DIREITOS HUMANOS COM SILVESTRE PINHEIRO FERREIRA

 

Sumário

 

1. Introdução; 2. Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846); 3. Compreensão dos Direitos do Homem e do Cidadão; 4. Sistema Político Silvestrino; 5. Pinheiro Ferreira: Paladino dos Direitos Humanos; 6. Consequências da Posição Silvestrina; 7. Resumo Conclusivo; Bibliografia.

 

1. Introdução

 

Constitui um desafio estimulante, decorridos mais de cento e sessenta e cinco anos após a sua morte, estabelecer a ligação do pensamento político-filosófico de Silvestre Pinheiro Ferreira com a avassaladora importância dos Direitos Humanos na época contemporânea.

Afinal, trata-se de um percurso que, iniciando-se em finais do século XVIII, atravessará os séculos XIX e XX, para, no início do actual século XXI, debater, sistematicamente apelar e firmemente condenar, tudo e todos os que violam direitos fundamentais do homem. Todavia, verifica-se tratar-se de um tema que, não sendo novo, continua cada vez mais a preocupar os responsáveis mundiais, principalmente aqueles que estão sensibilizados para cooperar com as organizações e com a sociedade solidária e livre.

Neste trabalho procurar-se-á desenvolver o melhor possível a problemática dos Direitos Humanos, recorrendo-se ao luso-brasileiro de referência, Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) corroborado pelos diferentes autores, nacionais e brasileiros, no âmbito da Filosofia da Educação e Política, em contexto democrático. De uma forma simples e coerente, reflecte-se sobre o mérito da vida e obra de Pinheiro Ferreira, sem a necessidade de o invocarmos paradigmaticamente.

No que hoje se denomina por “ Direitos de Primeira Geração”, tais como a liberdade, nos seus vários aspectos (circulação, pensamento, consciência, expressão), a propriedade, principalmente a privada, móvel e/ou imóvel, já Silvestre Pinheiro Ferreira, há quase dois séculos, os invocava, sem contudo os classificar, nesta ou naquela geração.

Não só a partir das suas principais obras: “Manual do Cidadão em um Governo Representativo” e “Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão”, respectivamente de 1834 e 1836, como também resulta da sua vida e comportamento, descortinar-se direitos inalienáveis que ele muito bem nomeou e desenvolveu: Liberdade, Segurança e Propriedade, este último, aliás, tão caro aos liberais e à burguesia.

 

 

2. Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846)

 

Antes, porém, de recordar alguns princípios, valores e direitos desenvolvidos na obra de Pinheiro Ferreira, parece oportuno ouvir alguns autores contemporâneos, quando escrevem sobre a vida daquele para, directa ou indirectamente, se inferir alguns preceitos e melhor compreender os direitos no presente, a partir do passado. Assim, a propósito do estabelecimento de relações diplomáticas, concórdia, respeitabilidade e solidez, do Brasil com a Colômbia Boliviana, anote-se a seguinte observação: “ (...) Sabendo-se que Portugal havia manifestado interesse em encetar relações com aquele país, conforme instruções do Ministro Silvestre Pinheiro Ferreira, a Constâncio, seu agente em Washington, dizia que com maior razão deveriam ser elas estabelecidas com o Brasil.” (VIANA, 1968:17).         

Apraz registar este reconhecimento público a Pinheiro Ferreira, pela sua preocupação com o Brasil e o bem-estar dos Brasileiros a partir das boas relações com os países vizinhos que, afinal, constituem direitos que se consideram indispensáveis para uma sociedade respeitada.

Ainda no seguimento de tais preocupações, relativamente aos direitos dos brasileiros, dirigindo uma exposição ao Congresso Português sobre o espírito dos povos do Brasil, principalmente do Rio de Janeiro, apercebeu-se do grave problema que os inquietava: “O descontentamento do Rio de Janeiro consiste nos clamores do sem número de empregados que de repente se acham esbulhados não só da influência e dignidade de que se achavam de posse, mas até de todo o meio de proverem à sua indispensável subsistência.” (NEVES, 1995:305).

Nesta cidade carioca, Pinheiro Ferreira destacar-se-ia nas suas múltiplas actividades, pese embora o facto de se tratar, ao que parece, desde sempre, de uma cidade complexa, onde afluíam pessoas de todas as raças e estrangeiros de todo o mundo, não só desde a chegada dos portugueses, mas e principalmente, quando a corte de D. João VI para lá se transferiu.

A prova de que o monarca português, bem como aquele diplomata, gostariam de ter ficado no Brasil, não só por razões de Estado, pode-se deduzir do seguinte trecho: “Para nós cariocas, não deixa de ser saboroso desfrutar, inúmeros aspectos que nos familiarizam com a história da cidade rebelde. A cidade que, no esplendor de seu quase meio milénio fez a alegria e a frustração, mas sobretudo o encanto de milhões de brasileiros, de várias gerações e de tantos milhares de estrangeiros que por ela se apaixonam quando são capazes de conhecê-la e desfrutá-la, até mesmo no meio dos infortúnios em que se misturam alegria e miséria, beleza e arrebatamento.” (MORAES, 1997: XIV).

Parece razoável admitir-se que a estadia de Pinheiro Ferreira no Rio de Janeiro, durante cerca de doze anos, as múltiplas funções e cargos que exerceu, a que se junta toda a sua experiência passada, bem como o regresso não desejado a Portugal e a retirada em 1826 para Paris, muito terão contribuído para acentuar a sua sensibilidade para os direitos humanos.

