DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E DIFUSOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE[1] 

                         Mariana Moura Borba[2]

                        Luana Massette Cordeiro

RESUMO 

O presente artigo tem por objetivo analisar o problema da situação da maioria das Crianças e Adolescentes brasileiros, fazendo um resgate histórico do surgimento dos Direitos Sociais da Criança e do Adolescente no Brasil, para auxiliar na análise da atual questão, bem como expor o tratamento dado às Crianças e Adolescentes pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, apontando sua efetivação como uma das possíveis soluções para o problema apresentado. 

PALAVRAS – CHAVE

Direito. Criança e Adolescente. Estatuto da Criança e do Adolescente. 

        Introdução

        Implantar o sistema de garantias aos direitos da criança e do adolescente, é o grande desafio dos operadores da área da infância e juventude. Inicialmente, se faz indispensável romper com o sistema anterior, não apenas no aspecto formal, como já o fizeram a Constituição da República e a Lei n. 8.069/90, mas e principalmente no plano prático. Trata-se de uma tarefa árdua, pois exige, conhecer, entender e aplicar uma nova sistemática, completamente diferente da anterior, entranhada em nossa sociedade há quase um século, mas o resultado, por certo, nos levará a uma sociedade mais justa, igualitária e digna.

 

               

1 Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil  

        O Direito da Criança e do Adolescente para se tornar um direito fundamental social e difuso, passou por várias mudanças decorrentes de uma evolução histórica. No Brasil-Colônia , ao pai era assegurado o direito de castigar o filho como forma de educá-lo, excluindo-se a ilicitude da conduta paterna se o filho viesse a falecer ou sofresse lesão.

        Durante a fase imperial tem início a preocupação com os infratores, menores ou maiores, e a política repressiva era fundada no temor ante a crueldade das penas. Vigentes as Ordenações Filipinas, a imputabilidade penal era alcançada aos sete anos de idade. Dos sete aos dezessete anos, o tratamento era similar ao do adulto com certa atenuação na aplicação da pena.[3]

        Houve uma pequena alteração do quadro com o Código Penal do Império, de 1830, que introduziu o exame da capacidade de discernimento para a aplicação da pena. Menores de quatorze anos eram inimputáveis. Contudo se houvesse discernimento para os compreendidos na faixa dos sete aos quatorze anos, poderiam ser encaminhados para casas de correção, onde poderiam permanecer até os dezessete anos de idade.

        O primeiro Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, 1890 – século XIX, manteve a mesma linha do código anterior com pequenas modificações. Menores de nove anos eram inimputáveis. A verificação do discernimento foi mantida para os adolescentes entre nove e quatorze anos de idade. Até dezessete anos seriam apenados com 2/3 da pena do adulto.

        No início do período republicano , os males sociais exigiram medidas urgentes, já que era um momento de construção da imagem da nova república. Foram fundadas entidades assistenciais que adotaram práticas de caridade ou medidas higienistas.

Na atribuição dos direitos sociais, não se podem deixar de levar em conta as diferenças específicas, que são relevantes para distinguir um indivíduo de outro, ou melhor, um grupo de indivíduos de outro grupo. Com relação ao trabalho, são relevantes as diferenças de idade e de sexo; com relação à instrução, são relevantes diferenças entre crianças normais e crianças que não são normais (...)

Igualdade e diferença têm uma relevância diversa conforme estejam em questão direitos de liberdade ou direitos sociais. Através do reconhecimento dos direitos sociais, surgiram novos personagens como sujeitos de direitos: a mulher e a criança, o velho e o muito velho, o doente e o demente, etc.[4]

  

      O pensamento social oscilava entre assegurar direitos ou “se defender” dos menores.Casas de recolhimento são inauguradas em 1906 dividindo-se em escolas de prevenção, destinadas a educar menores em abandono, escolas de reforma e colônias correcionais, cujo objetivo era regenerar menores em conflito com a lei. Em 1912, o Deputado João Chaves apresenta projeto de lei alterando a perspectiva do direito de crianças e adolescentes, afastando-o da área penal e propondo a especialização de tribunais e juízes, na linha, portanto, dos movimentos internacionais da época.[5]

     A influência externa e as discussões internas levaram à construção de uma Doutrina do Direito do Menor, fundada no binômio carência/delinqüência. Era a fase da criminalização da infância pobre. Havia uma consciência geral de que o Estado deveria proteger os menores, mesmo que suprindo suas garantias.

