DO CHÃO DA ESCOLA AO CÉU DAS IDÉIAS.

Marcelo de Oliveira Pinto
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Por onde começar uma discussão sobre problemática relacionada a autonomia dos educadores/as? Bom, poderia simplesmente ater-me aos grandes teóricos do ramo, ou a simples voz da experiência docente. Mas, se essa teoria não se relaciona com a prática ela corre o risco de “ir virando blablablá e a prática, ativismo.”

Por isso, no decorrer das linhas deste texto, buscaremos o entrelace entre teoria e prática, que ao meu entender não há como não coexistirem pois, dentro uma prática so-cial reconhecida e legitimada, como é a prática docente, mesmo o simples relato de um dos sujeitos que a praticam está impregnado de toda teoria que eleva este a condição de docente, sem renegar os ganhos da experiência vivencial..

Estando isto disposto claramente, a intenção deste artigo é discutir a relação da autonomia dos educadores/as e a ligação desta com o processo de formação inicial e continuado dos sujeitos desta prática. Processo este, que se arrasta através de uma es-pessa nuvem de ambigüidades e paradoxos os quais nunca conseguem se dissipar total-mente.

O primeiro passo para o elucidar a discussão é definir a qual  tipo de autonomia pretendemos defender. Bem, ao pensar na palavra autonomia logo me vem a mente o infinito número de vezes que escutamos, esta em situações diversas, tornando-a quase um senso comum. Todos tentam alcançá-la, “Tenho de
tornar-me autônomo”, ou “Deixe de ir pela idéia dos outros seja autônomo”, e ainda, “Em sala de aula o professor tem de exercer sua autonomia”.

Semanticamente, autonomia  vem do grego “autonomia”, palavra formada pelo adjetivo pronominal autos que significa ao mesmo tempo “o mesmo”, “ele mesmo” e “por si mesmo” e nomos que significa “compartilhamento”, “lei do compartilhar”, “instituição”, “uso”, “lei”, “convenção”. Nesse sentido, autonomia significa propria-mente a competência humana em dar-se suas próprias leis.

Filosoficamente, autonomia  indica “a condição de uma pessoa ou de uma coleti-vidade, capaz de determinar por ela mesma a lei à qual se submeter”. Seu antônimo é “heteronomia”.

Assim autonomia deriva do pressuposto de que aquele que obedece à lei obedece apenas a si próprio, ou seja, é livre. Freud  mostra que o formalismo destas concepções oculta motivações pouco compatíveis com a pura razão. Os julgamentos de valor estão mais comprometidos com interpretações particulares do que desejariam admitir os par-tidários da norma moral isenta de qualquer interesse.

Por isso, a autonomia que proponho abandona de imediato idéias e significados ortodoxos e rígidos e, trilha o caminho das múltiplas possibilidades afluentes. Até por-que, nem sempre a coerência lógica das definições expõe todas as nuanças da complexi-dade que envolve a realidade.

Concordo que seja preservada a identificação entre autonomia e liberdade indivi-dual porém, não embasada na idéia do agir para mim mas, no agir útil. Nesse ponto chegamos a proposta de não mais pensar autonomia como sendo a autodeterminação de um indivíduo e sim, que esta torne-se uma entre as múltiplas possibilidades de leitura.

É esta visão de autonomia, traçada no interior do grupo de pesquisa “Formação Continuada de Professores Alfabetizadores do Município de Duque de Caxias”  que nos leva a genial abordagem feita por Freire em sua Pedagogia da Autonomia onde, em mi-nha opinião, este aborda genialmente algumas questões inerentes a formação integral dos educadores/as sugerindo práticas mostrando possibilidades em que estes podem estabelecer um link com as novas demandas de educandos que residem hoje na escola.

 Assim defini-se a proposta autônoma a qual se pauta este trabalho. Uma autono-mia construída através do suor que respinga do rosto de todos os indivíduos envolvidos no processo, onde as verdades particulares são levadas em conta a fim de definir-se uma verdade superior a pessoal. Aquela que exprime o bem comum do grupo, do coletivo pensante. 

