DO PRIVADO AO PÚBLICO: BREVE HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

 

Mariana Oliveira Lafetá[1]

 

RESUMO

 

O presente artigo visa tecer breves considerações acerca do desenvolvimento histórico da Assistência Social, partindo-se de sua conotação como mero assistencialismo até o entendimento atual de se tratar de direito plenamente exigível. Serão analisados, inicialmente, noções do desenvolvimento da Assistência Social à nível internacional, elucidando-se, posteriormente, os aspectos que circundam o desenvolvimento da Assistência social à nível nacional.Ademais, analisa-se a Assistência Social sob o atual cenário brasileiro inaugurado com o advento da Constituição Federal de 1988. Por fim, analisam-se os atuais benefícios e programas concretizadores da assistência social no Brasil enquanto concretizadores do princípio da dignidade da pessoa humana.

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Sociais. Assistência Social. Evolução conceitual. Direito à assistência social.

 

 

ABSTRACT

 

This article aims to weave brief considerations about the historical development of social assistance, starting with its connotation of charity to the current understanding of enforceable law. Will be analyzed initially notions of the development of social assistance on the international level, elucidating up later, the aspects that surround the development of national social assistance. Moreover, we analyze the social assistance under current Brazilian scenario would emerged with enactment of the 1988 federal constitution. Finally , we analyze the benefit and assistance programs in brazil , while constructors of the principle of human dignity.

 

 

KEYWORDS: social rights . Social assistance . Conceptual evolution . Right to social assistance.

 

 

 

 

 

 

1. BREVE EVOLUÇÃO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

 

1.1. Noção histórica da Assistência Social à nível internacional

 

A etimologia de Assistência advém do latim adsistentia e significa o ato ou efeito de assistir, proteger, amparar ou auxiliar aquele que se encontre em estado de necessidade (MARTINS, 2012).

Historicamente, a origem dessa acepção remonta, tanto em âmbito internacional quanto interno,  basicamente à caridade e filantropia de particulares, cujas condutas visavam a tutela das camadas alcançadas pelo máximo de exclusão social, compostas, dentre outros, por idosos, crianças e inválidos sem meios de prover a própria subsistência.

De forma mais específica, como indica Fábio Zambitte Ibrahim (2012),  a preocupação com a questão social  teria se iniciado na própria família, sendo os aglomerados familiares o local em que os mais jovens e aptos ao trabalho despediam cuidados aos mais velhos e incapacitados.

Nesse período, identifica-se com considerável destaque a atuação da Igreja, que desenvolveu medidas e ações para amparo dos desassistidos durante séculos. Ademais, modelos protetivos, formados por grupos de mútuo e entidades civis, sem intervenção estatal, foram assumidos pela sociedade a fim de auxiliar o trabalho em prol de pessoas notavelmente vulneráveis.

O enfrentamento da questão social pelo Estado só se dá com a edição do Poor Law (Lei dos Pobres) em 1601, da Rainha Elisabeth da Inglaterra, que conforme Marcus Orione Gonçalves Correia e Érica Paula Barcha Correia (2010), previa, além de outras providências, o pagamento de pequenos valores, de caráter mais paliativo, a desempregados doentes e de idade avançada. Trata-se, na verdade, de regramento que demonstra as primeiras atuações públicas para atender os necessitados, embora, do mesmo modo, de natureza caritativa.

prosseguindo  na linha histórica, vislumbra-se o advento do Estado Liberal, o qual, contrário à intervenção pública em questões econômicas e sociais, concebe a liberdade e o sucesso profissional como resultado da dedicação e mérito individuais. Neste modelo, houve profundos retrocessos no que concerne à questão social, relegada quase que por completo à iniciativa privada.

O Estado assumiu um caráter absenteísta, sendo sua atuação limitada ao mínimo necessário, razão pela qual as propagadas "liberdade" e "igualdade", que aos poucos se concretizavam, restringiam-se aos seus aspectos formais. Propagava-se a existência de liberdades, porém não se proporcionava condições reais para que houvesse qualquer modificação na vida da população, de modo que os marginalizados socialmente dificilmente encontrariam  meios de obter melhores níveis de renda. O entendimento é assentado por Fábio Zambitte Ibrahim:

 

(...) devido às desigualdades existentes, os mais carentes nunca teriam chances de atingir patamar superior de renda, sendo massacrados pela tão propalada igualdade de direitos. Na verdade, as pessoas carecem de igualdade de condições. Somente com tal isonomia poder-se-ia vislumbrar uma sociedade justa, onde o progresso individual realmente fosse proveniente da dedicação e esforço do indivíduo. (IBRAHIM, 2012, p. 3).

