DISCURSO JURÍDICO COMO ACESSIBILIDADE À LUZ DO PENSAMENTO JURÍDICO DE CHAÏM PERELMAN.

Camila Oliveira de Lucena1

RESUMO

Um dos temas mais discutidos em todos os tempos é sem dúvidas a argumentação, notadamente na seara do Direito. Nessa sintonia, vários foram e são os filósofos e juristas que se debruçaram e se debruçam a argumentação jurídica. Segundo as técnicas argumentativas propostas pelo filósofo polonês Chaïm Perelman, defende a argumentação como meio de promover uma adesão de espíritos por intermédio da não coação. Destaca o discurso como um importante elemento da argumentação, sendo o fator que efetuaria a interação entre orador e auditório, entre emissor e destinatário. Tendo como objetivo analisar o discurso jurídico como acessibilidade à luz do pensamento jurídico de Chaïm Perelman, ressaltando que essa acessibilidade se encontra numa dimensão de acesso à justiça. Metodologicamente trata de uma pesquisa de cunho bibliográfica. Utilizou-se como método de abordagem o dialético, por possibilitar um confronto de ideias e de pensamentos, ou seja, pelo fato de proporcionar a contraposição e contradição de ideias que leva a outras ideias. Como método de procedimento utilizamos o exploratório, este por ter a finalidade de mostrar o principal objetivo da pesquisa que será realizada. Observou-se que o pensamento jurídico de Chaïm Perelman tornou-se reconhecido em todos os sistemas judiciários do mundo graças ao seu caráter democrático e social. Sua teoria da argumentação, ao inspirar-se na retórica de Aristóteles, resgatou o sentido original do termo dialética e possibilitou a inserção da democracia na própria efetivação da justiça. A Nova Retórica de Perelman é reformular o pensamento jurídico contemporâneo desvinculando-o do pensamento positivista e demonstrar que o aplicador das leis ao proferir sua decisão não pode ater-se simplesmente à literalidade da norma, devendo pensar nos fatos como situações que podem ser valoradas. Cabe destacar que a Nova Retórica não abrevia a atividade de convencimento e persuasão à argumentação, pelo contrário, ela dispõe a argumentação como a forma de produzir convencimento e persuasão tão presentes no meio jurídico. Deste modo, temos que o convencimento é mais abrangente que a persuasão já que aquele se preocupa com o caráter racional da adesão (auditório universal), enquanto esta tem preocupação tão somente com o resultado (auditório particular). Assim, ele afirma que a lógica jurídica difere das demais por ser uma lógica dialética e argumentativa, não bastando à demonstração, devendo o juiz ter uma visão estrita de cada caso concreto para aplicar a solução mais razoável e a mais justa. Conclui-se assim que Perelman entende a Teoria da Argumentação como uma técnica capaz de substituir a violência. O que esta última pretende obter pela coerção, a argumentação pretende fazê-lo pela adesão. Por isso, o recurso à argumentação requer o estabelecimento de uma comunidade de espíritos que, pelo mecanismo interno de sua própria constituição, exclua a violência. Isso porque, em uma comunidade baseada em princípios igualitários, as próprias instituições regulam as discussões.

Palavras-chave: Argumentação. Acessibilidade. Justiça.

APRESENTAÇÃO

O Estudo acerca do discurso jurídico e sua argumentação, segundo as técnicas argumentativas propostas pelo filósofo polonês Chaïm Perelman, defende a argumentação como meio de promover uma adesão de espíritos por intermédio da não coação. Destaca o discurso como um importante elemento da argumentação, sendo o fator que efetuaria a interação entre orador e auditório, entre emissor e destinatário.

Em seu Tratado da Teoria da Argumentação jurídica e a Nova Retórica, há uma diferença nos procedimentos argumentativos, com base nos objetivos do orador, afirmando que se o objetivo deste está em obter um resultado, persuadir é mais do que convencer, entretanto, se a preocupação do orador reside no caráter racional da adesão, convencer é mais que persuadir. Então, a argumentação pode ser desenvolvida mediante um processo de persuasão ou de convencimento, a opção por um processo ou outro, derivando da concepção que o orador faz do auditório e de suas extensões.