Só podemos educar para autonomia, para a liberdade com autonomia e liberdade. Aqui adentramos na discussão que move a fase atual de investigação do grupo de pes-quisa. O que a formação tem haver com a autonomia docente?

A questão 14 do questionário aplicado durante o  trabalho de campo de nossa pes-quisa, dizia o seguinte: Para a elaboração das atividades de formação continuada ofere-cidas aos professores do Ciclo de Alfabetização sua opinião tem sido considerada? De um público de 212 (duzentos e doze) docentes, 117 (cento e dezessete), ou seja, 53,4% disseram que não. E uma ressalva ainda cabe neste item, dos que responderam sim (26,9%) a grande maioria referia-se  aos grupos de estudo da escola e não a política de Formação Continuada, ofertada oficialmente pela rede.

Isso nos leva a conclusão de que como diz Freire falta a “corporeificação das pa-lavras pelo exemplo”  ou seja, ensinar não é só falar mas, comunicar-se com credibili-dade. Como passar credibilidade de algo que não acredita.

Hoje o educador é convocado, talvez intimado, a educar para a liberdade para a autonomia a fim de elevar seu educando a condição de cidadão consciente e  ativo em seu processo de formação. Como representar uma prática que lhe é negada em sue pró-prio momento de formação? Como ensinar algo que não pode praticar?

Os sistemas modernos de ensino, embriagados  da mentalidade neoliberal tecni-cista, avançam em prol de uma proposta de sufocamento da visão do educador como artificie de sua própria prática em busca daqueles que são excelentes bonecos de ven-tríloquo, meros repetidores que perpetuam uma sociedade vantajosa aos donos do capi-tal. Os segregadores do saber social, os seguidores dos “bons” especialistas.

Já em Freire encontramos o oposto desta proposta neoliberal. Encontramos em su-as pedagogias, em especial na Pedagogia da Autonomia, a esperança e as bases funda-mentais para o surgimento de educadores prontos a atuar em busca de uma educação de qualidade para as classes populares.

Graças as obras de Freire, podemos perceber que o pobre, o segregado, o carente tem sua pedagogia própria. Estes possuem uma especificidade para aprender tão rica quanto a dos filhos do capital. E que cultura, não se resume só ao que encontramos no Louvre ou no Museu de Belas Artes, é algo muito mais amplo, diversificado e social-mente complementar ao ato de ensinar.

Reside na ousadia de ser educador a responsabilidade de estar aberto ao novo, ao improvável e ao improviso. É isso que devemos buscar resgatar durante o processo de formação de docentes, a visão de que a educação não é só ciência, é também arte. E aquele que ousa adentrar a porta do saber deve estar sempre em busca do saber fazer e, como o artista, deve elevar sua prática além de uma simples profissão e fazer desta seu projeto de vida.

E para que este projeto obtenha sucesso deve ser erguido em dois pilares impor-tantes: na Autonomia e no Amor.

Alguns incrédulos provavelmente perguntarão: “Mas o amor não é um sentimento impossível de definir, de se prever em linhas racionais?”.

A estes eu respondo, é justamente por isso que este deve ser alicerce para a cons-trução de uma concepção humanizadora da prática docente. Pois, reflete o mais impor-tante estado do ser humano, a imprevisibilidade.

Que bom que somos assim, únicos. E é assim que devemos ser tratados e tratar a cada um de nossos educandos, não com a hipócrita igualdade mas, com a veracidade da justiça, respeitando suas diferenças.

Com Paulo, Ivo pode nunca ter visto a uva, mas passou a ver o mundo de uma forma legível. A pedagogia de Paulo Freire encaminha a prática da formação inicial e continuada dos docentes a um patamar onde esta pode alçar vôo do chão da escola e planar sobre o céu das idéias.

Referências Bibliográficas

CASTORIADIS,  Carlos. Physis e autonomia. Milão: Feltrinell, 1988.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

FREUD, Sigmund. O ideal do ego. Rio de Janeiro: Imago, 1980.

WARTBURG, Walther von W. Dicionário Etimológico da língua francesa. 5.ed. Paris: PUF, 1968.