UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCO - UNDB

CURSO: BACHARELADO EM DIREITO

 

 

 

 

FLÁVIO RÊGO CORDEIRO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DO INQUÉRITO POLICIAL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SÃO LUÍS/MA

2015

CORDEIRO, Flavio Rego. Do inquérito policial.  Artigo Científico – Universidade Dom Bosco. São Luís/MA: UNDB, 2015.

 

 

RESUMO

O presente trabalho baseado no tema O Inquérito Policial e sua Imprescindibilidade têm como objetivo, analisar o grau de importância do inquérito policial e o seu valor probatório no âmbito da atividade persecutória no Estado Democrático de Direito. Adotou-se como forma metodológica pesquisa bibliográfica. Observou-se ideias contraditórias, buscando verificar até onde é real a verdadeira importância do inquérito policial, bem como, sua imprescindibilidade na persecução penal. Após uma abrangente pesquisa nas fontes já citadas verificou-se tratar o tema de um questionamento pertinente, tendo em vista posicionamentos antagônicos quanto à valoração do inquérito policial. Ao tempo em que há afirmações que dizem tratar-se de um instrumento administrativo, peça meramente informativa e prescindível, há outros que o consideram como fundamental no processo de persecução penal, destacando entre outros o conjunto probatório não repetível, sem o qual dificilmente o Ministério Público teria fundamentação para efetivação da denúncia e até o corpo de jurados para uma decisão final. Sabe-se também que o Inquérito Policial tem como uma de suas características o não exercício do contraditório e a ampla defesa consignados na Carta Magna do país. Isto posto, procurou-se desenvolver no trabalho uma amostragem mais detalhada sobre o questionamento, priorizando-se a corrente que julga-se adequada em frente à teoria e à prática.

 PALAVRAS CHAVE: Inquérito Policial.  Imprescindibilidade.  Persecução  Penal.

ABSTRACT: This work based on the theme The police inquiry and its indispensability aims to analyze the degree of importance of the police investigation and its probative value under the persecutory activity in a democratic state. Observed contradictory ideas, which is seeking to verify the real true importance of the police investigation, as well as its indispensability in criminal prosecution. After a comprehensive research on the sources already cited it was found addressing the issue of a pertinent question, given antagonistic positions regarding the valuation of the police investigation. At the time, there are statements that say that this is an administrative instrument, ask for information only and avoidable, there are others who see it as essential in the prosecution process, highlighting among others the evidential set unrepeatable, without which hardly Ministry public execution would have grounds for the complaint and to the jury for a final decision. It is also known that the police inquiry has as one of its features no exercise of the contest and ample defense enshrined in the Constitution of the country. That said, we tried to develop a more detailed work on the sampling questioning, prioritizing the current judges to be appropriate in front of theory and practice.

 

KEY WORDS: Police Inquiry. Indispensability. Criminal prosecution.


 

1 INTRODUÇÃO

A Polícia Civil exerce uma importante função no Estado brasileiro. Os crimes quase sempre exigem um trabalho prévio de investigação para serem adequadamente solucionados. Inúmeras vezes o órgão de acusação não dispõe de elementos para acusar o infrator e necessita de uma investigação criteriosa para formar a sua convicção acerca do fato delituoso.

A atividade de investigação da Policia Judiciária exerce o importante papel de fornecer ao Ministério Público elementos indiciários e probatórios que possam auxiliar na formação de um juízo acerca da autoria e da materialidade do crime, dando assim embasamento para o oferecimento ou não da denúncia pelo Ministério Público. O poder de punir do Estado não é livre. Ele deve obedecer a parâmetros fixados pela Constituição e pelo legislador ordinário. Dentro desses parâmetros está a fiel obediência ao princípio da presunção de inocência e da ampla defesa. Assim, um indivíduo só pode ser indiciado, denunciado e condenado com a presença de elementos probatórios válidos para a formação de um juízo acerca da sua conduta.