De facto, a possibilidade de presenciar, viver e sentir, em si próprio, as consequências de medidas e atitudes de terceiros que, provavelmente, constituiriam verdadeiras e inaceitáveis injustiças, levam-no a escrever as obras que o colocam entre os paladinos dos Direitos Humanos.

 Assente no Estado Constitucional e Representativo, o Sistema Político de Pinheiro Ferreira define os poderes político-institucionais que possibilitarão a manutenção de uma ordem estatal, a partir da qual ficarão garantidos os direitos do cidadão.

Concretamente: os poderes Eleitoral, Legislativo, Judicial, Executivo e Conservador, funcionando em cooperação e solidariedade entre eles, de forma a manter as melhores relações entre o político e o social na comunidade. Contudo, não se descuraram os interesses dos Serviços Públicos e Administrativos, da Indústria, do Comércio e de Agricultura, para que sejam satisfeitas, em todos os domínios, as necessidades da população.

Enquanto individualidade pública, detentora de cargos governativos, diplomáticos ou docentes, Pinheiro Ferreira não teria elaborado qualquer programa objectivo de governação. Todavia, encontram-se dispersos, pelas suas obras, alguns tópicos pronunciadores de um possível projecto que, mais tarde, apresentaria, especificamente, no que se refere aos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão, com preocupações e bases sociais, cujos princípios e valores, suportam, efectivamente, o seu sistema político.

A monarquia constitucional representativa consagra Direitos Fundamentais Naturais: segurança pessoal, liberdade individual e propriedade real. Verifica-se que, muito embora a representação seja de interesses, a dimensão social das instituições constituiria o núcleo essencial do seu sistema político: “O eminente português, desenvolveu, então, um modelo político, com características próprias, que permitisse a transição acima referida e possibilitasse uma reestruturação das instituições sociais ao mesmo tempo que os novos interesses económicos também fossem representados pelas instituições políticas.” (SILVA, 1978:102).

E se é verdade que à época não se abordava a problemática dos Direitos Humanos, no contexto internacional e sob o patrocínio de uma instituição tão prestigiada e imprescindível como é a ONU – Organização das Nações Unidas, até pela simples razão de não existir tal Organização, também não é menos verdade que a partir das várias civilizações mundiais, desde logo da Europeia, muitos foram os paladinos dos Direitos Naturais do Homem.

Certamente, não se ignoram ilustres pensadores, políticos, revolucionários, empresários que, também na Europa, propalaram verdadeiros Estados Sociais utópicos, sendo fértil em tais desenvolvimentos os séculos XVIII e XIX. Neste particular é justo que se diga que o ilustre luso-brasileiro, vivendo intensamente esta época conturbada, não se deixou influenciar negativamente pelos utopistas do seu tempo. Assumiu posições e atitudes moderadas, defendeu valores e princípios com grande realismo e sentido de Estado, sem abdicar de Direitos Fundamentais.

No prólogo ao projecto de Código Geral, elaborado em 4 de Julho de 1834 em Paris, revela tais preocupações quando, agradecendo a colaboração do seu amigo Filipe Ferreira de Araújo Castro, escreve o seguinte: “... e oxalá que pudéssemos ter a fortuna de dever tributar outro tanto aqueles dos nosso ilustres compatriotas de cujas luzes esperamos se dignem coadjuvar-nos com a sua cooperação e conselho para que este trabalho consiga o seu último fim de fundar na nossa pátria o império da lei comum, da justiça e de liberdade, sobre as ruínas do poder absoluto, do privilégio e da amargura.” (FERREIRA, 1834c:Prólogo – XIJ).

 

3. Compreensão dos Direitos do Homem e do Cidadão

 

São inúmeros os exemplos que se extraem dos escritos de Silvestre Pinheiro Ferreira no que a Direitos Humanos respeita. Poder-se-ía afirmar que, praticamente, ao longo da sua vasta obra, quase ninguém ficou esquecido, sendo notável a preocupação que ele manifestou não só no que concerne aos direitos que assistem a qualquer cidadão, quando suspeito de prática de alguns crimes como, após a sentença, no acompanhamento que ao preso deve ser dispensado.

E quando foi necessário interceder pelos detidos, junto do monarca, não hesitou em fazê-lo, conforme se conclui da leitura de uma sua carta ao habitual destinatário, ao narrar acontecimentos trágicos, e a recusa de D. João VI em aceitar o seu pedido de demissão de Ministro da Guerra: “...resignei-me na determinação que sua Majestade me manifestava de me não conceder a prometida demissão; mas exigi a promessa de Sua Majestade consentir em que eu começasse por aliviar a sorte dos mencionados presos, permitindo-lhes comunicarem-se com as suas famílias e passados alguns dias insinuar-lhes que poderiam escolher o lugar para onde se houvessem de retirar...” (FERREIRA, 1888:265, Carta Nº 9).

No domínio da autodeterminação dos povos, Pinheiro Ferreira foi, igualmente, um percursor do que mais tarde será adoptado por outras potências, bem mais influentes na cena internacional, do que Portugal. Muito embora fiel à monarquia, simbolizada em D. João VI, mas lealmente contrário ao absolutismo, e considerando a hipótese de uma monarquia dual para Portugal e para o Brasil, nunca perdeu de vista os direitos que deveriam assistir aos povos.

Nesse sentido, volta a escrever ao seu amigo, não identificado, afirmando algo de transcendente, para a época e o contexto em que se movimentava: “O Governo Português terá a glória de haver sido o primeiro que proclama e põe em prática para com as demais nações princípios de direito das gentes conformes aos do direito público, que acaba de adoptar e que fazem a base do regime de todos os governos representativos. Não tardará que o nosso exemplo seja seguido pelos Estados Unidos da América Setentrional e mesmo pelo Governo da Grã-Bretanha. Mas não teremos a glória de havermos prevenido sem que por grande antecipação se nos possa exprobar que nos tenham acelerado.” (Ibid:297, Carta Nº 18).

