Doença Celíaca: Fisiopatologia, Diagnóstico e Tratamento

Celiac Disease: Physiopathology, Diagnosis And Treatment

Doença Celíaca: Fisiopatologia, Diagnóstico e Tratamento

1Gláucia Alves Silva, 2Xisto Sena Passos, 3Yara Lúcia Marques Maia

¹Aluna de graduação em Nutrição da Universidade Paulista – UNIP. E-mail: [email protected] ²Doutor em Medicina Tropical pela Universidade Federal de Goiás. Professor Titular do Curso de Nutrição da Universidade Paulista - UNIP. E-mail: [email protected] ³Mestre em Ciências Ambientais e Saúde Pela Universidade Católica de Goiás e Professora Adjunta do Curso Nutrição da Universidade Paulista – UNIP. E-mail: [email protected]

Área temática: Nutrição Clínica

Declaração de conflitos de interesse: Declaramos que não existem conflitos de interesse entre os autores do artigo, quanto à publicação

 

Resumo

A Doença Celíaca (DC) é uma patologia desencadeada pela intolerância ao glúten, uma proteína encontrada em cereais como trigo, centeio, cevada, malte e aveia. A DC caracteriza-se por um processo inflamatório da mucosa do intestino delgado, levando a atrofia total ou parcial das vilosidades intestinais e consequentemente à má absorção de nutrientes e várias manifestações clínicas. As manifestações da DC, não atingem apenas o trato gastrointestinal, mas também a pele, ossos, fígado e outros sistemas como o reprodutivo, nervoso e endócrino. O diagnóstico da DC é bastante complexo e na maioria das vezes é desafiador devido à grande variabilidade da expressão clínica da doença, e deve ser cogitado em todo paciente com diarreia crônica, distensão abdominal, flatulências e em familiares de primeiro e segundo grau de celíacos. A prevalência da DC na população mundial está entre 0,5 e 1%, porem, vários estudos acreditam que ainda existem muitos casos sem diagnóstico. No Brasil novos estudos sorológicos mostram que cerca de 0,15 a 1,75% da população geral tem essa patologia. Como a DC é caracterizada pela intolerância ao glúten, o seu tratamento é basicamente a isenção desta proteína da dieta, porém obedecer essa recomendação não é tarefa fácil, com base nesses pressupostos esse trabalho, tem como objetivo descrever a fisiopatologia da Doença Celíaca e fornecer orientações quanto ao seu cuidado.

Descritores: Doença Celíaca, Glúten, Intolerância.

Abstract

Celiac disease (ad) is a disorder triggered by intolerance to gluten, a protein found in grains such as wheat rye, barley, oats and malt. The CD is characterized by inflammation of the mucosa of the small intestine, which leads to total or subtotal atrophy and various clinical manifestations. The manifestations of DC, not only reaches the gastrointestinal tract but also the skin, bones, liver and other systems such as the nervous, endocrine and reproductive. The diagnosis of DC is quite complex and most of the time is challenging due to the large variability in clinical expression of the disease, and should be considered in any patient with chronic diarrhea, abdominal distension, flatulence, first and second degree relatives of celiac. The prevalence of AD in the world’s population is between 0.5 and 1%, however, several studies believe that there are still many undiagnosed case. In Brazil new serological studies how that approximately a.15 to 1.75% of the general population has this condition. How the DC is characterized by intolerance to gluten, your treatment is the exemption of that protein in the diet, but obey that recommendation is no easy task, based on these assumptions, this work aims to clarify doubts about celiac disease.

Descriptors: Celiac Disease, Gluten, Intolerance.

Introdução

A Doença Celíaca (DC) é uma patologia desencadeada pela intolerância ao glúten, encontrado em cereais como trigo, centeio, cevada, malte e aveia. Ela acomete indivíduos predispostos geneticamente, e caracteriza-se por uma inflamação da mucosa do intestino delgado. A prevalência da DC é variável, e segundo Castro – Antunes et al.,(1)ela acomete entre 0,5 e 1% da população mundial. No Brasil, acreditava-se que era rara, mas novos estudos mostram que cerca de 0,15 a 1,75% da população geral tem essa patologia. Os primeiros sintomas aparecem a partir do segundo semestre de vida, quando é introduzida a alimentação complementar com a oferta de cereais(2).

A DC não ocorre apenas no trato gastrointestinal, mas manifesta-se também na pele, ossos, fígado e outros sistemas como o reprodutivo, nervoso e endócrino(3). Fatores imunológicos e ambientais, também interferem nessas manifestações clínicas que podem atingir indivíduos em qualquer faixa etária(2). As manifestações da DC são subdivididas em três formas, a clássica, a não clássica e a assintomática.

De acordo com Silva e Furlanetto(3), até pouco tempo o diagnóstico da DC, era reconhecido apenas em indivíduos com manifestações típicas ou com grandes suspeitas e era feito principalmente em crianças com síndrome má absortiva. Em 1990 a Sociedade Européia de Gastroenterologia e Nutrição, determinou que esse diagnóstico fosse baseado através de biópsia do intestino delgado, para verificação de atrofia vilositária, manifestações clínicas e sorologia durante a ingestão de glúten(1).

