Alunos: Márcia Christina Reis Perfetti

Milena de Fátima Nunes dos Santos Ferraz

Henrique Kaian Fonseca

Nelson Barros da Silva[1]

CRIMES FALIMENTARES: Crimes em Espécie[2]

Esta obra não possui direitos autorais pode e deve ser reproduzida no todo ou em parte, além de ser liberada a sua distribuição, preservando seu conteúdo e o nome dos autores. Sonhamos com o dia em que o artigo 1º do Código Penal diga expressamente:

Art. 1º - Vender livros, cobrar ou exigir direitos autorais ou por qualquer meio obter vantagem em troca de um livro.

Pena: Todos os seus descendentes ficarão privados do ensino, para que sejam sempre analfabetos.

Parágrafo único: Todos os livros serão gratuitos. O conhecimento é o maior patrimônio da espécie humana.

 

 

 

À professora Maria do Socorro Almeida de Carvalho – pelo amor contagiante que tem pelo ensino jurídico (como bem sabiam os gregos – os verdadeiros professores nunca morrem...nunca passam...permanecem sempre vivos naqueles que aprenderam)...

À turma de Direito vespertino 2009.1 da UNDB – de onde (temos certeza) sairão profissionais brilhantes, pessoas fantásticas, que acreditam que o Direito (seja ciência ou arte) pode tornar o mundo melhor...

À doce e eterna Nathália Thereza de Carvalho...

Aos que sonham com o dia em que o Direito Penal seja justo (e absolutamente dispensável).

Funções do Direito Penal:

  • Proteção dos bens jurídicos considerados mais importantes pela sociedade.
  • Prevenção geral.

 

 Me espanta que tanta gente sinta

(se é que sente) a mesma indiferença.

Me espanta que tanta gente minta

(descaradamente) a mesma mentira.

                      Engenheiros do Hawai

 

CRIMES FALIMENTARES

NOTAS INTRODUTÓRIAS

No passado pelo simples fato de se chegar à falência o comerciante era considerado um criminoso. Como observa Amador P. Almeida, “nos primórdios a falência era considerada um delito – falliti sunt fraudatores (os falidos são fraudadores)” (ALMEIDA, 2007, p. 363). Isso se reflete até nossos dias, sendo que o próprio termo “falência” deriva do latim fallere, que significa falsear, enganar.

Porém, tecnicamente falando, em nossos dias a falência deixou de ser, por si só um delito para se revestir dessa condição “somente na ocorrência de certos fatos capitulados como crimes falimentares” (ALMEIDA, 2007, p. 363)

Há grande divergência na doutrina sobre a natureza dos crimes falimentares (crime contra o patrimônio, crime contra a fé pública ou crime contra a atividade empresarial?). Na verdade, nem mesmo a denominação “crimes falimentares” está livre das divergências. “A nova Lei de Falências não se vale da expressão “crime falimentar” para justificar os crimes por ela tipificados” (COELHO, 2011, p. 529).

Jayme W. Freitas resume a discussão:

A doutrina e a jurisprudência até a data atual não chegaram a um consenso a cerca da natureza jurídica das infrações da LFC e agora da LREF. Para uns penalistas eram crimes contra a fé pública (CARRARA E CIQUEIRA), contra a economia pública (PERSINA E CARFORA), contra a administração da justiça, contra o patrimônio (CARVALHO DE MENDONÇA), pluriobjetivos (SADY GUSMÃO) e contra o comércio (OSCAR STERVENSON (FREITAS, 2010, p. 452).

O fato é que os crimes falimentares (seja qual for a denominação que se queira dar a eles) estão previstos na Lei nº 11.101/2005, nos arts. 168 e seguintes, sob o título “DISPOSIÇÕES PENAIS”.

Pode-se falar na existência de quatro espécies de delitos falimentares:

a)      Próprios – aqueles cometidos pelo próprio falido;

b)      Impróprios – aqueles praticados por outras pessoas que não o falido, tais como o juiz, o membro do Ministério Público, o administrador, o escrivão, o oficial de justiça ou leiloeiro, e até mesmo o credor, seja ocultando bens da massa falida ou adquirindo-os ilegalmente.

c)      Pré-falimentares – aqueles praticados antes da quebra ou na fase de recuperação judicial ou extrajudicial;

d)     Pós-falimentares – praticados após a decretação da falência.