Cometer-se-ia uma grande injustiça contra Silvestre Pinheiro Ferreira se não se destacasse aqui a sua elevada estima e mesmo admiração pelo povo brasileiro, em defesa de um direito sagrado, que é o que valoriza a dignidade da pessoa humana. Respeitando a cultura, as tradições e crenças, não se coibiu de denunciar os próprios europeus, obviamente, portugueses incluídos, de atitudes de alegada superioridade que tentavam impor face à hospitalidade e sentimentos nobres dos brasileiros na recepção que dispensaram aos estrangeiros e aos portugueses: “Mas a maior parte dos europeus, que pisaram o solo do Brasil, nem eram homens de bons sentimentos, nem de educação; e por isso na oficiosidade, na condescendência, na hospitalidade dos brasileiros não descobriram senão servil respeito e baixeza, que só serviu a inflamar o orgulho da sua imaginada superioridade.” (Ibid:373, Anexos à Carta Nº 18).

Felizmente, decorridos mais de cento e sessenta e cinco anos após a sua morte, estuda-se o pensamento político de Pinheiro Ferreira e procura-se aprofundar as suas reflexões e também as atitudes democráticas que ao longo da vida assumiu. Sempre se pautando por valores, por princípios, por que não, pelos Direitos Humanos mais essenciais e naturais, com o objectivo de construir um sistema político, assente na monarquia constitucional representativa.

Acredita-se que não se pode atribuir-lhe má consciência, pelo facto de não ter defendido, desde o início, a total independência do Brasil, o que, aparentemente, pode contrariar a tese da autodeterminação dos povos. Na verdade, para Pinheiro Ferreira a separação do Brasil, relativamente a Portugal, não se colocava como uma necessidade, nem como um benefício para os brasileiros, antes, entendia ele, como mais favorável e tecnicamente viável, uma solução de monarquia dual.

Todavia, mais tarde, concretamente em 1841 escreveu a D. Pedro II sugerindo a divisão do Brasil em cinco reinos. Além disso, Pinheiro Ferreira, nunca deu quaisquer indícios de que pretendesse para o Brasil algo que fosse contra os direitos do povo brasileiro. Bem pelo contrário, o que ele mais temia era, precisamente, a destruição do Brasil, por isso entendia como solução mais adequada a união dos dois territórios, ou seja: dois territórios, sob a mesma coroa com dois monarcas, mantendo-se D. João VI como imperador, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Pinheiro Ferreira, tal como outros ilustres defensores da monarquia, nomeadamente D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Conde de Palmela, utiliza todos os seus conhecimentos técnicos, diplomáticos e políticos para modernizar as instituições monárquicas de forma a melhor servirem os interesses do povo.

O seu esforço é reconhecido nos mais diversos quadrantes político-filosóficos: “Neste sentido a contribuição de Silvestre Pinheiro Ferreira revestiu-se do maior rigor técnico. O estadista português compreendeu que ao lado da definição dos direitos individuais, da fixação dos limites do poder estatal e da estruturação equilibrada dos poderes governamentais, encontrava-se o problema principal: a representação política.” (BARRETO, 1975:474).

A actividade política, democraticamente exercida, é aquela que, por excelência, melhores condições pode criar para alterar situações em, praticamente, todos os domínios da sociedade. Silvestre Pinheiro Ferreira sabia-o perfeitamente e não ignorava que poderia ter um papel importante no curso dos acontecimentos da sua época, no espaço luso-brasileiro.

Nesse sentido, não é de admirar vê-lo envolvido em complexas situações e aos mais elevados níveis da governação, por isso, desde bem cedo, se aproximou do Poder, até como simples conselheiro, junto dos administradores e altas individualidades: “Não eram só os Ministros a se mostrarem adeptos das inovações e reformas. Todo o indivíduo provido de algumas luzes (...) sentia-se na obrigação de dar conselhos. (...) improvisador conselheiro por conta própria tais como Silvestre Pinheiro...” (PRADO, 1968:129, Nota 91).

O período conturbado da primeira metade do séc. XIX não favoreceu a implementação, dinamização e consolidação dos valores, princípios e praxis defendidos por Silvestre Pinheiro Ferreira, consubstanciados na exemplaridade da sua vida e plasmados nos muitos projectos que elaborou, pareceres que emitiu e, só muito mais tarde, após a sua morte, é que cada vez mais estudiosos vêm reconhecendo a sua obra e dando mérito ao seu trabalho. Especial destaque para investigadores brasileiros e portugueses.

Naturalmente que a obra político-jurídica é fundamental para se aquilatar da sua influência na divulgação e prática dos direitos humanos imprescindíveis, assim como na existência de poderes que se controlam reciprocamente.

Na base do exercício de tais direitos estará um regime político-constitucional democrático, representativo, tão defendido por Pinheiro Ferreira, ao qual o Brasil continua a prestar tributo através dos seus mais destacados investigadores: “... o constitucionalista Silvestre Pinheiro Ferreira que foi ministro de D. João VI em terras brasileiras nos conturbados anos posteriores à Revolução do Porto até à partida da Família Real para Portugal, e que tanta influência teve no desenvolvimento de uma concepção de estado liberal no Brasil e em Portugal, ao interpretar Constant, entende que o poder neutro, que chama de conservador, deve estar distribuído entre os demais poderes e não sobrepostos aos mesmos.” (ESTEVES, 1998:89).

