Há algum tempo me dei conta de como são mal definidos certos sentimentos da nossa vivencia diária dos quais falamos com naturalidade. Vergonha, constrangimento, remorso e ressentimento caem nesta categoria de “muito usados e pouco explicados”. Às vezes, até se procura defini-los, mas falta precisão de linguagem.

            Que seja dada a palavra aos poetas para falar sobre o horror que nutrimos pelo ridículo ou pelo pânico que temos de perder a face. São eles, poetas, que mais perto chegam de dar precisão ao que sentimos.

            Por outro lado, culpa, inveja, raiva e ira, são palavras/conceitos/expressões que recebem atenção, muitas vezes até de forma redundante. Cabe então aos cientistas através de suas inúmeras pesquisas, limpar as ambivalências e ambigüidades, enquanto que, cabe aos poetas enaltecer a riqueza do mundo cuja a aparência é muito mais rica do que o sim ou o não, o branco e o preto, o certo e o errado.

            Eu também, tal qual meus colegas, não sei definir esses fatos da vida emocional. Quem sou eu para esclarecer questões que teimam em fugir de explicação? Cada vez que se tenta enquadrá-las, o “não é bem isso” desponta para nos frustrar. Diante disso, fico aqui a sentir vergonha, acanhamento, embaraço e constrangimento, pois afinal, estou me declarando “incapaz”. Por exemplo, o constrangimento não é escolha, ele se impõe e não é evitável. Quando obrigada a bancar uma mentira alheia, sinto um apertão, meus órgãos internos reagem dando uma sensação ruim de mal estar. Não é bem medo e nem raiva, mas tudo isso misturado.

            É difícil definir os fatos mentais que são confusos, imprevisíveis, inevitáveis. Posso tentar corrigir um erro, um crime ou um pecado. Posso pedir desculpas, perdão ou absolvição, como posso ainda pedir tempo para reparar o mal feito. Aí há espaço de escolha, de livre arbítrio. Diante de outras situações, especialmente das mais ambíguas, o recurso do perdão, da absolvição é difícil, se não impossível.

            Não há espaço para o livre arbítrio diante do ridículo, da vergonha, do remorso, do constrangimento, do ressentimento. O sentimento que surge quando não consigo enfrentar alguém que exige que eu minta – por exemplo, um chefe – não é pura raiva, mas sim puro medo.

            O ressentimento fala sempre de derrota, e eu, que não sou poeta, fico só com o constrangimento de calar diante da estreiteza da minha linguagem. Não poetejo ! Minha ciência e eu ficamos acanhados, porque nos vemos obrigados a nos esquivar de explicar tantos sentimentos, tão humanos.