Autor: Ademir Felix Dalmarco

Doutorando em Direito

1. INTRODUÇÃO:

Com este artigo pretendo trazer algumas reflexões sobre os Direitos Fundamentais e sob a luz do Direito da Comunicação, das liberdades de imprensa, artística e de expressão, em relação à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.

Antes porém, alguns dados históricos dos Direitos Fundamentais, entendo serem necessários a fim de que o leitor construa uma linha de pensamento jurídica balizada no que no passado nada mais foi do que os pilares para toda esta geração e as futuras; cito a Declaração de Virginia ( 1776), e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão ( 1789 ).

Lembro que a história não segue caminhos pré-estabelecido, e nem tudo saiu como queriam Kant, Rousseau, Marx e outros .

Este artigo está dividido em dez partes: 1) Introdução; 2) Histórico; 3) A Constituição Federal de 1988, art. 1º , III e a Ordem Jurídica; 4) Conflitos e Adequações de Direitos Fundamentais; 5) Formas de Expressão e Comunicação; 6) Liberdade de Comunicação; 7) Teoria do Abuso de Direito; 8) Conflito de Direitos Fundamentais; 9) Conclusão; e 10) Bibliografia.

Em cada parte procuro demonstrar a maneira como a doutrina constitucional brasileira vem-se ocupando,nos últimos tempos, na problemática relativa a fim de encontrar uma solução pacífica aos conflitos dos direitos à intimidade e à liberdade de expressão e comunicação, sem esquecer o princípio da dignidade humana e seus significados para a ordem constitucional vigente no Brasil.

No final procuramos informar como os operadores do Direito procuram possibilidades para solucionar os conflitos de direito fundamental, isto no âmbito do legislativo quanto no jurisprudencial, sem jamais esquecer que a questão se refere sempre a qual valor deve prevalecer sem a possibilidade de negar a unidade constitucional, que ao ver do ilustre ensinador jurídico Judicael Sudário de Pinho, não exclui a possibilidade de identificação de normas de diferentes pesos numa determinada ordem constitucional. O tema, por si só, demonstra-se relevante para a moderna dogmática Jurídico Constitucional, por isso estamos com o nobre professor pela escolha deste trabalho.

2. HISTÓRICO:

Ao escrever sobre os Direitos fundamentais, é necessário lembrar da Declaração dos Direitos Humanos, talvez seja um dos documentos essenciais para a compreensão da Modernidade. Nela estão positivados uma série de direitos que traduzem um processo histórico, fundado no século XVIII, que determinou a evolução da sociedade ocidental por quase 300 anos. Era legítimo, portanto, crer que a evolução humana seguia o caminho da emancipação e da afirmação de sucessivas gerações de novos direitos, a partir dos princípios definidos pela Declaração de Virgínia (1776) e pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).

No primeiro artigo da Declaração Universal pode ser percebido seu caráter eminentemente moderno: "Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade". A ele, seguem outros que estabelecem e refletem valores basilares para qualquer concepção humanista, como o 2º, que trata sobre o princípio da não-discriminação. Os direitos que declara universais são hoje em dia amplamente conhecidos: à vida, à liberdade, à igualdade jurídica, ao trabalho, entre muitos outros.

Seguindo o espírito da Declaração de Virgínia, a primeira emenda à constituição norte-americana garantiu o direito à liberdade de associação que, defendido pelo pensamento liberal, acabou por amparar o processo de formação de partidos políticos, sindicatos e de outras associações de opinião e interesses. Em todo o mundo, mas sobretudo no ocidente, a afirmação desse direito moldou o fazer político, centrando-o nas ideologias, à esquerda e à direita

No entanto, a História não segue caminhos pré-estabelecidos e nem tudo saiu como queriam Kant, Rousseau, Marx e outros. As transformações pelas quais o mundo passou (e está passando) são de tal envergadura que pensadores já estabeleceram, não sem polêmica, o fim da era moderna.

Os partidos, principais agentes do paradigma político que se esgota, não mais conseguem traduzir nem representar a complexidade dos atores sociais, subsistindo num quadro de ceticismo com relação à própria política. Além disso, sua identificação com os Estados Nacionais em crise, "desconstruídos" pelas transnacionais, limita suas reais possibilidades de concretização de um projeto autônomo.

Mas, enquanto a globalização e suas conseqüências esgotam a política tradicional, outros agentes sociais surjem em cima de novas realidades e demandas, por exemplo: O Direito da Comunicação. São movimentos de todos os tipos, a maioria refletindo identidades específicas, com objetivos que vão do particular, como os movimentos gays e raciais, até gerais, como os ecologistas. Nesse novo contexto político globalizado, onde as micropolíticas assumem o lugar das Grandes Narrativas, estão inseridos os movimentos estruturados em torno do conjunto de idéias identificadas como Direitos Humanos, sendo necessária e urgente a discussão sobre suas possibilidade e seu limites.

3. A CF- 88, art. 1º inciso III, e a Ordem Jurídica

Não se pode ignorar que o sistema constitucional, diante das necessidades para solução dos conflitos resultantes das ações praticadas pelo homem, em busca através dos direitos fundamentais, elencados na Carta Magna de 1988, soluções pacíficas, portanto harmoniosas sob as regras e princípios constitucionais, quando os fatos serão interpretados sob a luz das previsões regulamentares.

Conforme leciona o ilustre professor Doutor Judicael Sudário de Pinho, " A necessidade da solução da colisão de direitos fundamentais parte do pressuposto de que é inviável analisar uma disposição constitucional isoladamente em função do conjunto harmônico em que todas as regras e princípios constitucionais devem estar situados. É essencial a harmonização, pois "a Constituição corresponde a um todo lógico, onde cada previsão é parte integrante do conjunto, sendo assim logicamente adequado, se não imperativo, interpretar uma parte à luz das previsões de todas as demais partes .