Como os crimes falimentares possuem manifesta natureza econômica, a doutrina costuma estabelecer três pressupostos para sua punibilidade: a) existência de um devedor (empresário ou sociedade empresária); b) existência de uma sentença declaratória de falência ou concessiva de recuperação judicial ou extrajudicial; c) ocorrência dos atos e fatos expressamente tipificados como crime na lei falimentar (arts. 168 a 178 da lei 11.101/2005).

A própria lei estabelece que:

Art. 180. A sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta Lei é condição objetiva de punibilidade das infrações penais descritas nesta Lei.

“Assim, somente depois de decretada a falência, concessão da recuperação judicial ou homologação do plano em recuperação extrajudicial se pode indagar ou não de ilícito penal” (ALMEIDA, 2007, p. 364).

Uma análise sistemática da parte penal da Lei nº 11.101/2005 permite-nos perceber que esse diploma legal prevê três espécies de penas para os crimes aqui tipificados: a) pena de reclusão; b) pena de detenção; c) pena alternativa (perda de bens, prestação de serviços à comunidade). Essas penas são distribuídas por escolha político criminal do legislador, na medida em que considera mais ou menos grave o crime. Assim, a pena de detenção é prevista na hipótese de omissão dos documentos contábeis obrigatórios (art. 178), enquanto a pena alternativa “é reservada à falência de microempresa e empresa de pequeno porte, desde que não se constate prática habitual de condutas fraudulentas” (ALMEIDA, 2007, p. 366).

Além disso, a condenação por crime falimentar implica ao condenado as restrições empresariais previstas no art. 181 da Lei de Falências. “Esses efeitos não são necessários (a lei diz “automáticos”) de qualquer sentença declaratória da falência e devem ser motivadamente declarados na sentença penal” (COELHO, 2011, p. 530).

Como na maioria das vezes esses crimes são cometidos por sociedade empresária, a responsabilidade pelos crimes há de ser atribuída às pessoas físicas dos respectivos administradores, diretores, gerentes, conselheiros, sócios, na medida de sua culpabilidade (art. 179).

De acordo com o art. 183 da lei sob comento, a competência para processar e julgar os crimes falimentares é do juiz criminal da jurisdição da falência:

Art. 183. Compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial, conhecer da ação penal pelos crimes previstos  nesta Lei.

Para Fábio Ulhoa Coelho essa norma é, na verdade inconstitucional. Cabe à “lei estadual de organização judiciária definir a competência para a ação penal por crimes falimentares. Na distribuição de competências que a Constituição estabelece, não é da União, mas sim dos Estados, a de estruturar os serviços judiciários, definindo que órgãos serão criados e com qual competência jurisdicional” (COELHO, 2011, p. 531).

Por fim, cumpre dizer que os crimes falimentares são de ação penal pública incondicionada, cabendo excepcionalmente ação penal privada subsidiária da pública, como dispõe o art. 184 da Lei ora comentada. Esse dispositivo refere-se, no entanto, somente ao “não oferecimento da denúncia” pelo parquet, contrariando todo o sistema jurídico nacional, que é flexível, ao “admitir a ação penal subsidiária quando o MP “não denunciar” ou ‘não promover diligências necessárias’ à persecutio criminis, como previa corretamente o substitutivo aprovado na câmara” (BITENCOURT, 2005, p. 119).

 

DOS CRIMES EM ESPECIE

 

FRAUDE A CREDORES

 

Art. 168 – Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem.

 

Pena: reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

 

O crime falimentar disposto no art. 168 da Lei nº 11.101/05 corresponde ao art. 187 de Decreto-lei 7.661/45 que figurava o crime de falência fraudulenta contendo uma punição com reclusão de 1(um) a 4 (quatro) anos. A conduta incriminada consiste na diminuição do patrimônio do devedor causando reais prejuízos aos credores.  Tal crime é considerado um estelionato disciplinado por uma legislação específica, visto que a lei exige a prática de “ato fraudulento”, ou seja, da má-fé ou astúcia muito semelhante ao estelionato comum contemplado no art. 171 do CP.