Pretende-se através do presente trabalho fazer uma análise da importância do Inquérito Policial no Estado Democrático de Direito, no âmbito da atividade persecutória do Estado notadamente quanto à sua importância como instrumento primário na persecução penal brasileira, observando nesse contexto o acervo doutrinário e jurisprudencial sobre o tema em apreço. Sabe-se que o inquérito policial é considerado por um elevado índice de doutrinadores e tribunais nacionais, como um instrumento administrativo, meramente informativo sem valor probatório, visto tratar-se da fase inicial da persecução penal, onde não estão presentes as garantias constitucionais do direito ao contraditório e à ampla defesa.

Baseando-se em tais argumentos, afirma-se que o instrumento em tela é prescindível, havendo até a possibilidade da sua dispensa, desde que o Parquet disponha de outros embasamentos para sua denúncia. Diante de tal argumentação questiona-se: é de fato o inquérito policial prescindível como alguns entendem?

Qual seria então o verdadeiro sentido e importância deste instrumento de previsão legal, tanto para os que de forma abnegada o elaboram como para quem ele é dirigido na consagração da justiça? A que limites iria esta dispensabilidade? Qual a confiabilidade de outros meios que segundo alguns doutrinadores têm a possibilidade de substituir o inquérito policial, e subsidiar embasamento ao Ministério Público a denunciar alguém?

Buscando-se também embasamento na própria legislação vigente, corrente doutrinária favorável à imprescindibilidade do Inquérito Policial na importância do conjunto probatório levantado durante a instauração do mesmo que não são repetíveis no processo, procurar-se-á responder as indagações sobre o tema, bem como, formar um entendimento quanto à importância do inquérito policial como instrumento de persecução do sistema penal brasileiro.

Adotaram-se como forma metodológica aspectos qualitativos em pesquisa bibliográfica, buscando-se fundamentação legal na Constituição Federal 1988, no Código de Processo Penal, e informações complementares em doutrinadores contemporâneos.


1 DO INQUÉRITO POLICIAL

 

1.1 O PODER PUNITIVO

 

O Estado detém o jus puniendi (do latim: direito de punir). Sempre que alguém viola bem jurídico tutelado pela norma penal, o Estado deve intervir para investigar e punir o violador. Porém, conforme prescreve a legislação, não é livre o poder punitivo. Não é uma atividade discricionária.

Por tal razão, Mirabete (2003, p. 24) ensina:

 

Nessa hipótese, em que se lesa, ou põe em perigo direito que interessa à própria sociedade, o Estado, cuja finalidade é a consecução do bem comum, investido por isso no direito de punir (jus puniendi), institui sanções penais contra o infrator. Esse direito de punir do Estado, entretanto, não é arbitrário, mas sim delimitado [...] é previsto na Constituição Federal de 1988: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5º, inciso XXXIX).

 

A investigação e a aplicação da pena ocorrem segundo parâmetros fixados em lei. Não há dúvidas acerca da necessidade de um processo penal para a aplicação da sanção penal. E, também, não há dúvidas sobre a necessidade de elementos probatórios robustos para a instauração da ação penal.

Neste sentido assevera Mirabete (2003, p. 73):

 

Para que se proponha a ação penal, entretanto, é necessário que o Estado disponha de um mínimo de elementos probatórios que indiquem a ocorrência de uma infração e de sua autoria. O meio mais comum, embora não exclusivo, para a colheita desses elementos é o inquérito policial [...] cabe à polícia judiciária, exercida pelas autoridades policiais, a atividade destinada à apuração das infrações penais e da autoria por meio do inquérito policial, preliminar ou preparatório da ação penal. À soma dessa atividade investigatória com a ação penal promovida pelo Ministério Público ou ofendido se dá o nome de persecução penal (persecutio criminis) [...] Persecução penal significa, portanto, a ação de perseguir o crime.

 

O poder punitivo não é livre. O próprio Estado delimitou-o. Muccio (2000, p. 39) assim declara:

Concluí-se, pois que o estado, não pode punir ao seu alvedrio, antes é necessário existir uma norma que diga constituir infração penal esta ou aquela conduta, autorizando-o a infligir à pena àquele que a transgredir. O princípio da reserva legal – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal [...] inserto na Constituição Federal (art. 5º, XXXIX), reproduzido no art. 1º do Código Penal, constitui a primeira limitação ao direito de punir do Estado.