Não é também lícito ignorar que o sistema constitucional não se pode afastar do princípio essencial de que toda ordem jurídica deve gravitar em torno das bases insertas no art. 1.º, da Constituição Federal de 1988, em especial a prevista no seu inciso

III, segundo a qual a República Federativa do Brasil tem como um dos fundamentos a dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana, pois, um princípio norteador de todo o ordenamento jurídico brasileiro, busca a valorização da pessoa, do cidadão enquanto individualidade, do ser com capacidade própria de raciocínio. A dignidade da pessoa humana é a garantia das condições mínimas de sobrevivência para que o homem possa exercer os direitos oportunizados pela garantia de ser cidadão. Ou seja, numa perspectiva de um Estado Social, a dignidade da pessoa humana encontra expressão em um Estado ativo, atuante no sentido de proporcionar à comunidade o pleno respeito aos direitos humanos de segunda geração.

Já no referente à dignidade da pessoa humana dentro de uma perspectiva do Estado de Direito, percebe-se o dever de omissão relativo aos direitos de primeira geração. A garantia da liberdade de pensar deve respeitar tão somente, dentro dos limites da lei, a sua própria e de consciência. Eis por que a dignidade humana

garante o ser humano enquanto indivíduo livre e moralmente responsável.

Em conclusão, pode-se afirmar que o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana refere-se às exigências básicas do ser humano no sentido de que ao homem concreto devem ser oferecidos os recursos de que dispõe a sociedade para a manutenção de uma existência digna, assim como propiciadas as condições indispensáveis para o desenvolvimento de suas potencialidades.

Trata-se, no entanto, de princípio constitucional também sujeito à colisão, uma vez que, só no caso concreto, será possível avaliar-se a sua precedência".

4. CONFLITOS E ADEQUAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS.

Para J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira: "Metodicamente, a solução do conflito de direitos articula-se, por um lado, com a delimitação do âmbito normativo de cada direito (pressupostos objetivos e subjetivos da existência de um direito e extensão da sua cobertura constitucional) e, por outro lado, com a reserva de lei restritiva.

Daí a necessidade da distinção de vários planos ou instâncias: em primeiro lugar, há que determinar o âmbito normativo dos direitos, a fim de se verificar se existe ou não um verdadeiro conflito, pois pode acontecer que esta primeira etapa sirva logo para excluir hipóteses de conflitos, sendo estes apenas aparentes ( ex.: não há conflito entre liberdade de expressão e o direito ao bom nome em caso de difamação, dado que não está coberto pelo âmbito normativo constitucional da liberdade de expressão o 'direito à difamação, calúnia ou injúria'); em segundo lugar, uma vez verificada a existência de um conflito autêntico, é preciso verificar se existe uma reserva de lei restritiva expressamente prevista na Constituição para algum dos direitos colidentes, pois, neste caso, a lei pode resolver o conflito de direitos através da restrição ou ingerência no respectivo âmbito normativo."

E continuam os dois mestres portugueses, indicando as soluções concretas e os instrumentos metódicos que devem ser utilizados nos diversos casos, sempre dependentes da natureza dos direitos e bens em conflito:

"a) se se trata de conflito entre dois direitos, liberdades e garantias cuja restrição através de lei (e portanto a solução legislativa do conflito) não é constitucionalmente autorizada, o intérprete ou concretizador da Constituição deve-se limitar a uma tarefa de concordância prática que sacrifique no mínimo necessário ambos os direitos, não podendo privilegiar um direito a favor do outro;

b) se se trata de um conflito entre dois direitos, liberdades e garantias mas em que um está sujeito a reserva de lei restritiva e outro não, deve a lei assegurar uma eficácia ótima do direito não restringível e limitar o direito sujeito a reserva de lei restritiva, mas com observância estrita do princípio da proporcionalidade;

c) se o conflito se estabelece entre dois direitos, liberdades e garantias sujeitos a reserva de lei restritiva, o legislador pode fazer ingerências ou limitar o exercício dos dois direitos na medida necessária, estabelecendo, de forma proporcionada, a concordância prática entre ambos;

d) em caso de conflito entre direitos, liberdades e garantias não sujeitos a reserva da lei restritiva com outros direitos fundamentais (ex.: direitos econômicos, sociais e culturais) ou com outros bens constitucionalmente protegidos (defesa, saúde), devem prevalecer aqueles;

e) se o conflito surgir entre direitos, liberdades e garantias sujeitos a reserva de lei restritiva e outros bens ou direitos, há ainda prevalência dos primeiros, mas a lei pode introduzir restrições, de forma a salvaguardar a existência dos direitos ou bens com os quais eles estão em conflito."

Na tarefa de solucionar o conflito de direitos fundamentais, é da maior importância a observância dos princípios da unidade da Constituição, da concordância prática e da proporcionalidade, dentre outros fornecidos pela doutrina e pela hermenêutica constitucional.

Pelo princípio da unidade da Constituição, todas as normas do texto constitucional apresentam o mesmo nível hierárquico, o que significa dizer que, uma vez inseridas na Constituição, as normas têm o mesmo valor, independentemente de seu conteúdo, isto é, de ser uma norma constitucional formal ou material.

O fato de afirmar que todas as normas do texto constitucional apresentam o mesmo nível hierárquico não significa dizer que a Constituição é um conglomerado caótico e desestruturado de normas que guardam entre si o mesmo grau de importância.

Na constituição, existem duas modalidades distintas de normas: os princípios e as regras.

Volta à discussão, nesta oportunidade, a velha e tormentosa questão sobre a diferença existente, no âmbito do superconceito norma, entre regras e princípios. De fato, trata-se de uma tarefa particularmente complexa.

Deixe-se claro, por primeiro, que as regras e princípios são Duas espécies de normas, e, portanto, a distinção entre regras e princípios não passa de uma distinção entre duas espécies de normas. Vários são os critérios sugeridos pela doutrina constitucional para se fazer essa distinção: o grau de abstração, o grau de determinabilidade na aplicação ao caso concreto, o caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito, a 'proximidade' da idéia de direito, etc.