Nesse sentido observaremos dois modelos: o auditório particular que compreende a argumentação realizada perante um indivíduo, bem como aquela realizada pelo orador, e o auditório universal que compreende o auditório sobre aspectos ideais, formado por todos os seres humanos racionais.

O presente estudo teve como objetivo o de analisar o discurso jurídico como acessibilidade à luz do Pensamento Jurídico de Chaïm Perelman.

Trata-se de uma pesquisa de cunho bibliográfica. Utilizou-se do método de abordagem o dialético, posto ser esse método o mais adequado, pois é a arte do diálogo, da contraposição e contradição de ideias que leva a outras ideias.

Como método de procedimento utilizamos o exploratório. Esse método tendo como finalidade de mostrar o principal objetivo da pesquisa que será realizada.

COMPREENSÃO DA DOUTRINA ARGUMETATIVA EM CHAÏM PERELMAN

Chaïm Perelman foi um filósofo do Direito que apesar de nascido na Polônia, viveu grande parte de sua vida na Bélgica, tendo estudado Direito e Filosofia na Universidade de Bruxelas. Sua obra principal é o Traité de l'argumentation - la nouvelle rhétorique (1958), escrita juntamente com Lucie Olbrechts-Tyteca, obra base de sua Teoria da Argumentação. Importantes contribuições no campo filosófico o qualificam como um dos mais importantes teóricos da Retórica do século passado.

O estudo da argumentação em seu Traité de l'argumentation foi sistematizado em três grandes partes: os pressupostos, os pontos de partida da argumentação e as técnicas argumentativas.

Perelman defende a argumentação como meio de promover uma adesão de espíritos por intermédio da não coação. Pensamento de grande valia, uma vez que se alcança a adesão do destinatário, mediante suas próprias convicções. Desse modo, destaca o discurso como um importante elemento da argumentação, sendo o fator que efetuaria a interação entre orador e auditório, entre emissor e destinatário. (Nesse sentido é que mais a frente iremos estabelecer o raciocínio sobre a égide do discurso na questão de acessibilidade).

Apesar das críticas sobre a imprecisão desses conceitos, oportuna lição nos ensina Atienza (2006, p. 63), ao demonstrar a distinção entre persuadir e convencer sob o viés do pensamento perelmaniano. Com vistas ao auditório que se pretende argumentar, considera o jus filósofo espanhol que, “[...] uma argumentação persuasiva, para Perelman, é aquela que só vale para um auditório particular, ao passo que uma argumentação convincente é a que se pretende válida para todo ser dotado de razão”.

Nesse sentido, quando ocorre uma argumentação perante um único ouvinte, encarado como auditório particular, deve-se optar por uma estratégia argumentativa persuasiva, todavia, se o destinatário é encarado como auditório universal, deve-se optar por uma estratégia pautada no convencimento.

A persuasão é assim um dos elementos primeiros na busca por uma efetivação de direitos, seja ele no plano social, jurídico, político, entre outros. Mas que diz respeito à concretude da acessibilidade nos moldes da legislação nacional em vigor (Lei nº 10.098/2000).

Assim sendo, há uma necessidade constante da argumentação contrária aos auspícios de uma argumentação falha, o que as consideramos como falácia jurídica, a qual não nos leva a nenhum sucesso de concretude da acessibilidade, mas sim ao atraso constante do reconhecimento daqueles que realmente necessitam serem vistos no plano visível das sociedades.

SOB O OLHAR DO AUDITÓRIO UNIVERSAL

Mediante a ideia de que é a partir dos destinatários que toda argumentação se desenvolve, ele destaca o auditório universal como um auditório, como sendo para Chaïm Perelman (1996, p. 33-34), “[...] constituído por toda humanidade, ou pelo menos, por todos os homens adultos e normais.” A partir disso, busca-se elucidar a objetividade desse conceito Chaïm Perelman (1996, p. 37), destaca-se que este auditório, “[...] é constituído por cada qual a partir do que sabe de seus semelhantes, de modo a transcender as poucas oposições de que tem consciência”.

