DO MITO DA CAVERNA A EDUCAÇÃO DO BRASIL: O BRASIL NÃO CONHECE O BRASIL

Jeovane Soares Rodrigues*

A conhecida alegoria da caverna criada por Platão, ou ainda, mais popularmente o conhecido como mito da caverna é, incontestavelmente, uma das passagens clássicas da história da Filosofia, conhecida pelos que não possuem vasto conhecimento e muito analisada pelos filósofos mais renomados. Integra o livro VI de “A República” obra em que Platão a teoria do conhecimento, questões sobre a linguagem e sobre a educação e sua importância para a formação do Estado ou ainda como ele mesmo apresenta na obra a formação do Estado ideal. Se traduz em um modo indireto de representar uma coisa ou uma ideia, a alegoria, que pela especificação apurada de João Adolfo Hansen1 (grego allós = outro; agourein = falar) diz b para significar a. Para configurar-se a alegoria não, não necessariamente, precisa ser expressa no texto escrito,
pode dirigir-se aos olhos e, com frequência, encontra-se
na pintura, escultura ou noutras formas de linguagem2. Hoje vivemos outro momento. A configuração do século XXI, coloca em xeque a ideia da metáfora e do implícito. Não há algo para aludir ou se fazer inferência e sim a comprovação da imagem. Eis o que leva a desuso a elaboração da alegoria, o requinte da metáfora que sugere conhecimento prévio para a compreensão, é rendido em detrimento da supervalorização que o mundo moderno atribui a foto, aos enormes outdoors diversos, as imagens da internet que são analisadas e “compartilhadas”. Não se pode esquecer das imagens que nos mostram a mídia: novela, cinema, televisão entre outros, afinal, estamos na era da imagem, como afirma Josefina Ludmer3. Entendida como aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana, a filosofia grega, que é a própria filosofia em si4, suscita o olhar para que se volte a origem e as causas das ações humanas e do próprio pensamento. De modo que é pertinente refletir sobre o que a alegoria da caverna mostra e que relação com seus significados se deseja estabelecer. _________________________
1 Professor de Literatura Brasileira da Universidade de São Paulo USP. Estudou a alegoria distinguindo a alegoria greco-romana (de natureza essencialmente linguística, não obstante o anacronismo) da alegoria cristã, também chamada de hexegese religiosa (na qual eventos, personagens e fatos históricos passam também a ser interpretados alegoricamente). Autor da obra
Alegoria construção e interpretação da metáfora. São Paulo: Hedra; Campinas: Unicamp, 2006.
2 http://pt.wikipedia.org/wiki/Alegoria
3 Escritora nascida na cidade de San Francisco, na província de Córdoba, na Argentina. É professora atuante na área de Letras na Universidade de Rosário
Argentina. São publicados por ela Cien años de soledad, una
interpretación (1972); Procesos de Construcción del Relato (1977) y El género
gauchesco. Un tratado sobre la patria (1988).
4 Embora hajam outros segmentos de filosofia. “ Vejamos um exemplo. Os chineses desenvolveram um pensamento muito profundo sobre a existência de coisas, seres e ações contrários ou opostos, que formam a realidade. Deram às oposições o nome de dois princípios: Yin e Yang. Yin é o princípio feminino passivo na Natureza, representado pela escuridão, o frio e a umidade; Yang é o princípio masculino ativo na Natureza, representado pela luz, o calor e o seco. Os dois princípios se combinam e formam todas as coisas, que, por isso, são feitas de contrários ou de oposições. O mundo, portanto, é feito da atividade masculina e da passividade feminina.(Marilena Chaui - Convite à
Filosofia. Ed. Ática; São Paulo, 2000.) Mas antes de discorrer sobre o tão conhecido mito, apresentamos algumas considerações sobre quem foi Platão. Para contextualizar questões de Filosofia e propor quais relações encontramos sobre a educação atual brasileira e o mito da caverna. O conjunto mencionado: Mito da Caverna e Educação brasileira atual é configurado para nos fazer refletir sobre a vida, que é a centralidade da temática educação, ou seja a formação do cidadão, a visão de sociedade, enfim nos faz refletir sobre a vida. Platão, ao propor esse mito instiga a sociedade de sua época para refletir sobre a importância de se conscientizar sobre valores. Alerta para não atribuir valor apenas a bens materiais, mas prega a necessidade de se libertar do que lhes era imposto.
Mas e hoje, o que seria o “cavernismo”? Será que depois de tanto tempo a filosofia proposta nesse mito, pode acrescentar algo a hodierniddade?
