Discalculia: Diagnóstico e Intervenção

Edlene do Socorro Teixeira Rodrigues

 

 

Resumo

 

O presente trabalho de pesquisa teve como objetivo conhecer sobre as dificuldades de aprendizagens na área da Matemática, investigando sobre uma das disfunções, a discalculia. Para tanto, pesquisou-se por meio de revisão bibliográfica, os conhecimentos já construídos acerca do tema discalculia. Buscou-se o aprofundamento sobre o diagnóstico e intervenção em relação às dificuldades para a aprendizagem das habilidades matemáticas. Durante a realização da pesquisa, os estudos foram concentrados na compreensão da discalculia, na identificação das causas e caracterização dessa disfunção. Também foi investigado como o cérebro processa as informações matemáticas, tal investigação teve como objetivo perceber as interferências das funções cerebrais nas aprendizagens matemáticas. Por fim, fizemos um levantamento das estratégias que podem ser utilizadas como intervenção, buscando ajudar os estudantes a alcançarem um bom desenvolvimento em relação aos conhecimentos matemáticos. A partir desta pesquisa faz-se necessário conhecer mais sobre o desenvolvimento das aprendizagens matemáticas, uma vez que, ficou claro, que a dificuldade apresentada pelo estudante, pode estar ligada a uma imaturidade neurológica ou a metodologias inadequadas.

Palavras-chave: Discalculia, Dificuldade de Aprendizagem, Diagnóstico, Intervenção

Title: Dyscalculia Diagnosis and Intervention

Abstract

The current work of research has as objective to gather knowledge about learning disabilities on the field of mathematics by investigating the Dyscalculia. For that mean, it was made an bibliographic research about the already stablished studies surrounding the thematic of dyscalculia. Looking for amplifying the diagnosis and intervention relating to the difficulties on the mathematical learning. During the realization of the research, the studies were concentrated in the compression of dyscalculia, on it's causes, identifiers and the characterization on this disfunction. It was also investigated how the brain process mathematical information, with the intention of finding out the interferences of the brain functions in the mathematical learning. Lastly, we listed strategies that can be used as a positive intervention on the student's learning process. From this research, it becomes necessary the study on how the mathematical learning process occurs, once that, it has become clear that the learning disability on this subject can be connected to a neurological immaturity or to poorly implemented learning method. 


Keywords: Dyscalculia, Learning Disabilities, Diagnosis, Intervention

Discalculia: Diagnóstico e Intervenção

Edlene do Socorro Teixeira Rodrigues

 

1     Introdução

Tradicionalmente a Matemática é considerada uma disciplina de difícil compreensão. Muitos alunos revelam dificuldades para a  aprendizagem dessa disciplina. Alguns não compreendem os enunciados dos problemas, não decidem qual operação realizar; há também os que não fazem a leitura do texto matemático. É necessário ter clareza que essas dificuldades podem não estar associadas ao fator motivação, mas à discalculia.

Os estudos acerca do tema diagnóstico da discalculia e intervenção justificam-se pelo fato de que a Matemática é uma disciplina estruturadora que sustenta os conhecimentos ministrados em outras disciplinas como a Química e a Física, e, principalmente, por lidar com conhecimentos de vasta aplicabilidade no meio social. Localizar as causas das dificuldades e saná-las é de grande valia para a população, vítima de tais problemas.

Essa população, em sua grande maioria, é composta por estudantes que cursam o Ensino Fundamental e o Médio. Assim, tais estudantes discalcúlicos, encontrados nesse contexto, devido às suas dificuldades, vão construindo ao longo da trajetória escolar, um distanciamento da disciplina Matemática.

Ao longo de minha trajetória profissional, pude presenciar situações nas quais os estudantes lidam com a Matemática como uma “obrigação escolar”. Desse modo, não encontrando sentido nos conhecimentos veiculados pela referida disciplina, acumulam dificuldades escolares e os conhecimentos construídos vão se tornando inconsistentes.

Na busca de respostas que justifiquem a situação narrada anteriormente e de estratégias que viabilizem condições para que os estudantes encontrem sucesso acadêmico, me envolvi no presente estudo, que é pautado pelos objetivos seguintes.