Qualquer que seja o critério utilizado, interessa-nos, sobretudo, a idéia de que os princípios, na sua qualidade de verdadeiras normas, são qualitativamente distintos das outras categorias normativas, as chamadas regras jurídicas. Para J. J. GOMES CANOTILHO, essas diferenças qualitativas se traduzem, fundamentalmente, nos seguintes aspectos:

"(1) Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fáticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não cumprida (nos termos de Dworkin: applicable in all-or-nothing fashion); a convivência dos princípios é conflitual (Zagrebelsky); a convivência das regras é antinômica. Os princípios coexistem; as regras antinômicas excluem-se; (2) conseqüentemente, os princípios, ao constituirem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à 'lógica do tudo ou nada'), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflituantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos; (3) em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objecto de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas 'exigências' ou 'standards' que, em 'primeira linha' (prima facie), devem ser realizados; as regras contêm 'fixações normativas' definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias; (4) os princípios suscitam problemas de validade e peso = importância, ponderação, valia; as regras colocam apenas questões de validade se elas não são correctas devem ser alteradas".

Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello: No que tange a conceito de princípio: "Princípio - já averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e

inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido

harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais.Isto por que, com ofendê-lo, abatem se as vigas que o sustém e alui-se toda a estrutura neles esforçada."

O princípio constitui, pois, em virtude de sua grande generalidade, regra básica e preeminente, vinculadora da interpretação e aplicabilidade de outras normas jurídicas, inclusive constitucionais. Diz Valmir Pontes Filho sobre o assunto:

"Funcionam, digamos assim, como os alicerces e as vigas mestras do grande edifício, que é o ordenamento jurídico. Por tal motivo, exatamente, é muito mais grave ferir um princípio do que uma mera norma constitucional.

Qualquer que seja o dispositivo da Carta Magna, qualquer que seja a norma jurídica, de natureza constitucional ou infraconstitucional, haverá, assim, de ser interpretada de acordo com tais princípios, verdadeiros vetores para soluções interpretativas, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello."

No dizer de Willis Santiago Guerra Filho, princípios e regras assim se distinguem:

"Regras e princípios distinguem-se:

a) quanto à sua estrutura lógica e deontológica, pela circunstância de as primeiras vincularem a fatos hipotéticos ('tatbestande') específicos, um determinado operador normativo ('proibido', Cf. 'Federalismo e Autonomia Municipal', in Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal, a. 22, n. 85, jan./mar 85, pp. 139-150. 'obrigatório', 'permitido'), enquanto aqueles outros - os princípios - não se reportam a qualquer fato particular, e transmitem uma prescrição programática genérica, para ser realizada na medida da jurídica e faticamente possível. Dessa diferença estrutural básica decorrem inúmeras outras, como: b) quanto à técnica de aplicação, já que os princípios normalmente colidem entre si, diante de casos concretos, o que leva ao chamado 'sopesamento' (Abwagung), para aplicar o mais adequado, ao passo que regras, uma vez aceita a subsunção a elas de certos fatos, inevitavelmente decorrem as conseqüências jurídicas nelas previstas, a não ser que elas não sejam válidas, por conflitarem com outras de um grau superior, quando então, ao contrário do que se dá com princípios, que, apesar de contraditórios, não deixam de integrar a ordem jurídica, a regra de grau inferior é derrogada. É certo que pode haver um dissenso com relação à subsunção dos fatos à hipótese legal, existindo mecanismos institucionais que garantem (e impõem) a chegada de um consenso, de forma racional, por explicitarem um procedimento a ser adotado, no qual se abre a oportunidade para a demonstração dos fatos e apresentação dos argumentos e interpretações divergentes."

É exatamente da importância de que se reveste Conceito de princípios que, nos últimos tempos, tem-se salientado bastante a distinção entre normas jurídicas que são formuladas como regras e aquelas que assumem a forma de um princípio. As primeiras possuem a estrutura lógica que tradicionalmente se atribui às normas de direito, com a descrição (ou 'tipificação') de um fato, ao que se acrescenta a sua qualificação prescritiva, amparada em uma sanção (ou, na ausência dela, no caso da qualificação como 'fato permitido'). Já os princípios, igualmente dotados de validade positiva e de um modo geral estabelecidos na Constituição, não se reportam a um fato específico, que se possa precisar com facilidade a sua ocorrência, extraindo a conseqüência normativamente prevista.

Eles devem ser entendidos como indicadores de opção pelo favorecimento de determinado valor, a ser levada em conta na apreciação jurídica de uma infinidade de fatos e situações possíveis, juntamente com tantas outras opções dessas, outros princípios igualmente adotados, que, em determinado caso concreto, podem-se conflitar uns com os outros, quando já não são, mesmo in abstracto, conflituantes entre si.

Assim, é necessário que o intérprete procure as recíprocas implicações entre princípios e regras para chegar à vontade unitária da Constituição, evitando-se exatamente as contradições, as antinomias e antagonismos aparentemente existentes nas normas da Constituição.

"O princípio da unidade da Constituição obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar."

O princípio da concordância prática ou da harmonização, formulado por Konrad Hesse, está ligado aos princípios da unidade Cf. Bastos, Celso Ribeiro, in Curso de Direito Constitucional, p. 99. Bonavides, Paulo, in Curso de Direito Constitucional, p. 345. da Constituição, do efeito integrador e da proporcionalidade, e "... impõe ao intérprete a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito ou em concorrência, de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros" .

Fundamenta-se o princípio da concordância prática na idéia de que não há diferença hierárquica ou de valor entre os bens constitucionais. Por isso, a interpretação não pode ter como resultado o sacrifício de um bem constitucional em detrimento de

outros. Deve-se, nessa tarefa, estabelecer limites e condicionamentos recíprocos de modo a se conseguir uma harmonização ou concordância prática entre os bens constitucionais.

Quanto ao princípio da proporcionalidade, a sua aplicação clássica e tradicional tem sido na esfera do direito administrativo.

