De há uns anos a esta data, venho sendo invadido por uma “saudável obsessão”, relativamente ao estatuto universal que deve identificar o ser humano, na sua complexidade e nas suas diferenças, face aos demais seres terrestres, quaisquer que sejam os “reinos” em que, classicamente, as ciências os tenham colocado: animal, vegetal, mineral ou quaisquer outros numa nova classificação.

É certo, desde já, que reconhecemos existir uma profunda preocupação, nas sociedades humanas, pela diferenciação do humano, em relação aos demais seres, como também é seguro a persistente luta do homem para ir vencendo os diversos obstáculos que a natureza lhe coloca, como, ainda, as crescentes dificuldades que precisa ultrapassar, resultantes da sua própria complexidade, possivelmente, aquelas que diretamente o afetam, na sua alegada superioridade.

De uma forma simples, cientificamente descomplexada, gostaria de, ao longo dos trabalhos que se vão seguir, mencionar alguns aspetos de uma das dimensões mais nobres da humanidade, que é a que se prende com a educação e, dentro desta, o contributo da Filosofia, a partir do último quarto do século XVIII, centrando, muito embora, toda a atenção no século XIX e, uma breve referência aos programas de Filosofia, colocando em destaque, sempre que possível, os Direitos Humanos, precisamente por ser um tema que, particularmente, me preocupa, mas, indubitavelmente, também sensibilizará muitas individualidades mundiais.

Assim, iniciarei a minha “caminhada” a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 que influenciou a Constituição Francesa de 1791, passando à análise do Direito Natural, a partir do Curso Elementar de Philosofia de 1866 de António Ribeiro da Costa e terminarei com uma breve referência ao ensino dos Direitos Humanos nos programas de Filosofia mais recentes.

A Revolução Francesa de 1789, deverá, sem quaisquer complexos para os restantes povos, constituir uma bússola, um farol, uma referência, quando e sempre que pretendermos invocar a História dos Direitos Humanos, independentemente das eventuais e compreensíveis insinuações que se possam defender, quanto à natureza ocidentalizada dos valores e princípios consagrados, mais tarde, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948.

O Preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de Agosto de 1789 é, por si só, um marco fundamental do pensamento da comunidade francesa da época: «Os representantes do povo francês, constituídos em Assembleia Nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo pelos direitos do homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governos, resolvem expor, numa declaração solene, os direitos naturais inalienáveis e sagrados do homem, (...) para que os actos do poder legislativo e do poder executivo (...) sejam mais respeitados; para que as reclamações dos cidadãos, baseadas a partir de agora em princípios simples e incontestáveis visem sempre a defesa da constituição e a felicidade de todos.» (in HAARSCHER, 1993:167).

Desde logo se destaca uma referência aos Direitos Naturais do homem e iremos encontrar, ao longo dos poucos, mas muito densos e significantes artigos da Declaração, a necessidade imperiosa de divulgar, promover e defender todo um conjunto de Direitos e Liberdades que, hoje, continuam a ser considerados valores supremos, absolutos, que não deveriam ser violados em circunstância alguma. Por razões de ordem didática, seja-me permitido destacar alguns Direitos consignados noutros tantos artigos da Declaração.

Portanto: «Art.º 1º- Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem ser fundamentadas na utilidade comum. Artº 2º- O fim de toda a associação política é a conservação dos Direitos Naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são: a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. (...) Artº 4º- A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não seja prejudicial a outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem só tem por limites os que garantam aos outros membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites só podem ser determinados por lei. Artº 5º- A lei tem por único direito a proibição das acções nocivas à sociedade. Tudo o que não é proibido por lei não pode ser impedido, e ninguém pode ser obrigado a fazer o que ela não ordena. Artº 6º- A lei é a expressão da vontade geral. (...). Ela deve ser a mesma para todos, quer seja para proteger, quer seja para punir.» (in Ibid.: 1993:168).

Obviamente que se analisarmos os documentos: A Declaração (Francesa) dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, (aprovada na ONU em 1948), encontramos incontestáveis diferenças, na medida em que, enquanto na primeira apenas se defendem valores que integram direitos naturais, imprescritíveis, ou seja, direitos da primeira geração; na segunda, aprovada, decorridos que foram mais de cento e cinquenta anos, já constatamos uma evolução, para melhor, onde se incorporam novos valores e os correlativos direitos, nomeadamente: económicos, sociais e culturais, entre outros, que, numa taxinomia clássica, designaremos de direitos de segunda e terceira gerações. Ainda bem que assim aconteceu, todavia, nem tudo está plenamente concretizado, há que reconhecê-lo.

