Do bafômetro à algema

Você já se deu conta de que vez por outra algumas notícias teimam em não desaparecer dos noticiários?

Foi assim com a garota aparentemente defenestrada pelo pai e sua madrasta – mas episódios semelhantes – de atirar criança pela janela – ocorridos em Curitiba e Joinvile, não tiveram o mesmo destaque! Fala-se com boca escancarada sobre um episódio, enquanto outros permanecem na semi-obscuridade, seimi-ignorância, como se fossem noticiazinhas relegadas ao descrédito. Em contrapartida alguns, mais afoitos, dizem que isso é estratégia da grande mídia para distrair a atenção da população enquanto outras malandragens são realizadas ou impostas à nação.

Confesso que não sei o que dizer. Acho até que é melhor nada dizer. Nem sei se há o que dizer, quer dizer...

Claro que por vezes aaprecem temas relevantes: tsunamis, aquecimento global... mas a relevância estaciona no tema e não nas decisões... Cada um de nós há de se recordar de inúmeros fatos que por dias – e às vezes semanas ou meses – permaneceram em destaque nos noticiários, ofuscando ou empalidecendo outros fatos.

Quando não empalidecendo ao menos não tratando de fenômenos ou problemas correlatos. É o que vemos, agora, com a febre do bafômetro e a questão da prisão de alguns figurões... (figurões pela dinheirama que os envolve e as malandragens de que são acusados e não que mereçam ser tratados com destaque, a não ser para destacar os malefícios decorrentes dos atos desonestos de que são acusados).

Não estamos dizendo que se deva baixar a guarda em relação aos motoristas embriagados (e motorista embriagado não é o mesmo que toma uns goles de cerveja junto com os amigos!). Longe de nós sermos atropelados pela sua irresponsabilidade. Principalmente porque aqueles que se embriagam, e tentam sair dirigindo, raramente reconhecem que estão embriagados. Então, nesses casos, não há dúvida: não só baforada no aparelhinho como cadeia neles. Dá até para mudar a lei e estabelecer que embriagar-se e sair dirigindo é tentativa de homicídio. E, o dito cujo deveria ser preso não por dirigir embriagado, mas por tentar matar alguém.

Mas essa discussão, esbaforida, pelo menos como a estamos vendo, assim nos parece, toca em um ponto e negligencia outro. Qual? As estradas.

É claro que existem estradas boas e outras melhorando. Mas por que não se faz a mesma carga contra aqueles que gerenciam os municípios, os estados e o país, para prendê-los por atentado contra a economia popular? Afinal de contas não são poucos os acidentes que ocorrem – acarretando despesas para as vítimas e outro tanto para os cofres públicos, além de, em muitos casos, acionar a máquina das seguradoras – em decorrência da má conservação ou falta de sinalização nas estradas. Não precisamos forçar muito a memória para nos lembrarmos de pelo menos um acidente que ocorreu não porque o motorista estivesse alcoolizado ou fosse negligente, mas porque a estrada estava esburacada, quase intransitável.

O que estamos dizendo, portanto é que, se temos que fiscalizar a direção alcoolizada, pois são assassinos em potencial, devemos punir, com a mesma intensidade, a potencialidade assassina que decorre da má conservação das estradas e ruas. E quem deve responder por isso? Prefeitos, governadores e presidente, além de seus respectivos secretários, ministros e outros tantos que estão na rede decisória...

Mas esses, em geral, são os figurões que acionam o outro aspecto de nossa bronca: as algemas. Vez por outra, quando após meses de investigação a Polícia Federal faz aquele estardalhaço mostrando a prisão de algum figurão, aparecem vozes dizendo o que se fala nessas ocasiões: isso é pirotecnia! Isso é merchandising para ocultar a inoperância das polícias!... e outras tantas afirmações do gênero. E no meio delas a afirmação de que os figurões presos não deveriam ser expostos sendo algemados.

É verdade que existem profissionais desonestos em todas as categorias. Isso inclui as polícias. Os exemplos mostrados nos noticiários comprovam isso. Mas também existem os bons profissionais. Os que prendem os malandros, em geral, são esses!

E se o malandro é preso, por que não algemá-lo, mesmo que seja alguém que em seguida será libertado por força, menos da seriedade da lei que da celeridade dos advogados muito bem pagos? Por que o peso da algema deve ser carregado somente pelos presos, membros do povão? Engravatado, quando bandido, é menos bandido que o bandido de short e camiseta? Então, se tem algema pra um, que todos sejam algemados – ou nenhum deles o seja. Ou não somos iguais perante a lei?

E aí nos aparecem aqueles palhaços dizendo que é necessário fazer uma revisão na legislação para determinar quando pode ou não usar algema.

Chega de normas e picuinhas. Queremos viver decentemente. E saber que os malandros estão detidos. Não queremos uns arremedos de legisladores perdendo tempo, tentando justificar a desnecessidade de algema para figurões, deixando esse ônus apenas para os pobres. Dá até a impressão que o cara está se prevenindo, para quando chegar sua vez...

E assim permanecemos discutindo as bordas quando o problema está lá no centro. Ou como cantou Raul Seixas: "tem gente que passa a vida inteira, travando a inútil luta com os galhos, sem saber que é lá no tronco que está o coringa do baralho".

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação

Filósofo, Teólogo, Historiador

Outras reflexões do professor Neri:

http://falaescrita.blogspot.com/

http://ideiasefatos.spaces.live.com

http://www.webartigosos.com/

http://www.artigonal.com/