Neste artigo, abordaremos a questão do ensino de português. De um lado, há aquele pautado pela gramática normativa (ousadamente, chamo de "mitês") e, de outro, o português numa perspectiva libertadora.

O ensino da língua fetichizado é o que denomino "mitês". Trata-se da inculcação de construções lingüísticas com pouca ou nenhuma correspondência com a realidade dos usuários. Tenta-se introjetar nos mesmos sentimentos de culpa gerando, assim, medo e passividade. O "mitês"carrega uma ideologia de apequenamento da cidadania. No dizer de Marcos Bagno, "provoca na gente uma profunda auto-aversão, um sentimento de desgosto por nosso próprio modo de falar, de pensar e de ser". O "mitês", na verdade, é a gramática tradicional com seus inúmeros equívocos, seus folclores, enfim, com seus ridículos mitos.

O português libertador é aquele onde não só exercitamos nosso espírito crítico, mas, sobretudo, faz valer nosso potencial criativo. Ainda que se reconheça o lugar do "dialeto de prestígio", jamais cai na matreirice de que há linguagem subversiva.

Sob a ótica científica, o ensino do Português rejeita a idéia de "porto seguro" e se contrapõe, veementemente, à doutrinação dogmática de certo e errado. Estudar o Português, mestre Bagno esclarece, "é reconhecer que a linguagem é um vasto campo de interesse científico. Que para ingressar nele é preciso se munir de teorias consistentes, de métodos de investigação criteriosos, de técnicas de avaliação minuciosas". Neste terreno, portanto, não existe lugar para meras boas intenções.

O ensino do Português, destarte, é o ensino da língua viva e deveras produtiva. Pouco tem a ver com padrões lingüísticos predeterminados. O verbo central, digamos, aqui é FAZER. Estamos com a professora Irandé Antunes: " que se chegue a uma escola em que o estudo da língua não se reduza a um conteúdo insípido e inócuo, destituído de sentido social e de relevância comunicativa. Que o estudo da língua possa significar o acesso à expressão, à compreensão e à explicitação de como as pessoas se comportam quando pretendem comunicar-se de forma mais eficaz e obter êxito nas interações e nas intervenções que empreendam".

À luz do exposto, esperamos que os professores de Português saibamos, conscientemente, que nossa principal responsabilidade é ajudar o aluno a se ajudar no árduo, mas imprescindível, desafio da produção de sentidos" neste "estar-no-mundo". Que a gramática ocupe o seu devido papel sem ser confundida com a Língua e que esta (Língua) "faça circular as idéias, que permita ao maior número possível de falantes se expressar, se comunicar, interagir e criar a sociedade".

Finalmente, que nossa prática pedagógica fuja do "mitês" e avance firme e segura no ensino do Português de fato real, brasileiro, científico e libertador.

Ary Carlos Moura Cardoso
Mestre em Literatura pela UnB
Professor da UFT