A evolução que se regista na Declaração Universal dos Direitos do Homem, e que interessa ao presente trabalho, relaciona-se, na minha perspectiva, com a educação, que é uma dimensão exclusiva da pessoa humana e que a partir da qual, todo um processo evolutivo se segue ao longo da vida.

De facto, encontramos esta preocupação no: «Art.º 26º- 1.) Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos no que respeita ao ensino elementar e fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve ser aberto em plena igualdade a todos em função do seu mérito. 2.) A educação deve visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o reforço do respeito pelos direitos do homem e liberdades fundamentais. Deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, assim como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas pela manutenção da paz.» (in: Ibid.: 1993:174).

Entretanto, nós portugueses, teremos motivos para estarmos razoavelmente satisfeitos, na medida em que, no período compreendido entre a publicação dos dois importantes documentos, anteriormente citados, e no nosso sistema educativo, vamos encontrar, no âmbito do “ensino” da Filosofia, preocupações idênticas sobre a problemática dos Direitos Humanos Naturais, verificando-se, inequivocamente, que, apesar da posição dominante em relação às suas então colónias, Portugal vinha acolhendo, no seu sistema educativo, os grandes princípios e valores pelos quais se deve reger uma sociedade organizada.

Naturalmente que no período colonial se cometeram outros erros em matéria de Direitos Humanos; é conhecida a situação que atravessou grande parte da idade medieval por motivos religiosos; não se esconde a escravatura (embora Portugal tenha sido um dos primeiros países a aboli-la), nem outras violações durante certos períodos da nossa história coletiva, como também é justo afirmar que existem sérios esforços no sentido de melhorarmos o nosso comportamento, face à necessidade imperativa da salvaguarda e do cumprimento dos Direitos Humanos

Ao analisarmos o manual do curso elementar de Filosofia, elaborado por António Ribeiro da Costa e aprovado pelo governo da época, para uso dos liceus, em 1866, desde logo nos damos conta que velhos problemas, continuam como novas questões, temas de há dois mil anos, continuavam, então, atuais. As grandes divisões do estudo da Filosofia persistem para além do passar dos séculos: o manual em apreço, e já mencionado, é um volume bastante extenso e está ordenado de uma forma muito clássica, exaustiva e densa, que, muito resumidamente, podemos indicar a sua estrutura, conforme se segue:

Tentarei descrever, resumidamente, com recurso à citação a partir do próprio autor, os aspetos que, salvo melhor opinião, julgarei mais adequados aos objetivos deste trabalho e que, como é notório, se prendem com a defesa dos Direitos Humanos, a partir do sistema educativo português, numa determinada época da nossa História, seguindo, sincrónicamente, o pensamento do autor do manual de Filosofia de 1866 que, desde logo, nos transmitiu algumas noções, caracteres e definição do Direito.

A moral é entendida como a “ciência das leis segundo as quais deve desenvolver-se a actividade livre do homem; e o dever do homem consiste no desenvolvimento da sua natrureza e faculdades. Com efeito:   «Este desenvolvimento implica a aplicação das faculdades a todas as classes de entes o que determinará uma relação entre o homem e os seus semelhantes.» (COSTA,1866:441).

Nesta linha, o Direito é uma possibilidade e uma relação, constitui os meios para alcançar um determinado fim, de que resulta a possibilidade de empregar tais meios, sem o que nenhum ato pode servir de meio para a realização de um fim, se não tiver com esse mesmo fim uma relação tão forte e íntima que: dado um, o outro se siga imediatamente.

A possibilidade que o homem tem de empregar os meios para atingir um fim é o que se pode designar por um direito, donde se poderá inferir que o Direito exprime uma relação entre pessoas, sendo necessário que todos respeitem as mesmas liberdades de utilização dos meios morais ou de direitos, mas em relação a outros. Ora, da relação existente entre os entes dotados de razão e liberdade, nasceria o Direito.

