DISCUSSÕES ACERCA DA TEORIA MONISTA PARA O CONCURSO DE PESSOAS APLICADA AO CRIME DE INFANTICÍDIO NO BRASIL[1]

 

Frederico Nepomuceno Léda e Karla Giuliane Gomes Garcia[2]

Adriano Antunes Damasceno [3]

SUMÁRIO: Introdução, 1 As teorias monista, dualista e pluralista para o concurso de pessoas; 2 Artigo 123 do Código Penal - a tipificação do crime de infanticídio; 3 O concurso de pessoas no crime de infanticídio; 3.1 A comunicabilidade da influencia do estado puerperal; 3.2 A não comunicabilidade da influência do estado puerperal;  Considerações Finais; Referências.

RESUMO

O presente trabalho visa conceituar e analisar o Crime de Infanticídio - artigo 123 do Código Penal. Tem como principal objetivo esclarecer a comunicabilidade ou não comunicabilidade da influência do estado puerperal no concurso de pessoas. Será feita uma análise das teorias do concurso de pessoas e esclarecer qual a teoria que a legislação brasileira adota. Também será feita a tipificação do crime de infanticídio, a fim de esclarecer seus elementos objetivos e subjetivos. O tema revela-se instigante, pelo fato de a doutrina ser oscilante e apresentar diferentes respostas para o caso. Assim, esta pesquisa será útil para o aprofundamento de conhecimento na Teoria Geral do Direito Penal, mais especificamente no concurso de pessoas no crime de infanticídio.

PALAVRAS-CHAVE: Teoria Monista; Infanticídio; Estado Puerperal; Concurso de Pessoas.

INTRODUÇÃO

A Teoria Geral do Direito Penal é uma disciplina introdutória muito importante para o Direito Penal. Entre tantos assuntos pertinentes, o concurso de pessoas apresenta-se como um tema cheio de informações e discussões que favorecem o aprofundamento de estudos na área. Desta forma, primeiramente, é necessário fazer uma apresentação sobre as teorias consolidadas na doutrina brasileira para o concurso de pessoas - a saber, as teorias monista, dualista e pluralista. Antecipadamente, pode-se dizer que a teoria adotada no Brasil é a monista, com base no artigo 29 do Código Penal Brasileiro, que diz: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

Adentrando à parte especial do Direito Penal, em que é possível encontrar as tipificações penais, o artigo 123 trata do crime de Infanticídio - “matar sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”. Neste ponto, será feita uma análise dos elementos objetivos e subjetivos do crime, além de uma análise histórica de sua inserção no Código Penal pátrio.

Ao combinar o artigo 123 com o artigo 29 do Código penal começam a surgir questões levantadas pela doutrina no que diz respeito ao concurso de pessoas no crime de Infanticídio. Por exemplo, o pai do recém nascido que auxilia a parturiente sob o estado puerperal responderia por este mesmo crime de infanticidio? Mas, não seria o estado puerperal um distúrbio que atinge somente mulheres em função do parto? Então, como poderia um homem responder por este mesmo crime?

Vale ressaltar que dentro do Código Penal existem exceções à teoria monista. Contudo, o próprio código disciplina penas diferentes, como no clássico caso do aborto. Mas, neste caso específico, do infanticídio, o referido diploma não delimita penas diferentes e, neste caso, cabe aos doutrinadores e à jurisprudência procurar respostas para questionamentos que surgem de situações fáticas.

1 AS TEORIAS MONISTA, DUALISTA E PLURALISTA PARA O CONCURSO DE PESSOAS

O conceito de concurso de pessoas para Nucci (2014, p.332) trata-se da “cooperação desenvolvida por várias pessoas para o cometimento de uma infração penal. Chama-se, ainda, em sentido lato: coautoria, participação, concurso de delinquentes, concurso de agentes, cumplicidade.”

Assim, a respeito do tema há 3 (três) teorias: a monista, monística ou unitária; a dualista ou dualística; e a pluralista ou pluralística. O Brasil adotou como regra a teoria monista. O Código Penal (art. 29, caput, CP) determina que todo aquele que concorre para o crime responde pelas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. Isto é, atribui um só crime a todos os concorrentes. A exemplo do crime de latrocínio (art. 157, § 3º, CP), respondem pelo crime tanto o agente que empunha a arma e efetua o disparo quanto o que, ciente de tudo, limita-se a dar-lhe cobertura. (ESTEFAM, 2013). Nas palavras de Nucci  (2014) havendo pluralidade de agentes, com diversidade de condutas, mas provocando apenas um resultado, há somente um delito. Dessa forma, todos os que tomam parte na infração penal cometem idêntico crime.

