Direito penal do inimigo como Direito penal de terceira velocidade e os crimes de perigo abstrato
O direito penal do inimigo ao que parece, guarda algumas semelhanças com os crimes de perigo abstrato no diz respeito ao tratamento do agente frente a presunção de inocência, presunção de culpabilidade e a pratica de atos lesivos.
Traçando-se um paralelo entre eles, pode-se ver que o direito penal do inimigo é ligado à aplicação de um direito penal máximo, que propõe uma distinção entre o “inimigo” e o cidadão, onde o primeiro é escória da sociedade sem garantias fundamentais e, somente aquele último é sujeito de direito.
Significante também é a idéia de prospecção feita pela teoria, onde se procura antecipa um evento danoso sem ter a menor idéia se realmente este irá acontecer, havendo uma precoce presunção de delinqüência do agente.
Segundo Manuel Cancio Meliá apud Rogério Greco analisando a proposta de Jakobs esclarece que o direito penal do inimigo se caracteriza por elementos que ratificam o raciocínio supra desenvolvido:

Segundo Jakobs, o direito penal do inimigo se caracteriza por três elementos: em primeiro lugar, se constata um amplo adiantamento da punibilidade quer dizer, que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva (ponto de referencia: o fato futuro), em lugar de – como é habitual- retrospectiva (ponto de referencia: fato cometido). Em segundo lugar as penas previstas são desproporcionalmente altas: especialmente, a antecipação da barreira de punição não é tida em conta para reduzir determinadas garantias processuais são relativizadas ou inclusive suprimidas (GRECO, 2011, p.24).

Nas lições de Jakobs, em nenhum momento se falou em materialização do fato, e principalmente a ofensividade do fato, escondendo-se estes em um mundo platônico reservado ao autor, onde a teoria como aponta, se revestiu de onisciência para saber que uma determinada pessoa por seu modo de agir, pensar, vestir e se relacionar é um criminoso, golpeando covardemente o princípio da exclusiva proteção dos bens jurídicos, ao empregar força penal para castigar imoralidades ou a personalidade do sujeito.
Voltando para os crimes de perigo abstrato e diante de todas as considerações sobre as características do direito penal do inimigo observa-se que os seus primados em muito se essemelham.
Quando o legislador elabora um tipo penal em perspectiva, ele exerce um juízo ex ante de culpabilidade, pois ao presumir absolutamente que o individuo irá cometer um crime por praticar uma conduta sem o condão de causar dano, pois não trás a ação ou omissão potencialidade lesiva, e assim não interfere no equilíbrio social, ele provoca um reboliço na estrutura do direito penal, causando a cisão do corpo principiológico limitador do jus puniendi estatal.
Os crimes de perigo abstrato representam o direito penal do autor ou o direito penal de terceira velocidade, pois se reserva a punir pelo simples fato de violar um tipo incriminador que não trás ofensividade a um bem jurídico relevante ao desenvolvimento social, visando desta forma, o autor e não o fato.
É inquestionável afirmar ser impossível a configuração de um delito se este não restar materializado (nullum crimen sine actione), no entanto, ainda que a conduta se materialize é preciso que seja comprovada a ofensa ao bem jurídico, ou pelo menos perigo concreto de lesão.
Tem-se por validada a afirmativa acima por Luiz Flavio Gomes ao assegurar que:

Adotando o paradigma da ofensividade, conclui-se que a exteriorização da conduta é condição necessária, porem não suficiente para a configuração do injusto penal. Ademais da subsunção formal da conduta à letra da lei é sempre preciso indagar sobre a ofensa concreta ao bem jurídico protegido pela norma penal. (GOMES et al, 2009, p.328).

O injusto penal consubstanciado em um perigo presumido amolda verdadeiramente a figura do “inimigo” do estado, fundamentando a existência do direito penal do autor que passa a perseguir o individuo por suas características e pensamentos, mas não pelo fato que vier a praticar.
Reiterando o comentário passado o professor Luiz Flavio Gomes declara:

Resulta como abominável todo tipo de direito penal de autor que sanciona a pessoa pelo que ela é ou pensa o princípios da exclusiva proteção do bem jurídico coaduna-se na verdade com o direito penal do fato, onde cada um deve ser responsabilizado pelo que faz. (GOMES, 2009, p.329).

Finda provado, que em um Estado Constitucional Democrático de Direito só há lugar a um direito penal do equilíbrio crivado pelo principio da dignidade da pessoa humana, legitimando um direito penal mínimo que não se presta a criminalizar condutas sem relevância jurídico-penal, e que não tenham o caráter de promover mal estar coletivo, ante a falta de ofensividade.
Outrossim, não tem espaço para a figura dos crimes de perigo abstrato e muito menos do direito penal do inimigo como terceira velocidade do direito penal, pois ambos convergem em um mesmo fundamento a de incriminação do agente, sem que seus atos se materializem, ou se se materializarem, mesmo despidos de lesividade serão alvo de censura penal.