A nova lei prevê ainda nos dispositivos seguintes causas especiais de aumento de pena de 1/6 a 1/3 se verificadas uma ou mais das hipóteses contempladas nos respectivos incisos do parágrafo 1º do artigo 168.

O crime é especialmente agravado nas hipóteses do art. 168, § 1º, quando o agente, para obter ou tentar obter vantagem indevida, elabora escrituração contábilou balançocom dados inexatos (inciso I); omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles deveria constar ou altera escrituração ou balanço verdadeiro; destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados em computador ou sistema informatizado; simula a composição do capital social; destrói oculta, ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios.

A pena do crime de fraude a credores é aumentada de 1\3 até a metade, se o devedor mantém ou movimenta recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida pela legislação (art. 168, § 2º Lei n. 1.101\2005), ou seja, a manutenção ou movimentação de recursos através do sistema ‘caixa dois’, que se corporifica numa fraude visando iludir a arrecadação de tributos. Consiste num mecanismo fraudulento específico, visando a obtenção de vantagem indevida, nele figurando como sujeito passivo, principalmente, a Fazenda Pública, que também pode figurar como credora do devedor.

A redação do tipo penal atual não se apresenta de forma elogiável para alguns doutrinadores. Os fundamentos para a referida incongruência estão relacionados ao fato de quando o legislador utilizou o núcleo “praticar” promoveu uma obscuridade com relação a verdadeira conduta incriminada. E ao adotar o seguinte trecho “que possa resultar prejuízo aos credores” poderá gerar dúvidas quanto à necessidade da existência do dano ou da suficiência do perigo de dano aos credores.

Em respeito ao art. 179 da lei os sujeitos ativos podem ser o devedor ou falido tendo como seus equiparados “os seus sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros, de fato e de direito”. Isto posto, a fraude contra credores ocorre quando algum dos sujeitos elencados acima na condição de insolvência efetua negócios jurídicos gratuitos como a doação; remissão de dívida a exemplo da extinção da obrigação pelo perdão da dívida; ou quando realiza contratos onerosos, vendendo ou onerando seus bens com o intuito de prejudicar os direitos dos credores. De fato, o devedor insolvente que faz esta disposição de bens resultará em crescente aumento de dívidas, que dificultará ainda mais o cumprimento de suas obrigações.

 

VIOLAÇÃO DE SIGILO EMPRESARIAL

 

Art. 169 – Violar, explorar ou divulgar, sem justa causa, sigilo empresarial ou dados confidenciais sobre operações ou serviços, contribuindo para a condução do devedor a estado de inviabilidade econômica ou financeira:

 

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Este crime não encontra correspondência em nenhum dos delitos revogados na lei anterior, tratando-se de novatio legis incriminadora, que não pode atingir aqueles que praticaram tal conduta na vigência do revogado Dec-lei 7.661/1945 (PERIN JUNIOR, 2006, p. 370), por conta do princípio da irretroatividade da lei penal, de índole constitucional (CF/88 Art. 5º, XL – “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu).

O bem jurídico tutelado é a inviolabilidade do sigilo empresarial, que não pode ser revelado sem justa causa. O sujeito ativo é qualquer pessoa e o passivo pode ser o empresário ou a sociedade empresária (PERIN JUNIOR, 2006, p. 370). Desse modo, temos como sujeito passivo, primeiramente o devedor. Em segundo plano, toda a coletividade, em razão do impacto econômico resultante da provocada inviabilidade do negócio. Pode-se cogitar ainda dos credores do falido como vítimas, uma vez que, se fossem conservadas as condições para a continuidade da empresa ou do empresário, poderiam, com mais tranquilidade, ver seus créditos integralmente satisfeitos (BARBOSA, 2007, p. 5).

Como a culpa é normativa e não há expressa previsão da modalidade culposa, o elemento subjetivo desse delito é o dolo. Igualmente não se exige um fim especial de agir, bastando que a divulgação dolosa contribua para levar o devedor ao estado de crise econômico-financeira.

Temos, ainda, como elemento normativo do tipo, a expressão “sem justa causa”, a evidenciar que não é qualquer revelação de sigilo empresarial ou confidencial que caracteriza o crime. Exige-se que não haja um justo motivo para tal conduta.