 

4. Sistema Político Silvestrino

 

O sistema político de Silvestre Ferreira, de facto, parece jogar numa certa diluição entre os vários poderes que o constituem: Eleitoral, Legislativo, Judicial, Executivo e Conservador. Todavia, tais poderes estão bem caracterizados, definidas as suas competências e estabelecido o seu funcionamento, o que vem beneficiar o regime monárquico-constitucional e democrático no que respeita à observância do exercício dos Direitos, Liberdades e Garantias, ao contrário de um poder absoluto, centralizado e ditador.

Na descrição que faz de cada um daqueles cinco poderes, no Manual do Cidadão em um Governo Representativo ou Princípios de Direito Público Constitucional, Administrativo e das Gentes, Pinheiro Ferreira, começa as respectivas conferências, com uma afirmação profunda, a propósito do Poder Eleitoral. Ele refere: “Ao grande júri eleitoral, único tribunal da opinião pública, pertence distribuir os empregos aos candidatos, segundo suas capacidades, e recompensar os cidadãos, segundo os seus merecimentos.” (FERREIRA, 1834a:112).

Adoptando o mesmo critério e relativamente ao Poder Legislativo, a definição que Silvestre Pinheiro Ferreira dá deste poder é, numa orientação democrática, uma crítica velada ao absolutismo, à ditadura, qualquer que ela seja. Também, uma condenação de todos os privilégios contrários ao que é estabelecido nas leis comuns.

O legislador terá o dever de proporcionar as condições legais para o bem geral do Estado no sentido de criar direitos e deveres, iguais para todos os cidadãos: “O mandato do legislador não é um poder absoluto. Toda a lei de privilégio contrária à lei comum seria um atentado. Toda a lei comum contrária às condições do pacto social seria prevaricação.” (Ibid:142).

No que concerne ao Poder Judicial, antes como hoje, tão sensível quanto fundamental para a boa aplicação das leis e a correspondente realização da Justiça, Pinheiro Ferreira tem uma visão interessante e, extraordinariamente, coincidente com as preocupações que, ainda hoje, fazem meditar profundamente os cidadãos.

Num contexto democrático de plena liberdade, verifica-se que o sistema judicial, principalmente em Portugal, ainda não consegue a realização plena, objectiva e pertinente da Justiça, julgada adequada aos acontecimentos e aos intervenientes, sejam estes arguidos/réus ou vítimas.

Há carência de recursos humanos, meios técnicos e infraestruturas compatíveis com a dignidade desta função, cujos titulares dos respectivos cargos, das magistraturas judiciais, devem merecer a mais elevada consideração, respeito e obediência dos cidadãos, porque, de entre outros: “O objectivo da justiça seria o de eliminar toda forma de opressão em todos os cantos da terra. A razão sendo única e igual em todo o ser humano tornaria esse ideal não só realizável, mas um dever dos ‘amigos da humanidade’ e da justiça”. (SILVA, 2004:53).

Se, por um lado, a separação dos Poderes é fundamental para o bom funcionamento das Instituições; não menos essencial é que para cada poder sejam estabelecidas as respectivas competências, em lei própria, que deve fixar os limites da jurisdição do poder que ela regula.

Para que a lei se aplique, dispõe o Poder Judicial de tribunais, forças policiais e estabelecimentos prisionais e/ou de correcção, porque de facto, o objecto deste importante Poder consiste em decidir as causas criminais, ou cíveis, ocorridas na sociedade, por isso é essencial que a população confie no sistema, tal com então já defendia Pinheiro Ferreira: “O Poder Judicial não pode ser exercido senão por juízes revestidos de confiança das partes e da nação.” (FERREIRA, 1834a:183).

Na perspectiva deste autor, um outro Poder caracteriza o sistema político numa Monarquia Constitucional Representativa, que ele designa por Poder Executivo. Silvestre Ferreira, na composição deste Poder Executivo, considera dois aspectos muito importantes e complementares: por um lado, o monarca; e por outro, uma burocracia ordenada de forma hierárquica, no entanto a direcção do governo pertencerá a uma única pessoa, certamente, o monarca, actuando os restantes elementos, com os seus meios, capacidades e especialidades, na dependência daquele. Neste Poder Governamental, a cooperação é articulada pelo monarca, do qual partem as respectivas instruções, existindo um único pensamento, precisamente, como já referido, o do monarca.

O governo funcionará como um sistema orgânico, cujo comando depende da inteligência humana do monarca. É notório e patente que Pinheiro Ferreira, como burocrata, nas diversas funções e cargos que desempenhou, idealizou, para este Poder Executivo, uma certa harmonia entre as diversas Repartições, recorrendo a uma burocracia que, por si própria, faz mover esta máquina administrativa, carecendo apenas de alguém que a controle.

Nesta linha, Pinheiro Ferreira, dá importância ao pensamento de quem dirige: o monarca e as leis que servem o sistema, regras e normas que justificam a burocracia implementada nas Repartições: “A execução das leis, e o Pensamento do Governo, que a ele preside, são os dois elementos essenciais ao Poder Executivo.” (Ibid: 247).

Finalmente, no sistema político delineado por Pinheiro Ferreira, surge um quinto e último instrumento: o Poder Conservador que, não é, exactamente, uma cópia do Poder Moderador de Benjamin Constant, muito embora tenha recebido alguma influência deste, porque este Poder não era originário da realeza. O que se pretendia, segundo Silvestre Pinheiro era: “Fazer guardar os direitos que competem a cada cidadão, e manter a independência e a harmonia de todos os outros poderes políticos a fim de que os agentes de um não usurpem as atribuições de outro.” (Ibid:322).

