Direito Penal Máximo: Movimento Lei e Ordem

 

Tojney Marcos Sousa

 

 

Resumo

O artigo evidência o Direito Penal máximo, por meio do movimento lei e ordem. Este trabalho analisa que efeitos decorrem do movimento Lei e Ordem sobre a pessoa. Este trabalho é uma pesquisa bibliográfica, haja vista que, é realizada através de uma profunda e coerente análise de diversos artigos científicos, textos curtos e inclusive, livros de autores que comentam com propriedade o tema supracitado. A aplicação do Direito Penal, por ele só, torna a sociedade ainda mais estigmatizada, logo, o Direito Penal Máximo desacompanhado de questões sociais é uma afronta à dignidade da pessoa humana prevista no artigo 5º, caput, CF/88.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MOVIMENTO LEI E ORDEM

O movimento titulado como Lei e Ordem, com o discurso do Direito Penal Máximo, ou seja, que a forma de solução para todos os males da sociedade moderna é indubitavelmente o Direito Penal, passou a se proliferar no final do século XX e início do século XXI, principalmente por meio da mídia, seu fundamental aliado.

O forte sensacionalismo que a mídia se utiliza, aliado transmissão de imagens chocantes e a uma educação ainda frágil, são os pilares centrais e propulsores, para o crescimento de tal movimento. A mídia passou a clamar de forma sensacionalista o endurecimento das penas, a criação de tipos penais autônomos, ainda que, para tanto, seja necessário o afastamento de garantias processuais; os crimes praticados contra o idoso, estupro de criança, torturas, passaram ser costumeiros no cotidiano da sociedade, de tal modo que, a sociedade não agüenta mais, e passa a ser alienada a acreditar que o Direito Penal Máximo, ao invés do Estado Social, que é a solução, ou pelo menos o melhor caminho.

O imediatismo possui intensa contribuição para uma sociedade que vive amedrontada pela insegurança e pela constante violência urbana, o sentimento de mudanças imediatas, apesar de compreensível, é perigoso, pois, tal anseio permite que o lazer, saúde, moradia e o ensino, em seus diversos níveis, sejam renegados em face do simples fato de priorizar a punição dos criminosos, como se essa fosse à única e infalível forma de solucionar os problemas criminais contemporâneos.

Assim, enfatiza João Ricardo W. Dornelles (2003, p.54):

[...] o mito do Estado Mínimo é sublinhado, debilitando o Estado Social e glorificando o ‘Estado Penal’. É a constituição de um novo sentido comum penal que aponta para a criminalização da miséria como um mecanismo perverso de controle social para, através deste caminho, conseguir regular o trabalho assalariado precário em sociedades capitalistas neoliberais.

A política norte-americana, formuladora da afamada tolerância zero, foi criada por volta de 1990, em Nova York. A política da tolerância zero é um desmembramento do movimento Lei e Ordem, logo, tão ameaçador como este, pois, também se pretende que a sociedade seja educada por meio do Direito Penal, e que basicamente todos os bens sejam protegidos por esse Direito, ainda que, essa proteção seja de forma simbólica. Assim sendo, a aplicação do princípio da intervenção mínima é impossibilitada pela própria essência dessa política de combate ao crime. Portanto, ao passo que se aumentam os tipos penais e as cadeias passam a ficarem abarrotadas de criminosos, só pioram o estado de combate ao crime e fertiliza o aumento da impunidade, pois, quanto mais condutas infratoras, menores são as possibilidades de haverem reais punições pelo Estado, logo, formando tão somente, um processo de exclusão frente à necessidade imperiosa de combate ao crime, conforme se verifica nas sabias palavras de Jock Young (2002), apud Rogério Greco (2011, p.15):

[...] como manobra que objetiva limpara as ruas de ‘destroços’ humanos, como parte do processo de exclusão concomitante a emergência de uma sociedade com grande população marginalizada e empobrecida, a qual deve ser denominada e contida – um processamento atuarial que se preocupa mais com saneamento do que com justiça. Pois os felizes compradores nos shoppings não podem ser perturbados pelo grotesco dos possuidores, que bebem em pleno dia.

Deste modo, resumindo o movimento lei e ordem, que tem como principal expressão a política norte-americana da tolerância zero, tal movimento deve amparar todos os bens jurídicos, ainda que, de pequena monta, deve ser ainda, como um professor para a sociedade, educando e repreendendo, não permitindo que as condutas, ainda que, ofendam minimamente a sociedade passem despercebidas do poder repressor do Estado.