2 Discalculia: conceituação

A palavra discalculia deriva dos conceitos dis (desvio) e cálculo (calcular, contar). É um distúrbio de aprendizagem que interfere, negativamente, na aquisição das competências matemáticas (REBELO, 1998).

De acordo com os estudos já desenvolvidos pelos autores estudados e utilizados como referência em nossa pesquisa, podemos afirmar que discalculia é uma disfunção de desenvolvimento que compromete as redes encefálicas vinculadas ao processamento aritmético. É um transtorno específico na competência numérica e nas habilidades matemáticas; atinge sujeitos com inteligência normal sem lesões cerebrais adquiridas.

Segundo Balbi e Dansílio (2010), discalculia é um transtorno específico na capacidade de adquirir habilidades matemáticas básicas, quando essa perturbação não é intelectual global ou secundária a transtornos cognitivos em outros domínios, em fatores psicoafetivos, socioculturais ou pedagógicos.

A disfunção de aprendizagem discalculia descreve um grupo dos estudantes que apresentam dificuldades na aprendizagem das habilidades matemáticas básicas. Por meio da pesquisa de Butterworth (1999, citado por BALBI; DANSÍLIO, 2010), podemos sustentar as afirmações acima; o referido autor traz a seguinte afirmação: “É um déficit severo e seletivo que afeta o processamento numérico, a compreensão e resolução de procedimentos aritméticos, de sujeitos com capacidade intelectual normal, sem problemas motores e sensoriais.” (BUTTERWORTH, 1999, citado por BALBI; DANSÍLIO, 2010, p. 143)

Segundo Walsh (2003, citado por BALBI; DANSÍLIO, 2010, p. 144), o problema apresenta-se em todas as tarefas numéricas, tanto simbólicas como não simbólicas e dificuldades em atividades que necessitam de construções que exijam noções temporais e espaciais.

De acordo com Coelho (2013) a discalculia só pode ser caracterizada em sujeitos que não apresentem déficit cognitivo, caso contrário, esse será a causa da dificuldade nas habilidades matemáticas. Também é necessário destacarmos que a discalculia é uma disfunção nas redes encefálicas vinculadas às habilidades matemáticas.

3 Tipos de discalculia

 

Ladislav Kosc (citado por CAMPOS, 2014), estudioso que identificou a discalculia em 1974, classificou a discalculia em seis tipos, relacionados às habilidades matemáticas específicas. Esses tipos podem ocorrer individual ou conjuntamente.

Segue a classificação feita por Ladslav Kosc (1974, citado por CAMPOS, 2014, p. 25 e 26):

  • discalculia verbal: dificuldade para nomear as quantidades matemáticas, os números, os termos, os símbolos e as relações;
  • discalculia pratognóstica: dificuldade para enumerar, comparar e manipular objetos reais ou imaginários, matematicamente;
  • discalculia léxica: dificuldade na leitura de símbolos, problemas matemáticos;
  • discalculia gráfica: dificuldade na escrita de símbolos matemáticos;
  • discalculia ideognóstica: dificuldade na realização de operações mentais e na compreensão e na compreensão de conceitos matemáticos;
  • discalculia operacional: dificuldade na realização de operações e cálculos matemáticos.

 

4 Processamento dos conhecimentos matemáticos

 

Os estudos acerca de como os conhecimentos matemáticos são construídos podem ajudar no estabelecimento de estratégias para um ensino mais eficaz.

Jean Piaget defendeu que a habilidade para a realização de uma operação aritmética surgia em torno dos 5 anos e necessitava da construção prévia de algumas habilidades de raciocínio.

TORRESI (2014) afirma que nascemos com circuitos cerebrais especializados em identificar pequenas quantidades, que servirão de base para posterior desenvolvimento das habilidades matemáticas mais complexas. Essa habilidade numérica inata, explica a capacidade que têm os bebês para reconhecer quantidades em pequenas coleções; tal sentido numérico permite perceber o número, aproximado, de objetos que compõem um grupo, distinguindo entre muito e pouco.