Já a teoria dualista diz que havendo pluralidade de agentes, com diversidade de condutas, causando um só resultado, deve-se separar os coautores, que praticam um delito, e os partícipes, que cometem outro. Deve haver dois crimes diferentes a serem imputados, um delito se imputará aos autores e outro, aos partícipes. Não foi adotado na legislação Brasileira. (ESTEFAM, 2013)

Por fim, a teoria pluralista, em que deve-se atribuir para cada agente um delito diferente. Logo, havendo pluralidade de agentes com diversidade de condutas, ainda que provocando somente um resultado, cada agente responde por um delito. Dessa forma trata-se portanto de delito de concurso, ou seja, vários delitos ligados por uma relação de causalidade. O Código Penal Brasileiro, como exceção, adota essa teoria ao disciplinar o aborto, arts. 124 e 126 CP, fazendo com que a gestante que permita a prática do aborto em si mesma responda como incursa no art. 124 do CP (provocar aborto em si mesmo ou consentir que outrem lhe provoque), enquanto o agente provocador do aborto, em lugar de ser coautor dessa infração, responda pelo art. 126 do CP (provocar aborto com o consentimento da gestante). Essa teoria aplica-se também no contexto da corrupção ativa e passiva (arts. 333 e 317, CP) e da bigamia (art. 235 caput e §1º, CP). (NUCCI, 2014).

São requisitos para o concurso de pessoas: A) existência de dois ou mais agentes ou pluralidade de condutas, trata-se  da múltipla concorrência de comportamentos praticados por duas ou mais pessoas. B) relação de causalidade material entre as condutas desenvolvidas e o resultado, é a ação ou omissão de cada um dos participantes deve apresentar. C) vínculo de natureza psicológica ligando as condutas entre si ou vínculo subjetivo, não há necessidade de ajuste prévio entre os coautores. D) reconhecimento da prática da mesma infração para todos. E por fim E) existência de fato punível, se o crime não mais é punível, por atipicidade reconhecida, por exemplo, para um dos coautores, é lógico que abrange todos eles. (NUCCI, 2014).

2 ARTIGO 123 DO CÓDIGO PENAL - A TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE INFANTICÍDIO

Adentrando à parte especial do Direito Penal, em que é possível encontrar as tipificações penais, o artigo 123 trata do crime de Infanticídio - “matar sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”.

O crime de infanticídio trata-se de homicídio cometido pela mãe contra seu filho, nascente ou recém-nascido, sob a influência do estado puerperal. É uma hipótese de homicídio privilegiado em que, por circunstâncias particulares e especiais, houve por bem o legislador conferir tratamento mais brando à autora do delito, diminuindo a faixa de fixação da pena - mínimo e máximo. (NUCCI, 2014)

Possui elementares iguais as do crime de homicídio, mas a elas foram agregados outros elementos especializantes, atinentes aos sujeitos, ao tempo e à motivação do crime. De acordo com Cleber Masson (2014, p. 75), “não se exige, entretanto, nenhuma finalidade especial para favorecer a mãe com a figura típica privilegiada, tal como o motivo de honra. É suficiente esteja ela influenciada pelo estado puerperal”.

É concernente ao presente estudo, fazer uma distinção entre infanticídio e aborto, que de acordo com a lei penal o infanticídio pode ter lugar durante o parto ou logo após. Diante disso, não há em que se pensar em aborto, pois a criança nasceu com vida e encerrou-se o trabalho de parto (NUCCI, 2014). Entretanto, a dúvida aqui encontrada se refere ao momento exato em que a criança deixa de ser considerada feto para ser tratada como nascente. De acordo com Cleber Masson (2014, p. 75), “é preciso saber quando tem início o parto, pois o fato se classifica como aborto (antes do parto) ou infanticídio (durante o parto) dependendo do momento da prática delituosa.”. Sobre o assunto o Supremo Tribunal Federal se pronuncia dizendo:

Iniciado o trabalho de parto, não há crime de aborto, mas sim homicídio ou infanticídio, conforme o caso. Para configurar o crime de homicídio ou infanticídio, não é necessário que o nascituro tenha respirado, notadamente quando, iniciado o parto, existem outros elementos para demonstrar a vida do ser nascente, por exemplo, os batimentos cardíacos. (HC 104.316/SP, rel. Min. Laurita Vaz, 5.ª Turma, j. 24.06.2008. Em igual sentido: HC 99.362/SP, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5.ª Turma, j. 28.10.2008, e AgRg no REsp 983.291/RS, rel. Min. Paulo Gallotti, 6.ª Turma, j. 27.05.2008)

Dessa forma, quando a mulher já entra em trabalho de parto com o início da dilatação, momento em que se evidenciam as características das dores e da dilatação do colo do útero. Em seguida, passa-se à expulsão, na qual o nascente é impelido para fora do útero. Finalmente, há a expulsão da placenta, e o parto está terminado. A morte do ofendido, em qualquer dessas fases, tipifica o crime de infanticídio (MASSON, 2014).

O núcleo do tipo desse crime é o verbo “matar”, observa-se que é o mesmo do homicídio, razão pela qual a única diferença entre o crime de infanticídio e o homicídio é a especial situação em que se encontra o agente. O objeto jurídico tutelado é a vida humana e o objeto material é a criança, nascente ou recém-nascida, contra quem se dirige a conduta criminosa. É crime próprio, pois somente a mãe pode praticar esse crime, admitindo coautoria e participação. Sendo a mãe detentora do dever legal de agir, é possível que pratique esse crime na forma comissiva (NUCCI, 2014). Sobre o concurso de pessoas, esse tópico será elucidado no ponto seguinte.

O sujeito passivo é o nascente ou recém-nascido, dependendo do tempo da prática do criminoso, ou seja, durante o parto ou logo após. Elemento subjetivo é o dolo, direto ou eventual, não admitindo a modalidade culposa. Logo, se a mulher matar a criança culposamente, sem a influência do estado puerperal, o crime será homicídio culposo. (NUCCI, 2014)

Dessa forma, é preciso entender o conceito de estado puerperal, de acordo com Masson (2014, p. 77), “é o conjunto de alterações físicas e psíquicas que acometem a mulher em decorrência das circunstâncias relacionadas ao parto, tais como convulsões e emoções provocadas pelo choque corporal, as quais afetam sua saúde mental”.  Para a constatação de provas do estado puerperal é desnecessária a perícia, pois prevalece o entendimento que se trata de efeito normal e inerente a todo e qualquer parto. Não bastando só o estado puerperal, é preciso um nexo causal subjetivo entre a morte do nascente ou recém nascido, pois a conduta criminosa deve ser “sob a influência do estado puerperal”. (MASSON, 2014).

Sobre a circunstância de tempo, o infanticídio exige que a agressão seja cometida durante o parto ou logo após, embora sem fixar um período para que ela possa ocorrer Na expressão “logo após” deve-se entender com caráter imediato, a fim de que não ocorram abusos. De acordo com Hungria (1979, p. 265), a respeito desse tempo, diz ser “somente o tempo necessário para que a mãe entre a na fase de bonança e quietação, tornando a se afirmar o seu instinto maternal”.  Dessa forma, essa expressão encerra imediatamente, mas poder ser interpretada em consonância com a influência do estado puerperal (NUCCI, 2014).

A consumação dá-se logo com a morte do nascente ou recém-nascido, é instantâneo, a consumação não se prolonga no tempo. A tentativa é possível, logo é crime plurissubsistente, possui várias etapas. É crime de ação livre, o crime pode ser cometido de várias maneiras. E por fim é crime progressivo, antes de alcançar a morte, a vítima necessariamente suporta ferimentos.

 

3 O CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE INFANTICÍDIO

Como já citado, no que tange ao concurso de pessoas, o Brasil adota a teoria monista e dentro do Código Penal existem exceções a essa teoria; e ele mesmo disciplina penas diferentes, como no clássico caso do aborto, “em que a gestante pratica o delito do art. 124, e aquele que nela realiza, com o seu consentimento, comete o delito do art. 126”. (GRECO, 2013, p. 420) Contudo, no crime de Infanticídio, o Código Penal não identifica penas diversas e, portanto, cabe aos doutrinadores e à jurisprudência procurar respostas para questionamentos que surgem de situações fáticas.

