Há alguns questionamentos que devem ser levados em consideração para a compreensão da epistemologia do Direito Militar, tais quais:

1-    O Direito Militar responde as exigências de um Estado Democrático de Direito?

2-    A Justiça Militar é parte integrante do Poder Judiciário considerado?

3-    Juízes, membros do Ministério Público e Defensores que atuam na Justiça Militar, têm independência funcional?

4-    A competência da Justiça Militar é restrita?

5-    Os postulados modernos do direito penal e direito disciplinar estão incorporados ao Direito Militar?

Para obtenção de respostas para os pontos acima levantados é necessário um estudo filosófico além de epistemológico.

Verifica-se que as exigências de um Estado Democrático de Direito estão diretamente ligadas ao Poder Judiciário considerado pois, a Justiça Militar deve ser parte do Poder Judiciário considerado e como conseqüência atender às suas exigências. No entanto, a participação dos membros do Ministério Público deve ser exercida por civis, bem como os advogados e defensores ficando vedada a participação ou nomeação de militares para tal função para atender o critério de independência funcional.

A competência da Justiça Militar é ampla o que gera uma grande complexidade em julgamentos de civis em tempos de paz.

Ademais, a incorporação dos postulados modernos do direito penal e direito disciplinar ao Direito Militar é uma conseqüência da exigência do Estado Democrático de Direito, a competência ampla e da funcionalidade dos juízes, dos membros do Ministério Público e Defensores da Justiça Militar.

No Direito Penal Militar há um pluralismo jurídico diante da contradição social que se impõe desde a coexistência do direito tradicional – Estado com o Direito Militar, onde os mesmo mecânicos jurídicos podem ser aplicados de maneira diferente em situações idênticas.

O fenômeno do pluralismo jurídico militar ocorre dentro do próprio Estado por constituir-se de um campo social semi – autônomo e possuir uma regulamentação específica.

Apesar de ser um “Direito Independente” o Direito Militar é subordinado ao Estado, portanto justifica-se por ser semi – autônomo, e por ter como princípio a hierarquia que rege a estrutura das Forças Armadas e as relações jurídicas de poder no seu seio.

Na ordem Jurídica Militar também o caráter de duplicidade sofrendo alterações em momentos de guerra e em momentos de paz.

A competência civil da Justiça Militar está prevista no art. 125. § 4º da Constituição Federal:

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

Para as instituições Militares do Estado de Minas Gerais, a Lei Estadual n. 14.310/2002 define os parâmetros que permitem entender o que seja disciplina militar em seu art. 6º, § 2º:

Art. 6° – A hierarquia e a disciplina constituem a base institucional das IMEs. [...] § 2° – A disciplina militar é a exteriorização da ética profissional dos militares do Estado e manifesta-se pelo exato cumprimento de deveres, em todos os escalões e em todos os graus da hierarquia, quanto aos seguintes aspectos: I – pronta obediência às ordens legais; II – observância às prescrições regulamentares; III – emprego de toda a capacidade em benefício do serviço; IV – correção de atitudes; V – colaboração espontânea com a disciplina coletiva e com a efetividade dos resultados pretendidos pelas IMEs.

O controle da disciplina, por sua vez, está intimamente ligado ao poder hierárquico, que confere poderes de mando aos superiores em relação aos subordinados, o que possibilita a preservação e conservação de tais princípios na ordem militar evitando que os subordinados se desviem dos objetivos institucionais das instituições militares.

O ato disciplinar é aquele emanado da autoridade administrativa para evitar ou responsabilizar os atos de indisciplina praticados por militares no exercício de sua função e sua manifestação está sujeita ao controle judicial.

A hierarquia e disciplina refletem no dever-poder de punir. O superior, ao tomar o conhecimento de uma infração a lei, regulamento, normas e disposições que fundamentam a organização militar, tem a obrigação de responsabilizar o infrator, se inferior hierárquico, ou comunicar a autoridade superior para que tome providências.

O Código Penal Militar foi instituído em 21 de outubro de 1.969 que apesar de conter regras semelhantes ao Direito Penal comum há inúmeras regras incriminadoras diversas previstas exclusivamente no Direito Penal Militar.

Dentre os princípios de hierarquia e preservação da disciplina, os princípios da legalidade, anterioridade e retroatividade também são abarcados pelo CPM fazendo remissão à Constituição Federal e ao Código Penal Brasileiro.

Diferentemente da Justiça Militar da União, a justiça militar dos estados tem competência para processar e julgar crimes militares praticados somente pelos policiais e bombeiros militares de suas corporações.

Existem distinções de definição de crime propriamente militar, crime impropriamente militar e crime próprio militar, quais sejam: o primeiro são infrações específicas è funcionais da profissão do soldado, o segundo é o crime comum praticável por qualquer cidadão e o terceiro é o crime que somente determinado militar pode cometer.

Saber identificar as diferenças entre os crimes acima citados é de suma importância para a determinação da competência para o julgamento de tais infrações.