 

Para buscar elementos necessários para iniciar o processo e exercer a sua pretensão punitiva, o Estado dispõe de órgãos que são encarregados da persecução penal. A atividade de investigação pela policia é fundamental e não deve ser realizada por nenhum outro órgão estatal.

 

Por tal razão, assim afirma Lopes Júnior (2008, p. 220):

 

É o modelo adotado pelo Direito brasileiro, que atribui à polícia a tarefa de investigar e averiguar os fatos constantes na notícia-crime. Essa atribuição é normativa e a autoridade policial atua como verdadeiro titular da investigação preliminar. No modelo agora analisado, a polícia não é mero auxiliar, senão o titular, com autonomia par decidir sobre as formas e os meios empregados na investigação e, inclusive, não se pode afirmar que exista uma subordinação e relação aos juízes e promotores.

 

Ora, sabe-se que a persecução penal envolve a atividade de investigação e a própria ação penal.

Na fase da investigação, que é preliminar e informativa, a Polícia Judiciária busca elementos de provas a respeito da suposta infração penal para que no segundo momento o órgão do Ministério Público ofereça a ação penal.

A Polícia Judiciária vai num primeiro momento dar impulso à persecução penal, agindo, de modo referido por Lopes Júnior (2008, p. 220), com autonomia, escolhendo quais as formas e linhas de investigação. Sem se submeter hierarquicamente ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.

Sua função é auxiliá-los em suas atividades, e cumprir as requisições que são encaminhadas a ela. Sabe-se que essa atividade investigativa geralmente se opera através do inquérito policial. Na fase pré-processual, os objetivos da Policial Judiciária são o esclarecimento do fato tido como delituoso e o levantamento de material probatório para a atuação do Ministério Público, que se concretiza através do Inquérito Policial.

A atividade policial ocorre essencialmente através do inquérito policial. O inquérito policial está regulamentado pelo Código de Processo Penal -  Os artigo 4º ao 23º se dedicam ao estudo de toda a estrutura e características do procedimento. Diz o artigo 4º, parágrafo único do Código de Processo Penal que a “polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”.

O inquérito policial é o procedimento realizado pela Polícia Judiciária. Intenta reunir provas sobre a materialidade e a autoria do delito. Através do inquérito policial serão formalizadas todas as provas reunidas na investigação que terão como destinatário o titular da ação penal.

Em suas considerações sobre inquérito policial Barbosa (2011, p. 30-31) assim declara:

A necessidade de se institualizar a aplicação das sanções aos indivíduos que pratiquem atos em dissonância com os valores caracterizados como aceitáveis pela sociedade é o fundamento para a legitimidade do Direito Penal. Assim, o jus puniendi do Estado somente pode ser deduzido em juizo mediante uma ação penal em que se terá, ao final desta, argumentos suficientes para aplicação ou não de uma sanção pelo Estado. Entretanto, para iniciar-se a ação penal, é necessário que o Estado tenha um mínimo de elementos probatórios que justifiquem a instauraçao de procedimentos consagrados no Código de Processo Penal para se apurar a culpabilidade ou não do indivíduo. Esta é a função do Inquérito Policial. O Supremo Tribunal Federal, por meio de acórdão relatado pelo Ministro Pedro Chaves, proclamou que:”O Inquérito Policial é um procedimento investigatório, informativo de natureza inquisitorial. Serve de orientação para o titular da ação penal.

 

Verifica-se, portanto, que o inquérito policial, embora visto por alguns apenas como instrumento informativo e peça administrativa, não perde sua importância na perscecução penal, pois é nessas informaçoes preliminares e no conjunto de provas não repetíveis, que o representante do Ministério Público se baseia para oferecimento ou não da denúncia, bem como, o juiz na formulação de sua sentença.