 

Em meio ao cenário que se delineava de mínima intervenção estatal, difunde-se o modelo industrial característico do sistema capitalista e se intensifica, por conseguinte, a desigualdade social. O período é marcado por situações de insatisfação e insegurança generalizada, ante a completa ausência de infraestrutura das cidades e da notória precariedade nas condições de vida e trabalho, seja quanto a ausência de critério na escolha de mão de obra (muitas das vezes, infantil), seja quanto aos próprios ambientes insalubres em que eram exercidos.

De maneira geral, foi esse o momento decisivo para o desencadeamento dos movimentos coletivos que levaram à consolidação de uma nova conjuntura capitalista, marcada por atuações públicas mais intervencionistas nas relações sociais, laborais e econômicas. A partir de então, diante da resposta estatal às insatisfações populares, emerge novo modo de regulação: o Estado do Bem-Estar ou Welfare State, o qual representa, ademais, contradita aos crescentes socialismo e comunismo.

 Raquel Raichelis (2000), explica que o incipiente modelo se expandiu velozmente a partir da Segunda Guerra Mundial, abrindo espaços para um sistema de proteção social de diferentes maneiras nos vários países capitalistas da Europa e no Estados Unidos. Esse processo, ainda segundo os ensinamentos de Raichelis (2000), permitiu o surgimento de um conjunto de instituições de bem-estar social que compuseram amplo e diversificado sistema de proteção, cujas bases estão assentadas em políticas de pleno emprego, políticas sociais universais e na estruturação de redes de proteção contra riscos sociais.

O conjunto de medidas que compõe o Welfare State, destarte, mostra-se, a princípio, como forma de conter a insatisfação social advinda das condições agudizadas de pauperização. Somente com o passar do tempo é que a questão social passa a ser enfrentada como direito a ser garantido por políticas públicas.

Permitindo um pequeno salto na linha histórica, verifica-se a crescente consagração da proteção social em Constituições de diversos Estados. Sistematiza-se, por meios de instrumentos legais, a assistência social, saúde, previdência, educação, trabalho, além de outros aspectos sociais, com vistas a diminuir as desigualdades arraigadas nas sociedades.

 É verdade que, em períodos anteriores, já haviam sido editadas cartas dotadas de certa proteção, como a do México de 1917 e a de Weimar de 1919, as quais foram paradigmas do Estado social. Além disso, constituiu importante destaque nessa evolução o britânico Plano Beveridge sobre a seguridade de 1942 e seus princípios norteadores, como se depreende dos ensinamentos de Marcus Orione e Erica Paula Barcha:

 

Os princípios básicos que nortearam o Pano Beveridge foram os seguintes:                

a) Fazer propostas considerando-se o que teria ocorrido no passado, com destaque para o fato de que deveriam ignorar os interesses de grupos;

b) Foram eleitos cinco "gigantes na estrada da reconstrução", a saber: necessidade, doença, ignorância, carência (desamparo) e desemprego. O Plano  foi concebido para atacar as necessidades e prover seguridade diante destas, sem se esquecer, no entanto, que deveria apenas fazer parte de uma política mais global de progresso social.

c) O Plano seria construído a partir da cooperação entre o Estado e o indivíduo. O Estado proveria a seguridade social, mediante a contribuição dos indivíduos, que acobertaria a eles e a sua família. Para acabar com as necessidades da população, era preciso findar com a visão vitoriana de caridade, passando a existir uma atuação mais efetiva e consistente do Estado. Para isso, seis princípios foram implantados: benefícios adequados; benefícios cujos valores fosse divididos de formal justa;  contribuições em quotas justas; unificação da responsabilidade administrativa; acobertamento das necessidades básicas da população; classificação das necessidades. (CORREIA; CORREIA, 2010, p. 22).

 

 No entanto, foi a partir de fins da Segunda Grande Guerra que se observa sua maior expansão constitucional com as novas relações entre Estado, mercado e sociedade civil que se delineavam.