Trata-se de crime material, aquele em que o legislador prevê conduta e resultado, devendo este ocorrer para que o delito se consume. Se a violação, exploração ou divulgação do sigilo empresarial ou dos dados confidenciais não causar a inviabilidade econômica ou financeira do devedor ou for irrelevante para tanto, o agente poderá responder por outro(s) crime(s), mas não pelo artigo ora comentado.

Como crime material, admite a tentativa (BARBOSA, 2007, p. 5). Imagine-se que um contador, por causa de honorários não pagos, pretenda levar à falência a sociedade para a qual presta serviços, divulgando à imprensa informações acerca do péssimo andamento financeiro da companhia. E, para isso, encaminhar relatório confidencial a um repórter. Mas, por razões alheias à sua vontade, o relatório é interceptado por um funcionário da sociedade, que denuncia o profissional. Responderá este pelo crime na forma tentada.

Em sentido contrário, Jayme Walmer Freitas entende que “consuma-se no instante em que é operada a violação, exploração ou divulgação do segredo. Tratando-se de crime formal, basta a conduta para que se dê a lesividade, a probabilidade do dano” (FREITAS, 2010, p. 463). Mesmo assim, renomado professor  admite tentativa para todas as condutas previstas nesse crime.

DIVULGAÇÕES DE INFORMAÇÕES FALSAS

 

Art. 170 – Divulgar ou propalar, por qualquer meio, informações falsa sobre  do devedor em recuperação judicial, com o fim de levá-lo a falência ou obter vantagem:

 

Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa

                                                                                                               

A Lei de Falência e Recuperação Empresarial pune a divulgação, por qualquer meio de informação falsa sobre o devedor em recuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou obter vantagem. Da mesma forma que o artt. 169 consiste em inovação legislativa, não tendo sido a divulgação de informações falsas previstas no Dec. – lei 7.661/1945

O crime é comum, podendo, assim ser praticado por qualquer pessoa, com exceção do próprio devedor. A conduta incriminadora consiste na propalação ou divulgação falsa sobre devedor em recuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou obter vantagem.

O agente, assim, sabendo ou devendo saber falsa a informação sobre o devedor em recuperação judicial, faz a divulgação (tornar público ou notório) ou propalação (relato oral ou escrito daquilo que se ouviu de outrem).(PERIN, 2006, p.371). O Crime é de forma livre, tendo o legislador empregado a expressão “qualquer meio”. Podendo, portanto, ser práticado por palavras, escritos, gestos, desenhos. O propósito de levar o devedor à falência ou de obter vantagem é indispensável, cuidando-se então, de um crime de tendência intensificada.

INDUÇÃO A ERRO

 

Art. 171 – Sonegar ou ominir informações ou prestarinformações falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os credores, a assembléia-geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial:

 

Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.

 

Este crime se assemelha ao de fraude processual, previsto no art. 347 do CP, cuja pena é de 3 (três) meses a 2 (dois) anos e multa, que proíbe a inovação artificiosa, na pendência de processo civil ou administrativo, ou estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir o juiz ou o perito a erro. Trata-se de crime contra a Administração da Justiça. Destarte, o crime de indução a erro previsto na LFRE, cuja pena em abstrato é de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, também se trata de novatio legis incriminadora, pois não era previsto na lei anterior. (PERIN, 2006, p. 372)

Trata-se de crime comum, podendo qualquer pessoa envolvida no processo de falência, de recuperação judicial ou extrajudicial, com exceção de réu, ser sujeito ativo do crime de indução a erro, sendo que como sujeito passivo poderão figurar o juiz, o Ministério Público, o administrador judicial (crime contra a Administração da Justiça), os credores, a Assembléia-geral de Credores (AGC) e o Comitê de Credores.