 

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

 

Na história da humanidade sabe-se que sempre foram adotadas formas variadas por diferentes povos e épocas para se apurarem os atos considerados ilícitos, seus responsáveis e suas respectivas punições.

Na antiga Grécia havia um sistema investigatório dos que eram escolhidos magistrados. Já os romanos,  delegavam através do magistrado poderes à vítima ou familiares para investigar o crime e localizar o criminoso, fazendo asssim o que seria hoje o papel da Polícia Judiciária na instauração do inquérito policial, sistema este denominado de inquisitos. Posteriormente este sistema evoluiu, concedendo oportunidade ao acusado de defender-se, podendo vir a ser inocentado. Há informações de que historicamente o inquérito policial teve sua origem em Roma.

No Brasil, no que tange a evolução histórica, sabe-se que em um processo evolutivo do legislativo, em 20 de setembro de 1871, foi editada a Lei 2.033, que fazia separação entre as funções dos magistrados e policiais. A lei em apreço, no seu art. 10 normatizava as atividades dos policiais assim definidas:

 

Para formação da culpa nos crimes comuns as autoridaes policiais deverão em seus distritos proceder as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos e suas circunstâncias, e transmitirão aos Promotores Públicos com os autos do corpo de delito a indicação de testemunhas mais idôneas, todos os esclarecimentos coligidos.

 

 

O decreto nº 4.824, de 28 de novembro de 1871, regulamentou a Lei nº 2033 de 1871 e no seu artigo 42, determinava que o inquérito policial consistia em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, suas circunstâncias, seus autores e cúmplices, surgindo assim no Brasil pela primeira vez a denominação inquérito policial, oportunidade em que são definidas as competências do Chefe de Polícia e dos Delegados de Polícia no artigo 11, parágrafo 2º assim descritas:”Proceder ao inquérito policial e a todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos e suas circunstâncias, inclusive corpo de delito”.

Neste mesmo decreto no seu artigo 42 verifica-se a primeira definiçao jurídica do inquérito policial assim apresentada: “O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circustâncias e de seus autores e cúmplices devendo ser reduzido a instrumento escrito.” Hoje, o Título II do Código de Processo Civil, do artigo 4º ao 23º, regulamenta o inquérito policial desde a competência, estrutura, finalidades, valor probatório, procedimentos e outras proviências.

 

3.3 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

 

Há uma variedade de abordagens autorizadas por autores diferentes sobre Inquérito Policial apresentando o seu conceito de forma mais simplória, como instrumento investigatório da fase primária da persecução criminal que busca acima de tudo esclarecer o fato delituoso, suas circunstâncias e a identificaçao do responsável.

Assim destaca Lopes Júnior (2008, p. 239-241)

 

Inquérito é o ato ou efeito de inquirir, isto é, procurar informações sobre algo, colher informações acerca de um fato, perquirir. O CPP de 1941 denomina a investigação preliminar de inquérito policial em clara alusão ao órgão encarregado da atividade. O inquérito policial é realizado pela polícia judiciária, que será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria (art 4o) [...] Trata-se de um modelo de investigação preliminar policial, de modo que a polícia judiciária leve a cabo o inquérito policial com autonomia e controle. Contudo, depende da intervenção judicial para a adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais.

 

              A dispeito do mesmo conceito Mirabete (2003, p. 78) afirma:

 

Inquérito policial é todo o procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de obter na instrução judiciária, como auto de prisão em flagrante, exames periciais, etc.

 

              Muccio assim o conceitua (2000, p. 59)

 

Trata-se de um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e da sua autoria. Seu objetivo precípuo é a formação da convicção do representante do Ministério Público, mas também a colheita de provas urgentes, que podem desaparecer, após o cometimento do crime, bem como a composição das indispensáveis provas pré-constituídas que servem de base à vitima, em determinados casos, para a propositura da ação privada.

