Do Chão Da Escola Ao Céu Das Idéias
Publicado em 29 de março de 2008 por Marcelo de Oliveira Pinto
DO CHÃO DA ESCOLA AO CÉU DAS IDÉIAS.
Marcelo de Oliveira Pinto
[email protected]
Por onde começar uma discussão sobre problemática relacionada a autonomia dos educadores/as? Bom, poderia simplesmente ater-me aos grandes teóricos do ramo, ou a simples voz da experiência docente. Mas, se essa teoria não se relaciona com a prática ela corre o risco de “ir virando blablablá e a prática, ativismo.”
Por isso, no decorrer das linhas deste texto, buscaremos o entrelace entre teoria e prática, que ao meu entender não há como não coexistirem pois, dentro uma prática so-cial reconhecida e legitimada, como é a prática docente, mesmo o simples relato de um dos sujeitos que a praticam está impregnado de toda teoria que eleva este a condição de docente, sem renegar os ganhos da experiência vivencial..
Estando isto disposto claramente, a intenção deste artigo é discutir a relação da autonomia dos educadores/as e a ligação desta com o processo de formação inicial e continuado dos sujeitos desta prática. Processo este, que se arrasta através de uma es-pessa nuvem de ambigüidades e paradoxos os quais nunca conseguem se dissipar total-mente.
O primeiro passo para o elucidar a discussão é definir a qual tipo de autonomia pretendemos defender. Bem, ao pensar na palavra autonomia logo me vem a mente o infinito número de vezes que escutamos, esta em situações diversas, tornando-a quase um senso comum. Todos tentam alcançá-la, “Tenho de
tornar-me autônomo”, ou “Deixe de ir pela idéia dos outros seja autônomo”, e ainda, “Em sala de aula o professor tem de exercer sua autonomia”.
Semanticamente, autonomia vem do grego “autonomia”, palavra formada pelo adjetivo pronominal autos que significa ao mesmo tempo “o mesmo”, “ele mesmo” e “por si mesmo” e nomos que significa “compartilhamento”, “lei do compartilhar”, “instituição”, “uso”, “lei”, “convenção”. Nesse sentido, autonomia significa propria-mente a competência humana em dar-se suas próprias leis.
Filosoficamente, autonomia indica “a condição de uma pessoa ou de uma coleti-vidade, capaz de determinar por ela mesma a lei à qual se submeter”. Seu antônimo é “heteronomia”.
Assim autonomia deriva do pressuposto de que aquele que obedece à lei obedece apenas a si próprio, ou seja, é livre. Freud mostra que o formalismo destas concepções oculta motivações pouco compatíveis com a pura razão. Os julgamentos de valor estão mais comprometidos com interpretações particulares do que desejariam admitir os par-tidários da norma moral isenta de qualquer interesse.
Por isso, a autonomia que proponho abandona de imediato idéias e significados ortodoxos e rígidos e, trilha o caminho das múltiplas possibilidades afluentes. Até por-que, nem sempre a coerência lógica das definições expõe todas as nuanças da complexi-dade que envolve a realidade.
Concordo que seja preservada a identificação entre autonomia e liberdade indivi-dual porém, não embasada na idéia do agir para mim mas, no agir útil. Nesse ponto chegamos a proposta de não mais pensar autonomia como sendo a autodeterminação de um indivíduo e sim, que esta torne-se uma entre as múltiplas possibilidades de leitura.
É esta visão de autonomia, traçada no interior do grupo de pesquisa “Formação Continuada de Professores Alfabetizadores do Município de Duque de Caxias” que nos leva a genial abordagem feita por Freire em sua Pedagogia da Autonomia onde, em mi-nha opinião, este aborda genialmente algumas questões inerentes a formação integral dos educadores/as sugerindo práticas mostrando possibilidades em que estes podem estabelecer um link com as novas demandas de educandos que residem hoje na escola.
Assim defini-se a proposta autônoma a qual se pauta este trabalho. Uma autono-mia construída através do suor que respinga do rosto de todos os indivíduos envolvidos no processo, onde as verdades particulares são levadas em conta a fim de definir-se uma verdade superior a pessoal. Aquela que exprime o bem comum do grupo, do coletivo pensante.