Aparentemente, tal movimento exprime um utópico conforto, não obstante, é impreterível mencionar que, mesmo a sociedade gostando, ou melhor, ludibriada a gostar desse movimento, ele é perigoso, pois, deseja-se que a lei seja aplicada no seu mais intimo rigor, quando se deseja atingir terceiros estranhos ao nosso ciclo, contudo, em analise inversa, quando o Direito Penal Máximo[1] pretende fincar suas garras em nós ou em alguém ligado a nós, então, o discurso muda diametralmente, passa a ser o oposto, buscando-se agora o movimento abolicionista, que prega a deslegitimarão do poder punitivo do Estado e sua incapacidade para resolver querelas, ou seja, o discurso inverte.

1.1.       Consertando as Janelas Quebradas

O movimento Lei e Ordem fundamenta-se em determinadas teorias, entre elas é impreterível mencionar a teoria conhecida como: concertando as janelas quebradas, que surgiu no ano de 1989, com a publicação na revista Atlantic Monthly, pelo cientista político James Q. Wilson e pelo famoso psicólogos criminologista George Kelling, sendo intitulado tal estudo como The Police and neiborghood safety (a polícia e a segurança da comunidade).

O referido evidenciando-se pela primeira vez, a relação de causalidade que permeia a desordem e criminalidade. Os autores empregaram a simples imagem da janela quebrada para ilustrar de que forma a desordem e a criminalidade seriam capaz, mesmo que de forma morosa, incidi no meio social, acarretando à queda na qualidade do padrão de vida e consequentemente a impulsão dos jovens a criminalidade precoce.

Acredita-se em tal estudo que, se uma janela de um escritório fosse danificada, por exemplo, se não fosse restaurada o mais célere possível, havia um senso comum de que, as pessoas que nele trabalhava não se importavam com o lugar onde a janela estava quebrada, e imaginariam ainda, em uma visão macro que, não havia autoridade naquele localidade para resguardar a ordem social, assim sendo, em pouco tempo todas as janelas daquele prédio estariam quebradas, inclusive as da rua, e em pouco tempo, das casas daquela cidade. Portanto, com o total descaso social, somente morariam ali, com o passar do tempo, as pessoas ociosas e infratoras, pois, somente elas sentiram-se a vontade em morar em uma localidade que é refúgio da criminalidade.

 O cerne do referido estudo estava centralizado na ideia de que, ínfimas desordens acarretariam no porvir, o crime e, Consequentemente, ao caos social. Decisivamente esse foi um dos estudos propulsores para a moderna política criminal americana, mais conhecida em Nova Iorque como tolerância zero.

No ano de 1996 Kelling, aliado dessa vez a Catherine Coles, apresentaram a obra definitiva, sobre a afamada teoria das janelas quebradas, contudo, dessa vez, a obra foi mais além, o que torna evidente pelo seu título: Fixing Broken Windows – Restoring Order and Reducing Crimesnin Our Communities, que, traduzido para o idioma português significa: Concertando as Janelas Quebradas – Restaurando a Ordem e Reduzindo o crime em Nossas comunidades; para os autores dessa obra há uma estreita relação entre a criminalidade violenta e a não repressão de ínfimos delitos. Logo, é visível o Direito Penal Máximo como solucionador de todos os problemas sociais, inclusive daqueles singelos.

Portanto, é impreterível mencionar que, a tese é atraente, não obstante, perigosa, pois, o Direito Penal é utilizado como manto que cobre tudo, ou seja, é o recurso imediato para qualquer problema social, mesmo que possível de ser solucionado por outro ramo do Direito, ou até mesmo, por outra forma que não propriamente a do Direito.

 Vale frisar, não aplicar o Direito Penal a determinadas condutas não toleradas socialmente, em contrapartida, se aplicado outros ramos do Direito, não significa tornar impune a conduta, mas evidenciar e tornar efetivo a natureza subsidiária do perigoso e necessário Direito Penal.

Destarte, tornam-se necessário citar as conclusões de Francisco Muñoz e Winfriend Hassemer (2003), apud Rogério Greco(2011, p.20), quando asseveram:

Não cabe duvidar que essa idéia colide com os princípios liberais do direito Penal do Estado de Direito, sobretudo com o princípio da proporcionalidade e da intervenção mínima, pois, aparte de ser discutível o pressuposto de que partem: a idéia de que castigando durante as infrações menores se evitam também as maiores, ‘matar mosquito com um tiro de canhão’ tem sido sempre considerado como uma reação desproporcionada e um gasto inútil que, tanto a médio, como a longo prazo, produz mais dano que benefício.

Portanto, a teoria conhecida como: Concertando as janelas quebradas, apesar de atraente na sua base teórica, na prática é perigosa, pois, apresenta o Direito Penal como à principal forma de resolver os problemas sociais relativos à criminalidade, descartando, a essencial importância da educação, moradia, trabalho digno e diversos outros direitos que contribuem para a redução da criminalidade.