A técnica jurídica utilizada por Pinheiro Ferreira consistia em retirar aos demais poderes parte das atribuições conservadoras, constituindo-se o Poder Conservador com elementos daqueles anteriores poderes, reservando-se o exercício do Poder Conservador, na parte que respeita aos direitos civis, a todos os cidadãos, através da figura da petição ou, em último recurso, pela resistência legal.

Nos demais aspectos, o ideal seria criar uma autoridade independente dos restantes poderes, e que não tivesse acesso nem exercesse nenhum dos referidos quatro poderes  anteriores. Na apresentação e descrição do Poder Conservador, Pinheiro Ferreira afirma que: “Sem um Poder Conservador não pode haver independência, harmonia nem equilíbrio entre outros poderes políticos do estado.” (Ibid:322).

 

5. Pinheiro Ferreira: Paladino dos Direitos Humanos

 

Silvestre Pinheiro Ferreira, de uma forma indirecta foi, ao seu tempo, um paladino dos Direitos Humanos, reconhecido por imensos investigadores, não só portugueses e brasileiros, mas também de outras nacionalidades. A intervenção, sempre moderada, em assuntos de Estado, para os quais lhe era solicitado parecer, fazem de Pinheiro Ferreira um exemplo a seguir, quando se fala de Direitos Humanos e se pretende implementá-los no espaço lusófono.

Nesta postura, uma vez mais é dada uma lição de democracia e liberdade, como por exemplo, quando foi necessário ouvir os brasileiros acerca de umas instruções a emitir por D. João VI, a propósito da partida da Corte para Lisboa, ficando o Príncipe Real no Brasil com a regência deste imenso território: “No intuito de inspirar confiança a esses eleitores quando a sinceridade das régias intenções propôs Silvestre Pinheiro em Conselho que se ouvisse o voto da Assembleia Eleitoral acerca das instruções com que deveria ficar o Príncipe regente. Deixemos falar o sábio publicista:...” (PINHEIRO, 1980:381).

E se é certo que Pinheiro Ferreira, em Portugal e noutros territórios sob domínio colonial nacional, nem sempre foi compreendido por determinados sectores da vida política, também é verdade que, no Brasil, a maioria das pessoas, com quem convivia, o estimavam e admiravam, com excepção de alguns elementos da Corte, precisamente, porque participou, com a sua moderação e conhecimentos, para que um dos mais sagrados direitos humanos se exercesse: a Independência do Brasil, sem sobressaltos, num clima de tranquilidade e com justiça, porque Silvestre Ferreira: “Muito se preocupa com o princípio do justo, para ele a única base moral para os indivíduos e as nações.” (CERNEV, 1986:19).

Na sua preocupação de manutenção da tranquilidade pública, aquando dos motins de 7 de Março de 1821 e revelando, uma vez mais, a sua frontalidade e lealdade ao soberano, não hesitou em propor ao rei a detenção do próprio Príncipe Real.

Entendia que este estaria vulnerável às tentativas feitas junto dele para se declarar de imediato a Independência do Brasil, em condições que muito poderiam prejudicar a segurança e sossego do povo: “Nem devia ser estranho ao que se preparava o herdeiro da Coroa, pois que Silvestre Pinheiro Ferreira aconselhou ao rei sua detenção na Fortaleza de Santa Cruz como o melhor meio de acabar com o desassossego público.” (LIMA, s.d:55).

A atitude de Pinheiro Ferreira valer-lhe-ia, mais tarde, alguns comentários depreciativos, por parte de D. Pedro, futuro Imperador do Brasil. Todavia, também é verdade que, uma vez mais, a sua frontalidade, coerência e preocupação para com o bem-estar e tranquilidade da população não o coibiram de manifestar a sua opinião, sabendo que esta desagradaria ao futuro monarca do Brasil, muito embora este também acabasse por, tacitamente, concordar com tal opinião, porque não exerceu contra o nosso autor quaisquer represálias.

Pelo contrário, aceitaria Pinheiro Ferreira como Ministro quando lhe foi entregar a lista com os nomes dos futuros governantes, proposta pelo povo e que ele, D. Pedro, levaria a seu pai D. João VI, para aprovação: “Surpreendido, também ele, D. Pedro, receberia do Tribuno do Povo, a lista desejada, e retomaria a galope o caminho de S. Cristóvão onde se designariam ministros, realmente, (...) e para os Estrangeiros e a Guerra, Silvestre Pinheiro Ferreira, que vinha de outros ministérios, esse Silvestre Pinheiro, doutor de Coimbra, filósofo liberal, que desde 1814 vinha aconselhando o Rei a se constitucionalizar – e pele primeira vez designando-se para cargos equivalentes dois brasileiros: o futuro marquês de Inhambupe para Indentende-Geral da Polícia, e o futuro Visconde de Cairu, Inspector-Geral dos Estabelecimentos Literários.” (GERSON, 1971:38).

Sabe-se que um dos direitos invocados por Pinheiro Ferreira era a Liberdade e, ele próprio, na medida do possível e com a coragem que hoje se lhe reconhece, a exerceu, inúmeras vezes, em absoluta lealdade para com D. João VI e também para com o povo brasileiro, denunciando conspirações, movimentos e manobras que poderiam prejudicar o acesso à independência dos brasileiros.