Observa-se que para ele, o auditório universal é tido como um limite a ser atingido. Permite ainda ao orador, escolher entre duas estratégias argumentativas: persuadir ou convencer. É, para nós, o eixo central da necessidade argumentativa para concretude da acessibilidade.

Atienza ao também analisar o conceito perelmaniano, enxerga aspectos positivos e negativos. Sob o aspecto positivo, o pensador espanhol concorda com Alexy e sua atribuição ideal ao conceito de auditório universal, situado como parâmetro de racionalidade e objetividade, concordando com o papel central exercido pelo auditório universal. Já sob o aspecto negativo, destaca a noção obscura desenvolvida, apontando para tanto, as críticas de Aulis Aarnio e Letizia Gianformaggio (ATIENZA, 2006).

Alexy contempla importante papel à Teoria da Argumentação de Perelman no campo normativo, uma vez que os destinatários, considerados sob a forma de auditório universal, somente se convencem mediante argumentos racionais. Assim, de uma forma mais lúcida, acerca dessa ligação, assevera que esse estado (o auditório universal) corresponde à situação ideal de fala Habermasiana. Nessa ótica, Robert Alexy (2005, p. 170), assevera que, “[...] O que em Perelman é o acordo do auditório universal, é em Habermas o consenso alcançado sob condições ideais”.

Ainda nos dizeres do jus filósofo alemão, observamos que este conceito de Perelman (auditório universal) não é uno, mas contempla duas visões: a primeira formando um auditório que os indivíduos ou uma sociedade representam para si próprios, e a segunda como a totalidade de seres humanos participantes do discurso. Sendo assim, será a concordância alcançada por parte do auditório universal, o critério de racionalidade e objetividade da argumentação, uma vez que o auditório universal só é convencido mediante argumentos racionais.

Nesse ponto, reside o caráter objetivo, alcançando-se uma validade para todo ser racional, consequentemente empreende-se uma argumentação racional, tanto assim que Chaïm Perelman (1996, p. 31), considera que “[...] cada homem crê num conjunto de fatos, de verdades, que todo homem ‘normal’ deve, segundo ele, aceitar, porque são válidos para todo ser racional”.

Em seu Tratado da Argumentação Chaïm Perelman e Olbrechts-Tyteca diferenciariam os procedimentos argumentativos, com base nos objetivos do orador, afirmando que se o objetivo deste está em obter um resultado, persuadir é mais do que convencer, entretanto, se a preocupação do orador reside no caráter racional da adesão, convencer é mais que persuadir (PERELMAN, 1996).

Assim, visualiza-se que a argumentação pode ser desenvolvida mediante um processo de persuasão ou de convencimento, a opção por um processo ou outro, como já dito, deriva da concepção que o orador faz do auditório e de suas extensões. Nesse sentido, para uma melhor visualização, as extensões já concebidas são divididas em dois modelos: o auditório particular e o auditório universal. O primeiro compreende a argumentação realizada perante um indivíduo, bem como aquela realizada pelo orador consigo próprio. O segundo compreende o auditório sob aspectos ideais, formado por todos os seres humanos racionais.

Ao presente trabalho não cabe discorrer acerca da ligação entre auditório particular e as técnicas de persuasão, concentrando-se na análise de uma argumentação pautada na convicção e realizada perante o auditório universal, que está relacionada com o caráter de universalidade e racionalidade.

É de se observar que a Teoria da Argumentação Jurídica de Alexy apóia seu caráter de universalidade na situação ideal de fala, ideia já concebida por Habermas. Trata-se de uma situação ideal em que todos os oradores têm direitos iguais e que não existe coerção, havendo uma relação simétrica entre os indivíduos (HABERMAS apud ATIENZA, 1996).