Como a DC é caracterizada pela intolerância ao glúten, o seu tratamento é basicamente a isenção dessa proteína da dieta. A obediência à dieta não é tarefa fácil, principalmente no grupo de adolescentes, contudo é muito importante que o paciente tenha todas as informações referentes à patologia, sintomas e tratamento(4).

Baseado nesses pressupostos o presente trabalho, tem como objetivo esclarecer dúvidas acerca da Doença Celíaca, através da descrição da fisiopatologia, diagnóstico e tratamento dietético.

Revisão da Literatura

Definição e Manifestações Clínicas

A DC é uma patologia auto imune e caracteriza-se por uma inflamação da mucosa do intestino delgado causada pela intolerância ao glúten e consequentemente à má absorção de nutrientes. As proteínas do glúten são resistentes às enzimas digestivas, resultando em derivados peptídeos que leva à resposta imunogênica em pacientes com DC(3). O glúten é uma substância elástica, aderente, insolúvel em água, responsável pela estrutura das massas alimentícias. É constituído por frações de gliadina e glutenina, e o trigo é o único cereal que apresenta quantidades dessas proteínas suficientes para formar o glúten. Porém essas proteínas podem estar presentes em outros cereais como cevada, centeio e aveia, nas formas, respectivamente, de hordeína, secalina e avenina(7). Por esse motivo a DC muitas vezes está relacionada com a baixa estatura, esterilidade, anemia por deficiência de ferro refrataria a ferroterapia oral, hipoplasia do esmalte dentário, constipação intestinal, osteoporose, artralgia ou artrite, epilepsia associada a calcificação intracraniana e câncer principalmente linfoma intestinal(3,8). Além dessas manifestações clinicas a DC também está associada com outras doenças alto-imunes, tais como dermatite hepertiforme, diabetes mellitos tipo 1, deficiência seletiva de IgA e doenças da tireoide. Testes sorológicos também são indicados aos indivíduos com as síndromes de Down, Turner, Williams e Sjögren(9).

Formas de Apresentação e Sintomas

            A DC é descrita na literatura de várias formas, uma delas, é a forma clássica da doença que se inicia nos primeiros anos de vida e que geralmente apresenta sintomas como diarreia crônica, vômitos, irritabilidade, anorexia, déficit de crescimento e distensão abdominal(8). De acordo com Motta et al.,(10) a forma clássica é cada vez mais rara e a maioria dos pacientes com DC apresentam poucos sintomas, o que dificulta ainda mais o diagnóstico da doença(11). A forma não clássica é diagnosticada mais tardiamente e caracterizasse por poucos sintomas gastrointestinais e presença de sintomas atípicos, como anemia por deficiência de ferro, infertilidade, baixa estatura e osteoporose, e é tida como a mais comum das formas de DC(3,8). Existe ainda a forma assintomática ou silenciosa em que os pacientes com DC apresentam biopsia alterada, porém, sem sintomas. E por último, mas não menos importante, a forma latente descrita quando os pacientes apresentam, num dado momento, biopsia jejunal normal consumindo glúten, porém, em outro período, podem apresentar atrofia das vilosidades intestinais(2).

Diagnóstico

            O diagnóstico da DC é bastante complexo e de extrema importância para evitar complicações decorrentes dessa patologia, porém, na maioria das vezes é desafiador devido à grande variabilidade da expressão clínica da doença(12). O diagnóstico da DC deve ser cogitado em todo paciente com diarreia crônica, distensão abdominal, flatulências, familiares de primeiro e segundo grau de celíacos(3). De acordo com Rauen et al.,(2) o diagnóstico da DC deve ser baseado em exames clínicos, por meio de exame físico e anaminese detalhada, além da análise histopatológica do intestino delgado e dos marcadores séricos(2).

Em um estudo recente publicado no início do ano foi apontada a ultrassonografia abdominal como método de esclarecimento de diagnóstico da DC, em casos suspeitos que apresentam sintomas abdominais. Esse estudo observou uma maior espessura e diâmetro das alças intestinais, e um conteúdo maior de liquido e maior peristaltismo intestinal no grupo de celíacos em relação aos indivíduos assintomáticos(13). Por esse motivo é senso comum que a biopsia duodenal ainda é o melhor método de diagnóstico da DC, tido como padrão-ouro(2,3,12). Os testes sorológicos, são responsáveis por um aumento de diagnóstico da DC, o que mostra como essa patologia não é rara, mas a sorologia negativa não exclui seu diagnóstico. No entanto como o diagnóstico da DC é muito complexo, ele só pode ser estabelecido após a correlação clínica(3).