É conhecida a sua atitude perante os planos portugueses no sentido de vencer a insubmissão das províncias coligadas, a partir da adesão da Baía à causa das Cortes Portuguesas de Lisboa. Nesse sentido, ele anteviu o que mais tarde viria a suceder: “A defecção da Baía causou um susto, mas provocou a reacção brasileira, pois o partido brasileiro, como viu Silvestre Pinheiro, estava certo de que o resultado da Revolução seria a favor dos brasileiros e não dos portugueses.” (RODRIGUES, 1975c:18).

Neste dealbar do terceiro milénio, o mundo, na globalidade da sua composição, funcionará de forma diferente e natural, se a intervenção humana contribuir para a harmonia, para a tolerância, para a solidariedade. Através do estudo que ficou para trás, fácil de comprovar é o facto de, ao longo da história do pensamento humano, sempre terem existido pessoas que se preocuparam com valores, princípios e acções.

Na mesma linha do autor luso-brasileiro, compreensivelmente, por metodologias e teorias diferentes, analisar-se-á, oportunamente, que preocupações, desenvolvimentos, teses e sistemas vêm sendo uma constante, não só no domínio das ciências sociais e humanas, como também no âmbito de outras áreas e contextos do conhecimento, sendo possível reflectir, em todas elas e/ou a partir delas, na importância do respeito pelos Direitos Humanos, no mundo contemporâneo.

Hoje, reconhece-se a influência de Pinheiro Ferreira, no momento crucial da História do Brasil, num período em que ainda se encontrava ligado à História de Portugal. É indiscutível o seu amor pelo povo brasileiro, pelo qual continua a ser recordado como o grande impulsionador dos direitos deste povo irmão de Portugal, conforme se pode verificar aquando da sua escolha para uma missão considerada difícil, relativamente à preparação das Cortes de Lisboa sobre o regresso de D. João VI a Portugal em 1821.

Com efeito, tendo tido o cuidado de se inteirar da situação em Lisboa, nomeou Frei Francisco de S. Luiz para colher as informações desejadas, porque tinha sido incumbido por D. João VI para esta delicada tarefa: “Para esta missão diplomática de vanguarda, fora escolhido Sylvestre Pinheiro Ferreira, experimentado em cargos ministeriais, homem de valor real, cuja biographia se deveria divulgar, pela provisão política de que deu provas e pela cordialidade de seus sentimentos para com o Brasil.” (CALOGERAS, 1928:179-180).

Actualmente pode-se afirmar que Silvestre Pinheiro, no campo dos Direitos Humanos e no que respeita à liberdade dos povos escolherem o seu destino, foi um grande e persistente amigo do Brasil.

Tem-se conhecimento de um episódio muito íntimo entre ele e D. João VI, após a votação que se realizou sobre se a Corte instalada no Rio de Janeiro deveria ou não voltar a Portugal, principalmente o monarca, em que Pinheiro Ferreira foi o único a votar contra o regresso: “No Conselho de Estado, a respeito da partida de el-rei, fôra Silvestre Pinheiro o único a votar contra, de que resultou dirigir-se no fim el-rei para o mesmo conselheiro, dizendo-lhe: “Que remédio Silvestre Pinheiro! Fomos Vencidos”” Honra muito a este publicista a lealdade do seu voto...” (VARNHAGEN, 1916:74).

 

6. Consequências da Posição Silvestrina

 

A ideia relativa à influência de Pinheiro Ferreira nos Direitos Humanos é reforçada pela sua defesa sobre a independência das nações, embora estas necessitem da cooperação entre elas: indiscutivelmente que o Brasil não era excepção, muito embora estivesse sob o domínio Português. O facto de ele desejar permanecer naquele território com D. João VI, em nada minimiza a sua abertura e apoio a uma independência tranquila.

Quando ele defende a interdependência entre as Nações, estaria também a desejar que a cooperação entre Portugal e Brasil se mantivesse, sem prejuízo das suas individualidades e autonomias: “Parecia a Silvestre Pinheiro de todo inevitável a reforma das instituições. Contudo, entendia que a revolução não era o veículo propício a esse fim. Incumbiria, portanto, antecipar-se à hecatombe e preparar a transição sem maiores choques e lutas. Com esse espírito redigiu, em 1814-1815, as normas que deveriam presidir a reforma da monarquia.” (CARVALHO, 1989:75).

O processo ligado à Independência do Brasil e as medidas então delineadas pelos vários grupos políticos intervenientes, constitui um período fecundo da história comum dos dois países irmãos, durante o qual e na sua fase mais crítica, Silvestre Pinheiro Ferreira exerceu um papel muito profícuo, no sentido de se evitarem rupturas violentas, e manter a dignidade do monarca D. João VI.

Sabe-se que o Brasil suscitara grande interesse, designadamente, à Grã-Bretanha, que a partir da abertura dos portos brasileiros, em 1808, retirara da então colónia portuguesa vantagens económicas.

Não seria correcto que Portugal deixasse de manifestar o apoio e solidariedade possíveis: “A Independência do Brasil foi uma revolução legítima: nada quis destruir. Apenas construir. O Brasil passou de monarquia absoluta a monarquia constitucional, de reino unido a nação soberana, tudo isto graças à acção de instrumentos de governo e instituições vindas da situação anterior. A independência não podia ser uma ruptura, uma quebra da tradição, mas antes representar uma filiação contínua desde Ourique (1140): Fundação de Portugal) ao Ipiranga 1822.” (MOREIRA, 1985:221, apud TORRES, 1964).

A preocupação de Pinheiro Ferreira, pelo direito à liberdade e independência dos povos, não se manifestou, apenas, quando já era inevitável a desvinculação política do Brasil e Portugal. Tal sentimento teve-o, em sentido contrário, alguns anos antes, a propósito da deslocação da Corte para o Brasil, a fim de salvaguardar a soberania e independência de Portugal com os seus territórios ultramarinos.