Platão e a Filosofia Para contextualizar os pontos centrais da discussão, apresentamos suscintamente quem foi Platão. Nascido no ano 348-347 a.C, na cidade de Atenas, na Grécia, foi filósofo e matemático e com ajuda de Sócrates solidificou pilares da filosofia natural. Não só da filosofia, mas também da ciência e da filosofia ocidental. O fato de ter Sócrates como uma inspiração, se torna um escritor com base. Sua obra é entendida como socrática em decorrência de ser composta de trinta e cinco diálogos e treze cartas que são creditados a Sócrates. Ainda que haja dúvidas em relação a sua autoria. A interação de Platão com a filosofia se plenifica na configuração da filosofia em si que se resume na prática de análise, reflexão e crítica na busca do conhecimento do homem e do mundo. A dedicação do filósofo se constitui na sua dedicação, na investigação e no questionamento das questões humanas, de seu contemporâneo, do mundo com profundidade e rigor metodológico. Com a finalidade de refletir sobre a essência e a natureza do universo, do homem e de fatos, são feitas reflexões sobre questões de ética, políticas e muitos outros temas sempre a fim de buscar compreensão teórica de conceitos, como os de espaço, tempo e verdade. A palavra filosofia é grega. É composta por duas outras: philo e sophia. Philo derivase de philia, que significa amizade, amor fraterno, respeito entre os iguais. Sophia quer dizer sabedoria e dela vem a palavra sophos, sábio. Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber. Filósofo: o que ama a sabedoria, tem amizade pelo saber, deseja saber. Assim, filosofia indica um estado de espírito, o da pessoa que ama, isto é, deseja o conhecimento, o estima, o procura e o respeita. Atribui-se ao filósofo grego Pitágoras de Samos (que viveu no século V antes de Cristo) a invenção da palavra filosofia. Pitágoras teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.1 Partimos dessa reflexão para implantar o valor da filosofia aproximada dos projetos educacionais. O respeito pelo saber, além disso, o desejo de saber que define um filósofo, é muito importante para as aproximações que se deseja constituir neste texto. Em 387 a.C, Platão fundou a Academia, espaço configurado para uma escola de filosofia que atuava com a finalidade de recuperar e desenvolver as ideias e pensamentos socráticos. Sendo assim, Platão teve muito para contribuir, uma vez que, valorizava os métodos de debate e conversação como formas de alcançar o conhecimento. A educação deveria dedicar esforços para o desenvolvimento intelectual e físico dos alunos. Aulas de retórica, debates, educação musical, geometria, astronomia e educação militar. Para os alunos de classes menos favorecidas, Platão dizia que deveriam buscar em trabalho a partir dos 13 anos de idade. Em relação a que se refere à educação da mulher, afirmava que a deveria haver condição de igualdade, ou seja, dizia que deveria ser a mesma educação aplicada aos homens. A escola é o exato espaço onde o saber e o desejo de saber precisa estar em harmonia. Para Platão, a filosofia é aplicação do saber, é a interação do aluno com o conhecimento de modo que os alunos deveriam descobrir as coisas superando os problemas impostos pela vida. O que prega e o que pensa em relação a educação é que ela deveria funcionar como forma e instrumento para desenvolver o homem moral. Dessa forma, há uma unicidade, uma equiparação do que pensamos como educação a essência da filosofia.
O Mito da Caverna Platão na obra intitulada A República, no livro VII, fala sobre o “mito” da caverna. Como já mencionado anteriormente, é no conhecido mito que ele usa uma alegoria para explicar suas teorias. O mito, suscintamente fala sobre uma caverna onde viviam pessoas acorrentadas de tal modo que eram forçadas a permanecerem ali sempre no mesmo lugar. Estas pessoas, desde a infância, assim viviam e dessa forma elas não podiam ver a entrada do lugar que viviam, dessa forma, o mundo para elas se restringia somente a enxergar o fundo da caverna. No interior da caverna existia uma fogueira que lhes possibilitavam ver as sombras das coisas que passavam atrás de suas costas. O mundo para eles se resumia naquela projeção de espectros. Até que um dos prisioneiros se libertou das correntes e enfrentou seus medos, afinal aquele que conseguisse se soltar das correntes poderia ver à luz do dia, mas primeiro tinha que se acostumar com a claridade, uma vez que ele tinha passado toda a sua vida na escuridão. Ao sair da caverna e começar a caminhar, estava dolorido pela imobilidade e completamente cego pela luz do dia. Descobriu cores, sensações, a perfeição de toda a criação e voltou para contar aos companheiros presos sua experiência. Ele desejava soltá-los, leva-los consigo para fora. O resultado foi que uns riram dele, outros tentam espancá-lo, lhe ameaçam outros lhe chamam de mentiroso e há quem deseje sair da caverna para conferir com seus próprios olhos. O mundo em que vivemos é a caverna hoje. Cada vez mais egoístas, somamos no planeta o número de 6 bilhões, porém, o individualismo restringe cada um a um mundo particular onde não cabe o outro. Não se enxerga nem se percebe o outro. Ao se referir a temática educação proferimos muitos discursos, estudos, pesquisas, avaliações, critérios, julgamentos, mas seguimos sem o mínimo, sem as palavras chaves e mágicas: com licença, por favor e obrigada2. _____________________________