A Assistência aos pobres e vulneráveis, que antes ficava à mercê tão somente da iniciativa privada, passa a ser desenvolvida por sistemas públicos securitários, que buscam assegurar às populações de diversas localidades, por meio de leis e constituições, um conjunto de direitos sociais, econômicos e culturais. Há uma nova preocupação com a garantia da igualdade material ou substancial, a qual exige prestações positivas do Estado e não meramente uma posição absenteísta.

Diante desse sucinto esboço, é perceptível a tendência crescente em se entender a tutela social, não mais como integrante de práticas assistencialistas, mas como Política Pública a ser implementada pelos Estados. "Naturalmente, as ações estatais não excluíram as demais - a família ainda tem grande relevância no auxílio recíproco de seus componentes, além da assistência voluntária e, até mesmo, as sociedades mutualistas (...)" (IBRAHIM, 2012, p.4), todavia, passa-se a entender a assistência mais como um direito do cidadão desamparado, do que como mera atuação caritativa. 

 

1.2 Noção histórica da Assistência Social à nível nacional

 

A Assistência Social no Brasil, à semelhança do ocorrido nos demais Estados, origina-se com a solidariedade privada, até alcançar o contemporâneo estágio de direito garantido e legitimado constitucionalmente, integrante da Seguridade Social, juntamente com a previdência social e a saúde.

A Igreja e as entidades civis,do mesmo modo que a nível mundial, foram durante longos períodos as principais responsáveis pela Assistência Social caritativa no país, sendo exemplo a Santa Casa de Misericórdia de Santos, fundada em 1554, como aduz Ionas Deda Gonçalves (2005).

No âmbito público, embora já tivessem sido editadas normas esparsas que previam assistências a grupos determinados de pessoas tidas por vulneráveis, como a Lei Eloy Chaves de 1923, foi com a assunção de Getúlio Vargas  em 1930 que se iniciou maior regulamentação da proteção social.

Em 1934, houve pela primeira vez a positivação da Assistência social em uma Constituição pátria, estabelecendo-se a competência da União para fixar suas regras e ficando a cargo dos Estados-membros o cuidado com a saúde e a assistência pública, além da fiscalização das leis sociais (CORREIA; CORREIA, 2010).

Nesta perspectiva histórica, entra em vigor em 1938 o Decreto-Lei nº 525[2], que instituiu o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS) e fixou bases da organização do serviço social em todo o país, sendo mais tarde, em 1942, instituída a  Legião Brasileira de Assistência (LBA),  primeira instituição nacional que, de fato, teve certo destaque no âmbito da assistência social.

Coordenada pela então primeira dama Darcy Vargas, a Legião reuniu a princípio organizações para atender às famílias dos pracinhas combatentes da 2ª Guerra Mundial, passando, posteriormente, a se dedicar à maternidade e à infância, com implementação de postos de serviços de acordo com interesses, apoios e conveniências (FALEIROS, 2000).

Como indica  Sérgio Pinto Martins (2012), à LBA competia prestar assistência social à população carente, por meio de programas de desenvolvimento social e de atendimento às pessoas, nos termos do art. 9o da Lei no 6.439/77.

Ocorre que, inobstante a LBA tenha proporcionado maior atuação estatal na proteção dos desamparados, a assistência social ainda permaneceu, por longos períodos, ligada a práticas clientelistas e filantrópicas, com programas orientados na lógica do favor e não do direito.

No que concerne aos benefícios de maior relevância ligados à Assistência social, verifica-se a entrada em vigor da Lei nº 6.179/74,  responsável pela instituição da  Renda Mensal Vitalícia (RMV), a qual se reservava às pessoas idosas acima de 70 anos de idade e aos inválidos, definitivamente incapacitados ao trabalho e sem meios de subsistência. O benefício, embora instituído como previdenciário, apresentou nítido caráter assistencial, vez que se distanciava da ideia da proteção social ligada ao necessário pagamento de contribuições aos órgãos previdenciários do Estado. Assim preconizava o art. 1o da referida Lei:

 