Aqui, cabe uma retrospectiva sobre o concurso de pessoas. Como apresentado por Capez (2011), a coautoria e a participação são espécies, ou formas, do concurso de pessoas; sendo este último um termo mais abrangente, tanto que passou a ser utilizado no Código Penal no lugar da expressão coautoria (termo mais específico), a partir do ano de 1984. Assim, com base na referida obra de Capez, autor é quem realiza a conduta principal; coautor é quem concorre na realização da conduta principal; e o partícipe não realiza a conduta principal, mas presta auxílio para que esta se concretize.

Voltando para o artigo 29 do Código Penal, base para a teoria monista, adotada no Brasil: autor, coautor e partícipe devem responder pelo mesmo crime. Somando a este ponto, o artigo 30 do mesmo diploma citado, expressa que “não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.

Concurso de pessoas no Infanticídio: esse crime é composto pelos seguintes elementos: ser mãe (crime próprio); matar; o próprio filho; durante o parto ou logo após; sob influência do estado puerperal. É o crime em que a mãe mata o próprio filho, durante o parto ou logo após, sob influência do estado puerperal. Essa é a descrição típica contida no art. 123 do Código Penal. Excluído algum dos dados constantes do infanticídio, a figura típica deixará de existir como tal, passando a ser outro crime - atipicidade relativa. (CAPEZ, 2011, p. 382)

Desta forma, como apresentado por Capez (2011), a influência do estado puerperal é elementar do crime, ou seja, é um dos elementos essenciais para a caracterização do crime de Infanticídio. Consequentemente, há a comunicabilidade desta elementar (estado puerperal) àqueles que concorrem para o crime de Infanticídio.

Contudo, muito se discute na doutrina quanto a este ponto, pois admitindo a comunicabilidade desta elementar, a outra pessoa que não está sob influência do estado puerperal, seria de certa forma beneficiada, pois a pena do infanticídio é menor que a a do homicídio. Assim, serão apresentados os dois posicionamentos da doutrina para a questão do concurso de pessoas no crime de infanticídio e a comunicabilidade da influência do estado puerperal.

3.1 A COMUNICABILIDADE DA INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL

Aqui, serão apresentados os argumentos utilizados pelos defensores da comunicabilidade da influência do estado puerperal para outra pessoa que não seja a mãe. Rogério Greco (2009), por exemplo, chama o Infanticídio de homicídio especializado, e não de homicídio privilegiado como afirmam alguns autores. Para ele, se fosse um homicídio privilegiado estaria no artigo 121 do Código Penal. Desta forma, para expor o seu ponto de vista, o autor parte de três situações hipotéticas distintas.

  1. A parturiente e o terceiro executam a conduta núcleo do tipo do art. 123, ou seja, ambos praticam comportamentos no sentido de causar a morte do recém-nascido;
  2. Somente a parturiente executa a conduta de matar o próprio filho, com a participação do terceiro;
  3. Somente o terceiro executa a conduta de matar o filho da parturiente, contando com o auxílio desta. (GRECO, 2009, p. 231)

Para Greco a resposta às três hipóteses citadas é a mesma - o terceiro responderá pelo crime de Infanticídio. A justificativa também é a mesma - como expresso anteriormente, a influência do estado puerperal é uma elementar do tipo e, portanto, comunica-se a coautores e partícipes. Não há como fugir desta previsão legal, a menos que o texto normativo seja alterado. Além do mais, “a não comunicação ao co-réu só seria compreensível se o infanticídio fosse mero caso de atenuação do homicídio e não um tipo inteiramente à parte, completamente autônomo em nossa lei” (NORONHA, 1991, p. 48 apud GRECO, 2009, p. 233).

Outro autor que defende o mesmo posicionamento é Fernando Capez (2011). Para fundamentar a comunicabilidade da influência do estado puerperal, ele utiliza as mesmas três situações hipotéticas mencionadas por Greco; e a conclusão é a mesma - nos três casos, o terceiro responderá pelo Infanticídio, assim como a parturiente. Isto se dá pela previsão normativa do artigo 30 do Código Penal Brasileiro. 