Só podemos educar para autonomia, para a liberdade com autonomia e liberdade. Aqui adentramos na discussão que move a fase atual de investigação do grupo de pes-quisa. O que a formação tem haver com a autonomia docente?
A questão 14 do questionário aplicado durante o trabalho de campo de nossa pes-quisa, dizia o seguinte: Para a elaboração das atividades de formação continuada ofere-cidas aos professores do Ciclo de Alfabetização sua opinião tem sido considerada? De um público de 212 (duzentos e doze) docentes, 117 (cento e dezessete), ou seja, 53,4% disseram que não. E uma ressalva ainda cabe neste item, dos que responderam sim (26,9%) a grande maioria referia-se aos grupos de estudo da escola e não a política de Formação Continuada, ofertada oficialmente pela rede.
Isso nos leva a conclusão de que como diz Freire falta a “corporeificação das pa-lavras pelo exemplo” ou seja, ensinar não é só falar mas, comunicar-se com credibili-dade. Como passar credibilidade de algo que não acredita.
Hoje o educador é convocado, talvez intimado, a educar para a liberdade para a autonomia a fim de elevar seu educando a condição de cidadão consciente e ativo em seu processo de formação. Como representar uma prática que lhe é negada em sue pró-prio momento de formação? Como ensinar algo que não pode praticar?
Os sistemas modernos de ensino, embriagados da mentalidade neoliberal tecni-cista, avançam em prol de uma proposta de sufocamento da visão do educador como artificie de sua própria prática em busca daqueles que são excelentes bonecos de ven-tríloquo, meros repetidores que perpetuam uma sociedade vantajosa aos donos do capi-tal. Os segregadores do saber social, os seguidores dos “bons” especialistas.
Já em Freire encontramos o oposto desta proposta neoliberal. Encontramos em su-as pedagogias, em especial na Pedagogia da Autonomia, a esperança e as bases funda-mentais para o surgimento de educadores prontos a atuar em busca de uma educação de qualidade para as classes populares.
Graças as obras de Freire, podemos perceber que o pobre, o segregado, o carente tem sua pedagogia própria. Estes possuem uma especificidade para aprender tão rica quanto a dos filhos do capital. E que cultura, não se resume só ao que encontramos no Louvre ou no Museu de Belas Artes, é algo muito mais amplo, diversificado e social-mente complementar ao ato de ensinar.
Reside na ousadia de ser educador a responsabilidade de estar aberto ao novo, ao improvável e ao improviso. É isso que devemos buscar resgatar durante o processo de formação de docentes, a visão de que a educação não é só ciência, é também arte. E aquele que ousa adentrar a porta do saber deve estar sempre em busca do saber fazer e, como o artista, deve elevar sua prática além de uma simples profissão e fazer desta seu projeto de vida.
E para que este projeto obtenha sucesso deve ser erguido em dois pilares impor-tantes: na Autonomia e no Amor.
Alguns incrédulos provavelmente perguntarão: “Mas o amor não é um sentimento impossível de definir, de se prever em linhas racionais?”.
A estes eu respondo, é justamente por isso que este deve ser alicerce para a cons-trução de uma concepção humanizadora da prática docente. Pois, reflete o mais impor-tante estado do ser humano, a imprevisibilidade.
Que bom que somos assim, únicos. E é assim que devemos ser tratados e tratar a cada um de nossos educandos, não com a hipócrita igualdade mas, com a veracidade da justiça, respeitando suas diferenças.
Com Paulo, Ivo pode nunca ter visto a uva, mas passou a ver o mundo de uma forma legível. A pedagogia de Paulo Freire encaminha a prática da formação inicial e continuada dos docentes a um patamar onde esta pode alçar vôo do chão da escola e planar sobre o céu das idéias.
Referências Bibliográficas
CASTORIADIS, Carlos. Physis e autonomia. Milão: Feltrinell, 1988.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
FREUD, Sigmund. O ideal do ego. Rio de Janeiro: Imago, 1980.