A pesquisa de Alonso e Fuentes (2001) aponta para o fato de que a quantificação dos elementos é uma capacidade básica que permite a construção de outras habilidades matemáticas. Essa investigação defende que, do ponto de vista evolutivo, a compreensão das quantidades é uma atividade preliminar das habilidades numéricas simbólicas posteriores. Exemplo: as habilidades de contagem são resultantes das habilidades primárias de percepção de quantidade, que são próprias da aritmética informal, enquanto a contagem é própria da aritmética formal. O surgimento da linguagem, primeiro oral e depois escrita, transforma a aritmética informal. A inclusão das palavras “um, dois e três”, etc. no vocabulário, e depois da aritmética simbólica, abrem possibilidade para a compreensão da aritmética abstrata.

TORRESI (2014) defende que o sentido numérico é primordial para o sucesso escolar. É essencial para estabelecer os fundamentos de toda aprendizagem matemática. As operações numéricas formais são aprendidas a partir do sentido numérico.

Alonso e Fuentes (2001) desenvolveram estudos acerca das áreas cerebrais que são ativadas no desempenho das atividades matemáticas. Nesses estudos, eles trazem contribuições importantes, defendendo que para as operações matemáticas é necessária uma integração dos hemisférios cerebrais esquerdo e direito. O hemisfério esquerdo exerce um importante papel no pensamento aritmético. Já certas tarefas como a comparação de quantidades e o raciocínio de aproximação são efetuadas pelo hemisfério direito. Para a resolução dos problemas aritméticos ambos os hemisférios interagem. A compreensão das diferentes dimensões do conceito de número (quantitativo, qualitativo e simbólico) resulta da interação dos dois hemisférios.

TORRESI (2014) também traz reflexões sobre a ativação das áreas cerebrais na realização das atividades matemáticas. A autora afirma que o sulco intraparietal é uma área ativada nas tarefas de cálculo com dígitos, que sustentaria a representação interna abstrata das quantidades e suas relações. No lóbulo parietal há duas regiões fundamentais que são ativadas durante a resolução das tarefas numéricas: o sulco intraparietal e o giro angular. O giro angular se ativa em processos da linguagem como a compreensão, expressão e formato verbal dos números. Essa área forma parte do sistema linguístico e também se ativa na recuperação das tabelas dos fatos fundamentais. A atividade do giro angular é maior em tarefas de cálculo exato que nas de cálculo aproximado. O cálculo exato consiste em operações aritméticas automatizadas armazenadas na memória. O cálculo aproximado ativa o sulco intraparietal.

As operações com números maiores necessitam de outras estratégias para resolução e implicam em representação de quantidades abstratas, acionando regiões dos lóbulos parietal e frontal.

O sistema parietal posterior superior se ativa na realização de tarefas de comparação numérica e está implicado nos processos atencionais necessários para a resolução do cálculo. O sistema parietal posterior superior é multimodal e, além das atividades de cálculo, desempenha um papel importante nas atividades visuoespacial e de memória de trabalho espacial.

O lóbulo frontal participa também do processamento aritmético e é ativado nas funções relacionadas com a memória de trabalho, planejamento, sequenciação dos componentes necessários para a realização de tarefas, para a comprovação dos resultados e para a correção dos erros.

As pesquisas citadas anteriormente sustentam a afirmativa de que para a realização das atividades matemáticas há uma interação das áreas cerebrais.

5 Caracterização da discalculia

Os estudos desenvolvidos por Coelho (2013) afirmam que os sujeitos portadores de discalculia apresentam, em testes de inteligência, desempenho superior nas funções verbais comparativamente às funções não verbais.

Geralmente, são pessoas que revelam um ritmo de trabalho muito lento, devido ao fato de não terem desenvolvido os mecanismos necessários para lidar com os processos matemáticos, como: memorização de sequências, dos fatos fundamentais.