O elemento normativo do tipo seria sonegar ou omitir informações (restar silente) ou prestar informações falsas, exigindo-se como elemento subjetivo o dolo específico de induzir o juiz, o promotor e as demais vítimas em erro, motivo pelo qual o réu foi excepcionado no parágrafo anterior como sujeito ativo, pois tem o seu favor o art. 5, II da Constituição Federal, que garante o direito de não ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei, ou seja, poderia o réu fazer uso do seu direito constitucional de permanecer em silêncio, sonegando ou omitindo informações do juiz ou das demais vítimas relacionados do tip .o penal, bem como mentir em seu favor, prestando informações falsas. As condutas de sonegar ou omitir (omissivas) ou prestar (comissiva) devem ocorrer durante o processo falimentar, processo de recuperação judicial ou pedido de homologação extrajudicial.

FAVORECIMENTO DE CREDORES

 

Art. 172. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano de recuperação extrajudicial, ato de disposição ou onerarão patrimonial ou gerador de obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores em prejuízo dos demais:

 

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

 

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o credor que, em conluio, possa beneficiar-se de ato previsto no caput deste artigo.

 

A objetividade jurídica deste crime gira em torno da integralidade patrimonial e dos créditos pendentes da empresa (BARBOSA, 2007, p. 8). Entretanto, há quem diga que o legislador quis proteger os credores de boa-fé contra os atos praticados pelo empresário devedor e, por isso, inovou com esse tipo penal (PERIN JUNIOR, 2006, p. 373). São 3 condutas incriminadoras,

 a disposição patrimonial que se materializar na venda, em doação etc; a oneração pode derivar da constituição de ônus real como na simulação da existência de contrato de empréstimo de um amigo credor com o pagamento durante o termo legal da falência, o pagamento antecipado de dívidas não vencidas pela transferência de recursos a filiais do país ou do exterior para pagamento de serviços não prestados ou não cobrados (FREITAS, 2010, p. 466).   

O tipo subjetivo é o dolo, vontade livre e consciente de praticar um dos atos contidos no tipo penal, beneficiando ou podendo beneficiar um ou mais credores.

O sujeito ativo é o empresário devedor, os sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros, bem como o administrador judicial cuja conduta (comissiva) será a de dispor ou onerar o patrimônio ou gerar obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores em prejuízo do sujeito passivo que são os demais credores (PERIN JUNIOR, 2006, p. 373).

Esse crime é formal, isto é, caracteriza o favorecimento de credores apenas com o ato de disposição ou oneração patrimonial ou gerador de obrigação no intuito de beneficiar um ou alguns dos credores, estará caracterizada a infração. No parágrafo único, o legislador, previu a possibilidade de o credor de má-fé, beneficiário dessa disposição ou oneração patrimonial, também ser apenado em co-autoria. É crime próprio, de perigo de dano, doloso, comissivo e instantâneo.

Por fim é importante dizer que se admite a tentativa. No entanto, exige-se a ocorrência do prejuízo ou a possibilidade de prejuízo, no caso de tentativa, pois o empresário falido poderia ser flagrado durante o ato de disposição ou oneração do patrimônio, interrompendo o iter criminis, sendo que a conduta flagrada deverá demonstrar nitidamente a hipótese do prejuízo (PERIN JUNIOR, 2006, p. 373).

DESVIO, OCULTAÇÃO OU APROPRIAÇÃO DE BENS

 

Art. 173 – Apropriar-se, desviar ou ocultar bens pertencentes ao devedor sob recuperação judicial ou à massa falida, inclusive por meio da aquisição por interposta pessoa:

 

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa”.

 

O crime do art. 173 da LFRE encontra correspondência com o revogado art. 189, I, da antiga Lei de Falências que previa pena de 1 (um) a 3 (três) anos de reclusão, ocorrendo, pois, a novatio legis in pejus – não pode a lei retroagir para atingir àqueles que praticaram o crime na vigência da lei anterior. (PERIN JUNIOR, 2006, p. 374)

Trata-se de crime pós-falimentar, porquanto tem como pressuposto a sentença declaratória da falência, concessiva da recuperação judicial ou homologatória da recuperação extrajudicial. É, portanto, crime comum que pode ser praticado por qualquer pessoa – credores, o próprio devedor empresário e seus administradores, ou ainda, por terceiros desde que detenham a posse ilícita de um bem móvel ou imóvel pertencente à massa falida ou ao devedor. Figura como sujeito passivo a massa de credores. O bem jurídico tutelado é o patrimônio do devedor ou da massa falida e a administração da justiça.

