo de acordo com suas leituras anteriores e com as relações que ele estabelece com o que já foi visto, dito, vivido por ele (CRUVINEL, 2012).

Anna Eliza Mattos Fongaro (2009) em sua dissertação do mestrado “Manifestações sintomáticas na escrita e a clínica de linguagem” prioriza o estudo da escrita. De acordo com a autora, o Interacionismo “(...) entende a oralidade e a escrita articuladas por um funcionamento, funcionamento este nomeado por Saussure (1916) ‘la langue’ que tem relação com o ‘Outro’ (tesouro dos significantes de Lacan)” ( p.26). Fongaro segue a linha de raciocínio em aquisição da escrita discutido no trabalho de Borges (1995-2006). Desse modo, Fongaro atesta que:

Borges (...) considera que a fonetização da escrita seja um dos efeitos que a ordem própria da língua promove. Nessa perspectiva a criança é introduzida na escrita por meio de sua relação com a materialidade do texto.  Os blocos de letras que comparecem na escrita da criança foram chamados por Borges de pseudopalavras e considerados significantes. (...) Segundo Borges, os significantes emergem das múltiplas impressões fornecidas pelos textos do outro, não são registros que resultam da percepção das unidades da escrita constituída ou da categorização realizada pela cognição, as unidades linguísticas presentes no texto dessas crianças, são negativas e relacionadas. (...) os significantes são adquiridos pela criança através da sua relação com o outro, que através de um movimento metonímico do funcionamento da língua, deslizam do texto do outro para o texto da criança. (...) A criança não apreende a escrita, ela é capturada pela escrita através de sua relação com a materialidade do texto (FONGARO, 2009, p.26-27).

Diferente do que a maioria dos métodos de alfabetização prega, a perspectiva interacionista de aquisição de linguagem, segundo Borges, advoga que a criança não adquire a escrita por etapas que vão do menor segmento, fonológico, para o maior, palavras. Fongaro (2009. p. 27) nos faz saber que “Borges indica que o texto se constitui através do funcionamento da linguagem, que faz movimentar os significantes entre os níveis fonético-fonológico, gráfico, sintático, morfológico e semântico”. Desse modo, a criança é captura pelo funcionamento linguístico discursivo do texto e é dessa maneira que adquire a escrita e a leitura.

A escrita também funciona, em um viés psicanalítico, como instrumento de sedução: a criança se utiliza da escrita para seduzir a mãe objeto de seu desejo.

Mayrink-Sabinson (apud PAN 1995) observa que o adulto muda seu modo de agir a partir da demonstração de interesse da criança pela escrita.

O gesto de apontar que normalmente manifesta a atenção da criança é retomado pelo adulto que lê esta escrita, destacando-a pelo gesto e pela fala. Este comportamento do adulto é retomado e incorporado pela criança. A partir destas situações momentâneas o adulto tenta atrair a atenção da criança sobre a escrita "apontando-a", "nomeando-a", "(re)alçando-a",lendo para a criança. A proximidade física e a atenção irrestrita da mãe faz com que a criança seja seduzida pela escrita e pela mãe, sendo que a criança logo reverte esse jogo, passando de seduzida para sedutora. ‘Um dos primeiros usos que a criança faz da escrita seria um uso que visa a seduzir o adulto, a obter sua atenção, sua proximidade, o contato com ele - o adulto acaba preso à própria teia que ajudou a armar’ (MAYRINK-SABINSON, 1990 apud PAN, 1995, p. 75).

Desse modo, a escrita é descoberta pela criança como instrumento de poder. Ela passa a falar da maneira que lê, utilizando de argumentos que convençam a favor de seu interesse. O adulto, então, fica seduzido pela criança, admirando-a e acaba por ceder. Com isso ela se torna mais atenta para as diferentes funções da escrita.

O caminho para escrita é sinuoso. A criança precisa perceber que a imagem da letra é apagada em detrimento ao da sílaba e que o som nem sempre equivale às letras que está escrita. A psicanálise, segundo Pommier (2011), assegura a condição de que o apagamento do valor imagético é dado pelo recalcamento, ou seja, pelo complexo de Édipo. Esse complexo tem por base o apagamento da imagem do pai: um desejo que não se pode representar, pois o pai é tanto amado quanto detestado. Desse modo, o inconsciente, diz Pommier, citando Freud, se vale de uma escrita em que as imagens se convertem em letras. É por essa razão que muitas vezes a relação formação do inconsciente e letras é tomada em terapias para se obter um efeito sobre os sintomas do paciente, pois o sintoma é uma letra. Para Pommier a letra da escrita é uma formação do inconsciente (POMMIER, 2011).