É importante destacar que a elaboração e cumprimento dessas regras, proporcionam a racionalidade do discurso, e é precisamente a racionalidade o que confere universalidade às conclusões obtidas consensualmente (TOLEDO, 2006).

Assim, o estabelecimento desses critérios a serem observados na prática do discurso, especificamente no discurso jurídico, não tem como condição sine qua non a exigibilidade de cumprimento de modo absoluto e em todas as situações a que são submetidos. Somente não se pode afastar o entendimento de que é mediante eles que devem ocorrer a fundamentação e orientação do discurso.

Chaïm Perelman (1996, p. 33-34), promove uma composição ideal do auditório universal, ao estabelecer sua formação “[...] por toda humanidade, ou pelo menos por todos os homens adultos e normais.” Considerando que o acordo para estes casos seria alcançado mediante o convencimento, estratégia argumentativa relacionada com os métodos racionais, tem-se o auditório universal como um limite a ser atingido, uma vez que a composição alcançada neste limiar é o critério de racionalidade e objetividade da argumentação.

Por sua vez, Habermas estabelece a situação ideal de fala como um parâmetro, sendo considerada aquela em que todos os oradores têm direitos iguais e que não existe coerção, havendo uma relação simétrica entre os indivíduos (HABERMAS apud ATIENZA, 2006).

Assim, o acordo é obtido mediante a igual participação entre os falantes, nessa situação ideal, a elaboração e cumprimento de regras proporcionam a racionalidade, sendo ela o que confere a universalidade ao discurso.

Por fim, torna-se evidente que o resultado buscado pelos idealizadores de tais parâmetros é a busca pelo caráter universal da argumentação, aproximando-se do aspecto racional. Como se vê, seja mediante a situação ideal de fala, seja mediante o auditório universal, esse objetivo é alcançado.

A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO DE CHAÏM PERELMAN.

A Teoria da Argumentação ou Nova Retórica surgiu com a rejeição do Positivismo Lógico, o qual buscava tornar a linguagem natural mais pura e ajustá-la sobre uma linguagem científica. O objeto dela, segundo Chaïm Perelman (1996, p.), “[...] é o estudo das técnicas discursivas que visam provocar ou aumentar a adesão das mentes às teses apresentadas a seu assentimento”. Defende a argumentação como meio de promover uma adesão de espíritos por intermédio da não coação, uma vez que se alcança a adesão do destinatário, mediante suas próprias convicções. Desse modo, destaca o discurso como um importante elemento da argumentação, sendo o fator que efetuaria a interação entre orador e auditório, entre emissor e destinatário. Neste quadrante, Bernard Meyer (2008, p.4), assevera que:

Em primeiro lugar, ela age sobre os indivíduos mais precisamente sobre a opinião deles, ou seja, por definição sobre um elemento pessoal e subjetivo. Assim, ainda que seu objetivo final seja a procura da adesão do destinatário, logo a semelhança de concepções entre os interlocutores, ela sempre deverá levar em conta as diferenças de apreciação e até as divergências de ponto de vista, inevitáveis entre indivíduos.

Em segundo lugar, ela não procura determinar se uma tese é verdadeira ou falsa, mas influenciar outra pessoa, logo, ela nunca será automática ou obrigatoriamente aceitável, como o é a demonstração matemática. Diz-se que ela é bem sucedida não quando atinge a verdade, mas quando convence o destinatário.

O conjunto de espíritos aludido por Chaïm Perelman (1996) é o que chamamos de auditório. É que, todo discurso possui um contexto e, consequentemente, um auditório para o qual ele é elaborado. A Nova Retórica não abrevia a atividade de convencimento e persuasão à argumentação, pelo contrário, ela dispõe a argumentação como a forma de produzir convencimento e persuasão tão presentes no meio jurídico. Contudo, enquanto o convencer busca a razão, a persuasão visa à emoção. Isso porque, embora ambos os atos sejam racionais, na persuasão temos um argumento válido para um auditório particular com certas especificidades e no convencimento temos uma argumentação que presume ser aceita por qualquer ser racional.

