Direito Sem Educação

 

                                                                    Eugênio Pacceli de Morais Bomtempo

 

RESUMO

 

                        Mesmo com uma legislação de trânsito tão avançada, o Brasil experimenta um elevado número de acidentes em suas estradas. O Mapa da Violência 2011, publicado pelo Ministério da Justiça, demonstra que os jovens, sobretudo, usuários de drogas e de bebidas alcoólicas têm conduzido o País a experimentar índices alarmantes de óbitos e lesões corporais no trânsito, a gerar inúmeras indenizações no Poder Judiciário. Chegou a hora de se construir uma cultura de paz, a partir da educação, não basta o bom direito figurar na Lei. A juventude está carente de paradigmas mobilizadores de grandes ideais. O problema da violência no trânsito não está na Lei 9.503/97, que é excelente. Certamente, este fenômeno exige estudos mais profundos.

 

Palavras chave: trânsito – Lei – Mapa – Violência – óbitos – lesões – corporais – indenizações – multas – estresse - cultura – paz – novos ideais – educação.

 

 

SUMÁRIO - Introdução. 1 - O “Mapa da Violência - 2011”. 2 – A Construção da Paz no Trânsito. 3 – Conclusão.

 

 

Introdução

 

                        O Brasil tem uma das legislações de trânsito mais avançadas do mundo. Ainda assim, observam-se graves índices de acidentes.

 

                        Filologicamente, sabe-se, segundo Antonio Houaiss e Abrahão Koogan, que acidente significa: “Acontecimento fortuito, geralmente lamentável, infeliz, desastre, acidente de tráfego” (KOOGAN, Abrahão & HOUAISS, Antonio. Enciclopédia e Dicionário Ilustrado. Rio de Janeiro: Ed. Delta, 1999, p.15).

 

                        As regulações do Código Nacional de Trânsito são detalhadas e precisas (Lei 9.503/97). Os crimes e infrações de trânsito têm definições exatas. 

 

                        As regras de trânsito foram sistematizadas por especialistas de diversas áreas, para chegar a conceitos irretocáveis, a exemplo do artigo 35 desta Lei 9503/97, vide: “Art. 35. Antes de iniciar qualquer manobra que implique um deslocamento lateral, o condutor deverá indicar seu propósito de forma clara e com a devida antecedência, por meio da luz indicadora de direção de seu veículo, ou fazendo gesto convencional de braço. Parágrafo único. Entende-se por deslocamento lateral a transposição de faixas, movimentos de conversão à direita, à esquerda e retornos. (...)”.

 

                        Não existe margem para dúvidas neste código.

 

                        Entretanto, inúmeras são as famosas “cortadas”, os “pegas”, em total desobediência às disposições de lei, todos os dias, com várias são as conseqüências desagradáveis.  Fica a pergunta: de que adianta bom direito sem educação?

 

                        Realmente, alguma coisa está errada e, este erro, não está na Lei. Há que se investigar a fundo este fenômeno, cuja pretensão de contribuir para o debate deu origem a este artigo. A quantidade de vítimas fatais e lesões corporais no trânsito vem assustando.

 

                       

 

1 - O “Mapa da Violência - 2011”

                        O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA recentemente publicou o “Mapa da Violência 2011”, em pesquisa realizada em parceria entre o INSTITUTO SANGARI e o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, contendo, também, alarmantes números dos acidentes de trânsito no Brasil. A violência no trânsito reflete um certo grau de ausência de paz no convívio social, sobretudo, entre os jovens, a merecer ações concretas.

                        Analisou-se dados de 26 Estados e do Distrito Federal, nesta pesquisa. Tomou-se como referência os dados entre 1998 e 2008 por estarem melhor disponíveis e consolidados, a permitirem projeções consistentes.

                        Esta pesquisa demonstra que houve um aumento de 32,4% nas mortes de jovens em decorrência de acidentes de transporte entre 1998 e 2008, enquanto a média total da população apresentou um índice de aumento na ordem de 26,5%. Os jovens têm sido mais agentes sociais mais violentos no trânsito.

                        Todavia, em alguns locais os números se destacam com mais veemência.