De acordo com Rebelo (1998, p. 227-279) um discalcúlico apresenta dificuldades em várias habilidades matemáticas, como:

  • Memorização das regras, fórmulas e conceitos matemáticos.
  • Diferenciação de posicionamento como: direita/esquerda, cima/baixo, norte/sul, leste/oeste.
  • Compreensão de unidades de medidas.
  • Realização de tarefas que necessitem de noção temporal; exemplo: verificar horas em relógio analógico.
  • Estabelecimento de relações entre conjuntos, como: diferentes/equivalentes, maior que/menos que, mais elementos/menos elementos.
  • Compreensão das palavras usadas na descrição de operações matemáticas como: diferença, soma, total, conjunto, raiz quadrada.
  • Realização de tarefas que impliquem a manipulação do sistema monetário, como: leitura e escrita de quantias, estimar o custo de uma compra.
  • Memorização dos passos necessários para a resolução de cálculos matemáticos.
  • Resolução de operações matemáticas apresentadas por meio de um problema; exemplo: é capaz de resolver a operação 6 + 3 = 9, mas são incapazes de solucionar a situação apresentada no problema, como: Pedro tem 6 chaveiros, Miguel tem 3, quantos chaveiros têm no total?
  • Realizar correspondência, como: contar objetos e associar um numeral a cada um.
  • Orientar-se espacialmente, não conseguem posicionar, corretamente, os números de uma operação, desperdiçam muito espaço da folha de papel ou, pelo contrário, limitam-se a um espaço reduzido, dificultando a percepção da tarefa.
  • Compreender o valor numérico segundo a modificação da posição de um algarismo; exemplo: para o discalcúlico é difícil compreender que os números “ 450”, “504” e “405” são diferentes.
  • Conservar quantidades: apesar da evolução da idade, quando contam um conjunto de objetos, não conservam o total obtido e voltam a proceder à operação se questionados sobre ele.

Torresi (2014, p. 03) traz as seguintes características para o portador de discalculia:

  • Utilizam estratégias imaturas para resolução de atividades matemáticas.
  • Cometem erros na recuperação de dados matemáticos.
  • Apresentam déficit na memória de trabalho.
  • Necessitam de tempo prolongado para resolver problemas matemáticos.

6 Causas da discalculia

Os estudos desenvolvidos sobre a discalculia são recentes e as conclusões ainda não podem ser generalizadas, mas já apontam caminhos que norteiam a investigação. As pesquisas estão se desenvolvendo nas áreas como: Neurologia, Linguística, Psicologia, Genética e Pedagogia.

Sobre as causas da discalculia, Coelho (2013) traz, por meio de seus estudos, afirmações que apontam questões que envolvem as áreas citadas no parágrafo anterior, como veremos a seguir.

Para Coelho (2013), o desenvolvimento neurológico acontece com a maturação das funções do sistema nervoso que vão se estabelecendo ordenada, progressiva e cronologicamente, resultantes de experiências que produzem estímulos adequados. A imaturidade dessas funções pode ser uma das causas da discalculia.

Nessa linha, Romagnoli (2008) aponta três graus de imaturidade neurológica que classifica a discalculia:

  • grau leve: quando o sujeito discalcúlico apresenta desenvolvimento positivo após à intervenção;
  • grau médio: quando o estudante tem dificuldades específicas na área da Matemática;
  • grau limite: nas situações em que se verifica a existência de uma lesão neurológica gerada por traumatismos que provocam um déficit intelectual.

Ainda, na busca da identificação das causas, Cazenave (1972, citado por COELHO, 2013) traz considerações acerca do domínio da linguística. Para esse autor, a compreensão matemática depende da aquisição da linguagem, que tem papel preponderante no desenvolvimento cognitivo. Nesse caso, a pessoa com discalculia traz uma elaboração do pensamento deficiente, devido às dificuldades durante o processo de aquisição da linguagem. Esses sujeitos revelam déficit na compreensão de relações na percepção da reversibilidade e no estabelecimento de generalizações. Há também dificuldades na resolução de problemas e na compreensão do simbolismo numérico e nas representações gráficas da Matemática. Coelho (2013) ainda ressalta sobre a importância da compreensão do significado das palavras presentes em um problema matemático para proceder à sua resolução.

Coelho (2013) levanta considerações acerca das áreas da Psicologia, da Genética e da Pedagogia para a identificação das causas da discalculia.

Os estudos desenvolvidos na área da Psicologia apontam para o fato de que os sujeitos portadores de alterações psíquicas se tornam mais propensos a apresentar problemas de aprendizagem, pois a condição emocional exerce influência na memória, na atenção e na percepção.