Cleber Masson também coaduna com este posicionamento e ainda afirma que “justa ou não a situação, a lei fala em elementares, e, seja qual for sua natureza, é necessário que se estendam a todos os coautores e partícipes” (MASSON, 2011, p. 62). Cezar Roberto Bintencourt também defende a comunicabilidade da condição elementar “estado puerperal”.

A justiça ou injustiça do abrandamento da punição do terceiro participante no crime de infanticídio é inconsistente para afastar a orientação abraçada pelo Código Penal brasileiro, que consagrou a teoria monística da ação em seu art. 29 (antigo art. 25). Essa previsão é complementada pela norma do art. 30, que determina a comunicabilidade das “elementares do crime”, independentemente de se tratar de circunstâncias ou condições pessoais. Assim, se o terceiro induz, instiga ou auxilia a parturiente a matar o próprio filho durante ou logo após o parto, participa de um crime de infanticídio. Ora, como a “influência do estado puerperal” é uma elementar do tipo, comunica-se ao participante (seja coautor seja partícipe), nos termos do art. 30 do CP. (BITENCOURT, 2012, p. 374)

Além destes autores citados - Greco, Capez, Masson e Bitencourt - outros também defendem este posicionamento, como “Roberto Lyra, Magalhães Noronha, Frederico Marques, Basileu Garcia, Bento de Faria e Damásio de Jesus, entre outros” (Bitencourt, 2012, p. 372). Observa-se aqui, um ponto de vista estritamente legal, ou seja, o que está pautado no Código Penal Brasileiro é rigidamente seguido.

 

3.2 A NÃO COMUNICABILIDADE DA INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL

Aqui serão expostos os argumentos contrários a comunicabilidade do estado puerperal. Embora o posicionamento atual de Nelson Hungria seja o da comunicabilidade da influência do estado puerperal, com base no artigo 30 do Código Penal, os seus argumentos anteriores defendiam a não comunicabilidade. Esta posição se consolidou pela criação de uma figura até então não existente no cenário jurídico brasileiro - circunstância elementar personalíssima. Portanto, o estado puerperal seria uma circunstância personalíssima e assim, não poderia ocorrer a comunicabilidade para aqueles que concorressem com o autor para o crime. Faz-se necessário compreender o que é esta circunstância elementar personalíssima.

O artigo 30 do Código Penal fala em “circunstâncias” e “elementares”. Capez (2011) ao explicar a diferença entre elas (diferença esta de necessária compreensão, já que há comunicabilidade para as elementares), relata que as circunstâncias se retiradas do tipo penal, não o torna atípico, sendo apenas um dado acessório que influencia no aumento ou na redução da pena, no momento da dosimetria. As circunstâncias podem referir-se ao agente ou ao fato, denominadas subjetivas ou objetivas, respectivamente.

Em contrapartida, as elementares, se retiradas do tipo penal, o tornam atípico, podendo a atipicidade ser relativa (a conduta continua sendo considerada um crime, mas um crime diferente), ou absoluta (a conduta não será considerada um crime). Ou seja, as elementares são essenciais para a configuração e reconhecimento do tipo penal.

Respeitável segmento doutrinário, liderado por Nélson Hungria, sustenta existir uma categoria intermediária, a qual não chega a ser uma elementar, mas também não pode ser resumida a uma mera circunstância. Trata-se de entes híbridos, metade elementar, metade circunstância. São as chamadas circunstâncias elementares, assim retratadas por Alberto Silva Franco: “As circunstâncias são os fatos ou dados, de natureza objetiva ou subjetiva, que não interferem, porque acidentais, na configuração do tipo, destinando-se apenas a influir sobre a quantidade de pena cominada para efeito de aumentá-la ou de diminuí-la. Algumas circunstâncias participam, no entanto, da própria estrutura da figura criminosa e deixam, por via de consequência, de ser acidentais para se transformarem em circunstâncias essenciais ou elementares do tipo”. (CAPEZ, 2011, p. 381)

Como exposto, então, a influência do estado puerperal seria uma condição elementar personalíssima, que não se enquadra nem na definição de elementar, nem na definição de circunstância; sendo, desta forma, uma figura intermediária, não sujeita a comunicabilidade.  O próprio Nelson Hungria, que liderou esta segunda corrente afirmou que o artigo 30 do Código Penal  “não abrange as condições personalíssimas que informam os chamados delicta excepta. Importam elas um privilegium em favor da pessoa a quem concernem” (HUNGRIA, 1949, p. 574 apud MASSON, 2011, p. 61). Portanto, segundo o pensamento anterior de Hungria, a pessoa que concorresse para o crime de Infanticídio responderia pelo crime de Homicídio.