WARTBURG, Walther von W. Dicionário Etimológico da língua francesa. 5.ed. Paris: PUF, 1968.
Marcelo de Oliveira Pinto
[email protected]
Por onde começar uma discussão sobre problemática relacionada a autonomia dos educadores/as? Bom, poderia simplesmente ater-me aos grandes teóricos do ramo, ou a simples voz da experiência docente. Mas, se essa teoria não se relaciona com a prática ela corre o risco de “ir virando blablablá e a prática, ativismo.”
Por isso, no decorrer das linhas deste texto, buscaremos o entrelace entre teoria e prática, que ao meu entender não há como não coexistirem pois, dentro uma prática so-cial reconhecida e legitimada, como é a prática docente, mesmo o simples relato de um dos sujeitos que a praticam está impregnado de toda teoria que eleva este a condição de docente, sem renegar os ganhos da experiência vivencial..
Estando isto disposto claramente, a intenção deste artigo é discutir a relação da autonomia dos educadores/as e a ligação desta com o processo de formação inicial e continuado dos sujeitos desta prática. Processo este, que se arrasta através de uma es-pessa nuvem de ambigüidades e paradoxos os quais nunca conseguem se dissipar total-mente.
O primeiro passo para o elucidar a discussão é definir a qual tipo de autonomia pretendemos defender. Bem, ao pensar na palavra autonomia logo me vem a mente o infinito número de vezes que escutamos, esta em situações diversas, tornando-a quase um senso comum. Todos tentam alcançá-la, “Tenho de
tornar-me autônomo”, ou “Deixe de ir pela idéia dos outros seja autônomo”, e ainda, “Em sala de aula o professor tem de exercer sua autonomia”.
Semanticamente, autonomia vem do grego “autonomia”, palavra formada pelo adjetivo pronominal autos que significa ao mesmo tempo “o mesmo”, “ele mesmo” e “por si mesmo” e nomos que significa “compartilhamento”, “lei do compartilhar”, “instituição”, “uso”, “lei”, “convenção”. Nesse sentido, autonomia significa propria-mente a competência humana em dar-se suas próprias leis.
Filosoficamente, autonomia indica “a condição de uma pessoa ou de uma coleti-vidade, capaz de determinar por ela mesma a lei à qual se submeter”. Seu antônimo é “heteronomia”.
Assim autonomia deriva do pressuposto de que aquele que obedece à lei obedece apenas a si próprio, ou seja, é livre. Freud mostra que o formalismo destas concepções oculta motivações pouco compatíveis com a pura razão. Os julgamentos de valor estão mais comprometidos com interpretações particulares do que desejariam admitir os par-tidários da norma moral isenta de qualquer interesse.
Por isso, a autonomia que proponho abandona de imediato idéias e significados ortodoxos e rígidos e, trilha o caminho das múltiplas possibilidades afluentes. Até por-que, nem sempre a coerência lógica das definições expõe todas as nuanças da complexi-dade que envolve a realidade.
Concordo que seja preservada a identificação entre autonomia e liberdade indivi-dual porém, não embasada na idéia do agir para mim mas, no agir útil. Nesse ponto chegamos a proposta de não mais pensar autonomia como sendo a autodeterminação de um indivíduo e sim, que esta torne-se uma entre as múltiplas possibilidades de leitura.
É esta visão de autonomia, traçada no interior do grupo de pesquisa “Formação Continuada de Professores Alfabetizadores do Município de Duque de Caxias” que nos leva a genial abordagem feita por Freire em sua Pedagogia da Autonomia onde, em mi-nha opinião, este aborda genialmente algumas questões inerentes a formação integral dos educadores/as sugerindo práticas mostrando possibilidades em que estes podem estabelecer um link com as novas demandas de educandos que residem hoje na escola.
Assim defini-se a proposta autônoma a qual se pauta este trabalho. Uma autono-mia construída através do suor que respinga do rosto de todos os indivíduos envolvidos no processo, onde as verdades particulares são levadas em conta a fim de definir-se uma verdade superior a pessoal. Aquela que exprime o bem comum do grupo, do coletivo pensante.