Com relação ao que diz respeito à Genética, segundo Coelho: “A área da genética aponta para a determinação de um gene responsável pela transmissão dos transtornos em nível de cálculo” (COELHO, 2013, p.173).

Corroborando as pesquisas de Coelho (2013), trazemos também os estudos de Butterwoth (2005, citado por BALBI; DANSÍLIO, 2010) que defende a influência da Genética na constituição do quadro da discalculia. Butterworh afirma que se um gêmeo tem discalculia, há 58% de possibilidade do outro gêmeo também apresentar o quadro, em caso de univitelinos; e 39% de chances para gêmeos bivitelinos (dicigóticos).

Butterworh também traz, em suas pesquisas, a constatação de que uma pessoa com discalculia tem entre 5 a 10 vezes mais chances de possibilidade de que o irmão tenha a mesma disfunção.

A área da Pedagogia faz considerações colocando a discalculia como uma dificuldade de aprendizagem que pode ser agravada por transcorrências que acontecem durante o processo de ensino e aprendizagem, como métodos de ensino inadequado, falta de adaptação à escola e outros (COELHO, 2013).

Shalev (1998, citado por BERNARDI, 2006) investigou a permanência da discalculia em crianças que frequentavam o Ensino Fundamental, durante três anos. Nessa pesquisa, buscou-se identificar os fatores que pudessem estar associados à permanência da discalculia. A pesquisa concluiu que fatores como nível socioeconômico, o gênero e a presença, ou não, de problemas associados à leitura e à escrita não eram relevantes na persistência ou não da discalculia. Identificou-se que os irmãos de crianças discalcúlicas apresentavam persistência na disfunção, dado esse que coincide com a conclusão feita por Butterworh (1999) em sua pesquisa, quando o pesquisador também percebeu a maior probabilidade da discalculia em irmãos de discalcúlicos. Comprovou-se, também, a importância de fatores genéticos na permanência da discalculia.

 

 

 

 

 

 

7 Discalculia e seus indícios, fatores a serem considerados para um diagnóstico

Conforme vimos anteriormente, a aquisição das habilidades matemáticas requer o bom funcionamento das estruturas cerebrais. A percepção de alguma imaturidade das funções cerebrais, muitas vezes só acontece no ambiente escolar, com o surgimento das dificuldades escolares. Quando, já em idade escolar, o sujeito apresenta um desempenho nas atividades matemáticas abaixo do esperado, é que surge a investigação acerca da discalculia.

A pesquisa de Shalev (1998, citado por BERNARDI, 2006) indica que entre 5% a 15% das crianças que frequentam as escolas de Ensino Fundamental, manifestam um desenvolvimento e funcionamento deficitário das estruturas cognitivas em seus diferentes domínios. O estudo desse pesquisador aponta também para o fato de que a discalculia afeta, na mesma proporção, crianças de ambos os sexos.

A importância de um diagnóstico, o mais cedo possível, é um fator preponderante para que o discalcúlico alcance sucesso no processo de aprendizagem. As pesquisas de Shalev (1998, citado por BERNARDI, 2005) concluíram que a intervenção contribuiu para a diminuição da quantidade de alunos que permaneciam com características de discalculia, melhorando o desempenho escolar. Esses estudos indicam que a existência de uma intervenção pedagógica adequada e constante, ajuda o discalcúlico a superar suas dificuldades.

Para que ocorra uma intervenção pedagógica adequada, a fim de contribuir para a melhora do desempenho escolar do discalcúlico, é necessário que aconteça a identificação, o mais precoce possível.

A Associação de Apoio e Terapêutica das Perturbações do Desenvolvimento (2007) lista algumas condutas dos estudantes que podem indicar a presença da discalculia, ajudando, assim, no diagnóstico:

  • baixa habilidade para realizar contagem: resolve cálculos simples de forma lenta, apresenta dificuldade para fazer contagem em ordem crescente;
  • dificuldade para identificar números: há a tendência de escrever os números colocando os algarismos na ordem invertida; exemplo: 15, escreve 51;
  • dificuldade para compreender símbolos, conjuntos e quantidades;
  • não estabelece correspondência recíproca: não associa números à contagem de objetos;
  • dificuldade para lidar com as situações que envolvem medidas como: sistema monetário, medida de tempo.

