Diversidade como proposta de educação musical

 Leonardo da Silva Moralles - UNASP – [email protected]

Rafael Beling Rocha -  UNASP - [email protected]

 Resumo: Após a promulgação da lei 11.769/2008 muito se tem discutido sobre como deve ser o ensino de música para os alunos das séries iniciais. Levando em consideração que não há, atualmente, consenso entre os educadores musicais sobre o que deve ser abordado, o objetivo deste trabalho é mostrar que o acesso à diversidade cultural/musical pode ser um caminho capaz de elevar a compreensão do aluno de seu mundo musical, proporcionando as ferramentas necessárias para que, como indivíduo, seja capaz de reavaliar a sua postura frente à música cotidiana. 

Palavras-chave: Diversidade. Educação musical. Cultura. 

1. Introdução

O presente artigo foi elaborado para o Programa de Incentivo a Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), financiado pelo Centro de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), e tem por objetivo expor a metodologia utilizada com alunos do Ensino Fundamental I da EMEF Prof. Ederaldo Rossetti, na cidade de Artur Nogueira (SP). Respaldados nas ideias de diferentes educadores, a exemplo, Maura Penna, Marisa Fonterrada, Murray Schafer, Edenio Valle, Ernesto Gonçalves, e nas perspectivas músico-críticas de Theodor W. Adorno, buscaremos mostrar que a educação musical deve ter como premissa o acesso à diversidade cultural. 

2. Rompendo barreiras no universo musical

            Quando nos propomos a falar da importância do acesso à diversidade musical para o aluno, precisamos levar em conta um fator de muita relevância: o ambiente histórico-cultural no qual ele está inserido (PENNA, 2012: 42). Vale lembrar que mesmo ao tratar apenas da realidade brasileira, precisamos ter em mente a imensa variedade presente no Brasil. Para isso, usaremos como referência para embasamento de nossa pesquisa apenas algumas realidades sociais, mesmo que, de alguma forma, elas acabem refletindo o panorama de nossa educação.

            O Brasil vive hoje uma realidade educacional um tanto desigual: há escolas públicas que usufruem de ótimas estruturas e apresentam excelentes resultados em seu desempenho. Concomitantemente, outras escolas, também subsidiadas pelo poder público, demonstram uma carência monstruosa e alarmante com relação às necessidades básicas para o seu funcionamento. Esta discrepância, fato na educação nacional, gera certo elitismo no sentido de que apenas algumas instituições estão fadadas ao ‘sucesso’ e outras estão condenadas ao fracasso.

            Tal cenário implica diretamente sobre a visão da arte, sobretudo da diversidade musical, da sociedade brasileira, criando a ideia de que as classes ricas têm acesso a uma compreensão artística mais ‘refinada’ enquanto as classes mais pobres nem sequer conhecem a gama de manifestações artísticas. Logo, o papel da educação musical na escola independente de suas condições sociais é o de criar um “antielitismo”, como “defesa do ideal democrático da universalidade, o que significa criar condições para que TODOS possam ampliar o acesso ao saber e à arte, em suas diversas formas” (PENNA, 2012: 46).

            Ainda sobre a importância do acesso à diversidade, Penna diz que: 

A função da música na escola é justamente ampliar o universo musical do aluno, dando-lhe acesso à maior diversidade possível de manifestações musicais, pois a música, em suas mais variadas formas, é um patrimônio cultural capaz de enriquecer a vida de cada um, ampliando a sua experiência expressiva e significativa (PENNA, 2012: p. 27).

 Fonterrada, por sua vez, assegura que a arte não deve ser vista como privilégio de alguns poucos, mas sim “colocada no centro da comunidade” (FONTERRADA, 2005: 194).

            Não podemos perder a oportunidade de vencer os obstáculos promovidos por essas diferenças sociais. A música é um bem de todos, e todos têm o direito de ter acesso à sua pluralidade. É o momento de educar pensando numa “moral autônoma, para assim criarmos indivíduos conscientes e responsáveis da transformação por opção própria” (NOGUEIRA in: VALLE e GONÇALVES, 1979: 33). Os esforços devem ser direcionados para que o aluno possa, mediante ao conhecimento da diversidade, colocar o seu próprio ‘gosto’ numa perspectiva adequada (SCHAFER, 2011: 284). Devemos trabalhar para que o aluno seja portador de uma experiência musical significativa, com o propósito de criar nele sensibilidade crítica e julgamento racional de sua relação com a música, não se subjugando às artimanhas da Indústria Cultural (ADORNO, 2011: 261).

3. Vivendo a diversidade: como tornar a música significativa?

Primeiramente, deve-se ressaltar a importância de ensinar significativamente, tornar o objeto de conhecimento próximo do que vive o aluno. No caso da música, é necessário fazer o aluno vivenciar e ter uma distinta compreensão de como esta se manifesta. É preciso criar “condições necessárias para desenvolver uma competência prévia, uma familiarização e prática cultural como pressupostos para o aprendizado formalizado” (PENNA, 2012: 41). Como dito, precisamos tornar a música ‘familiar’ às nossas crianças. E isso, de forma muito explícita, significa que devemos ir além daquilo que é familiar ao aluno; ora, aqui se abre o espaço para a diversidade.

Cabe aqui a argumentação de Penna, dizendo que no histórico do ensino de música a exaltação da música erudita foi colocada como o ideal a ser seguido; ideal esse que se torna “inacessível” no instante em que não proporcionamos uma “vivência cultural prévia”:

[...] a música erudita, como um padrão que tem norteado o ensino na área: é o padrão a alcançar; legitimado pela escola, que a estabelece como música digna de ser admirada; ao mesmo tempo, é um ideal inacessível, uma vez que a ação pedagógica só é eficaz sobre uma vivência cultural prévia, que a escola pressupõe, mas não promove sistematicamente (PENNA, 2012: 42).