                        O Nordeste, por exemplo, apresenta o maior crescimento do número de óbitos causados por violência no trânsito: 56,1% entre 1998 e 2008. Nesta região, o problema pode estar ligado à falta lastro educacional. Mas, como explicar, por exemplo, que o Centro-Oeste apresenta um índice de 49,4% de óbitos em acidentes de trânsito, de modo a acompanhar de perto o crescimento nordestino? Entre as explicações para tais fenômenos nas estradas estão os usos de drogas e bebidas alcoólicas, bem como, fiscalização de trânsito insuficiente, mas, também, há que se questionar o modelo educacional adotado no País, pois a geração que está matando e morrendo no trânsito, pasme-se, tem menos de 30 anos.

                        Só no feriado da Semana Santa de 2011, inclusive, a Polícia Rodoviária Federal divulgou que ocorreram 175 mortes nas estradas federais e, nestes mesmos quatro dias, outras 2.274 pessoas voltaram feridas e lesionadas para casa, dada a violência no trânsito pátrio.

                        Infelizmente, nas estradas brasileiras contabilizam-se quatro vezes mais acidentes que no País com mais veículos automotores do mundo, ou seja, quatro vezes mais que os Estados Unidos.

 

                        Não basta fazer uma excelente Lei, a exemplo da Lei 9.503/97, conhecida como Código de Trânsito Nacional, a questão fundamental está na esfera educacional.

 

 

2 – A Construção da Paz no Trânsito

 

                        Carlos Geraldo Langoni publicou um livro, na década de 70, chamado “Economia da Transformação”. Neste livro, este autor revela que os investimentos em educação geravam 28% de taxa de retorno enquanto os investimentos em máquinas e equipamentos geravam 14% de retorno.

                       

                        Milhões de reais são arrecadados em multas de trânsito, a partir de câmeras eletrônicas espalhadas nas grandes cidades. Este dinheiro, de forma transparente, deve ser carreado para a educação. Educação para a vida. Educação para a paz no trânsito.

 

                        Basta ver a desinformação da maioria dos pedestres ao cruzarem o “Eixão da Morte”, em Brasília. Ou mesmo, o açodo de alguns motociclistas andando pelas linhas picotadas entre os carros expondo-se a perigos incalculáveis e expondo a riscos os pacatos senhores e senhoras motoristas da via.

 

                        Deve-se educar. Educar o pedestre. Educar os motoristas. Educar os futuros motoristas, enfim, o modelo de “educação” somente por multas, ou seja, de controle a posteriori, não está funcionando a contento.  Logo, esta educação deve vir de berço e da escola, também.

 

                        Os estados e o Distrito Federal não têm competência para legislar sobre matéria de trânsito, mas têm competência para legislar sobre educação de trânsito, nos termos do inciso XI do artigo 22 e do inciso XII do artigo 23 da Constituição Federal de 1988. Esta educação deve entrar nas salas de aula desde o ensino fundamental.

 

                        Sem a educação para a convivência pacífica na vida e no trânsito, não haverá desenvolvimento humano suficiente e este subdesenvolvimento se reproduzirá.  Os sociólogos deveriam estudar a origem da violência no trânsito e suas expressões de poder.

 

                        A multa disciplina e pune o infrator, o que, também, é muito importante, entretanto, nem mesmo todas estas multas vêm resolvendo o problema. Logo, o remédio eficaz está na educação.

 

                        Por outro lado, as conseqüências são muito sérias.

 

                        Todos os dias são debatidos nos tribunais pátrios inúmeras indenizações, ao final, com somas milionárias.  São pedidos de reparação por danos materiais, pedidos de pensões vitalícias para os dependentes do falecido ou falecida, para menores que perderam seus provedores, sem falar nas famosas indenizações de danos morais em face da perda de um ente querido, não somente para o cônjuge sobrevivente, como para os filhos, lucros cessantes, entre outras formas indenizatórias mais criativas.

 

                        No Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios existem reiteradas decisões sobre homicídios culposos. Outras tantas sobre sinistros advindos de empréstimos de carros a amigos e parentes, nem sempre terminando bem.