     O primeiro Código de Menores do Brasil, o Decreto 17.943-A, foi publicado em 12 de outubro de 1927, mais conhecido como Código Mello Mattos. Conforme a nova lei, o Juiz de Menores decidia-lhes o destino. Medidas assistenciais e preventivas foram previstas. No campo infracional, crianças e adolescentes até os quatorze anos eram objeto de medidas punitivas com objetivos educacionais. Já os jovens entre quatorze e dezoito anos, já eram passíveis de punição, mas com responsabilidade atenuada. Estava construída a categoria Menor, conceito estigmatizante que acompanha crianças e adolescentes até a Lei n. 8.069, de 1990 e até mesmo após essa lei.

        A Constituição da República do Brasil de 1937, buscou além do aspecto jurídico, ampliar o horizonte social da infância e juventude, bem como dos setores mais carentes da população. O Serviço Social passava a integrar programas de bem-estar, valendo destacar o Decreto-Lei n.3.799, de 1941, que criou o Serviço de Assistência do Menor, o SAM, que atendia menores delinqüentes e desvalidos.

        A tutela da infância, caracterizava-se pelo regime de internações com quebra dos vínculos familiares, substituídos por vínculos institucionais. O objetivo era recuperar o menor, adequando-o ao comportamento ditado pelo Estado. Em 1943 foi instalada uma Comissão Revisora do Código Mello Mattos. Como o problema das crianças era, e ainda é, principalmente social, a comissão trabalhou no propósito de elaborar um código misto, com aspectos social e jurídico.

        No projeto, percebia-se a influência dos movimentos pós-Segunda Guerra em prol dos Direitos Humanos que levaram a ONU, em 1948, a elaborar a Declaração Universal dos Direitos do Homem, e em 20 de novembro de 1959, a publicar a Declaração dos Direitos da Criança, cuja evolução originou a doutrina da Proteção Integral. Contudo, após o golpe militar, a comissão foi desfeita e os trabalhos interrompidos.[6]

        A década de 60 foi marcada por severas críticas ao SAM que não cumpria seu objetivo inicial. Desvio de verbas, superlotação, ensino precário, incapacidade de recuperação dos internos foram alguns dos problemas que levaram à sua extinção em 1964, pela Lei n. 4513 que criou a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor-FUNABEM.

        A nova entidade era baseada na Política Nacional do Bem-Estar do Menor. Legalmente a FUNABEM apresentava uma proposta pedagógica-assistencial progressista. Na prática, era mais um instrumento de controle de regime político autoritário exercido pelos militares.

        No auge do regime militar, em franco retrocesso, a Lei n. 5.228, de 1967, reduziu a responsabilidade penal para dezesseis anos de idade, sendo que entre dezesseis e dezoito anos de idade, seria utilizado o critério subjetivo da capacidade de discernimento. Felizmente, em 1968, retorna-se ao regime anterior com imputabilidade aos 18 anos de idade.

        No final dos anos 60 e início de 70, iniciam-se debates para reforma ou criação de uma legislação menorista. Em 1979, foi publicada a Lei n. 6.695, novo Código de Menores, que consolidou a doutrina da Situação Irregular.[7]

        Durante todo esse período, a segregação era vista, na maioria dos casos, como única solução. Em 1990, já desgastada pelos mesmos motivos que levaram à extinção do SAM, a FUNABEM foi substituída pelo Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência-CBIA. Percebe-se pela terminologia que o estigma ‘menor, não estava mais sendo tão usado, mas sim “criança e adolescente”, expressão consagrada na Constituição Federal de 1988 e nos documentos internacionais.

        Do ponto de vista político, houve uma necessidade de reafirmar valores que nos foram ceifados durante o regime militar. Movimentos europeus pós-guerra, influenciaram o legislador constituinte na busca de um direito funcional, pró-sociedade. De um sistema normativo garantidor do patrimônio do indivíduo, passamos para um novo modelo que prima pelo resguardo da dignidade da pessoa humana. O binômio individual/patrimonial é substituído pelo coletivo/social.[8]

        A intensa mobilização de organizações populares, acrescida da pressão de organismos internacionais, como o UNICEF, forma essenciais para que o legislador constituinte se sensibilizasse a uma causa já reconhecida como primordial em diversos documentos internacionais como a Declaração de Genebra, de 1942; a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (Paris,1948); a Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, 1969). A nova ordem rompeu, assim, com o já consolidado modelo da situação irregular e adotou a doutrina da proteção integral.