 

              Finalmente Barbosa (2011, p. 28-29), em seu livro, Inquérito Policial, faz as seguintes assertivas e citações concernentes ao conceito de Inquérito Policial:

 

O Inquérito Policial é um dos mais importantes instrumentos contra a criminalidade, pois é nele, por meio da Polícia Judiciária, que o Estado colhe elementos de autoria e materialidade para assim fornecer subsídios para oferecimento da denúncia ou queixa (...) a doutrina ensina quase de modo unânime que o Inquérito Policial consiste na investigaçao do fato, de sua materialidade e da autoria, ultimada pela denominada polícia judiciária. Assim, se ostentando como um procedimento administrativo persecutório de instrução provisória, destinado a preparar a ação penal.(...) Inquérito Policial é, pois, um procedimento administrativo, investigatório, elaborado pela polícia judiciária sob a presidência do Delegado de Polícia e tem, como finalidade colher todas as provas da existência da infração penal, das suas circunstâncias e de sua autoria. É o que se deduz do artigo 144, § 4º, da Constituição Federal, bem como do artigo 4º do Código de Processo Penal.

 

Diante do exposto, nota-se, tratar o Inquérito Policial de um procedimento investigatório, empreendido através de um conjunto de diligências efetuadas pela polícia judiciária, objetivando esclarecer o crime e indicar seu responsável, de forma escrita, que servirá de embasamento ao Ministério Público para composição da denúncia.

Após os conceitos apresentados, far-se-á destaque e análise da natureza jurídica do Inquérito Policial.

O Inquérito Policial não é procedimento em contraditório. É atividade administrativa inquisitiva. Por tal razão tem-se o entendimento consagrado nas Cortes brasileiras de que eventuais irregularidades ocorridas na fase investigatória, dada a natureza inquisitiva do inquérito policial, não contaminam a ação penal (STJ, BRASIL, HC 232.674/SP)

Para alguns, devem ser garantidos ao indiciado todos os direitos e garantias assegurados ao réu no processo penal, conforme estabelece a Constituição Federal de 1988. Outros sustentam a natureza jurídica administrativa e, portanto, sem todas as garantias previstas no processo penal. A segunda corrente é a mais adequada à ordem jurídica brasileira.Inquérito Policial não é processo. Não se confunde com o procedimento penal de produção de provas e condenação ou absolvição de um acusado.

O Inquérito Policial é um procedimento administrativo e extrajudicial. Não existe no Inquérito Policial uma relação jurídica processual. Tem por escopo apenas esclarecer a ocorrência delituosa, ou seja, a materialidade e apontar o autor de um crime.

Como ensina Demarcian (1999, p. 61):

 

O inquérito policial é formado por peças escritas (reduzidas a termo). Porque procura investigar as infrações penais e respectiva autoria, o inquérito apresenta a peculiaridade do sigilo. De fato, de nada valeria, como peça investigatória, se todos os seus atos devessem ser públicos. O sigilo deverá ser resguardado pela própria autoridade que o preside, sempre que necessário para a cabal apuração do fato criminoso (art. 20 do CPP).

 

Neste sentido Mirabete (2003, p. 77-78) se pronuncia também:

 

Não é o inquérito processo, mas procedimento administrativo, destinado a fornecer ao órgão da acusação o mínimo de elementos necessários à propositura da ação penal. Constitui-se em um dos poucos poderes de autodefesa que é reservado ao Estado na esfera da repressão ao crime, com caráter nitidamente inquisitivo, em que o réu é simples objeto de um procedimento administrativo, salvo em situações excepcionais em que a lei o ampara (formalidades do auto de prisão em flagrante, nomeação de curador a menor etc.

 

Por tal razão, o próprio Superior Tribunal de Justiça já afirmou que, no âmbito do inquérito policial, não há contraditório. Disse a Corte que:

 

[...], o juiz, sem perder a imparcialidade, deve agir como fiscal único, sendo sua obrigação não o simples endosso de requerimentos feitos pelo Ministério Público ou pela Polícia, mas a análise cuidadosa da pertinência da medida, ainda mais diante da quebra de uma garantia constitucional (STJ, BRASIL, HC 200.059/RJ).