1.2.    Direito Penal de Emergência.

Hodiernamente, a sociedade passou a incluir em seus debates temas ligados direto ou indiretamente a segurança pública, sobre tudo, quando é noticiado pela mídia casos de grande comoção social, indubitavelmente, é uma resultante do medo e do descrédito nas agências de controle social formal, seja pela corrupção, ou “simplesmente” pela morosidade. Virou uma constante, o discurso de que, a legislação penal e processual está ultrapassada, precisando adaptá-la e dá a ela uma nova roupagem, sendo que, isso inclui o endurecimento das penas, a celeridade no julgamento, afinal, procura-se retardar a saída do ser humano que ingressa no sistema prisional.

 O Direito penal de emergência está intimamente ligado ao imediatismo, ou seja, em situações de emergência, de excepcionalidade, necessita-se do Direito Penal para que possa produz uma solução rápida, ainda que, seja apenas um paliativo, que possa ser percebido apenas no decorrer dos anos, contudo, à medida que não for reformada após a situação de urgência, passa a ser definitiva, ocasionando, por conseguinte, outros impasses, e formando, portanto, um problema insuperável que é apenas maquiado para satisfazer o clamor publico, mas que no porvir, voltará, não simplesmente na forma impasse, mas, ocasionando o próprio caos da vida em sociedade.

O clamor midiático, grande impulsionador do clamor social, é talvez o maior determinante do que se ousou intitular de Direito Penal de emergência, pois, é a partir dele que a sociedade forma a sua opinião, contudo, esse é o perigo, já que, o clamor social muitas vezes está deturpado e condicionado ao querer midiático dirigido pelos dominantes.

Segundo Ferrajoli (2002), apud Rogério Greco (2011, p. 22), ao dissertar com precisão sobre o direito penal de emergência, discorre:

A alteração da fonte de legitimação constitui precisamente na assunção da exceção ou da emergência (antiterrorista, antimafiosa ou anticamorra) como justificação política ruptura ou, se prefere, da modificação das regras do jogo que no Estado de direito disciplinam a função penal. Esta concepção de emergência outra coisa não é que a idéia do primado da razão de Estado sobre a razão jurídica como critério informador do direito e do processo penal, seja simplesmente em situações excepcionais como aquela criada pelo terrorismo político, ou de outras formas de criminalidade organizada. Ela equivale a um princípio normativo de legislação da intervenção punitiva: Não mais jurídica, mas imediatamente política; não mais subordinada à lei enquanto sistema de vínculo e de garantias, mas a esta supraordenada. Salus rei publica suprema lex: a salvaguarda, ou apenas o bem do Estado, é a norma principal do ‘direito de emergência’ (Grundnorm), a lei suprema que impregna todas as outras, aí compreendidos os princípios gerais, e que lhes legitima a mutação.

1.3.           Direito Penal do Inimigo

Na segunda metade da década 1990, o alemão Günther Jakobs, criou o afamado Direito Penal do Inimigo, talvez, este seja uma das mais ameaçadoras e perigosas teorias para justificar o Estado na aplicação desigual de suas leis.

Tal teoria, busca diferenciar o Direito Penal do Cidadão do Direito Penal do Inimigo; para o Direito Penal do Cidadão devem-se aplicar todos os princípios e garantias a ele inerentes, no entanto, para o Direito Penal do Inimigo, o manto dos princípios fundamentais não o acobertaria, já que, o Estado não está tratando o cidadão qualquer, mas o inimigo do Estado, sendo que, esse mesmo Estado deve estar atento para punir, não somente, os fatos ocorridos, como também o famigerado inimigo, de tal forma que, essa pessoa intitulada de inimigo do Estado não possa praticar novos infrações. Conforme leciona o ilustre Günther Jakobs (2003), apud por Rogério Greco (2011, p.23)

O Direito Penal conhece dois pólos ou tendências de suas regelações. Por um lado, o trato com o cidadão, em que se espera até que este exteriorize seu fato para reagir, com o fim de confirmar a estrutura normativa da sociedade, e por outro, o trato com o inimigo, que é interceptado prontamente em seu estágio em que se combate por sua perigosidade.