As letras no inconsciente não são mais tomadas por seu som ou sua representação, grafema. Na psicanálise ela valerá apenas pelo recalcamento que denota. Pommier (2011) afirma que a natureza do recalcado é o gozo do corpo, primeiro objeto de desejo materno. Mas não somos esse corpo, apenas moramos nele, de início estrangeiro e que passa a ser um asilo ao qual nos acostumamos ou não. Então, o primeiro recalcamento seria a significação da imagem do corpo, já que o gozo foi do outro ao tê-lo e não nosso. Esse gozo recalcado não dura para sempre, nós, segundo o autor, o recalcamos a todo momento. Toda vez que estamos conscientes, sozinhos, o recalcamos. Se não o fizéssemos significaria que ainda estamos alienados ao outro, ao gozo do outro. Sendo assim, a imagem do nosso corpo esteve sempre tomada no outro e recalcada desde que nascemos (POMMIER, 2011).

Ainda falando da leitura e da escrita em um viés psicanalítico, Pommier (2011) atesta que as patologias da aprendizagem demonstram que a adequação do som à imagem é só o resultado de um processo complexo. A escrita e a leitura estão colocadas no ato do recalcamento e o grafismo evoca a imagem do nosso próprio corpo, já que o gozo esteve, no primeiro momento, fora de nós. Segundo autor, a criança vai procurar no grafismo aquilo que ela se parece. Para tanto, é preciso atravessar o recalcamento para nos desligarmos da imagem e nesse afastamento a imagem terá seu valor literal (POMMIER, 2011).

No interacionismo de De Lemos a leitura e a escrita são tomadas como captura pelo sistema linguístico que aí está antes mesmo de nascermos e cabe, nessa teoria, um estudo psicanalítico desses processos que demonstram ainda mais a amplitude da linguagem em nossas vidas.

CONCLUSÕES

Interação significa relação. A aquisição da linguagem pode se dar por meio da relação do sujeito com o ambiente, com a história ou cultura, da relação com o outro. É inegável que o processo de adquirir uma linguagem supõe a necessidade de um referencial. Cada teoria toma um referencial distinto, mas isso não quer dizer, em hipótese alguma, que haja o certo e o errado, que uma vale mais que a outra. Pelo contrário, só enriquecem a área e contribuem para os estudos nesse campo.

Explanamos nesse texto duas teorias que veem a interação de modo distinto, porém não negam a necessidade da criança relacionar-se para adquirir a leitura e a escrita.

Vygotsky percebe um sujeito ativo, construtor de conhecimento através do meio histórico-cultural em que está inserido e de conhecimentos prévios adquiridos antes mesmo de chegar à escola. Fato esse que permite a formação de um sujeito capaz de dialogar com o texto, sendo assim, crítico.

Por sua vez, De Lemos inaugurou um estudo que vê a fala e a escrita como tendo funcionamentos distintos, cuja aquisição ou captura não se dá pela aprendizagem ou por meio de uma cognição prévia. É na relação com a fala do outro ou com a materialidade dos textos vindos do outro que reside a possibilidade da captura da criança pela linguagem. Penetrar nessa teoria é entender que a trajetória pela linguagem ocorre de maneira diferente para cada criança, em razão de sua relação singular com a língua, estando, portanto, na dependência dos processos de identificação à língua e na sujeição ao regime da demanda e do desejo.

Eis a realização do objetivo ao escrever esse texto: entender como interacionismos tão iguais podem ser tão diferentes ao descrever o processo de aquisição da leitura e da escrita para ambas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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POMMIER, Gérard. A história da escrita e a aprendizagem de cada criança. Trad. Viviane Veras. In: LIER-DEVITO, Maria Francisca e ARANTES, Lúcia (orgs.). Faces da escrita: linguagem, clínica, escola. Campinas – SP: Mercado de Letras, 2011.

ROCCO, Maria Thereza Fraga. Acesso ao mundo da escrita: Os caminhos paralelos de Luria e Ferreiro. Cad. De Pesq., São Paulo (75) 25-34, 1990.

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