Nelson Hungria também afirmava que seria um ato de injustiça haver a comunicabilidade do estado puerperal, visto que, se fosse assim, o agente seria beneficiado com uma redução de pena; já que por não estar sob efeito do estado puerperal, cometeria um homicídio, cuja pena base é de seis anos, enquanto a pena base do infanticídio é de de dois anos. Além de Nelson Hungria, “Heleno Cláudio Fragoso, Galdino Siqueira, Aníbal Bruno e Salgado Martins” (BITENCOURT, 2012, p. 373), também defendiam este posicionamento. Todavia, como já comentado, Hungria voltou atrás e mudou de opinião a respeito.

Vale destacar, ainda, o pensamento de Cezar Roberto Bintencourt (2012), de que não é possível excluir totalmente a possibilidade de o terceiro responder pelo crime de Homicídio, e não Infanticídio. Sua justificativa é pautada no “desvio subjetivo de condutas”, disposto no artigo 29 §2º do Código Penal: “Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”.

Destarte, o autor sugere que, como o terceiro se aproveitou do momento de fragilidade da mulher sob o estado puerperal (em uma situação hipotética em que os dois cometem atos executórios), o terceiro deveria responder pelo crime de homicídio. A parturiente, responderia pelo infanticídio, pois “a mãe concorreu para o crime de homicídio, mas nos termos do art. 29, § 2º, 1ª parte, do Código Penal, ou seja, com desvio subjetivo de condutas” (BITENCOURT, 2012, p. 377). Seguindo a linha de raciocínio do mesmo autor, outra situação é exposta, em que o terceiro comete os atos executórios e a mãe apenas participa de forma acessória. Neste caso, a conduta principal cometida pelo terceiro, assim como no caso anterior, também é o homicídio; e a parturiente responderia pelo infanticídio, devido ao desvio subjetivo de condutas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O concurso de pessoas no crime de Infanticídio (art. 123 CP) é um assunto que rendeu grandes discussões na doutrina, mas, atualmente a posição mais aceita é a da comunicabilidade do estado puerperal, tendo como base a teoria monista adotada no Brasil, pautada nos artigos 29 e 30 do Código Penal Brasileiro - para tal teoria, autor e terceiro concorrem para o mesmo crime, na medida de sua culpabilidade.

O posicionamento majoritário defende um ponto de vista legal, que exige o cumprimento da letra da lei. Os que discordam ou já discordaram, como Nelson Hungria, alegam que seria um ato injusto um terceiro responder criminalmente pelo Infanticídio, já que não está sob o estado puerperal - tendo este que responder pelo homicídio com a devida pena base de seis anos e não dois anos, como naquele.

O próprio Código Penal disciplina penas diferentes em determinados casos, como exceções à teoria monista. Contudo, nesta situação específica o legislador não fez isso, abrindo espaço para pensadores do Direito Penal discutir o assunto. Desta forma, constatou-se a grande relevância do assunto para o estudo da disciplina, como uma forma de aprofundamento da matéria, com base em um assunto revelador, como o concurso de pessoas aplicado especialmente ao crime de Infanticídio.

 

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2012.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2011

ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral. 3º ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2013.

______________. Curso de Direito Penal: parte especial. v. 2. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. 5.

MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. 8ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Método, 2014.

_______________. Direito Penal Esquematizado: Parte especial. 3ª ed. São Paulo: Método, 2011.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 10ª ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

Vade Mecum universitário RT/ [Equipe RT]. - 5. Ed. revista, ampliada e atualizada. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

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[1] Paper apresentado à disciplina Teoria do Direito Penal, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

[2] Alunos do 3º período noturno, do curso de Direito, da UNDB.

[3] Professor orientador.