Campos (2014, p. 29-30) também relaciona uma série de características apresentadas pelo discalcúlico. Segundo a autora, a criança com discalculia apresenta as seguintes dificuldades:

  • visualizar conjuntos de objetos dentro de um conjunto maior;
  • conservar a quantidade, o que dificulta a compreensão que um quilo é composto por 250 gramas, 4 vezes;
  • compreender os sinais de soma, subtração, multiplicação e divisão;
  • sequenciar números;
  • classificar;
  • organizar algoritmo;
  • compreender a organização dos sistemas de medidas;
  • resolver operações matemáticas seguindo os passos;
  • estabelecer correspondência.

Já Balbi e Dansílio (2010, p. 07-15) levantam as seguintes dificuldades que os discalcúlicos apresentam:

  • cardinalizar coleções pequenas;
  • reconhecer regularidades;
  • manipular grandes quantidades;
  • realizar estimativas;
  • lidar com o sistema de medidas;
  • comunicar processos matemáticos;
  • formular perguntas matemáticas;
  • organizar, espacialmente, quantidades;
  • orientar-se espacialmente;
  • calcular mentalmente;
  • alternar procedimentos;
  • generalizar procedimentos;
  • estabelecer estratégias.

 

Buscando estratégias para diagnosticar os casos de discalculia, Sacramento (2008, citado por COELHO, 2013, p. 174), estabeleceu as aptidões esperadas em cada faixa etária e as dificuldades apresentadas, também de acordo com a faixa etária. Essa classificação segue nos parágrafos subsequentes.

03 a 06 anos

 

Habilidades Esperadas

 

  • Compreender os conceitos de igual/diferente, curto/comprido, grande/pequeno, menos/mais.
  • Classificar objetos pelo tamanho, cor e forma.
  • Reconhecer os números de 01 até 09 e contar até 10.
  • Reconhecer e reproduzir formas e figuras.

 

Dificuldades Apresentadas:

 

  • Problemas em nomear quantidades matemáticas, números, termos e símbolos.
  • Fracasso em enumerar, comparar, manipular objetos reais e/ou mentalmente.

 

06 a 12 anos

 

Habilidades Apresentadas

 

  • Agrupar objetos de 10 em 10.
  • Ler e escrever de 0 a 99.
  • Reconhecer o valor do dinheiro.
  • Olhar horas em relógio digital.
  • Realizar operações matemáticas envolvendo: adição, subtração, multiplicação e divisão.
  • Ler mapas.
  • Compreender noções como metade, quarta parte e números ordinais.
  •  

Dificuldades Apresentadas

 

  • Leitura e escrita incorreta dos símbolos matemáticos e todas as consequências advindas dessa dificuldade.

 

12 a 16 anos

 

Habilidades Apresentadas

  • Capacidade para usar números na vida cotidiana.
  • Usar calculadora.
  • Ler tabelas, gráficos e mapas.
  • Compreender o conceito de probabilidade.
  • Resolver problemas matemáticos.

 

Dificuldades Apresentadas

 

  • Falta de compreensão dos conceitos matemáticos.
  • Dificuldade na realização dos cálculos matemáticos, mental ou escrito.

Sacramento (2008) defende que o diagnóstico de discalculia deve ocorrer tendo em vista o desenvolvimento naquele momento avaliado, aplicável por um período máximo de um ano. Como o sujeito está em constante desenvolvimento, as dificuldades que existem no ano anterior podem ser minimizadas no ano seguinte.

8 Superando as dificuldades

Ao pensar em estratégias para superar as dificuldades geradas pela presença da discalculia, é fundamental organizar um atendimento individualizado. Na estruturação de um acompanhamento individualizado, COELHO, (2013) indica a observação de dois aspectos:

  • definição dos objetivos: apropriados ao nível de capacidade do sujeito, identificando quais as dificuldades e potencialidades da criança, e a partir dessas informações, estabelecer os objetivos específicos para a intervenção;
  • adequação das tarefas: elaborar tarefas com vistas a perceber quais as habilidades que a criança precisa construir.