Sabia-se das intenções de Napoleão da conquista da Península Ibérica e verificou-se, mais tarde, que tal desiderato se concretizaria pelas invasões francesas. Pinheiro Ferreira, atento a tais incursões e porque não estaria nas boas graças do imperador francês, não tinha dúvidas sobre o que viria a acontecer, caso não fossem tomadas medidas, a principal das quais: colocar-se a Corte a salvo, evitando a humilhação e a perda da soberania.

Isto mesmo se confirma através da seguinte passagem: “Em 1803 advoga calorosamente igual solução D. Rodrigo de Sousa Coutinho – e Silvestre Pinheiro Ferreira é de parecer que à lusitana monarquia nenhum outro recurso restava senão o de procurar quanto antes nas suas colónias um asilo contra a hidra tão crescente, que jurara inteira destruição das antigas monarquias da Europa. (...) e Tomás António de Vila Nova Portugal quer que pelo menos D. Pedro, ainda Príncipe Real, parta para o Brasil: fulminado o trono em Lisboa, a árvore da pátria refloresceria no seu ramo do Rio de Janeiro.” (AMARAL, 1979:493).

O papel influente, porque moderado, sensato e exercido com uma postura de Estado, por parte de Silvestre Ferreira, continuaria a ser invocado. Disse-se antes, qual foi a sua posição relativamente a D. Pedro que, então, estaria a ser influenciado por grupos políticos brasileiros pró-independentistas, a qualquer preço, ao sugerir a D. João VI que mandasse encerrar o príncipe na Fortaleza de Santa Cruz.

De facto, o que mais tarde alguns autores comprovariam é que: por um lado, D. Pedro pretendia tornar-se Imperador do Brasil, mas, por outro, continuava mantendo hábitos e postura portugueses e, neste pormenor, Pinheiro Ferreira teceu alguns comentários: “O desprezo que o príncipe manifestara por nossos compatriotas (pelos brasileiros) era um sentimento pouco nobre, com que os portugueses frívolos e enfatuados, do alto da sua imaginária superioridade, olhavam para o povo que eles supunham acorrentado ao carro desconjuntado do poder real bragantino.” (GAMA, s.d: 10).

Poder-se-ia continuar a desenvolver, até à exaustão, a influência de Pinheiro Ferreira, no domínio relacionado com os Direitos Humanos, nas diversas e complexas intervenções que teve, fundamentalmente no Brasil, de forma pessoal, directa e frontal, convicto da justeza das suas posições. Não é de estranhar a constante alusão que, por parte dos investigadores brasileiros e portugueses, lhe fazem, em inúmeras obras, em sucessivas e actualizadas edições.

Na verdade importa realçar, pela positiva, o contributo deste ilustre luso-brasileiro. E quando, em 9 de Janeiro de 1822, dia do Célebre «FICO», uns davam vivas a Portugal, outros ao Brasil, outros ainda à união de Portugal com o Brasil, alguns apoiavam as Cortes em Lisboa, outros desobedeciam-lhe, enfim, uma completa confusão, se reconhece, uma vez mais, a lúcida visão, deste amigo do Brasil, sobre tais acontecimentos: “Tinha razão Silvestre Pinheiro Ferreira quando em 1822, na qualidade de Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Português, informado sobre os sucessos no Brasil, afirmava desejarem as províncias apenas que (os negócios que só dizem respeito a qualquer delas comecem e acabem dentro delas), sejam tratados, julgados e decididos por homens aí residentes e por elas escolhidos. Era a autonomia administrativa que desejava a maioria dos elementos conservadores e não a total independência.” (MOTA, 1990:103).

Significativo porque revelador da defesa de um dos mais desejados Direitos Humanos: a paz, é o ofício de Silvestre Pinheiro Ferreira, já na qualidade de Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, comunicando a decisão de D. João VI regressar a Portugal, considerado “monumento histórico digno de ser conservado” e que se transcreve na parte directamente relacionada com o mais fundamental dos Direitos Humanos, já invocado, a Paz: “Sendo por este modo, chegada a feliz época marcada por sua Majestade ao momento da sua partida d’essa cidade, para o desempenho da sua Real palavra, de que voltaria a felicitar com a sua augusta presença a antiga capital da Monarquia, logo que restituída a paz geral, lhe fosse lícito regressar, sem comprometimento dos interesses dos seus vassalos, nem da dignidade da sua real Coroa.” (CONSTÂNCIO, 1839:238-239).

Do que antecede, fica-se agora em melhores condições para reflectir sobre a influência de Silvestre Pinheiro Ferreira, mesmo que avaliada na sua quota-parte mínima. No que concerne à Independência do Brasil, de uma forma praticamente pacífica e que, decorridos quase dois séculos, verifica-se que não ocorreu qualquer tipo de descolonização indigna para os colonizadores e muito menos para os colonizados.

Significativo porque revelador da defesa de um dos mais desejados Direitos Humanos: a paz, é o ofício de Silvestre Pinheiro Ferreira, j, onde verdadeiras atrocidades foram cometidas, onde milhares de pessoas viram as suas vidas ceifadas em plena juventude, onde milhões de pessoas lutam contra a fome, contra a doença, contra as armas, contra a ignorância.

Estes povos buscam, incessantemente, a reconquista de direitos perdidos, o exercício de Direitos Humanos fundamentais: Liberdade, Segurança e Propriedade, suportados pela Saúde, Educação, pela Formação, pelo Trabalho, pela Paz, pela Democracia, enfim, apoiados por Governos verdadeiramente solidários com os mais desfavorecidos, representativos de todo um povo que via na libertação colonial a sua felicidade.