1 Marilena Chauí - Convite à Filosofia. Ed. Ática; São Paulo, 2000.
2 Bráulio Tavares, Modos de ser brasileiro in Leituras Compartilhadas, ANO 6 Fascículo Especial - Leitura
Ampla - ANO 2 disponível em http://www.leiabrasil.org.br/pdf/revista_leitura_ampla2.pdf#page=15 Na configuração de Platão, há uma equiparação dos acorrentados a uma pessoa acomodada, sem ambições e aquele que se liberta é alguém que
deseja “mais”, ou seja, se libertar das correntes é ser capaz de buscar e de atingir o conhecimento, o que de fato exige esforço. Libertar-se da ignorância e preconceito, dos muitos julgamentos que uma sociedade impõe e ser capaz de passar por cima de muitas coisas para estar de fato livre e mais, voltar para libertar os demais. Nessa perspectiva é tudo muito filosófico, mas é na prática, o que aplicamos a nossa realidade? A reflexão sobre educação brasileira tem muito a se ater a prática, muito para se pensar e muito o quê se mudar. O contexto do mito da caverna no nosso cotidiano é o de que a educação, o desejo do saber, que refletimos no tópico anterior nesse texto, seja o efetivo ato de tirar os prisioneiros da caverna da submissão e agir de modo que o desejo do saber se concretize no desejo de explorar o mundo fora da caverna. Atribuir a culpa do que vivemos aos governantes sem cobrar nada deles, sofrer o sub julgo do fardo da luta de classes que se constitui sem tomar a iniciativa para fazer mudanças ou realizalas acreditando estar consciente de tudo, mas enxergando a realidade como espectros se privando de reais informações sem pesquisas, sem averiguações acreditando em tudo que nos diz a mídia de massa, enfim, sem se preocupar com qualidade. Qualidade de vida, de instrução, de educação entre outros. Um dos ensinamentos que podemos depreender é o de que precisamos olhar o mundo de outro modo, com outros olhos, afinal, que legado desejamos deixar para as futuras gerações e precisamos proceder de modo que no futuro possam ter uma educação de qualidade, mas o futuro, precisa ser construído já.
Mito da Caverna X Educação no Brasil Toda a reflexão que comentamos nesse texto, culmina nesse ponto. A relevância da reflexão individual, de chegar a uma conclusão é importante, porém o mais importante é o desejo de libertar os que nos rodeiam. Platão mostra a importância de aprender raciocinar por nós mesmos. O legado consiste no fato de aquele que descobre voltar para ensinar e para partilhar seu conhecimento. Os homens que não queriam sair da caverna, às vezes somos nós, acomodados em nossa ignorância, uma vez que aprender exige esforço, exige dedicação e disciplina e em muitos momentos não estamos dispostos a pensar, a estudar, a treinar nossa memória a ler, a adquirir e a ampliar nosso vocabulário. Na atualidade encontramos uma educação que apresenta uma metodologia debilitada, precária, e muitos problemas com a falta de investimento do governo (municipal / estadual / federal) na área da educação e os problemas se fazem sentir. A educação é a esfera que abrange todas as áreas de conhecimento sem a qual não há evolução do ser humano. Viver ancorado em sombras é não se chocar com a realidade. É bem verdade que a educação não apresenta grande evolução se comparada a sua base tradicional, a explicação é simples, a mudança é uma tendência e no século XXI, é fácil entender claramente que esse é essencialmente o fator que contribui para o desinteresse em adquirir conhecimento. Mas a escola não é a detentora do conhecimento, é mediadora. Deve estar aberta ao convívio proveniente da população, mas infelizmente, muitos já estão acomodados a ignorar o conhecimento, e mediante a toda reflexão que fizemos sobre filosofia, pode-se afirmar que há um costume, uma cultura, um cultivo da ignorante. E aqui se retoma a questão da busca do conhecimento, o desejo do saber que se ausenta e se instaura o mau costume de estar acostumado a ver somente o que os donos do poder nos mostram: passamos a ver e acreditar que somente há espectros. Que o mundo é espectro. Que somos espectros. Sem interesse algum de conferir informações, e aqui se ilustra o que mencionamos como