No planejamento de uma proposta de intervenção com estratégias pedagógicas, devem-se considerar algumas ações que respeitem as individualidades e propiciem evolução. Ao elaborar um plano de intervenção, é necessário conhecer todas as competências já construídas e concentrar o plano de intervenção numa perspectiva ampla de desenvolvimento, centrando atenção na dificuldade cognitiva, reforçando as habilidades menos desenvolvidas.

Num ambiente escolar, o acompanhamento do professor deve buscar um completo equilíbrio entre as necessidades e tempos da classe e as necessidades e tempo do aluno, portador de necessidade educativa especial, como o discalcúlico, e assim, intervir, pedagogicamente, facilitando o acesso às aprendizagens. É fundamental ter clareza quanto às habilidades deficitárias, e então, desenvolver estratégias específicas.

Torresi (2014, p. 06) propõe estratégias para viabilizar um atendimento individualizado:

  • Promover um tempo adequado para o discalcúlico seguir trabalhando os conceitos básicos, apesar do ritmo de apresentação dos conteúdos expostos no currículo.
  • Num período inicial, reduzir a complexidade das atividades.
  • Planejar tarefas sobre o conceito de cardinalidade, tendo em vista que se trata de um conhecimento escolar.
  • Repetir algoritmo e procedimentos de resolução.
  • Revisar, permanentemente, os temas dados, para ter clareza das habilidades construídas pelo aluno, e assim, seguir com as exigências do programa curricular.
  • Promover situações para a formulação de perguntas para o trabalho. Se um aluno pode fazer perguntas sobre um conteúdo é porque a compreensão está ocorrendo.
  • Permitir o uso de calculadora na realização das operações.
  • Analisar as vantagens e desvantagens de diferentes procedimentos de resolução para optar pelo mais conveniente.
  • Segmentar o procedimento em componentes mais simples.
  • Acompanhar o aluno na identificação dos erros e promover condições para que ele mesmo faça a correção, refletindo sobre os motivos dos erros.
  • Promover o desenvolvimento de estratégias de planejamento e revisão das tarefas.

 

Campos (2014) traz algumas ações que podem ser adotadas pelas escolas visando propiciar melhores condições de aprendizagem para o discalcúlico. A autora sugere: permitir o uso de calculadora; ajudar o aluno na organização do caderno; sugerir o uso do caderno quadriculado; propiciar um tempo diferenciado para conclusão das atividades e avaliação escolar; formular questões claras e objetivas; utilizar recursos como jogos; permitir a realização de tarefas em dupla ou grupos; não solicitar que o aluno solucione questões no quadro; usar situações do cotidiano para facilitar a compreensão dos problemas; não recriminar os erros do aluno; demonstrar que está ali para auxiliar.

O jogo é uma atividade lúdica que muito ajuda na construção das aprendizagens. É uma estratégia que é mais eficaz para manter a concentração do aluno e estimular o raciocínio. Campos (2014, p. 59; 60) faz uma lista de jogos e as habilidades desenvolvidas que esses jogos proporcionam:

  • Jogo dos sete erros: desenvolve atenção e concentração.
  • Amarelinha: ajuda a reconhecer os números, estimula a memória, desenvolve a orientação espacial e percepção visual.
  • Vivo ou morto: desenvolve a atenção, concentração, capacidade de categorização e organização.
  • Sudoku: desenvolve a estruturação espaço-temporal, promove o raciocínio lógico, desenvolve atenção, concentração e percepção visual.
  • Trilha ou moinho: desenvolve lateralidade, sequência, formação de estratégia e conceito de probabilidade.
  • Baralho: desenvolve sequência numérica, raciocínio lógico, estratégia e probabilidade.
  • Dominó: desenvolve associação de número, sequência, conceito de menor e maior.
  • Jogo do mico: desenvolve atenção, pareamento e percepção visual.
  • Jogo da velha: desenvolve raciocínio, capacidade de análise, resolução de problema e concentração.
  • Quebra-cabeça: desenvolve concentração, percepção, capacidade de análise.
  • Tangran: trabalha o raciocínio espacial, capacidade de análise e síntese e as formas geométricas.
  • Batalha naval: desenvolve o conceito de par ordenado, representação de números inteiros e ajuda a identificar coordenadas no plano cartesiano.
  • Jogo da memória: desenvolve concentração, memória de trabalho, coordenação.