        O objetivo a ser alcançado pelo Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua – MNMMR, era uma constituição que garantisse e ampliasse os direitos sociais e individuais de nossas crianças e adolescentes. Houve a aprovação dos textos dos artigos 227 e 228 da Constituição Federal de 1988, resultado da fusão de duas emendas populares, que levaram ao Congresso as assinaturas de milhares de eleitores, cidadãos-crianças e cidadãos-adolescentes.[9]

        Foi adotado o sistema garantista da doutrina da proteção integral, havendo a promulgação da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispões sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.

        O ECA resultou da articulação de três vertentes: o movimento social, os agentes do campo jurídico e as políticas públicas. Trata-se de um verdadeiro microssistema que cuida de todo o arcabouço necessário para se efetivar o ditame constitucional de ampla tutela do público infanto-juvenil. Crianças e adolescentes deixam de ser objeto de proteção assistencial e passam a titulares de direito subjetivos.[10]

       

 2 Tratamento de Crianças e Adolescentes pelo ECA

    A conduta descrita como crime ou contravenção penal é considerada pelo ECA, como ato infracional.(art. 103, ECA). O garantismo penal impregna a normativa relativa ao adolescente infrator como forma de proteção deste face à ação do Estado. A ação do Estado, autorizando-se a sancionar o adolescente e infligir-lhe uma medida socioeducativa, fica condicionada à apuração, dentro do devido processo legal, que este agir típico se faz antijurídico e reprovável - daí culpável.

    Observa-se assim, a preocupação do legislador em estabelecer com precisão a conduta que pode submeter o adolescente ou a criança à devida aplicação de medidas, com o objetivo de evitar arbitrariedades e insegurança social.[11]

     O Estatuto estabelece que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, os quais estão sujeitos às medidas socioeducativas previstas naquela Lei, devendo ser considerada a idade do adolescente à data do fato (art.104 e parágrafo único, ECA).

     O ECA tutela a liberdade do adolescente, direito fundamental de qualquer pessoa, previsto no caput e inciso LXI do artigo 5º da CF/88. O discurso do eficientismo penal está na origem da redução das garantias constitucionais e processuais, cuja supressão ameaça converter o Estado democrático de direito em Estado penal.[12]

      O direito penal mínimo é, simultaneamente, o direito penal da Constituição, um verdadeiro sistema de controle dos processos institucionais e sociais de criminalização, enfim, de proteção do indivíduo contra o poder punitivo do Estado, mas é necessário ir além e pensar o garantismo, como política integral de proteção aos direitos de cidadania.

Conclusão

      O ECA, Lei n. 8.069/90, operou uma verdadeira revolução no ordenamento jurídico nacional, introduzindo novos paradigmas na proteção e garantia dos direitos infanto-juvenis. Regulamentando a doutrina da proteção integral, recepcionada pelo artigo 227 da Carta Magna, o ECA apresenta-se como diploma legal inovador, verdadeiro instrumento da democracia participativa, que retirou crianças e adolescentes da condição de mero objeto de medidas policiais e judiciais, conferindo-lhes a posição de sujeitos de direitos fundamentais. A efetivação do Estatuto, reafirma a crença de que a garantia dos direitos infanto-juvenis é o caminho para uma sociedade mais justa, digna e igualitária. A Lei n. 8.069/90, constitui importante instrumento na construção de um Direito que efetive os direitos fundamentais da criança e do adolescente.

REFERÊNCIAS:

ARGUELLO, Katie.Do Estado social ao Estado penal: invertendo o discurso da ordem.

BOBBIO, Noberto. A era dos direitos/Noberto Bobbio; tradução de Carlos Nelson Coutinho. – Rio de Janeiro: Campus, 1992.

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006.

       

 

 

 

 



[1] Artigo apresentado à disciplina de Direito Constitucional II, do 4º período de Direito Vespertino, ministrada pela Professora Luiza Oliveira, para obtenção de segunda nota.

[2] Alunas do 4º período Vespertino do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[3] MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 4.

[4] BOBBIO, Noberto. A era dos direitos/Noberto Bobbio; tradução de Carlos Nelson Coutinho. – Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 71-72.

[5] MACIEL, op.cit., p.6-7.

[6] MACIEL, op.cit.,p.7.

[7]MACIEL, op.cit.,p.8. 

[8]MACIEL, op.cit.,p.8. 

[9]MACIEL, op.cit.,p.9.

[10] MACIEL, op.cit.,p.10.

[11]MACIEL, op.cit., p. 773. 

[12]ARGUELLO, Katie.Do Estado social ao Estado penal: invertendo o discurso da ordem.p. 23.