Só podemos educar para autonomia, para a liberdade com autonomia e liberdade. Aqui adentramos na discussão que move a fase atual de investigação do grupo de pes-quisa. O que a formação tem haver com a autonomia docente?
A questão 14 do questionário aplicado durante o trabalho de campo de nossa pes-quisa, dizia o seguinte: Para a elaboração das atividades de formação continuada ofere-cidas aos professores do Ciclo de Alfabetização sua opinião tem sido considerada? De um público de 212 (duzentos e doze) docentes, 117 (cento e dezessete), ou seja, 53,4% disseram que não. E uma ressalva ainda cabe neste item, dos que responderam sim (26,9%) a grande maioria referia-se aos grupos de estudo da escola e não a política de Formação Continuada, ofertada oficialmente pela rede.
Isso nos leva a conclusão de que como diz Freire falta a “corporeificação das pa-lavras pelo exemplo” ou seja, ensinar não é só falar mas, comunicar-se com credibili-dade. Como passar credibilidade de algo que não acredita.
Hoje o educador é convocado, talvez intimado, a educar para a liberdade para a autonomia a fim de elevar seu educando a condição de cidadão consciente e ativo em seu processo de formação. Como representar uma prática que lhe é negada em sue pró-prio momento de formação? Como ensinar algo que não pode praticar?
Os sistemas modernos de ensino, embriagados da mentalidade neoliberal tecni-cista, avançam em prol de uma proposta de sufocamento da visão do educador como artificie de sua própria prática em busca daqueles que são excelentes bonecos de ven-tríloquo, meros repetidores que perpetuam uma sociedade vantajosa aos donos do capi-tal. Os segregadores do saber social, os seguidores dos “bons” especialistas.
Já em Freire encontramos o oposto desta proposta neoliberal. Encontramos em su-as pedagogias, em especial na Pedagogia da Autonomia, a esperança e as bases funda-mentais para o surgimento de educadores prontos a atuar em busca de uma educação de qualidade para as classes populares.
Graças as obras de Freire, podemos perceber que o pobre, o segregado, o carente tem sua pedagogia própria. Estes possuem uma especificidade para aprender tão rica quanto a dos filhos do capital. E que cultura, não se resume só ao que encontramos no Louvre ou no Museu de Belas Artes, é algo muito mais amplo, diversificado e social-mente complementar ao ato de ensinar.
Reside na ousadia de ser educador a responsabilidade de estar aberto ao novo, ao improvável e ao improviso. É isso que devemos buscar resgatar durante o processo de formação de docentes, a visão de que a educação não é só ciência, é também arte. E aquele que ousa adentrar a porta do saber deve estar sempre em busca do saber fazer e, como o artista, deve elevar sua prática além de uma simples profissão e fazer desta seu projeto de vida.
E para que este projeto obtenha sucesso deve ser erguido em dois pilares impor-tantes: na Autonomia e no Amor.
Alguns incrédulos provavelmente perguntarão: “Mas o amor não é um sentimento impossível de definir, de se prever em linhas racionais?”.
A estes eu respondo, é justamente por isso que este deve ser alicerce para a cons-trução de uma concepção humanizadora da prática docente. Pois, reflete o mais impor-tante estado do ser humano, a imprevisibilidade.
Que bom que somos assim, únicos. E é assim que devemos ser tratados e tratar a cada um de nossos educandos, não com a hipócrita igualdade mas, com a veracidade da justiça, respeitando suas diferenças.
Com Paulo, Ivo pode nunca ter visto a uva, mas passou a ver o mundo de uma forma legível. A pedagogia de Paulo Freire encaminha a prática da formação inicial e continuada dos docentes a um patamar onde esta pode alçar vôo do chão da escola e planar sobre o céu das idéias.
Referências Bibliográficas
CASTORIADIS, Carlos. Physis e autonomia. Milão: Feltrinell, 1988.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
FREUD, Sigmund. O ideal do ego. Rio de Janeiro: Imago, 1980.
WARTBURG, Walther von W. Dicionário Etimológico da língua francesa. 5.ed. Paris: PUF, 1968.