Estaremos, agora, em condições para aceitar a definição do direito que nos é facultado  nos seguintes termos: «A Ciência dos Direitos, a Filosofia do Direito ou o Direito Natural pode pois definir-se; a ciência que expõe o complexo das condições dependentes da liberdade e necessários para o conseguimento do fim do homem. Ciência das condições porque são outros tantos direitos e meios; dependente da liberdade porque todos aqueles que o homem precisa (...) não podem ser objecto de direitos que possam ou devam ser respeitados; necessária para o conseguimento do fim do homem porque o conseguimento deste fim é o fundamento comum para todas as leis racionais que regulam a livre actividade humana” e, finalmente “fim do homem como um fim individual e também um fim comum da humanidade.» (Ibid.: 1866:444).

Podemos considerar o Direito no seu sentido subjetivo, quando com relação ao sujeito designa a faculdade, ou a possibilidade moral de praticar atos que sejam condições para o conseguimento do fim do homem; no seu sentido objetivo, quando relativamente ao objeto, designa a propriedade que um ato tem de servir de condição para o conseguimento do fim do homem. O Direito tem paralela a ideia de obrigação, do dever jurídico pela necessidade que existe em respeitar a faculdade de usar das condições necessárias para atingir o fim, do que se depreende que: a faculdade é o direito;  a necessidade, a  obrigação.

E o autor que venho seguindo, afirma que todos os direitos envolvem uma obrigação genérica e, nesse sentido, a norma geral das obrigações jurídicas exprime-se pela fórmula: «Omite todas as acções que estorvem ou ofendam os direitos de outrem. (...) Fácil é formular o príncipio moral do Direito: - usa livremente das condições necessárias para o teu fim racional, que não estorvem os direitos de outrem.» (Ibid.:446).

Se por um lado: a Moral visa a harmonização de todas as acções do homem com o seu fim; o Direito assegura as condições de realização deste bem, dirige-se aos actos humanos, impedindo que estorvem o livre uso destas condições, e, assim, as obrigações ou deveres jurídicos revestem certos caracteres distintos dos deveres morais.

Na verdade: «a) As obrigações jurídicas são contidas numa fórmula negativa que consiste em não estorvar o direito de outrem; b) Aplicam-se a actos que se revelem exteriormente, saindo para fora do domínio psicológico; c) São correlativos a direitos de outrem por exprimirem sempre uma relação entre pessoas; d) São exigíveis pela coacção por serem condições do conseguimento do fim do homem; e) Podem ser cumpridas por acções em que apenas se verifique a moralidade objectiva ou a conformidade com a lei; f) São relativas e variáveis porque só se verificam nas relações de homens para homens.» (Ibid.:447).

Caracteres dos Deveres Morais: «a) Positivos ou afirmativos porque mandam ao homem que pratique todas as acções que forem necessárias para alcançar o fim; b) Interiores porque se impõem à resolução voluntária ou intenção do agente; c) Não supõem nenhuma relação porque imperam absolutamente, sem dependência de direito algum; d) Isentos de coacção a qual não opera sobre a resolução que é um facto psicológico; e) Só podem cumprir-se por acções em que se verifique a moralidade subjectiva; f) Pertencem ao foro interno ou da consciência pelo que muito dificilmente se deixam apreciar fora do sujeito; g) São absolutos e invariáveis, como as verdades necessárias que eles exprimem.» (Ibid.:448).

 

Bibliografia

 

AMNISTIA INTERNACIONAL – Secção Portuguesa, (s.d.). Declaração Universal dos Direitos do Homem, Nova York: Assembleia-Geral das Nações Unidas 10/12/1948

CONSTITUIÇÃO FRANCESA DE 1791. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789, in HAARSCHER, Guy. (1993) A Filosofia dos Direitos do Homem, Tradução, Armando F. Silva, Coleção Direito e Direitos do Homem, Lisboa: Instituto Piaget

COSTA, António Ribeiro da, (1866). Curso Elementar de Philosophia. 2a Ed. Porto: Typographia de António J. S. Teixeira.

HAARSCHER, G., A Filosofia dos Direitos do Homem, Tradução, Armando F. Silva, Cap. VI, pág. 123-140, Coleção Direito e Direitos do Homem, Instituto Piaget, Lisboa, 1993;

 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

 

Jornal: “Terra e Mar”

 

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