Entretanto, tem sido descoberto, nos últimos tempos, pelos constitucionalistas como importante princípio de interpretação para o direito constitucional, ganhando força de fato a partir do momento em que as declarações de direito deixaram de ser entendidas como meras declarações, sem nenhuma efetividade, e se tornaram atos de legislação vinculantes.

O princípio da proporcionalidade é um elemento essencial de apoio e proteção dos direitos fundamentais, pois fornece critérios para as limitações a esses direitos. É composto, segundo a doutrina, por três subprincípios:

a) Adequação: deve-se identificar o meio adequado para se alcançar um fim de interesse público, o que envolve também o exame da adequação ou validade do fim;

b) Necessidade: o meio escolhido não haverá de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim almejado; deve-se escolher o meio menos nocivo aos interesses dos indivíduos;

c) Proporcionalidade stricto sensu: deve-se escolher o meio que, no caso específico, melhor atenda ao conjunto de interesses em jogo.

O princípio da proporcionalidade é uma verdadeira garantia constitucional que tem uma dupla função: protege os indivíduos contra os abusos do poder estatal e serve de método interpretativo de apoio para o juiz quando este precisa resolver problemas de

compatibilidade e de conformidade na tarefa de densificação ou concretização das normas constitucionais.

Encontra-se, na doutrina, quem proponha a solução para a colisão de direitos fundamentais adotando uma escala com determinada hierarquia de direitos constitucionais que permita dirimir a questão, tendo em conta parâmetros abstratos, como é o caso de Ramon Daniel Pizarro . Outros, ainda, como é o caso de Paulo José da Costa Júnior, se inclinam pela prevalência do direito à intimidade "(...) por estar ele inscrito em todas as consciências, ao passo que o direito da imprensa de noticiar é um direito meramente formal" .

A Constituição Federal de 1988 admite restrição à liberdade de comunicação, conforme é possível verificar do dispositivo abaixo transcrito: Art. 220 - A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1.º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social.

observado o disposto no art. 5.º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2.º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

§ 3.º Compete à lei federal:

I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

II - estabelecer os meios legais que

garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art.221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

§ 4.º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

§ 5.º Os meios de comunicação

social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

§ 6.º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.

No dizer de Gilmar Ferreira Mendes, o dispositivo constitucional acima transcrito veicula uma reserva de lei qualificada para o legislador disciplinar o exercício da liberdade de imprensa, devendo-se levar em conta principalmente a vedação "do anonimato, a outorga do direito de resposta e a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas" , não constituindo a liberdade de expressão um direito absoluto, insuscetível de restrição, seja pelo Judiciário, seja pelo Legislativo.

O direito alienígena não se tem furtado a dar sua resposta. Tribunais constitucionais de outros países, especialmente dos Estados Unidos, têm partido da chamada preferred position em abstrato da liberdade de imprensa em razão de sua valoração como condição indispensável para o funcionamento de uma sociedade democrática. Assim, no direito comparado, a prevalência é pela liberdade de informação quando configurado o confronto com o direito à intimidade. Tal preferência, no entanto, cede se a notícia não possuir um interesse público relevante e não for verdadeira, correta e honesta.

Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 91. Ver. art. 49, § 1.º.73 V. art. 2.º, inciso VIII.

Qualquer que seja o critério adotado, no entanto, a solução adotada deve necessariamente levar em consideração os princípios da razoabilidade ou da ponderação de bens envolvidos,

especialmente o que dele decorre, o princípio da proporcionalidade (ou princípio da proibição de excesso), originário do direito público alemão e que orienta o intérprete no sentido de que, numa ponderação, terá como tarefa precisamente a materialização das valorações, incumbindo-lhe, por isso, efetuar a valoração sem esquecer os princípios jurídicos e com a ajuda de um pensamento orientado a valores. No dizer de Raquel Denize Stumm, "O juízo de ponderação entre os pesos dos direitos e bens contrapostos deve ter uma medida que permita alcançar a melhor proporção entre os meios e os fins.

Em outras palavras, os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adoção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos."

Tenha-se sempre presente que a liberdade de imprensa constitui uma exceção ao direito à intimidade, e, mesmo com caráter de exceção, há determinados interesses ou assuntos relacionados com o interesse público perante os quais a proteção à vida privada não poderá prevalecer.

5.FORMA DE EXPRESSÃO E COMUNICAÇÃO

O eminente professor Doutor Judicael Sudário de Pinho, fornece bom referencial para o estudo, por intermédio do seguinte raciocínio: "qualquer elemento diferenciador entre ambos. Vale dizer: as características de ambos são as mesmas, muito embora, em alguns casos, o direito à vida privada, aqui tomado como gênero, possa ser objeto de consentimento quanto ao seu devassamento, ou seja, há determinadas situações em que o titular do direito respectivo pode deixar de exercê-lo, logicamente observadas as regras dos bons costumes e da ordem pública.

De qualquer sorte, em matéria de direito à intimidade, em relação apenas exemplificativa, são protegidos os seguintes bens: confidências, informes de ordem pessoal (dados pessoais), recordações pessoais, memórias, diários, relações familiares,

lembranças de família, sepultura, vida amorosa ou conjugal, saúde física e mental, afeições, entretenimentos, costumes domésticos e atividades negociais, reservados pela pessoa para si e para seus familiares, ou mesmo pequeno círculo de amizade, ficando,

portanto, afastados da curiosidade pública.

6. A LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO

A "liberdade de comunicação" (ou "liberdade de expressão") envolve todas as formas de expressão do homem, por meio do jornalismo, rádio, televisão, relações públicas, artes ou qualquer outra forma de exteriorizar o pensamento. A tudo isso acresça-se a liberdade de convicção política, filosófica ou religiosa, que compreende três formas de expressão, a saber: liberdade de crença, liberdade de culto e liberdade de organização religiosa, todas elas constitucionalmente tuteladas.