As atividades planejadas devem facilitar a aprendizagem, ajudando o discalcúlico a melhorar sua autoestima. O profissional deve sempre buscar compreender qual o raciocínio efetuado, percebendo o que a criança quer transmitir e como está verbalizando suas ideias, e a partir daí, fazer interferências, valorizando muito as conquistas alcançadas.

COELHO (2013) afirma que uma intervenção bem planejada, adequada, deve levar o sujeito a procurar soluções, e não apenas a memorizar conhecimento e procedimentos, a explorar padrões, e não apenas decorar fórmulas, a formular hipóteses, e não apenas fazer exercícios.

9 Considerações finais

Aprofundar-se nos estudos sobre a discalculia é uma forma de apoiar a construção das aprendizagens daqueles que apresentam dificuldades, sobretudo na compreensão e utilização da matemática.

O discalcúlico precisa de compreensão e auxílio para que alcance sucesso em sua trajetória escolar e não se distancie da Matemática, pois os conhecimentos que são construídos nessa área não são apenas escolares, e sim, cotidianos, pois dela precisamos no estabelecimento da dinâmica social. O discalcúlico encontra entraves em situações que para nós são óbvias, sendo necessário respeitarmos as dificuldades que estes experimentam, e ajudá-los na conquista dessa aprendizagem.

Pais, professores, psicopedagogos, toda equipe deve desenvolver um trabalho conjunto, estando preparados para intervir adequadamente atendendo às necessidades do discalcúlico. Deve ser empenho de todos proporcionar estratégias de ensino que favoreçam as aquisições que devem ser feitas por esses alunos.

Referências

ALONSO, L. J. T.; FUENTES, D. Mecanismos cerebrales del pensamiento matemático. Revista Neurol, pp. 33, 568- 576, 2001

ASSOCIAÇÃO DE APOIO E TERAPÊUTICA DAS PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO – CALEIDOSCÓPIO, 2007. Disponível em: <www.caleidoscopio-olhares.org/artigos/dislexia>. Acesso em:  21 de dezembro de 2011.

BALBI, A.; DANSÍLIO, S. Dificuldades del aprendizaje del cálculo: contribuciones al diagnostico psicopedagogico. Ciências Psicológicas; IV, pp. 7-15. Universidad Catolica Del Uruguay, 2010.

BERNARDI, Jussara. Alunos com Discalculia: o resgate da auto-estima e da auto-imagem através do lúdico. Porto Alegre, 2006.

BUTTERWOH, B. The Mathematical Brain. London: Macmillan, 1999.

CAMPOS, Ana Maria Antunes. Discalculia: Superando as dificuldades em aprender Matemática. Rio de Janeiro: Wak, 2014.

COELHO, Diana Tereso. Dificuldades de aprendizagens específicas: dislexia, disgrafia, disortografia e discalculia. Lisboa: Areal, 2013.

REBELO, J. A. Dificuldades de aprendizagem em Matemática: as suas relações com problemas emocionais. Coimbra: Revista Portuguesa de Pedagogia, 2, pp. 227-279, 1998.

ROMAGNOLI, G. C. Discalculia: um desafio na Matemática. Centro de Referência em Distúrbios de Aprendizagens. São Paulo, 2008.

SACRAMENTO. Dificuldades de aprendizagens em Matemática: Discalculia, 2008. Disponível em: <wwwartigonal.com/educacao-artigos/dificuldades-de-aprendizagem-em-matematica-discalculia-860624.html>. Acesso em: 30 de dezembro de 2011.

SHALEV. Persistence of Developmental Dyscalculia: What Counts. The Jornal of Pediatrics, v. 133, n.3, pp 358 – 362.

TORRESI, Sandra. Aprender Matemática. Aportes de la Neurociência Educativa. Disponível em: <www.nedu.com.ar>. Acesso em:  17 de novembro de 2014.

WALSCH,  V. A Theory of Magnitude: Common Cortical Metrics of Yimes, Space and Quantity. Trends Cogn Sci, 7: 488, 2003.