Deste modo, temos que o convencimento é mais abrangente que a persuasão já que aquele se preocupa com o caráter racional da adesão (auditório universal), enquanto esta tem preocupação tão somente com o resultado (auditório particular).

Conclui-se assim que a Teoria da Argumentação como uma técnica capaz de substituir a violência. O que esta última pretende obter pela coerção, a argumentação pretende fazê-lo pela adesão. Por isso, o recurso à argumentação requer o estabelecimento de uma comunidade de espíritos que, pelo mecanismo interno de sua própria constituição, exclua a violência. Isso porque, em uma comunidade baseada em princípios igualitários, as próprias instituições regulam as discussões (PERELMAN, 1996).

A LÓGICA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

Podemos num momento inicial afirmar que Argumentar é arte de convencer e persuadi. Quando ocorre uma argumentação perante um único ouvinte, encarado como auditório particular deve-se optar por uma estratégia argumentativa persuasiva, todavia, se o destinatário é encarado como auditório universal, deve-se optar por uma estratégia pautada no convencimento. O auditório universal é tido como um limite a ser atingido. Permite ainda ao orador, escolher entre duas estratégias argumentativas: persuadir ou convencer.

Na argumentação jurídica o juiz deve decidir com base no direito, mas não é apenas a legalidade que deve ser realçada quando da fundamentação das decisões. Ele ainda deve estabelecer uma ligação entre o direito e os valores aceitos por uma determinada sociedade (auditório), de modo que a sua decisão seja ao mesmo tempo legal, razoável, equitativa e aceitável.

Assim, Chaïm Perelman (1996) chega à conclusão de que a argumentação é um dos instrumentos para chegar a um acordo sobre os valores e sua aplicação. Destaca a importância de se ter argumentos baseados no real, pois estes, possuindo uma formação objetiva, serão dificilmente rejeitados pelos interlocutores do orador.

No que se refere à acessibilidade, a lógica da argumentação se amolda justamente na possibilidade de persuadir sobre a necessidade de se mudar o comportamento humano atual no que diz respeito aqueles que são portadores de alguma forma de deficiência física, ou seja, não se trata mais de uma questão de consciência, mas sim de sensibilidade humana, notadamente nos moldes da legislação atual em vigor, ou seja, a Lei nº 10.098/2000, para se ter como exemplo.

Nesse contexto, a argumentação jurídica se faz por demais necessário, tendo em vistas que a força vinculante desse tipo de argumentação é sem dúvidas muito mais eficaz do que propriamente a argumentação pura e simples ou mesmo filosófica.

A NOVA RETÓRICA COMO MANIFESTAÇÃO DO PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO

Na linha da Nova Retórica Chaïm Perelman (1996) delineia seis premissas básicas: a cada qual a mesma coisa; a cada qual segundo seus méritos; a cada qual segundo suas obras; a cada qual segundo suas necessidades; a cada qual segundo a sua posição; e cada qual segundo o que a lei atribui (suum cuique).

Dworkin elenca alguns pressupostos imprescindíveis do positivismo, quais sejam: a) o direito é um conjunto de regras de uma comunidade com o fim de determinar os comportamentos a serem coagidos e punidos pelo poder público; b) a aplicação do direito não se dá em casos em que as a lei não seja suficientemente clara para a situação em questão, devendo o magistrado resolver o caso “exercendo seu discernimento pessoal”. c) a obrigação jurídica e o direito jurídico está adstrito a outorga de uma lei válida.

Austin distinguiu as classes de regras em jurídicas, morais e religiosas, e entendeu que as regras jurídicas são aquelas de caráter geral, emanadas de um soberano e que possuem uma sanção pelo seu descumprimento. Cabe aos juízes criarem ou adaptarem as normas aos múltiplos casos apresentados à solução. Vale dizer, que esse poder soberano, proposto pela teoria de Austin, é cada vez menos presente em razão da complexidade das sociedades contemporâneas. Austin reduz a ordem jurídica ao fato de poder ser imposta pela força o que torna sua teoria errônea, haja vista que, dá margem a que ordens não emanadas de um centro potestativo legítimo também sejam consideradas jurídicas.