 

                        Um exemplo típico de condenação por homicídio culposo tem-se no seguinte Acórdão: “PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO CULPOSO DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. DIREÇÃO SEM HABILITAÇÃO OU PERMISSÃO (...). A confissão dos fatos pelo réu restou demonstrada pelos laudos técnicos dos autos, os quais concluíram que o deslizamento da moto guiada pelo réu ocorreu em face da excessiva velocidade empreendida pelo mesmo em via pública, que ocasionou a morte de sua acompanhante” (TJDFT, 2a T. Crim., Acórdão 492541. Rel. Des. João Timóteo de Oliveira, j. 24/03/2011, DJ-e: 04/04/2011, pág. 177).

 

                        Outro exemplo, de culpa pelo empréstimo do carro, tem-se: ““(...) O PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO DEVE SE CERCAR DE TODAS AS CAUTELAS NECESSÁRIAS NA HORA DE FRANQUEAR O USO DO BEM A TERCEIRO, SOB PENA DE VIR A SER RESPONSABILIZADO POR EVENTUAL SINISTRO, POR FORÇA DA CHAMADA "CULPA IN VIGILANDO" E "IN ELIGENDO" (TJDFT, 2a Turma Cível. Acórdão Número: 217787. Relator: J.J. COSTA CARVALHO. Data de Julgamento: 04/04/2005, publicação no DJU: 02/08/2005 Pág.: 95.). Conforme as consequências, a responsabilização é certa.

 

                        Desde longa data, culpa não se presume. Exige-se prova inequívoca. Nem sempre é fácil provar culpa ou inocência .

 

                        Realmente, a situação se agrava mais quando os motoristas usam drogas, que não são detectáveis por bafômetro, ou quando ingerem grandes quantidades de bebidas alcoólicas, para “animar” os famosos “pegas”, com finais trágicos.

                       

 

3 – Conclusão

 

                        Percebe-se, que o “Mapa da Violência 2011” representa um grande passo para a compreensão do problema do trânsito no Brasil.

 

                        Não adianta ter direito sem educação.

 

                        Mapear a violência no Brasil, realmente, é o primeiro passo. Agora, tem-se que dar um segundo passo, qual seja, mapear as relações de causa e efeito, em prol construção de novos ideais: novas práticas e linguagens pacíficas, a partir da cidadania, ou seja, da educação para a paz na vida e no trânsito. 

 

                        Por este breve ensaio pode-se observar que não basta punir e que punir sem educar pode não estar resolvendo o problema. Salvo melhor juízo, há que se buscar novos horizontes pela educação.

 

                        A sociedade não deve se acostumar a assistir alguns jovens reduzirem o trânsito a uma expressão de violência, de competição e de exteriorizações de poder. Isto seria deixar a futilidade suplantar a força de tantos ideais saudáveis.

 

                        Está na hora de se fazer o resgate da importância da educação.  A taxa de retorno de investimentos em educação é maior que a taxa de retorno de investimentos em máquinas e equipamentos. Nunca o Brasil ofereceu tantas chances de estudo, não estuda quem não quer. Mas falta motivação, fé nos políticos, fé na força do que se pretende construir. Isso exige política pública de endomarketing no seio social, também.

 

                        De toda sorte, resta aos jovens missão muito mais nobre do que certos atos agressivos na vida e no trânsito. Cabe-lhes missão de extrema grandeza: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Portanto, não adianta que se tenha o melhor direito, sem educação.                      

 

 

 

EUGÊNIO PACCELI DE MORAIS BOMTEMPO - Advogado, Mestre em Direito Internacional Econômico e Tributário pela UCB, Especialista em Direito Público pela UCB, Especialista em Direito Processual pela UNISUL, Bacharel em Direito pela UDF, Bacharel em Ciências Econômicas pelo UNICEUB, Especialista em Gestão Estratégica e Qualidade pela UCAM, com forte atuação em responsabilidades por violações ao direito de trânsito. Membro da Associação Internacional de Direito de Seguro. Um dos sócios fundadores do escritório Valadares e Bomtempo Advogados Associados, com sede em Brasília. Telefone geral: (61) 21070002