É sabido que o homem, para desenvolver a sua essência, precisa manifestar para o grupo social as suas idéias, convicções e pensamentos, justamente para se inteirar do mundo em que vive, pressupondo sempre que, apesar da necessária tutela da vida privada, o ser humano nunca se pode considerar isoladamente, distante de tudo e de todos. O homem é um animal social, já se afirmou com inquestionável propriedade. Bem a propósito, afirma Pimenta Bueno: "O homem, porém, não vive concentrado só em seu espírito, não vive isolado, por isso mesmo que por sua natureza é um ente social. Ele tem a viva tendência e necessidade de expressar e trocar suas idéias e opiniões com os outros homens, de cultivar mútuas relações, seria mesmo impossível vedar, porque fora para necessário dissolver e proibir a sociedade."

Fixada esta idéia – a liberdade de expressão é inerente à própria existência do homem –, ressalte-se que a plena conquista de tal direito fundamental é recente, datando de 1776, como conquista levada a efeito pela Revolução do Estado de Virgínia, cujos idealistas inseriram na Magna Carta o direito à manifestação do pensamento e de opinião, aí incluindo-se a liberdade de imprensa. Apesar disto, registra Roscoe Pound que, anteriormente à Declaração de Direitos da Virgínia, nenhuma carta incluiu a liberdade anterior de escrever e de dizer, fato que teve como causa um motivo histórico, basicamente relacionado com a principal preocupação com a estruturação de um governo que substituísse os antigos Artigos da Confederação .

Deixando de lado esse aspecto histórico, sabe-se que o enorme desenvolvimento dos diversos meios de comunicação ocorrido no final do século passado (com grande incremento no presente), em razão do descobrimento do telefone, do telégrafo, do rádio, da televisão, colocou o homem num verdadeiro dilema: apud, José Afonso da Silva in Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 35. a determinação de qual tipo de idéias e informações que podem transmitir estes novos meios de comunicação em comparação aos antigos meios (a imprensa e o livro), a milhões de pessoas que integram seu anônimo público receptor. Em razão de tal dilema, a importância do tema ganhou amplitude em vários documentos internacionais de direitos humanos, dizendo-se mesmo hoje que o grau de liberdade de um povo é medido pela amplitude conferida ao seu direito de manifestar o pensamento por todas as formas.

Trata-se, pois, de uma das conquistas mais preciosas do homem como decorrência da sua própria essência direcionada a manifestar seu pensamento.

Alcançado este ponto, impõe-se uma indagação: pode-se afirmar que tal direito ou garantia é absoluto? Pode-se mesmo situar tal direito ou garantia acima da própria Constituição de um país, a ponto de não ser possível impor-lhe limites? Ao final desta monografia, espero ter respondido a estas indagações. Em termos constitucionais, a liberdade de comunicação ou de expressão refere-se a um conjunto de direitos, formas e processos que possibilitam a ampla divulgação do pensamento e da informação, aí incluída a organização dos meios de comunicação, sujeita, em regra, a regime jurídico especial . Para Sampaio Dória, a liberdade de pensamento constitui "(...) não apenas a faculdade de pensar livremente, o que seria fenômeno puramente individual, mas o 'direito de manifestar em público o que se pense, ou sinta, seja sobre o que for'. É a liberdade de opinar, de criticar, de discutir, de propagar crenças, de publicar ou pregar opiniões."

Para o exercício adequado dessa liberdade, o emissor do No caso brasileiro, v. arts. 220 a 224, da Constituição Federal de 1988.

O pensamento não pode ultrapassar os limites fixados na própria Constituição, em especial o respeito aos direitos .

Com essa advertência, não se admite a censura prévia. Apenas adverte-se que toda liberdade só pode ser condicionada pelo direito em respeito à lei, sob pena de se configurar em inequívoco abuso. Anote- se, a propósito, o comentário de Freitas Nobre: "A liberdade ilimitada, distanciada do interesse social e do bem comum, não é conciliável no mundo contemporâneo, porque se o pensamento é inviolável e livre, a sua exteriorização deve ser limitada pelo interesse coletivo, condicionando seu exercício ao destino do patrimônio moral da sociedade, do Estado e dos próprios indivíduos."

Em face disso, são os seguintes os princípios decorrentes da liberdade de pensamento ou de expressão:

a) vedação a qualquer tipo de restrição à comunicação, observada a Constituição Federal;

b) nenhuma lei poderá embaraçar a plena liberdade de informação;

c) é vedada qualquer tipo de censura;

d) a publicação de qualquer veículo tendente a manifestar o pensamento não pode sofrer qualquer censura de natureza política, ideológica e artística;

e) a exploração de serviços de radiodifusão ou imagens depende de concessão do Poder Executivo, sob a fiscalização do Congresso Nacional; e

f) os meios de comunicação não podem ser objetos de monopólio:

A importância da imprensa começou a ser sentida a partir de quando se percebeu a sua enorme influência na formação da opinião pública, chegando-se mesmo a afirmar, em face do imenso poder da imprensa, que, em boa verdade, não existiria uma verdadeira opinião pública, mas apenas a 'opinião publicada'. De acordo com informação de René Ariel Dotti, "foi Balzac quem primeiro designou a imprensa como o 'quarto poder do Estado', expressão que traduz fielmente a importância dos órgãos de informação no contexto da sociedade moderna" .

O Direito à Informação – a procura, o acesso, o recebimento e a difusão de informações ou idéias – apresenta dois aspectos

fundamentais:

a) a liberdade de informar;

b) a liberdade de ser informado por qualquer meio de publicação, seja veículo impresso, seja veículo de difusão.

Sobre esses dois aspectos do direito à informação, vale conferir a seguinte passagem de Edilsom Pereira de Farias: "No âmbito da proteção constitucional ao direito fundamental à informação estão compreendidos tanto os atos de comunicar quanto os de receber livremente informações pluralistas e corretas. Com isso, visa-se a proteger não só o emissor, mas também o receptor do processo da comunicação. No aspecto passivo dessa relação da comunicação, destaca-se o direito do público de ser adequadamente informado, tema sobre que.