Existem três elementos, quando se trata do auditório universal: o acordo, a escolha e a apresentação das premissas.

O acordo fundado no real almeja o convencimento, quem tem quatro elementos: fatos, verdades, presunções e preferível. Quanto ao preferível, é válido para um auditório particular. Os fatos constituem situações observadas, cuja apresentação resta inútil ante ao grau adesivo da plateia. Já na verdade, depende de elementos de correlação com sistemas complexos, uniões de fatos, teorias científicas, concepções filosóficas. As presunções têm uma força adesiva menor e, por isso, carecem de fundamentação/justificação perante o auditório universal. Já no preferível, não têm o condão de atender ao auditório católico.

O conceito de auditório universal é ambivalente, ao mesmo tempo em que o auditório universal se encontra no plano ideal – “humanidade ilustrada”. Utiliza argumentos convincentes, que deveriam ser aceitos por qualquer ser racional, sua noção de auditório não é explícita, pois se trata de raciocínios dialéticos.

O RACIOCÍNIO JURÍDICO E SUA ARGUMENTAÇÃO SEGUNDO PERELMAN

As premissas do raciocínio jurídico são eleitas pelo orador e, devem atender aos princípios de sinceridade, seriedade, imparcialidade, universalizabilidade, inércia (que exige um esforço considerável, para afastar as teses consolidadas) e postulado da tolerância.

O princípio da sinceridade aproxima-se das condições ideais, posto que pressuponha aptidão e crença naquilo que se fala por parte do orador. A seriedade complementa a sinceridade, na medida em que exige comprometimento com aquilo que pretende gerar convencimento. O orador, também, deve ser imparcial, livre, de modo que não comprometa a sua atividade argumentativa. A universalizabilidade deve ser buscada pelo orador, que constitui a principal marca da racionalidade dialógica, impedindo uma argumentação de ser aceita por qualquer auditório. A inércia representa o ônus argumentativo para afastar teses consolidadas.

É possível distinguir três elementos na argumentação: o discurso, o orador e o auditório. O discurso constitui o objeto/instrumento da argumentação. O orador, por óbvio, é o sujeito que o profere, ao passo que, o auditório é o destinatário do discurso.

Perelman menciona, ainda, dois gêneros oratórios: deliberativo e judicial. No gênero deliberativo o objetivo é convencer/persuadir uma assembleia, como vistas à adesão a uma determinada tese. Na judicial o discurso tem, geralmente, um auditório unissubjetivo, posto que, normalmente, ele é direcionado a um magistrado.

Em sua obra Tratada da Argumentação: a nova retórica2, Perelman buscou analisar as diversas técnicas de argumentação e como elas poderiam ser aplicadas ao discurso jurídico, de modo a permitir que o pensamento silogístico, inerente ao sistema positivista, cedesse espaço, através da dialética, à utilização dos valores no processo de subsunção dos fatos às normas. Tais técnicas são diferenciadas conforme a amplitude da argumentação e a ordem dos argumentos esquematizada pelo orador; e, por sua vez, são caracterizadas por processos de ligação e processos de dissociação de ideias. Para melhor compreensão do que consistem tais processos, Chaïm Perelman (2004, p.215) expõe:

Entendemos por processos de ligação esquemas que aproximam elementos distintos e permite estabelecer entre eles uma solidariedade que visa, seja estruturá-los, seja valorizá-los positiva ou negativamente um pelo outro. Entendemos por processos de dissociação técnicas de ruptura com o objetivo de dissociar, de separar, de destruir elementos considerados um todo, ou pelo menos um conjunto solidário dentro de um mesmo sistema de pensamento. A dissociação terá o efeito de modificar tal sistema ao modificar algumas das noções que constituem suas peças mestras. É por isso que esses processos de dissociação são características de todo pensamento filosófico original.