 

Do contexto apresentado, pode-se afirmar que a principal finalidade do inquérito policial é servir de base e sustentação para a ação penal a ser promovida pelo Ministério Público, bem como fornecer elementos probatórios ao juiz.

Sobre a finalidade, aduz Greco Filho (1995, p. 91), “sua finalidade é a investigação a respeito da existência do fato criminoso e de sua autoria. Não é uma condição ou pré-requisito para o exercício da ação penal, tanto que pode ser substituído por outras peças de informação, desde que suficientes para sustentar a acusação”.

Para Tourinho Filho (2004, p. 60), ”há de se concluir que o inquérito visa à apuração da existência de infração penal e à respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos que autorizem a promovê-la”.

Nesse sentido, merece destaque a seguinte decisão do STJ:

 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. PEÇA MERAMENTE INFORMATIVA. PROPOSITURA DE AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS PRÉ-CONSTITUÍDOS. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.

3. O inquérito civil público, que é um procedimento administrativo e inquisitivo, previsto como função institucional do Ministério Público, nos termos do art. 129, inciso III, da Constituição Federal, pode ser utilizado como elemento probatório hábil para embasar a propositura de ação penal.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido (REsp 750.591/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 30/05/2008, DJe 30/06/2008).

 

No mesmo sentido estão os ensinamentos de Matos, para quem a “natureza do inquérito é fundamentalmente inquisitiva, não havendo nele o contraditório. Nessa fase de persecução criminal, marcada de sigilo, o cidadão indiciado, conforme dito, não é propriamente sujeito de direito, mas apenas objeto de investigação” (1998, p. 65).

A natureza administrativa inquisitorial também repercute quanto a eventual alegação de nulidade causada pela ausência de defensor. Para o STJ, a realização do interrogatório, na fase do Inquérito Policial, sem a presença de seu defensor, não enseja qualquer nulidade, tendo em vista tratar-se de procedimento inquisitivo, no qual não se fazem presentes os princípios do contraditório e da ampla defesa. (STJ, BRASIL, RHC 16.047/MG)

A natureza inquisitiva não implica ausência de direitos por parte do investigado. Claro que a amplitude de direitos fundamentais previstos em favor do denunciado não se aplica integralmente ao Inquérito Policial. Isso não quer dizer a total ausência de direitos.

Existe inclusive Súmula Vinculante sobre o tema. O Supremo Tribunal Federal aprovou a Súmula Vinculante nº 14, com a seguinte redação:

 

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. (STF, BRASIL, Súmula Vinculante nº 14).

 

Ora, o princípio do contraditório está expresso na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e os acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes”.

O texto constitucional refere-se a processo judicial ou administrativo. A questão que se coloca, portanto, é se a garantia constitucional do contraditório se aplica ao Inquérito Policial.

Dias (1974, p. 113) ressalta que:

 

O princípio do contraditório opõe-se, decerto, a uma estrutura puramente inquisitória do processo penal, em que o juiz pudesse proferir a decisão sem previamente ter confrontado o argüido com as provas que contra ele houvesse recolhido – e não faltaram exemplos históricos de processos penais assim estruturados – ou em lhe ter dado, em geral, qualquer possibilidade de contestação da acusação formulada. Exceção feita, porém a casos de estrutura mais asperamente inquisitória, o princípio encabeçado, sobretudo na pessoa do argüido, mereceu sempre geral aceitação – nos direitos antigos (tanto no grego como no romano) como nos medievais (após a recepção pelo direito romano, logo em seguida obscurecida, como se sabe, pelo processo inquisitório) e, de forma inquestionável, nos processos penais “reformados” conseqüentes à Revolução Francesa.

 

Por seu turno, Moraes (2003, p. 124) conceitua:

 

[...] o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.

 

Uma primeira corrente doutrinária - inclusive a que se consolidou no âmbito do STF e do STJ - entende pela não incidência do contraditório ao inquérito policial.