indisposição para pensar, passamos a acreditar que somente aquilo é verdadeiro que somente eles” (os outros) ou ainda, que elas (a sociedade) estão certas. O que precisamos é pensar a educação como empreendedores: a mídia, a internet, os meios de interação diversos dos quais podemos desfrutar são importantes, mas não podemos deixar que pensem por nós, precisamos mesmo é acordar para transformar de fato a educação, há muito para descobrir, para fazer atribuir significado e sentido. Não que os meios e instrumentos cibernéticos sejam ou tragam para nós libertação de nossas correntes, mas não podemos fazer com que sejam nossa nova prisão. São muitos os problemas que enfrentamos: a falta de estímulos (pessoal e muitas vezes já configurada no âmbito familiar), o desinteresse pelo aprendizado, as classes com um número de alunos excessivo (fator que prejudica o trabalho do professor) e por fim, a debilidade de estrutura familiar que se reflete na escola (no referente a ausência dos pais, ao comportamento recebido e permitido em casa, no orientação de conduta no trato com os demais) que no recinto escolar se converte em agressividade e inclusive diversas vezes resulta em violência verbal, constantemente, ou culmina em violência física como constatamos nos jornais lamentavelmente com frequência. Não podemos tratar essas questões tão diversas como quem está acorrentado e nada pode fazer, a não ser assistir tais cenas. Não podemos nos colocar em condição de quem está no fundo da caverna contemplando
espectros do que se passa “lá fora” ou ainda, o alerta a ser feito é o de que não podemos nos isolar como quem não sabe o que se passa em nosso mundo. Temos que nos conscientizar. Recobrar que a filosofia é a busca pelo conhecimento e nos conduzir a uma solução para os conflitos que vivemos e que envolvem todos nós, direta ou indiretamente. Considerações Finais Quando pensamos em Platão, Filosofia, Grécia, são coisas tão distantes e propor tal reflexão em sala de aula, de modo descontextualizado com um
ponto de conexão do século XXI é deixar tudo “no mundo das ideias” e completamente teórico. Neste texto partimos de uma acepção de sentido, inclusive etimológico da palavra Filosofia para compor a reflexão de sua importância e ligação com as questões de educação. Comprova-se que intrinsecamente ligadas, os problemas que encontramos hoje no referente à educação, são frutos da ausência do que temos hoje conhecida como Filosofia da Educação e até mesmo, de se eximir dos problemas que estão ao nosso redor, dos problemas do cotidiano, da sociedade, de nossa família e de tudo que nos for possível. Não refletir e não querer refletir sobre as questões que nos afligem de forma: Direta na qualidade de professor, de coordenador / diretor, de pai que tem um
filho em “X” escola; Indireta como quem é da comunidade local e convive com os problemas de crianças/jovens / adolescentes e porque não adultos da comunidade local, como permite a chamada Educação de Jovens e Adultos EJA. São caminhos de escusar-se, desobrigar-se assistindo, recobramos a metáfora, em posição de quem está no fundo da caverna. Culpando o governo, a falta de recursos, a ausência de computadores com internet, de cursos na escola, etc. Não que isso não ocorra, mas a questão é que, ao se libertar, é preciso voltar e soltar da corrente quem fica e essa atitude hoje é: entrar nos conselhos de escola, nas associações de bairro, ministrar cursos na comunidade local ou procurar quem o faça é fazer política apartidária inteirando-se do ocorrido na sociedade local. Ser escravo da moda que dita essa ou aquela atriz, dos jargões que nos impõem as novelas esse ou aquele programa da TV é renovar a forma de
cavernosoe o que precisamos é na verdade de nos livrar, nos libertar. A metodologia precisa ser repensada, mas não se pode deixar de pensar que são muitos os aspectos a ser repensados, afinal: reformular métodos de ensino, garantir infraestrutura, uso de mais tecnologia, os problemas de não aprendizado ou até de como nos relatam as mães de aprendizado e outros problemas que são inúmeros, se há problema, há de haver solução. A base de muitos, ou quiçá, podemos dizer de todos é sine qua non respeito entre os iguais. Sem isso, não há sabedoria, não há evolução com ou sem recursos e internet. Com seja lá o que for que tivermos, não podemos dispensar o básico, para atribuir ao secundário o valor primordial.