Pensando no âmbito escolar, qual seria a figura representante e fomentadora dessa postura? Obviamente, o professor. É ele quem deve (ou deveria) levar aos seus alunos diferentes formas e estruturas musicais para efetivar todo o processo já aqui explicitado. Partindo das nossas experiências no PIBID, mostraremos formas práticas de como temos tentado desenvolver nos alunos uma vivência musical mais ampla.

Partindo do estilo erudito, (usado aqui apenas a título de exemplo), poderíamos levar para sala de aula um vídeo de desenho animado, por exemplo, do Pica Pau, onde o personagem principal barbeia outro personagem, cantando uma ária de O Barbeiro de Sevilha, de Rossini[1]. Nesta cena percebe-se que há uma fusão entre a letra cantada e o seu contexto musical, uma vez que o personagem da ópera de Rossini também é um barbeiro. Assim, o aluno estaria entrando em contato com tipos e estilos (no caso, a ópera) que dificilmente estaria presente no seu cotidiano. A partir desta experiência o aluno que talvez achasse ópera algo ‘chato’ ou ‘sem graça’, vivendo essa relação com o desenho animado, a sua aceitação será maior a este estilo musical.

Outra maneira dinâmica de tornar o ‘novo’ interessante seria o professor caracterizar-se de algum compositor como, por exemplo, Mozart. A reação dos alunos ao verem seu professor usando peruca branca e comprida, colete justo, dando sua aula como se estivesse cantando um recitativo, será completamente diferente do que se apenas falasse ou mostrasse imagens a respeito do compositor. É bem verdade que atividades como esta exigem mais do professor; um preparo maior nas áreas pedagógicas, musicais, históricas, e assim por diante. Mas isso também proporciona crescimento duplo: as crianças podem vivenciar uma entrevista cara a cara com um músico do século XVIII e o professor se posiciona como um mediador dinâmico, transformando conhecimento consolidado, algo que vem do passado, em algo de muita atração aos alunos. Este tema traz à tona um importante assunto ao qual não temos espaço suficiente para discutirmos aqui: a formação adequada do professor[2].

Para não nos distanciarmos demais de nossa música natal, seria de igual importância aos alunos apresentar origens africanas e indígenas que influenciaram diretamente em estilos tipicamente brasileiros, como o samba, o forró, o baião e até a própria MPB. Construir em sala de aula instrumentos de percussão provenientes de tais origens, e aqui poderíamos citar os diferentes tipos de tambores e chocalhos, é um caminho didático para fazer os alunos entenderem como se deu historicamente essa expressão musical e como isso tem implicações diretas na nossa cultura como povo brasileiro.

As atividades propostas, entretanto, precisam ser adaptadas e repensadas de acordo às diversas realidades sociais encontradas nas escolas, para que assim como dito anteriormente por Penna, nossos alunos possam ter a vivência prévia desejada, onde então eles poderão crescer musicalmente de forma significativa.

4. Considerações finais

Social e culturalmente, as pessoas estão inseridas em ‘universos sonoros’ diferentes. A escola, além de um ambiente de aprendizado, é um campo de crescimento coletivo, de nós como seres humanos e pensantes. As transformações no “ambiente acústico geral de uma sociedade”, onde se encontra a música, “pode ser lido como um indicador das condições sociais que o produzem” e nos transmite muitas informações importantes desta mesma sociedade (SCHAFER, 2001: 23).

Na categoria de educadores, não podemos deixar que nossos alunos percam a oportunidade de acessar às diversidades artísticas, culturais e musicais existentes, sejam elas visuais ou sonoras. Como mencionado, os esforços do professor devem ser para que toda pessoa não seja um simples indivíduo, mas sim “dotado de razão e, como tal, plenamente responsável de sua existência, da qualidade e das dimensões desta” (CHARBONNEAU in: VALLE e GONÇALVES, 1979: 15).

Precisamos trabalhar e buscar métodos cada vez mais eficazes para que os alunos portem senso crítico a respeito da música, compreendendo não somente os elementos que a compõe, como ritmo, melodia, harmonia e outros, mas também o seu contexto social, filosófico, e sociológico. Hoje, no que se refere à postura musical, é fácil perdermos nossa individualidade por influência de uma educação massificante (OLIVEIRA, 2012: 1163). Cabe a nós formar indivíduos que não vejam a música apenas como mercadoria ou um produto a ser consumido, mas sim como um patrimônio universal e único, que pertence a todos e que não deve ser rejeitado como uma simples coisa (ADORNO, 2011: 16).

Referências

ADORNO, Theodor W. Introdução à sociologia da música. São Paulo: UNESP, 2011. 

FONTERRADA, Marisa T. O. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. São Paulo: UNESP, 2005. 

OLIVEIRA, Jetro M. Massificação musical e a perda da individualidade. In: Anais do XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música, 2012, João Pessoa.  XXII ANPPOM. P. 1161-1168. 

PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2012.

 SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. São Paulo: UNESP, 2001.                                        

  1. ___________________.  O ouvido pensante. 2ª ed. São Paulo: UNESP, 2011. 

VALLE, Edenio e GONÇALVES, Ernesto L. Educação e massificação. São Paulo: Paulinas, 1979.

 

[1] Vídeo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=NR_IeTnMYwo.

[2] Schafer diz que o professor de música deveria ser o profissional da música, não apenas alguém que tenha mínimas experiências musicais. Veja o que ele diz: “Pode ser que fiquemos sempre com falta de professores de música qualificados, porém é preferível poucas coisas boas a muitas de má qualidade” (SCHAFER, 2011: 292).