Rui Barbosa já chamava a atenção em sua célebre conferência intitulada 'a imprensa e o dever da verdade' e que, atualmente, invocando-se a defesa dos interesses sociais e indisponíveis, desemboca na tese de que o direito positivo brasileiro tutela 'o direito difuso à notícia verdadeira."

A liberdade de informação refere-se essencialmente à informação correta, assim ocorrendo porque a imprensa é formadora de opinião pública, com relevante função social, possibilitando o amplo desenvolvimento da liberdade de opção da sociedade para reforçar o regime democrático. Vale dizer: uma imprensa livre é inseparável do conceito geral de liberdade em um Estado moderno.

Sem deixar de reconhecer a importância da imprensa, a sua atividade, a toda evidência, deve observar determinadas restrições ligadas aos direitos ou princípios que a sua atuação não pode violar, sob pena de impor enorme prejuízo ao titular do interesse.

Assim, a livre manifestação do pensamento, emblematizada, no presente caso, pela divulgação de notícias, deverá ser limitada pela veracidade dessa mesma notícia e pelo interesse público.

Desse modo, "a liberdade em geral e em matéria de comunicação especificamente não é nem pode ser absoluta. Neste grau corresponde à anarquia. Seu fim é o início da liberdade de outrem. Como fronteira se lhe contrapõem a ordem e o interesse público, a segurança e os bons costumes. Só existirá enquanto for igual para todos."

Quanto às restrições à liberdade de informação, destacamos os seguintes aspectos, transcrevendo lição de Serrano Neves:

"a) ratione reipublicae – óbices opostos ao princípio

relacionado com ameaças ao princípio do núcleo intangível

(cláusula pétrea), previsto no art. 5.º, § 2.º, da Constituição Federal;

b) ratione gentium – restrição ligada ao bom relacionamento

entre as nações, envolvendo o próprio direito internacional (público ou privado);

c) ratione personae – a liberdade de imprensa não pode violar

os direitos da personalidade;

d) ratione materiae – diz respeito a potencialidade de penetração da matéria divulgada, vale dizer, a proibição da imprensa marron;

e) ratione auctoris – é dever do jornalismo manifestar os fatos com inteira veracidade, sem deturpação dos fatos;

f) ratione lectoris – destaca o interesse do Estado na educação

do povo, em especial da juventude, em nome da ética social, em

sede de moralidade pública."

Existe um direito de informar livremente, decorrente da própria inexistência e proibição de qualquer tipo de censura . É certo que toda informação, ou ao menos parte dela, guarda em si mesma um componente ideológico que muitas vezes diz respeito a posicionamentos políticos, ideológicos e artísticos da própria direção ou proprietários da empresa jornalística, o que acarreta uma série de condicionamentos que devem ser adequadamente confrontados. Vale dizer: pressupondo-se que a atividade jornalística tem como principal produto a informação, torna-se cada vez mais complexa a seleção das notícias que atendam ao interesse do público receptor em prol da necessidade de manter a estrutura econômica da empresa.

8. TEORIA DO ABUSO DO DIREITO

O abuso de direito constitui, no seu exercício, além dos limites preestabelecidos pelo ordenamento e que gera o dano e, por conseqüência, o dever de indenizar. Para José Manoel Martin Bernal, o abuso de direito decorre essencialmente dos atos que excedam o seu uso normal e da normal tolerância . Do ponto de vista teórico, a teoria do abuso do direito nem sempre teve aceitação tranqüila, embora continue plenamente reconhecida. Dessa forma, fundamentado o abuso do direito na teoria do ato ilícito – a culpa lato sensu -, seu fundamento legal, no Brasil, decorre do art. 160, inciso I, do Código Civil, uma vez que, se o exercício do direito for irregular, com certeza haverá o desvio de suas finalidades sociais, gerando, como se viu, o dano.

Claro que, quando da divulgação de fatos ou notícias com abuso do direito de informar, cogita-se não propriamente de informação,mas de sua deformação, o que sempre viola o direito de intimidade, imagem, honra e vida privada do ofendido. Assim ocorre sempre que a informação é veiculada por simples motivo sensacionalista, sem preocupações ou compromissos com a verdade. Do ponto de vista legal, no Brasil, a Lei de Imprensa cogita do abuso do direito de informar, ao estatuir expressamente, no seu art. 1.º: "É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer." Em igual sentido a

previsão do art. 12: "Aqueles que, através dos meios de informação e divulgação, praticarem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação ficarão sujeitos às penas desta Lei e responderão pelos prejuízos que causarem." (Os destaques são meus).

Como se vê, quando a liberdade de imprensa não é exercida dentro dos parâmetros legais e constitucionais.

8. CONFLITOS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Por conflito de direitos fundamentais entende-se a diversidade de interesse sobre direitos fundamentais de diferentes titulares alusivos ao mesmo objeto, de tal sorte que o exercício de uns venha a contrastar com o de outros. Assim, é possível que, diante de duas regras ou de dois princípios constitucionais, configure-se um conflito diante do qual o intérprete sinta-se em dúvida sobre qual delas, ou qual deles, deva prevalecer diante de um caso concreto. É dizer: no exercício de direitos fundamentais, é freqüente o choque entre eles ou o confronto desses direitos com outros bens jurídicos constitucionalmente tutelados.

Considerando esse conceito, pode-se afirmar que o confronto do direito à intimidade com a liberdade de comunicação significa que as opiniões e fatos relacionados com o âmbito de proteção constitucional desse direito não podem ser divulgados ao público indiscriminadamente.

É sabido, no entanto, que a liberdade de comunicação, tida como um direito fundamental que vai além da dimensão individual, por ser imprescindível para a formação da opinião pública qualificada e pluralista, o que é essencial para o regular funcionamento do Estado Democrático de Direito, não deve sofrer restrições por parte de direitos ou bens constitucionais que lhe deixe totalmente desnaturalizada, o que conduz o intérprete a um grande dilema, traduzido, magistralmente, nas palavras de Richard F. Nixon: "to achieve control of invasions of privacy whithout either the unlikely support of public opinion or suppression of the press."