O Inimigo do Estado é citado varias vezes na obra de Jakobs, como sendo aquele que exerce atividades terroristas, contudo, fazendo um paralelo com a realidade brasileira é possível verifica que, os traficantes seriam uma espécie de inimigos do Estado, principalmente aqueles que simbolizam uma afronta autêntica ao ordenamento jurídico, seja pelo fato de praticar grandes ilícitos ou pelo fato de que eles mesmos criam suam leis, subvertendo o próprio ordenamento jurídico pátrio. No entanto, não é tão simples como parece, pois, a classificação de Inimigo do Estado não deriva de um rol taxativo, assim sendo, a rotulação dependeria tão somente de quem estivesse no poder para classificar a conduta, como praticada por um cidadão ou por um inimigo, e esse é sem dúvida o cerne da questão e, portanto o ponto mais perigoso, haja vista que, a estigmatização do indivíduo e a sua própria penalização é baseado no pressuposto de que, o inimigo do Estado é irrecuperável, logo, não deve gozar de direitos, nem de garantias na aplicação de sua pena, sendo, portanto, um lixo que precisa ser descartado. A obra cinematográfica Tropa de Elite I, do famoso cineasta José Padilha, retrata com propriedade o Direito Penal do Inimigo no Rio de Janeiro, ainda que, na obra não seja usado essa terminologia. O filme revela o caos na polícia carioca, a desumanização dos bandidos, sobretudo, aos que estão envolvidos com o tráfico, a alienação e a desordens dos jovens, mesmo daqueles que pertencem a elite pensante do Rio de Janeiro e a rotulação dos que estão na camada menos favorecida.

O mencionado filme perpetrou o bagunça na polícia militar do Rio de Janeiro ao retratar sua anatomia, tendo de um lado a P.M convencional que é corrupta, mal remunerada, sem armamentos adequados e com um efetivo despreparado, do outro, o BOPE (Comando de Operações Especiais) incorruptível, com homens preparados, contudo, contendo também torturadores, assassinos e psicopatas, com o utópico anseio de fazer com que a sociedade carioca abra os olhos para perceber que algo está em desacordo. 

No filme Tropa de Elite I, é possível verificar com clareza que os inimigos do Estado do Rio de janeiro (ainda que não se dê esse nome), são os traficantes (sejam eles de drogas ou de armas), os moradores das favelas, pois, são eles prováveis criminosos em potencial, dada a sua condição de vida ser tendenciosa e propensa ao crime, especialmente ao tráfico, logo, devendo o Estado por meio da polícia passar o que se chama de “pente fino”, com o intuído de debelar os criminosos que lá residem e que compõe a maioria de seus habitantes, pois, só assim a sociedade carioca pode ter paz.

Assim sendo, o filme retrata a prática do Direito Penal do Inimigo pela polícia do Rio de Janeiro, onde o Estado Democrático de Direito é menosprezado, e o pior, esses fatos acontecem rotineiramente, não só no Rio de Janeiro, mas no pais todo, e varias pessoas ainda aceitam e defendem tal modelo de enfrentamento da criminalidade como sendo a melhor opção.

Portanto, verifica-se que, o importante para o Direito Penal do Inimigo não é o acontecimento do fato criminoso, mas a identificação dos possíveis criminosos antes mesmo da efetiva prática do delito. O fato de o indivíduo ser preto, pobre, puta ou favelado é o suficiente para a sociedade rotulá-lo e repeli-lo de forma grotesca, sendo estes os que mais sofrem com o aparelho repressivo estatal. Apesar da repressão nas favelas, serem tidas como exceção ao resto da população brasileira, esse talvez seja o discurso mais perigoso, pois, o que é visto como exceção hoje pode ser tida como regra no porvir, já que, para toda regra há uma exceção.


 

Conclusão

Diversas teorias foram desenvolvidas sobre o enfoque do Direito Penal Máximo com o auxílio de uma parcela da mídia irresponsável e sensacionalista, com o intuito de debelar a criminalidade, contudo, sem a devida observância as questões sociais, e todas sob o ponto de vista prático tornaram-se extremamente estigmatizantes e segregadoras, pois, esqueceram que o Direito Penal é a última razão, devendo-se recorrer a ele, somente quando os outros meios falharem, sob pena de ter uma sociedade desigual, estigmatizante, e o pior, ocorrer o caos social, por centrar o foco apenas nos superficiais fins e esquecer os reais meios.

 

 

Referencial bibliográfico

DORNELLES, João Ricardo W. Conflitos e segurança - entre pombos e falcões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

GRECO, Rogério. Direito Penal do equilíbrio: Uma visão minimalista do Direito Penal. 6. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2011.



[1] O Direito Penal Máximo caracteriza-se pela intervenção máxima do Estado na sociedade, propiciando à tipificação de vários crimes e a exasperação das penas, assim sendo, quanto mais dura a pena desacompanhada de soluções de cunho social, maior será a estigmatização das pessoas e mais degradante será a pena e, por conseguinte, será quase inrecuperação o infrator, ainda que tenha praticado algo trivial.