Direito, Literatura e Sociedade em “A Revolução dos Bichos” , de George Orwell

                                                       Márcia Belzareno dos Santos                               

                             Visivelmente desiludido com as imperfeições do socialismo, ideologia que, inicialmente, havia se filiado como forma de combater o nazi-fascismo, George Orwell dedicou os últimos anos de sua vida para denunciar, através de suas obras, o comunismo stalinista.

             Falecido em 1950, permaneceu até o final da vida a salientar que o principal aspecto  equivocadamente adotado pelo comunismo foi o fato de ter absorvido as ideias de Stàlin.

            A própria experiência pessoal, advinda da Guerra Civil Espanhola, quando a milícia esquerdista de que Orwell partcipava ativamente foi radicalmente eliminada por não comungar das mesmas ideias comunistas, fez com que o autor se decepcionasse com o comunismo e passasse a combatê-lo abertamente.

             Na época da famosa Guerra Fria, dois livros de Orwell puseram ainda mais lenha na fogueira das discussões entre comunistas e democratas: em 1945, com Animal Farm (A Revolução dos Bichos) e em 1949, com Ninetten Eigtth Four (“1984”), no qual aparece, pela primeira vez, o onipresente Big Brother – O Grande Irmão.

             O livro Animal Farm, no Brasil publicado como A Revolução dos Bichos”,  conta a história de um grupo de animais que vivem em uma fazenda da Inglaterra e, cansados de sofrerem os desmandos  de seu dono e de serem submetidos a toda espécie de maus tratos, promovem uma revolução.Liderados, então, pelos porcos, tomam conta da fazenda.        

             Embora na edição  original, o livro A revolução dos Bichos se apresentasse quase como um simples conto de fadas, a sua leitura,  e a reflexão sobre a história contada, nos permite o debate social e acadêmico sobre as relações de poder criadas e desenvolvidas em qualquer grupo social, independentemente da ideologia de vida aparentemente adotada pelos seus integrantes; considerando-se que, após a euforia das conquistas trazidas pela revolução dos bichos, os resultados da mesma vão, aos poucos, se transformando em regras de uma nova ditadura.

                Importante destacar que o livro está repleto de metáforas referentes a formas de pensar o poder, como o socialismo, por exemplo. Nele podemos encontrar uma certa relação entre o líder da revolução, que é  o porco mais velho e que é também o que morre mais cedo – o  Major – com  as figuras de Lênin ou de Karl Marx.

                Também o porco Napoleão, o mais autoritário de todos, por diversos motivos encontrados no livro, não é difícil de ser comparado  com Stàlin. O porco Bola de Neve, por sua vez,  que acaba sendo expulso da fazenda e, ao fugir, deixa de participar da revolução, seria Trotski. E assim por diante.

                 Inegavelmente, Orwell tece nesse livro escrito em 1945,   uma grande crítica aos regimes totalitários da época e, através da fábula/metáfora criada, em que os protagonistas são animais, registra uma denúncia  ao desrespeito aos direitos humanos; nesse caso, aos direitos dos animais, humanizados pelo autor, a partir da história contada.

                Nessa esteira do debate sobre as relações de poder, outro livro de Orwell que se destaca e que podemos referenciar como uma espécie de complemento do pensamento desenvolvido em A Revolução dos Bichos é 1984, publicado em 1948. Sem tirar a independência temática de cada uma das duas obras, respectivamente, é possível que se diga que 1984 também faz denúncias sociais através do extremismo da criação e da expressão das palavras. A linguagem é poder. A linguagem é a forma/fórmula de manipulação do povo.

                   Para o Direito, o que cabe destacar, entre outros tópicos, é o fato de os animais, ao quererem mudar a ordem das coisas através de uma revolução, tratam de organizar um documento com os 7 mandamentos do animalismo, como uma espécie de contrato ou carta de direitos fundamentais. São eles:

  1. Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.
  2. Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo.
  3. Nenhum animal usará roupas.
  4. Nenhum animal dormirá em cama.
  5. Nenhum animal beberá álcool.
  6. Nenhum animal matará outro animal.
  7. Todos os animais são iguais.

                  Ocorre, porém, que a medida em que alguns animais, sobretudo os líderes, passam a travar relações de “igualdade” com os fazendeiros, seus antigos opressores, a máxima do “todos são iguais perante a lei”, um dos  princípios gerais do animalismo, vai sendo, aos poucos, quebrada ou infringida, até que é substituída descaradamente por “ alguns são mais iguais que os outros”.

                   A partir daí, começa-se a perceber a arbitrariedade também dos porcos em relação aos demais animais. De líderes de uma revolução que pretendia inicialmente conquistar direitos para todos os animais, passam a “parceiros” dos fazendeiros, comungando com muitas das suas ideias a respeito de uma pretensa igualdade/superioridade  não tão igual assim.

                   Na verdade, podemos dizer que George Orwell, utilizando-se de toda a sua experiência e conhecimento do meio rural, criou uma fábula desenvolvida na rotina de uma fazenda, seus bichos e fazendeiros, para retratar os acontecimentos e situações existentes durante a Revolução Russa, na qual, segundo o autor, semelhante ao que acontece na história narrada, os princípios de igualdade defendidos no início vão se modificando e relativizando na mesma proporção em que os porcos vão mudando seu comportamento, que passa a ser semelhante ao dos  fazendeiros.

            A mudança é tão radical que, no final da história/revolução, os porcos já estão andando sobre duas patas e se vestindo da mesma forma que os homens que, até então, eram abominados por todos os animais, pela constante exploração que lhes era impingida pelos fazendeiros opressores.

            Da leitura da obra, fica a certeza de que as relações de poder, via de regra e infelizmente, se corrompem na mesma proporção que as conquistas políticas e econômicas vão se consolidando.

            Resta à Literatura o debate sobre essas questões e ao Direito o equilíbrio dessas relações.