Atente-se, no entanto, que o problema da colisão de direitos fundamentais não pode ser solucionado sem antes relacioná-lo com o instituto da antinomia jurídica, fenômeno inevitável no sistema jurídico em razão da dinamicidade do Direito, especialmente diante da febril atividade legiferante dos tempos modernos.

A teoria do ordenamento jurídico está fundada na unidade, na coerência e na completude, elementos que fazem com que o Direito, no seu conjunto, se constitua num ordenamento, distinto

das normas singulares que o compõem.

Pela unidade compreende-se o Direito como um sistema unitário de normas e trata-se de uma unidade formal, relativa ao modo pelo qual as normas são postas, diferentes da unidade preconizada pelo jusnaturalismo, que se refere à unidade substancial ou material, isto é, relativa ao conteúdo das normas.

Para explicar essa diferença, Kelsen fala de dois tipos diferentes de ordenamentos normativos: o estático (ao qual pertencem a moral e o direito concebido pelo jusnaturalismo) e o dinâmico (próprio do direito concebido pelo positivismo jurídico).

Em face disso, para Kelsen, "o sistema de normas que constitui o ordenamento jurídico possui, essencialmente, o caráter dinâmico, pois uma norma não vale porque possui este ou apud, Edilsom Pereira de Farias, in Colisão de Direitos, p. 137.

A expressão utilizada por Norberto Bobbio é completitude. V. O Positivismo Jurídico..., p. 198. aquele conteúdo; todo e qualquer conteúdo pode ser jurídico. Nesse tipo de sistema, a norma hipotética fundamental só fornece o fundamento de validade. O conteúdo das normas pode ser determinado por meio dos atos das autoridades que estatuem as normas positivas do sistema. A norma hipotética fundamental pressuposta do sistema normativo dinâmico refere-se tão-somente às formas procedimentais, pois institui o fato produtor de normas, conferindo poder a uma autoridade para emitir comandos jurídicos, determinando, assim, como devem ser criadas as normas gerais e individuais."

A coerência e a completude são características estreitamente ligadas entre si, ainda que tal ligação nem sempre seja evidente. Carnelutti, citado por Bobbio , revela a relação entre coerência e completude do ordenamento, afirmando que, no Direito, podem ocorrer dois vícios: um por excesso, quando há mais normas do que deveria haver (na incoerência há duas normas contraditórias, das quais somente uma pode estar contida no ordenamento) e outro por falta, quando há uma norma a menos (lacuna).

A incoerência do ordenamento é a situação em que há duas normas, a segunda incompatível com a primeira; a incompletude é a situação em que não há qualquer norma a ser aplicada.

Assim, pode-se afirmar que a coerência consiste em não se admitir no ordenamento normas incompatíveis entre si, o que é garantido por uma norma, implícita em todo o ordenamento, segundo a qual, existentes duas normas incompatíveis, somente

uma delas pode fazer parte desse ordenamento, isto é, somente uma delas pode ser válida. Aspecto interessante deste ponto é o que indica as possíveis soluções para as eventuais antinomias verificadas no ordenamento. Resumidamente, pode-se afirmar que, diante de duas normas incompatíveis: a) segundo o critério cronológico, a norma posterior prevalece sobre a norma precedente (lex posterior derogat priori); b) segundo o critério hierárquico, a norma de grau superior (estabelecida por uma fonte de grau superior) prevalece sobre aquela de grau inferior (lex superior derogat inferiori); segundo o critério de especialidade, a norma especial prevalece sobre a geral (lex specialis derogat generali).

Importa não esquecer que estes critérios não são suficientes para resolver todas as antinomias, existindo casos em que eles não podem ser aplicados: a) caso de conflito entre os próprios critérios (a uma mesma antinomia podem-se aplicar dois critérios, cada um deles levando a um resultado diferente); b) caso em que não é possível aplicar nenhum dos três critérios.

No conflito entre o critério hierárquico e o critério cronológico, prevalece o hierárquico. No conflito entre o critério de especialidade e o critério cronológico, prevalece o critério de especialidade. No conflito entre o critério hierárquico e o critério

de especialidade, que são os dois chamados critérios fortes, torna-se difícil saber qual dos dois critérios prevalece. Para este último

caso, aconselha e adverte Norberto Bobbio: "Pode-se talvez recorrer ao critério fraco, o cronológico, como critério subsidiário para estabelecer a prevalência de um ou de outro dos dois critérios fortes: prevalece o critério hierárquico, isto é, é válida a norma superior geral, se esta for posterior à outra; prevalece, ao contrário, o critério de especialidade, a saber, é válida a norma inferior especial, se for esta a posterior. Em outros termos, uma norma superior geral precedente cede diante de uma norma inferior especial sucessiva; uma norma superior geral sucessiva vence no confronto com uma norma inferior especial precedente. Trata-se, entretanto, de uma solução que não é partilhada por toda a doutrina, como são partilhadas as soluções para os outros dois conflitos."Outra dificuldade ocorre quando nenhum dos três critérios de solução das antinomias é aplicável ao caso concreto, como quando há duas normas antinômicas e que são contemporâneas, paritárias e gerais. Aqui a solução se dá por outro critério: a prevalência da lex favorabilis sobre a lex odiosa, considerando-se lex favorabilis aquela que estabelece uma permissão e lex odiosa, aquela que estabelece um imperativo (comando ou proibição), isto por que a situação normal do súdito é o status libertatis, sendo, por isso, a norma imperativa uma exceção, pelo que deve ceder se entrar em conflito com uma norma permissiva. Adverte, no entanto, Bobbio que o critério acima descrito somente se aplica quando a antinomia verificada é entre duas normas de Direito público, que regulam as relações entre o Estado e os cidadãos, sendo inservível quando o conflito se verificar entre duas normas de direito privado, que regulam relações entre cidadãos particulares. A eliminação de uma das normas, qualquer que seja ela, cria sempre uma vantagem em favor de um sujeito e um ônus em desfavor de um outro.