Psicológica e logicamente, toda ligação implica uma dissociação e inversamente: a mesma forma que une elementos diversos num todo estruturado os dissocia do fundo neutro do qual os destaca. As duas técnicas são complementares e sempre operam conjuntamente; mas a argumentação que promove a modificação do dado pode enfatizar a ligação ou a dissociação que está favorecendo, sem explicitar o aspecto complementar que resultará da transformação buscada. Às vezes, os dois aspectos estão simultaneamente presentes na consciência do orador, que perguntará para qual deles é melhor chamar a atenção.

  

CONCLUSÃO

Observou-se que o pensamento jurídico de Chaïm Perelman tornou-se reconhecido em todos os sistemas judiciários do mundo graças ao seu caráter democrático e social. Sua teoria da argumentação, ao inspirar-se na retórica de Aristóteles, resgatou o sentido original do termo dialética e possibilitou a inserção da democracia na própria efetivação da justiça.

A Nova Retórica de Perelman é reformular o pensamento jurídico contemporâneo desvinculando-o do pensamento positivista e demonstrar que o aplicador das leis ao proferir sua decisão não pode ater-se simplesmente à literalidade da norma, devendo pensar nos fatos como situações que podem ser valoradas. É de observar que ela funciona sim como um instrumento linguístico capaz de convencer a sociedade de um modo geral da necessidade de se respeitar os ditamos da legislação, notadamente no que diz respeito às questões de acessibilidade para os portadores de deficiência física.

Cabe destacar que a Nova Retórica não abrevia a atividade de convencimento e persuasão à argumentação, pelo contrário, ela dispõe a argumentação como a forma de produzir convencimento e persuasão tão presentes no meio jurídico.

Desse modo, temos que o convencimento é mais abrangente que a persuasão já que aquele se preocupa com o caráter racional da adesão (auditório universal), enquanto esta tem preocupação tão somente com o resultado (auditório particular). Assim, ele afirma que a lógica jurídica difere das demais por ser uma lógica dialética e argumentativa, não bastando à demonstração, devendo o juiz ter uma visão estrita de cada caso concreto para aplicar a solução mais razoável e a mais justa.

Conclui-se assim que Perelman entende a Teoria da Argumentação como uma técnica capaz de substituir a violência. O que esta última pretende obter pela coerção, a argumentação pretende fazê-lo pela adesão. Por isso, o recurso à argumentação requer o estabelecimento de uma comunidade de espíritos que, pelo mecanismo interno de sua própria constituição, exclua a violência. Isso porque, em uma comunidade baseada em princípios igualitários, as próprias instituições regulam as discussões.

A teoria da argumentação é sem dúvida um dos fatores inerentes à condição humana, posto ser, como já dito, um instrumento delineador de concretude na luta pela concretude da acessibilidade.

Acessibilidade é a possibilidade de qualquer pessoa usufruir de todos os benefícios da vida em sociedade, concluímos assim, que nos termos do art. 2º da Lei n.º 10.098/2000, acessibilidade é a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida.

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NOTAS

1 Aluna do 2º semestre do Curso de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará  -  FAP. Email: [email protected]

2 Publicada originalmente em meados de 1958.

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Retórica das Paixões. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 28.

ATIENZA, Manuel. Op. Cit., p.64 e ss.

MEYER, Bernard. A arte de argumentar: com exercícios corrigidos. Tradução Ivone C. Benedetti – São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008, p.4.

PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica. Tradução Vergínia K. Pupi. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 141.

PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: nova retórica. Tradução Virgínia K. Pupi;

PERELMAN, Chaïm. Perelman. Ética e Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.19-33.

Revisão da tradução Maria Ermantina de Almeida Padro Galvão; Revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004a – (Justiça e Direito).

LIMA, Luiz Henrique. Acessibilidade para pessoas portadoras de deficiências: requisito da legalidade, legitimidade e economicidade das edificações públicas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11n. 123316 nov. 2006. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/9167>. Acesso em: 20 maio 2013.