Art 1º Os maiores de 70 (setenta) anos de idade e os inválidos, definitivamente incapacitados para o trabalho, que, num ou noutro caso, não exerçam atividade remunerada, não aufiram rendimento, sob qualquer forma, superior ao valor da renda mensal fixada no artigo 2º, não sejam mantidos por pessoa de quem dependam obrigatoriamente e não tenham outro meio de prover ao próprio sustento, passam a ser amparados pela Previdência Social, urbana ou rural, conforme o caso, desde que:

I - Tenham sido filiados ao regime do INPS, em qualquer época, no mínimo por 12 (doze) meses, consecutivos ou não, vindo a perder a qualidade de segurado; ou

II - Tenham exercido atividade remunerada atualmente incluída no regime do INPS ou do FUNRURAL, mesmo sem filiação à Previdência Social, no mínimo por 5 (cinco) anos, consecutivos ou não; ou ainda

III - Tenham ingressado no regime do INPS após completar 60 (sessenta) anos de idade sem direito aos benefícios regulamentares

 

A Renda Mensal Vitalícia, portanto, possuía perceptível natureza de benefício assistencial, inobstante ter sido considerada formalmente benefício previdenciário. Seu escopo era a tutela daqueles eleitos pela lei como vulneráveis, que não dispondo da condição de segurados do regime previdenciário, não detinham condições de manter a própria subsistência e, tampouco, tê-la mantida por terceiros.

Sérgio Pinto Martins (2012) traça relevantes considerações quanto à natureza assistencial da antiga Renda Mensal Vitalícia, esclarecendo , ainda que o benefício em questão também tinha à época o nome de amparo previdenciário e proporcionava à transferência de valores pecuniários aos beneficiários.

Afigura-se importante salientar, contudo, que o surgimento de mudanças mais significativas em âmbito da assistência social só é observado nos anos 80, sendo a Constituição Federal de 1988 (CRFB/88) o seu apogeu  no país. Nesse momento, são delimitados novos instrumentos para prestação de assistência aos desamparados, garantida agora como direito do brasileiro.

Desta feita, se antes a Assistência não dispunha de legislação específica, muitas vezes confundindo-se no estudo da Previdência, a partir da CRFB/88, ela se consolida como política pública própria e independente, a qual não se coaduna mais com o antigo modelo  marcado pelas práticas caritativas, em que o auxílio aos desamparados se dava não como direito, mas como dádiva de particulares ou do próprio Estado.

 

2 A ASSISTÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA NA CONTEMPORANEIDADE

 

2.1 Retrato da Assistência Social com o advento da Constituição Federal de 1988

 

O novel entendimento constitucional inaugurado incluiu a Assistência Social no Sistema de Seguridade Social, juntamente com a saúde e a Previdência Social, formando um  novo tripé de proteção social no Brasil.  É o que se extrai do art. 194 da CRFB/88, que proclama, ainda, que a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade.

Fábio Zambitte Ibrahim (2012, p.5), acerca do assunto, conceitua a seguridade social como a "rede protetiva formada pelo Estado e por particulares, com contribuições de todos, incluindo parte dos beneficiários dos direitos, no sentido de estabelecer ações para o sustento de pessoas carentes, trabalhadores em geral e seus dependentes". O objetivo precípuo, como indica, é propiciar a todos um padrão mínimo de vida digna

Contrapondo ao fato de que a assistência social foi durante muito tempo atividade secundária do Estado, a Constituição Federal representou um marco no progresso da proteção social no país, pois, posicionando-a em mesmo grau de relevância da saúde e previdência, passou a concebê-la como dever estatal e direito assegurado a todos que, em situação de hipossuficiência, preenchessem os requisitos definidos em lei. Verifica-se a consolidação da bilateralidade: direito subjetivo de se exigir uma prestação do Estado e a obrigação estatal de cumpri-la.

Inobstante a assistência social já houvesse sido prevista em constituições anteriores, foi com a de 1988 que seus atuais contornos foram definidos. Além disso, foi este o momento de sua elevação à categoria de direito fundamental de natureza prestacional, concepção que traz, intrinsecamente, a reunião de valores como a dignidade da pessoa humana, a cidadania e a solidariedade.