Adverte também Bobbio para outro caso não possível de ser solucionado pelo critério da lex favorabilis: quando ambas as normas são imperativas, uma comandando e outra proibindo o mesmo comportamento. Trata-se, segundo Bobbio, de normas contrárias, e não de normas contraditórias. Como normas contrárias, eliminam-se reciprocramente e nenhuma das duas é válida, sendo válida, em verdade, uma terceira possibilidade, ou seja, a norma que nem comanda, nem proíbe, mas permite o comportamento questionado .

A completude do ordenamento jurídico constitui o ponto central do positivismo jurídico, estreitamente ligada ao princípio da certeza do Direito, significando negar a existência de lacunas na lei, o que é demonstrável por duas teorias diversas: a do espaço jurídico vazio e a da norma geral exclusiva.

Pela teoria do espaço jurídico vazio, cujos expoentes são Karl Bergbohm e Santi Romano , fato não previsto em nenhuma norma é fato situado fora dos limites do Direito, sendo, pois, juridicamente irrelevante, inexistindo, dessa forma, lacuna na lei.

Já a teoria da norma geral exclusiva, que encontra em Zitelmann , primeiro, e Donati, posteriormente, na Itália, os seus maiores expoentes, assevera que não existem fatos juridicamente irrelevantes e não existem lacunas, porque cada norma jurídica

particular que submete a uma dada regulamentação certos atos é

sempre acompanhada de uma segunda norma nela contida implicitamente, a qual exclui da regulamentação da norma particular todos os atos não previstos por esta última e os submete

a uma regulamentação jurídica antitética (por isto a segunda norma é dita geral e exclusiva).

Admitindo-se a existência de lacunas da lei em outro sentido – normas jurídicas nas quais se verifica um descompasso entre a letra e o espírito da lei ou entre a vontade expressa e a vontade presumida do legislador – tais normas podem-se completar a partir do interior do sistema (auto-integração do Direito), tudo mediante o recurso à analogia e aos princípios gerais do Direito, recurso que é puramente interpretativo ou, mais precisamente, integrativo do Direito.

Retomando o objeto de discussão desta monografia, pode-se afirmar, com Tércio Sampaio Ferraz Júnior, que a antinomia jurídica é "a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias, num mesmo âmbito normativo que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento jurídico."

O conceito de antinomia jurídica não se confunde com o de colisão de direitos. Este último conceito é mais amplo, tendo em vista que envolve o conflito entre direitos fundamentais que muitas vezes têm conteúdo aberto e variável, ou seja, a colisão ocorre, no dizer de J. J. Gomes Canotilho, "quando o exercício de um direito fundamental por parte de um titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular." E, completando o entendimento, vale conferir esta passagem de Edilsom Pereira de Farias: "A 'colisão de princípios', ao revés do conflito de regras, tem lugar na dimensão da validez, acontece dentro do ordenamento jurídico (...)", "vale dizer: não se resolve a colisão entre dois princípios suprimindo um em favor do outro. A colisão será solucionada levando-se em conta o peso ou a importância relativa de cada princípio, a fim de se escolher qual deles, no caso concreto, prevalecerá ou sofrerá menos constrição do que o outro."

Logo, a proposição a ser feita diz respeito com a solução do conflito entre dois princípios constitucionais específicos, quais sejam, verificada a impossibilidade de conciliação entre a liberdade de informar e o direito à intimidade, qual deve prevalecer? Seria possível imaginar soluções genéricas ou, ao contrário, somente no caso específico é que a colisão de direitos fundamentais pode ser resolvida?

Desde já, observe-se que a conciliação entre ambos os direitos é impossível, isto em face mesmo da tendência material de cada um levar à destruição do outro.

Não se pode, pois, deixar de reconhecer que a solução da questão só pode ocorrer no caso concreto submetido ao julgador e intérprete da norma por meio de construções doutrinárias, uma vez que, inexistindo hierarquia entre princípios ou regras constitucionais, somente as circunstancias ditadas por apreciações axiológicas poderão apurar de forma adequada qual a prevalência a ser dada".

CONCLUSÃO

É sabido que o Direito da Comunicação, as liberdades de imprensa, artística e de expressão, em relação a vida privada, a honra e a imagem das pessoas tem relevante função social nas atuais sociedades, no entanto, necessário que essa importância não venha a descaracterizar ou desnaturalizar o direito à intimidade da pessoa da humana.

Fixada esta idéia – a imposição de sanções pecuniárias em razão de abusos praticados por alguns setores da imprensa, pode exercer um determinado controle sobre a mídia , apesar do crescimento da chamada "indústria de reclamação por indenização por danos morais".

Alcançado este ponto, no exercício do Direito Fundamentais, é comum a incidência de conflito entre esses Direitos Fundamentais com outros bens jurídicos constitucionalmente tutelados.

No conflito entre a liberdade de comunicação e o Direito à Intimidade, tema deste artigo do iminente professor doutor Judicael Sudário de Pinho e das sábias lições do professor doutor José Julio da Ponte Neto, deve ser extraída a ponderação de bens para sua solução, fato reconhecido pela jurisprudência.

De qualquer sorte, como de evidente sabedoria, fica legitimado a utilização do princípio da Proporcionalidade, quando da incidência de conflito de Direitos Fundamentais.

REF.BIBLIOGRÁFICA

· Artigo Cientifico do Prof. Doutor Judicael Sudário de Pinho. Publicado na Revista Themis, Fortaleza, vl. 03, nº 2, pg 107 - 161 , 2003.

· CFB – de 1988

· Textos Auxiliares discutidos durante as aulas do Doutorado, na USC – Asunción – Py.- 2010.