Lopes Júnior (2008, p. 251) rebate os argumentos de tal corrente. Para ele:

 

A postura do legislador constitucional no art. 5º, LV, foi claramente garantidora, e a confusão terminológica (falar em processo administrativo quando deveria ser procedimento) não pode servir de obstáculo para sua aplicação no inquérito policial. Tampouco pode ser alegado que o fato de a Constituição mencionar acusados e não indiciados é um impedimento para sua aplicação na investigação preliminar. Sucede que a expressão utilizada não foi só acusados, e sim acusados em geral, devendo nela ser compreendida também o indiciamento, pois não deixa de ser um imputação em sentido amplo. Em outras palavras, é inegável que o indiciamento representa uma acusação em sentido amplo, pois decorre de uma imputação determinada. Por isso o legislador empregou acusados em geral,para abranger um leque de situações, com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal (vinculada ao exercício da ação penal) e com um claro intuito de proteger também ao indiciado.

 

Também Tucci (1993) defende a aplicação do contraditório na fase investigativa: [...] de modo também induvidoso, reafirmou os regramentos do contraditório e da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes, estendendo sua incidência, expressamente, aos procedimentos administrativos [...] ora, assim sendo, se o próprio legislador nacional entende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento, nele se encarta, à evidência a noção de qualquer procedimento administrativo e, conseqüentemente, a de procedimento administrativo-persecutório de instrução provisória, destinado a preparar a ação penal, que é o inquérito policial. Diante do exposto, conclui-se enfim, que a natureza jurídica do Inquérito Policial, trata-se de um instrumento inquisitivo, desprovido do procedimento em contraditório, pensamento este consagrado nas cortes brasileiras.


CONCLUSÃO

 

Quando alguém viola bem jurídico tutelado pela norma penal cabe ao Estado intervir através dos seus órgãos para investigar e punir o violador. Neste trabalho, diante deste pressuposto do Estado o Jus Puniende, Direito de Punir, destaca-se a polícia judiciária como órgão  oficial, cuja criação e finalidade foi definida na própria Constituição Federal, com o papel maior de investigar os crimes, buscando primordialmente esclarecer o fato e sua autoria, oferecendo assim ao Ministério Público embasamento para sequência da persecução penal em oferecer ou não a denúncia.

Nessa mesma linha de processo investigativo do fato delituoso destaca-se o Inquérito Policial objeto temático do presente trabalho que se demonstrou tratar-se de instrumento primário na persecução penal, e buscou-se saber à luz da legislação brasileira, da opinião de doutrinadores, operadores do direito e confronto com a prática, qual sua importância e possível dispensabilidade ou não no processo judicial brasileiro.

No decorrer da pesquisa notificou-se tratar o Inquérito Policial de um instrumento pré-processual, inquisitivo, desprovido do contraditório e ampla defesa, instaurado sob o comando de um delegado de polícia civil, objetivando oferecer ao ministério público subsídios para seu juízo concernente à possível ação de denúncia.

Verificou-se no tocante ao questionamento quanto à valoração do Inquérito Policial e sua importância na persecução penal e o conjunto probatório levantado quando de sua instauração, ou seja, na fase de investigação preliminar, bem como o possível uso dessas provas na fase processual. Essas provas são classificadas como repetíveis e não repetíveis. Quanto às primeiras, há concordância de que devem ser confirmadas em juízo, oportunizando ao acusado a ampla defesa e o contraditório, que não ocorre na preliminar. Já no que tange às não repetíveis há divergências, alguns defendem que tais provas têm o mesmo valor das produzidas em juízo, outros entendem que deveriam ser levantadas em incidente de produção de provas.

REFERÊNCIAS

 

 

 

BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito Policial 8ª ed. São Paulo: Editora Método 2011.

 

DEMARCIAN, Pedro et. al. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 1999.

 

DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito processual penal. Coimbra: Coimbra, 1974.

 

LOPES JUNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: fundamentos da instrumentalidade constitucional. 4ª.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008

 

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13ª.ed. São Paulo: Atlas, 2003.

 

MUCCIO, Hidejalma. Curso de Processo Penal. São Paulo: Edipro, 2000.

 

TUCCI, Rogério Lauria; CRUZ, José Rogério. Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.