Com vistas a reduzir a exclusão social, a CRFB/88 proclamou o princípio da isonomia em seu aspecto material, prevendo sua concretização por meio de medidas públicas que atribuem vantagens passageiras a grupos determinados de pessoas.  Consolida-se a igualdade de oportunidades e não apenas a igualdade formal de direitos, buscando promover a inclusão de pessoas historicamente marginalizadas. A esse respeito, Ingo Wolfgang Sarlet  esclarece:

Diversamente dos direitos de defesa, mediante os quais se cuida de preservar e proteger determinada posição (conservação de uma situação existente), os direitos sociais de natureza positiva (prestacional) pressupõe seja criada ou colocada à disposição a prestação que constitui seu objeto, já que objetivam a realização da igualdade material,  no sentido de garantirem a participação do povo na distribuição pública de bens materiais e imateriais (SARLET, 1998, p. 257).

 

Os direitos sociais, em específico o direito à assistência social, passaram com a nova ordem constitucional a ser concretizados mediante políticas e programas estatais de enfrentamento da pobreza e das contingências sociais , visando assegurar a justiça social e promover melhores condições de vida, através da garantia de níveis existenciais básicos.

Diante da nova intelecção dada, Wladimir Novaes Martinez conceitua a  Assistência Social atual como:

 

(...) um conjunto de atividades particulares e estatais direcionadas para o atendimento dos hipossuficientes, consistindo os bens oferecidos em pequenos benefícios em dinheiro, assistência à saúde, fornecimento de alimentos e outras pequenas prestações. Não só complementa os serviços da Previdência Social, como amplia, em razão da natureza da clientela e das necessidades providas.(MARTINEZ, 1992, p. 83).

 

A base constitucional encontra-se nos arts. 203 e 204 da CRFB/88, restando claro do primeiro dispositivo o seu caráter não contributivo. Aliás, é este o ponto de crucial diferença entre ela e a previdência social, que abrange benefícios e ações, cuja obtenção exige contribuição por parte dos beneficiários. O direito a assistência é garantido a quem dele necessitar ou seja, a quem não disponha de condições para manter o próprio sustento, independente de contribuição do próprio beneficiário à seguridade social, sendo o custeio feito de forma geral, nos termos do art. 195 da CRFB/88, e não direcionado a quem tem direito às prestações, como é característico do sistema previdenciário (MARTINS, 2012).

Corrobora Fábio Zambitte Ibrahim  (2012) ao acrescentar que a assistência é segmento da Seguridade que objetiva suprir as lacunas deixadas pela previdência social, uma vez que essa não é extensível a todo e qualquer indivíduo, mas somente aos que contribuem para o sistema e aos seus dependentes.

O fim último da Assistência é justamente amparar pessoas que se encontrem em situação de completa exclusão social e desprovidas de meios próprios para superarem as condições a que estão submetidas, sejam elas originárias das mais diversas circunstâncias delineadas pela lei como de risco social, como idade ou deficiência. Daí a dispensabilidade de os próprios beneficiários verterem contribuições diretas para gozarem das ações e medidas públicas de combate à pobreza.

A Constituição prevê seus beneficiários como sendo os desamparados (art. 6o) , ou seja, as pessoas eleitas como vulneráveis economicamente. Assim, o direito é destinado a um número restrito de pessoas que, em razão de situação pessoal, não dispõe de condições mínimas para uma sobrevivência digna.

Os objetivos da assistência social estão constitucionalmente previstos no art. 203,  sendo eles: a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes,  a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação de pessoas portadoras de deficiência , a promoção de sua integração à vida comunitária; e a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Nesse desenho traçado de expansão da assistência social como direito subjetivo, verifica-se o surgimento nos anos subsequentes a 1988 de programas e políticas publicas de transferência de renda, que objetivam  a concretização dos preceitos trazidos pela carta constitucional. Pautados em critérios próprios de seletividade dos beneficiários desamparados, focaliza-se no combate à pobreza, sendo as prestações positivas garantidas por legislações próprias, que buscam alcançar a constitucionalizada justiça social.

Percebe-se, em suma, que a CRFB/88 esboçou, por meio de normas programáticas, os fundamentos e objetivos a serem perseguidos pela assistência social, sendo sua regulamentação, anos mais tarde, sujeita a legislações infralegais, as quais detalharam os pontos mais específicos a serem protegidos. Desta feita, a cada situação particularizada de desamparo previu-se determinadas medidas para sua superação.