A primeira instância da Justiça Militar Federal é constituída pelos Conselhos de Justiça, formados por um Juiz-Auditor Militar, provido por concurso de provas e títulos, e mais quatro oficiais, cujas patentes dependerão do posto ou graduação do acusado

Colocando como referencial a garantia dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana e de caráter imprescindível o rito processual para a satisfação de tais preceitos na esfera militar frente ao Estado.

Como é cediço que a hierarquia e a disciplina são preceitos basilares das Forças Armadas e devem ser preservados, no entanto, a punição deve ser aplicada tão somente aqueles  que os ofendem na esfera administrativa e não na penal que tem bens jurídicos específicos.

O Direito Penal Militar, adota, ao contrário do Direito Penal Comum, a Teoria Diferenciadora do estado de necessidade. Dentro do ordenamento jurídico Penal Militar sempre que o estado de necessidade é alegado deve o operador posicionar-se se é caso de exclusão da ilicitude ou exclusão da culpabilidade. No primeiro caso afasta-se a própria figura típica, no segundo afasta-se a culpabilidade.

É cada vez mais tênue a discussão de fazer a relação do Direito Militar com o Direito Constitucional, pois apesar da legislação Militar ser específica e semiautônoma não deixa der se submeter aos preceitos constitucionais por ser a Constituição Federal uma norma superior às demais podendo determinar ou não a aplicabilidade das normas infraconstitucionais.

A Constituição Federal traduz a liberdade do Estado democrático de direito, que encontra legitimidade na participação popular, bem como nas obrigações de fazer do Estado para satisfazer os direitos sociais de sua população.

Após analise da relação constitucional com o direito militar que a reflexão sobre aplicação de penas alternativas no âmbito da Justiça Militar Estadual caracteriza uma grande evolução crítica das teorias sociais que indicaram a necessidade de mudar o atual paradigma.

Pode-se constatar, lamentavelmente, que, ao longo dos últimos anos, as políticas públicas implementadas para o melhor enfrentamento da criminalidade têm centrado atenções na Justiça comum e esquecido os conflitos sociais que envolvem os militares. Diversas foram as alterações introduzidas no Código Penal comum e no Código de Processo Penal comum que visaram qualificar a intervenção punitiva, bem como obter maior efetividade na relação processual penal. Tais intervenções político criminais, formalmente, não atingiram a Justiça Militar. Contudo, é inconcebível que a operação da Justiça Militar se mostre desarticulada das opções político criminais, formuladas pelo Estado brasileiro. Não é possível admitir que os esforços do Poder Público para a melhor compreensão do fenômeno da criminalidade e para o aprimoramento de sua intervenção punitiva deixem de produzir efeitos em relação aos militares estaduais. Por isso, muitos magistrados da Justiça Militar estadual passaram a incorporar em seus julgados os avanços introduzidos na legislação penal e processual aplicada na Justiça comum.

A legitimidade da repressão jurídico-penal é, sem dúvidas, o aspecto mais importante do contexto de aceitação pela sociedade da dominação estatal. A legitimação social para a intervenção repressiva é sempre heteropoiética, ou seja, adquirida fora do sistema normativo, de modo a conciliar a atividade repressiva estatal com os anseios da sociedade. Desse modo, a pena só adquire legitimação externa quando responde satisfatoriamente às perguntas sobre o por que e o para que se aplica a pena. Em relação ao tema ora em exame, destaca-se a questão fundamental de saber para que se aplica a pena privativa de liberdade na Justiça Militar estadual.

O Direito Penal Militar, como qualquer outro ramo do Direito, tem suas raízes de legitimidade nas opções políticas expressas na Constituição. A ideologia acolhida pela Constituição condiciona a atividade repressiva estatal, fixando com precisão seus limites e objetivos, de modo a estabelecer o alcance da intervenção punitiva e as modalidades em que se exercitará o ius puniendi. A força normativa da Constituição regula, em forma e conteúdo, a produção normativa infraconstitucional e os limites de atuação dos operadores do Direito. Como ponto central do sistema jurídico em vigor, a Constituição define os contornos da teoria que a sociedade espera venha regular a responsabilidade criminal e a aplicação da pena. A antiga questão do sentido e dos fins da pena, contextualizada nos princípios fundamentais do Estado Constitucional, deixa de ser um simples exercício filosófico para transformar-se em problema fundamental de legitimação do próprio Estado. Por isso, a operação do Direito Penal Militar deve subordinar-se aos princípios fundamentais que emanam da carta constitucional. A única leitura que o intérprete pode fazer da legislação repressiva militar é aquela que parte do texto fundamental para apurar o sentido das disposições infraconstitucionais. Dessa forma, pode-se dizer que a Carta Magna define as bases de um modelo constitucional para a intervenção repressiva (responsabilização e aplicação da pena), o que implica a releitura das disposições legais para adequar-lhes ao sentido axiológico constitucional.

No âmbito da Justiça Militar estadual é necessário considerar a observância ao princípio constitucional da igualdade, já que as instituições militares estaduais integram um sistema de defesa social do qual também participam instituições civis.

Nesse ínterim, verifica-se que o Direito Militar é semiautônomo como uma grande influência dos princípios hierárquicos e de disciplina, no entanto, não deixa de preservar os preceitos constitucionais da legalidade e da dignidade da pessoa humana.