Do aparente conflito na aplicação do princípio da insignificância diante do bem jurídico difuso – Meio Ambiente

Helio André Silva * 

A Lei nº. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998[1], que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, estabelece que na sua aplicação o direito penal seja utilizado de forma subsidiaria. Vejamos:

 Art. 79. Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.

Segundo Fernando Capez em seu livro Curso de Direito Penal – parte geral[2] – “o direito penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico”.

Neste caso, como seriam criminalizas as ofensas mínimas ao meio ambiente, o qual é tido como um bem jurídico difuso, que de acordo com Hugo Nigro Mazzilli[3] – “são direitos transindividuais, de natureza indivisível”.

Embora pareça difícil compreender que a ofensa, mesmo que insignificante, a determinado bem jurídico – neste caso o meio ambiente – pertencente a um grupo indeterminado de pessoas, possa ter relevância ínfima para o direito, mais especificamente para o direito penal, o qual de acordo com a legislação posta é utilizado de forma subsidiária nas condutas lesivas ao meio ambiente.

A aplicação do princípio da insignificância de certa forma é conflitante com o disposto na Constituição Federal – CF/1988, que completaria uma década meses após a promulgação da legislação especial, que já previa a proteção integral do meio ambiente como bem jurídico pertencente à coletividade, a qual deve defendê-lo e preservá-lo, inclusive para sujeitos de direitos que sequer existem, a exemplo das gerações futuras, que por não existirem, jamais poderiam ser titulares de direitos, mesmo que deixados pela presente geração. Vejamos:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.[4]

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; (Regulamento)

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;   (Regulamento)     (Regulamento)

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;  (Regulamento)

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (Regulamento)

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; (Regulamento)

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.  (Regulamento)

 

Ao elaborar a Lei nº. 9.605/1998, o legislador possivelmente visava a proteção integral do meio ambiente e, com raríssimas exceções, as condutas consideradas como insignificantes, delitos de pequena monta, não ficariam sem punição, mesmo que na esfera administrativa, ou ainda, configurar fato atípico, sem qualquer relevância à área do direito penal.

Embora a aplicação do princípio da insignificância possa parecer conflitante com a preservação do meio ambiente, devido à pluralidade de vítimas, esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, em reiteradas decisões, a exemplo da Ementa e Acordão da Quinta Turma[5], Vejamos:

Processo

HC 143208 / SC

HABEAS CORPUS

2009/0144855-4

Relator(a)

Ministro JORGE MUSSI (1138)

Órgão Julgador

T5 - QUINTA TURMA

Data do Julgamento

25/05/2010

Data da Publicação/Fonte

DJe 14/06/2010

Ementa

HABEASDJe 14/06/2010

 

 

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 34 DA LEI N.

9.605/98. AUSÊNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE. CONDUTA DE MÍNIMA

OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO

DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. TRANCAMENTO. ORDEM CONCEDIDA.

1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio

da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta

do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau

de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão

jurídica provocada.

2. Hipótese em que, com os acusados do crime de pesca em local

interditado pelo órgão competente, não foi apreendido qualquer

espécie de pescado, não havendo notícia de dano provocado ao

meio-ambiente, mostrando-se desproporcional a imposição de sanção

penal no caso, pois o resultado jurídico, ou seja, a lesão

produzida, mostra-se absolutamente irrelevante.

3. Embora a conduta dos pacientes se amolde à tipicidade formal e

subjetiva, ausente no caso a tipicidade material, que consiste na

relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da

significância da lesão produzida no bem jurídico tutelado pelo

Estado.

4. Ordem concedida para, aplicando-se o princípio da

insignificância, trancar a Ação Penal n. 2009.72.00.002143-8, movida

em desfavor dos pacientes perante a Vara Federal Ambiental de

Florianópolis/SC .

Jurisprudência/STJ - Acórdãos

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da

Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos

votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder

a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.

Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e

Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ainda citando um exemplo bem comum e consuetudinário em nossa sociedade, Luís Paulo Sirvinskas, em sua obra Tutela Penal do Meio Ambiente[6] leciona que:

“o juiz, considerando as circunstâncias, poderá deixar de aplicar a pena no caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção (art. 29, § 2º da Lei nº. 9.605/98). Também não há que falar em crime contra a fauna se for praticado para saciar a fome do agente ou de sua família – estado de necessidade (art. 37, da LA).

Diante do exposto, depreende-se que, mesmo diante da pluralidade de vítimas, pois o bem tutelado é de propriedade coletiva, é possível a aplicação do princípio da insignificância, todavia sua utilização exige muita cautela,  cada caso deverá ser analisado de forma bastante individualizada.

Como exemplo podemos citar a atividade nefasta de certos indivíduos que, com intuito meramente comercial, ardilosamente, se passando por extrativistas, e dizendo que não objetivam lucro, apenas meio de subsistência, dizimam inúmeras palmeiras nativas, em especial da mata atlântica, visando a retirada de palmito.

Em verdade são contratados, por valores ínfimos, por empresas comerciais que industrializam o produto, alegando ser de cultivos particulares, autorizados e fiscalizados pelos órgãos governamentais competentes.

Da mesma forma cito o exemplo do tráfico de animais silvestres, principalmente de pássaros raros, muitos dos quais relacionados como passíveis de extinção, que de modo diuturno são exportados e vendidos por valores consideráveis.

Muitas espécies são capturadas em seu habitat natural, e devido a condições e cuidados inadequados, poucas sobrevivem ao chegarem ao destino final, em maior parte em países situados no estrangeiro.

Tais condutas merecem o repúdio de toda coletividade, que indubitavelmente é lesada, vitimada, e devem ser duramente punidas pelo Poder Judiciário e demais órgãos governamentais competentes, inclusive com a utilização subsidiária do direito penal, conforme previsão legal.

Em alguns casos a aplicação do princípio da insignificância demonstra ser conflitante com a legislação especial em vigor, a qual tutela o bem jurídico coletivo meio ambiente, e de acordo com o legislador constituinte todos têm o direito de possuí-lo em equilíbrio.

 

 

 

 

* Servidor Público do Governo do Distrito Federal - Agente de Polícia Civil da Polícia Civil do Distrito Federal - Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Brasília - UCB, pós-graduando em Ciências Penais – Latu Sensu – pela Universidade Anhanguera – Uniderp / Rede LFG.

e-mail: [email protected]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9605.htm, acesso em 15 nov. 2012.

[2] Capez, Fernando. Curso de direito penal, volume 1 : parte geral (arts. 1º a 120)/ Fernando Capez – 13ª ed. – São Paulo : Saraiva, 2009 – página 11.

[3] Mazzilli, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses / Hugo Nigro mazzilli. – a 17ª ed. Ver. ampl. E atual. – São Paulo : Saraiva, 2004 – pág. 50.

[4] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, 5 out. 1988. p. 191-A.

[5] Disponível em: http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200901448554&pv=000000000000 acesso em 15 nov. 2012.

[6] Sirvinskas, Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente : breves considerações atinentes à Lei nº. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 / Luís Paulo Sirvinskas. – 3. Ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo : Saraiva, 2004., pág. 26.