 

2.2 Principais benefícios e programas concretizadores da assistência social no Brasil atualmente

 

Com a despretensão de esgotar o tema quanto a todos os benefícios e programas de natureza assistencial até o momento adotados pelo Estado brasileiro, limitar-se-á, neste ponto, a destacar aqueles mais relevantes e diretamente vinculados ao tema do presente trabalho.

Com efeito, os pilares da atual Assistência Social no país estão assentados na Constituição Federal, que traça as diretrizes para a gestão das políticas públicas e na Lei no 8.742/93, também designada Lei Orgânica da Assistência Social -LOAS, que dispõe sobre sua organização e estabelece princípios e diretrizes de suas ações.

Sérgio Pinto Martins (2012) esclarece que, com os benefícios estabelecidos pela referida lei, restaram extintos outros mais antigos, como a renda mensal vitalícia, o auxílio natalidade e o auxílio funeral, que estavam adstritos ao âmbito da Previdência Social.

A LOAS, em verdade, constitui o principal instrumento legislativo concretizador dos objetivos assistenciais traçados na Constituição hodiernamente. Além de ter regulamentado o art. 203 V da CRFB/88, por meio da criação do benefício assistencial de prestação continuada (BPC)  à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, em situação de vulnerabilidade, regulou em seu art. 22, a prestação de benefícios eventuais, absorvendo os antigos auxílio natalidade e auxílio funeral, os quais perderam eficácia em 1996 (MARTINS, 2012). Sendo estes benefícios eventuais entendidos como as provisões suplementares e provisórias destinadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública. 

Em meio às atuais políticas públicas, ressaltam-se, ainda, os atuais programas de Assistência Social, que nos dizeres de Sérgio Pinto Martins:

 

(...) compreendem ações integradas e complementares com objetivos, tempo e áreas de abrangência definidos para qualificar, incentivar e melhorar os benefícios e os serviços assistenciais. Serão os programas definidos pelos respectivos Conselhos de Assistência Social, com prioridade para a inserção profissional e social. Os programas voltados ao idoso e à integração da pessoa com deficiência serão devidamente articulados com o benefício de prestação continuada estabelecido no art. 20 da Lei n 8.742. (MARTINS, 2012, p.503).

 

Dentre tais programas, destaca-se o Bolsa Família, instituído pela Lei no 10.836/04, o qual unificou outros programas como o Bolsa Escola, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação -PNAA, o Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Saúde- Bolsa Alimentação, o Programa Auxílio gás e o Cadastramento único do Governo Federal (IBRAHIM, 2012).

A lei do Bolsa família, em seu art. 2o,  prescreve quais são seus benefícios: o básico, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de extrema pobreza; o variável, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza e extrema pobreza e que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre 0 e 12 anos ou adolescentes até 15 anos, e adolescentes de 16 e 17 anos e o benefício para superação da extrema pobreza, destinado às unidades familiares beneficiárias do programa bolsa família.

Destinado a famílias em situação de extrema vulnerabilidade social, o referido programa tem por base a garantia de renda e inclusão produtiva dos beneficiários, mediante o preenchimento de condicionalidades previstas em lei. Agrega, assim, ações destinadas à promover o alívio imediato da pobreza, com a transferência direta de renda, a condicionalidades e ações que visem a superação das condições de risco social a que estão submetidos os beneficiários.

Diante do exposto, restam  demonstrados, ainda que sucintamente, os principais benefícios e programas que efetivam a assistência social atualmente no país. Instituídos pela CRFB/1988 e por leis posteriores, verifica-se o escopo comum de melhorarem as condições gerais de subsistência, elevando o padrão de vida daqueles historicamente marginalizados a um mínimo de dignidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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[1]  Acadêmica do 10º período do curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros

[2]  Decreto-Lei 525 de 1 o de julho de 1938) Art. 1º O serviço social tem por objetivo a utilização das obras mantidas quer pelos poderes públicos quer pelas entidades privadas para o fim de diminuir ou suprimir as deficiências ou sofrimentos causados pela pobreza ou pela miséria ou oriundas de qualquer outra forma do desajustamento social e de reconduzir tanto o indivíduo como a família, na medida do possível, a um nível satisfatório de existência no meio em que habitam. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-525-1-julho-1938-358399-norma-pe.html.(Acesso em 20 de julho de 2014).