Prevalência

A prevalência da DC na população mundial está entre 0,5 e 1%, porém, vários estudos relatam que ainda existem muitos casos sem diagnóstico. Atualmente não há dúvidas que a DC é mais comum do que se imaginava no Brasil. O aumento de casos se deu devido aos novos estudos sorológicos que apontam que 0,15 a 1,75% da população geral tem essa patologia(1,14). A DC é mais comum entre as mulheres, numa proporção de 2:1 em relação aos homens. E atinge predominantemente indivíduos de cor branca, porém, como no Brasil há uma expressiva miscigenação racial, a DC já foi descrita em mulatos(14).

Tratamento

O tratamento da DC é basicamente a exclusão total e definitiva do glúten da dieta, que deve ser seguida por pacientes sintomáticos e também pelos pacientes assintomáticos, para evitar complicações futuras e melhorar a sua qualidade de vida(7). O glúten deve ser substituído pelo milho, arroz, batata e mandioca, sendo considerado alimentos permitidos os grãos, gorduras óleos e azeites legumes hortaliças, frutas, ovos, carne e leite, lembrando sempre que a dieta deverá atender as necessidades nutricionais de acordo com a idade do indivíduo(2). A obediência à dieta isenta de glúten requer uma mudança no hábito alimentar dos indivíduos celíacos, assim como de toda a família, e essa adesão à dieta nem sempre é rigorosa, ocorrendo transgressões frequentes, principalmente entre os adolescentes. É de extrema importância a adesão à dieta sem glúten, para garantir o desenvolvimento de estatura adequada, reduzir a deficiência de macro e micronutrientes e a ocorrência de várias complicações, inclusive doenças malignas. O grau de conhecimento do paciente em relação à DC e o envolvimento da família, são requisitos de extrema importância que auxiliam em uma melhor adesão ao tratamento dietético e consequentemente evitam as transgressões à dieta(7).

Discussão

A DC é uma patologia em que a falta ou a demora no diagnóstico pode acarretar complicações severas no paciente, devido à consequente demora da introdução do tratamento adequado. Uma das causas de diagnóstico tardio ocorre devido às várias manifestações clínicas da doença. Em um estudo publicado no começo deste ano, foi apontada a ultrassonografia abdominal, como um método de diagnóstico da DC em crianças e adolescentes, com suspeitas de DC e que apresentavam sintomas abdominais, com a tentativa de auxiliar na velocidade desse diagnóstico(13). A mesma preocupação quanto à demora nesse diagnóstico pode-se observar na revisão publicada de Silva e Furlanetto(3), que enfatizou a dificuldade no diagnóstico da DC, por achados discordantes entre sorologia, clínica e histologia. Essa preocupação quanto ao diagnóstico da DC precocemente, se dá devido à importância de se introduzir o quanto antes o tratamento dessa patologia, afim de assegurar a saúde desse paciente e evitar complicações futuras, principalmente as doenças malignas.

A adesão a dieta livre de glúten, deve ser total e seguida por toda a vida, porém alguns fatores interferem nesse tratamento adequado. Em estudo publicado no ano de 2010, Araújo et al.,(14), demonstram a relação entre a DC com o habito alimentar e a qualidade de vida, e citaram que para conseguir aderir à dieta, o paciente celíaco precisa de muita autodeterminação e consequentemente isso interfere na sua qualidade de vida. Atividades como viajar, alimentar-se fora de casa e relacionar-se com familiares e amigos representam problemas para os celíacos, e isso prejudica sua vida social, porque na maioria das vezes as opções de alimentos nesses ambientes contêm glúten. Nesse mesmo sentido, Andreoli et al.,(7) observaram em seu estudo, que avaliou 34 crianças e 29 adolescentes com diagnóstico de DC, que 41,2% dessas crianças e 34,5 dos adolescentes transgrediram a dieta, principalmente na alimentação fora de casa.

Porem se alimentar fora de casa, não é o único vilão da desobediência à dieta livre de glúten, mas também a baixa disponibilidade de produtos, ausência de sintomas e a própria dificuldade de identificar a presença de glúten nos rótulos dos produtos. Contudo é de suma importância que os pacientes celíacos sejam avaliados periodicamente por um nutricionista, a fim de esclarecer dúvidas em relação a alimentos que podem ou não serem consumidos, garantindo a adesão à dieta sem glúten, com isso um habito alimentar que assegure seu estado nutricional adequado e menor risco de complicações futuras(7).

Conclusão

Através da coleta de dados em artigos relacionados à doença celíaca, constatou-se que essa patologia acomete indivíduos predispostos geneticamente existindo uma grande variedade de manifestações clínicas o que enfatiza a preocupação dos estudos quanto ao diagnóstico precoce. A importância de um tratamento adequado, que é a isenção do glúten da dieta, também é um assunto de extrema relevância, assim como um acompanhamento multiprofissional, onde é indispensável a presença de um nutricionista para auxiliar, tanto na orientação dos alimentos que podem ser consumidos, quanto ao esclarecimento das dúvidas relacionadas à DC, assegurando uma melhor qualidade de vida aos indivíduos celíacos.

Referências

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