O Brasil é, portanto, o paradigma do que se pode e deve fazer, quando homens como Silvestre Pinheiro Ferreira divulgam e praticam os mais elementares Princípios, Valores e Direitos Humanos. Parece ser este o contributo do filósofo, publicista, jurisconsulto, diplomata e político luso-brasileiro que, à sua época, foi considerado demasiado avançado nos seus ideais.

Silvestre Pinheiro Ferreira bebeu o espírito das luzes e, moderadamente, o quis incutir à sociedade do seu tempo, no sentido de libertar o povo da opressão do absolutismo. Ele sabia que pela: Educação, Trabalho, Formação profissional, Liberdade, Segurança e Direito à Propriedade Privada se chegaria a uma sociedade mais justa.

Uma sociedade sem privilégios como sempre e muito bem defendeu e que hoje se reconhece fundamental, justamente a partir de um contemporâneo de Silvestre Pinheiro Ferreira: “As desigualdades admitidas seriam aquelas que comprovadamente produzissem prosperidade comum, e que não resultassem apenas em privilégios produzidos pela arte social.” (SILVA, 2004:53).

 

7. Resumo Conclusivo

 

No que hoje se denomina por “ Direitos de Primeira Geração”, tais como a liberdade, nos seus vários aspectos (circulação, pensamento, consciência, expressão), a propriedade, principalmente a privada, móvel e/ou imóvel, já Silvestre Pinheiro Ferreira, há quase dois séculos, os invocava, sem contudo os classificar, nesta ou naquela geração.

Enquanto individualidade pública, detentora de cargos governativos, diplomáticos ou docentes, Pinheiro Ferreira não teria elaborado qualquer programa objectivo de governação. Todavia, encontram-se dispersos, pelas suas obras, alguns tópicos pronunciadores de um possível projecto que, mais tarde, apresentaria, especificamente, no que se refere aos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão, com preocupações e bases sociais, cujos princípios e valores, suportam, efectivamente, o seu sistema político.

No domínio da autodeterminação dos povos, Pinheiro Ferreira foi, igualmente, um percursor do que mais tarde será adoptado por outras potências, bem mais influentes na cena internacional, do que Portugal. Muito embora fiel à monarquia, simbolizada em D. João VI, mas lealmente contrário ao absolutismo, e considerando a hipótese de uma monarquia dual para Portugal e para o Brasil, nunca perdeu de vista os direitos que deveriam assistir aos povos.

O sistema político de Silvestre Ferreira, de facto, parece jogar numa certa diluição entre os vários poderes que o constituem: Eleitoral, Legislativo, Judicial, Executivo e Conservador. Todavia, tais poderes estão bem caracterizados, definidas as suas competências e estabelecido o seu funcionamento, o que vem beneficiar o regime monárquico-constitucional e democrático no que respeita à observância do exercício dos Direitos, Liberdades e Garantias, ao contrário de um poder absoluto, centralizado e ditador.

Silvestre Pinheiro Ferreira, de uma forma indirecta foi, ao seu tempo, um paladino dos Direitos Humanos, reconhecido por imensos investigadores, não só portugueses e brasileiros, mas também de outras nacionalidades. A intervenção, sempre moderada, em assuntos de Estado, para os quais lhe era solicitado parecer, fazem de Pinheiro Ferreira um exemplo a seguir, quando se fala de Direitos Humanos e se pretende implementá-los no espaço lusófono.

Sabe-se que um dos direitos invocados por Pinheiro Ferreira era a Liberdade e, ele próprio, na medida do possível e com a coragem que hoje se lhe reconhece, a exerceu, inúmeras vezes, em absoluta lealdade para com D. João VI e também para com o povo brasileiro, denunciando conspirações, movimentos e manobras que poderiam prejudicar o acesso à independência dos brasileiros.

Actualmente pode-se afirmar que Silvestre Pinheiro, no campo dos Direitos Humanos e no que respeita à liberdade dos povos escolherem o seu destino, foi um grande e persistente amigo do Brasil. Poder-se-ia continuar a desenvolver, até à exaustão, a influência de Pinheiro Ferreira, no domínio relacionado com os Direitos Humanos, nas diversas e complexas intervenções que teve, fundamentalmente no Brasil, de forma pessoal, directa e frontal, convicto da justeza das suas posições.

Não é de estranhar a constante alusão que, por parte dos investigadores brasileiros e portugueses, lhe fazem, em inúmeras obras, em sucessivas e actualizadas edições. Na verdade importa realçar, pela positiva, o contributo deste ilustre luso-brasileiro.

O Brasil é, portanto, o paradigma do que se pode e deve fazer, quando homens como Silvestre Pinheiro Ferreira divulgam e praticam os mais elementares Princípios, Valores e Direitos Humanos. Parece ser este o contributo do filósofo, publicista, jurisconsulto, diplomata e político luso-brasileiro que, à sua época, foi considerado demasiado avançado nos seus ideais.

Silvestre Pinheiro Ferreira bebeu o espírito das luzes e, moderadamente, o quis incutir à sociedade do seu tempo, no sentido de libertar o povo da opressão do absolutismo. Ele sabia que pela: Educação, Trabalho, Formação profissional, Liberdade, segurança e direito à propriedade privada se chegaria a uma sociedade mais justa. Uma sociedade sem privilégios como sempre e muito bem defendeu e que hoje se reconhece fundamental.

 

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