Pode ser cometido na modalidade apropriação, desvio ou ocultação. Apropriar-se significa apossar-se, fazer sua coisa alheia comportando-se como dono. Desviar significa dar destinação diversa aos bens. Exemplo disso é a venda ou doação simulada de bens do devedor. O meio de execução é livre, embora haja punição expressa para a aquisição de bens por interposta pessoa, mesmo que cônjuge ou parente. Ocultar é esconder os bens, não revelando onde se encontram. A modalidade desvio pode vir acompanhada da modalidade ocultação como na hipótese do devedor que, no pedido de recuperação judicial, apresenta uma relação dos bens que compunham o seu patrimônio e, após a decretação da falência esses bens não são encontrados no momento da arrecadação. (GOMES, CUNHA, 2010, p. 467)

O tipo subjetivo consiste no dolo de dano direto que é a vontade livre e consciente de apropriar-se, desviar ou ocultar os bens do devedor ou da massa falida.

Na modalidade apropriar-se é crime material que se consuma no momento em que o agente age como se dono fosse, invertendo o ânimo da posse lícita sobre o bem. Nas modalidades desviar e ocultar é crime formal e se consuma no momento em que é dada destinação diversa ao bem ou quando o agente o esconde. A tentativa é admissível somente nas duas primeiras modalidades; no que se refere ao núcleo ocultar trata-se de crime omissivo e que, portanto, não admite tentativa.

AQUISIÇÃO, RECEBIMENTO OU USO ILEGAL DE BENS

Art. 174 – Adquirir, receber, usar, ilicitamente, bem que sabe pertencer à massa falida ou influir para que terceiro, de boa-fé, o adquira, receba ou use:

 

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa”.

 

Esse dispositivo não encontra correspondência na legislação passada, tratando-se de novatio legis incriminadora. O bem jurídico protegido é a integralidade patrimonial do devedor ou da massa falida, assim como a satisfação dos créditos pendentes. Podem figurar como sujeito ativo os credores e o administrador judicial. O passivo, por sua vez, é representado pela massa falida e pelos credores prejudicados. A diferença deste crime para a conduta típica anterior é que o art. 174 exige que a ação seja praticada durante o processo de falência, enquanto o art. 173 permite a infração durante a recuperação judicial. “Caso o(s) bem(ns) pertença(m) ao empresário em recuperação judicial ou extrajudicial, não estará caracterizado o crime, pois não houve previsão legal, não se podendo falar em analogia mallan partem.” (PERIN JUNIOR, 2006, p. 376)

Os núcleos do tipo adquirir, receber e usar ensejam a modalidade própria de cometimento deste crime (receptação falimentar própria). Adquirir é obter o domínio do bem de forma gratuita ou onerosa. Receber é ter a posse do bem da massa falida sem a transferência da propriedade. Usar é o mesmo que usufruir o bem da massa. A modalidade imprópria vem representada pelo verbo influir, que significa instigar, convencer alguém.

“Se aquele que adquire a coisa, por influência do mediador, sabe que o bem pertence à massa falida, responderá por receptação falimentar própria e aquele que influenciou responderá por participação em receptação falimentar própria, de vez que na imprópria o adquirente precisa estar de boa-fé.” (GOMES, CUNNHA, 2010, p. 468)

O elemento normativo do tipo consiste na expressão “ilicitamente”. Isso quer dizer que a aquisição, o recebimento ou o uso devem ser contrários ao direito sob pena de o fato se tornar atípico. Elemento subjetivo do tipo é o dolo de dano direto, consistente na vontade livre e consciente de praticar as condutas elencadas no tipo.

Na modalidade receptação própria, o crime é material, admitindo-se a tentativa. Já na modalidade imprópria o delito se consuma com a prática de qualquer ato que possa influenciar outrem de boa-fé a adquirir, receber ou usar o bem, independente se o terceiro praticar ou não as condutas descritas. A tentativa, aqui, não é admissível.

HABILITAÇÃO ILEGAL DE CRÉDITO

 

Art. 175 – Apresentar, em falência, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial, relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação falsas, ou juntar a elas título falso ou simulado:

 

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.”

 

O art. 175 da LFRE busca tutelar a satisfação dos créditos pendentes. O sujeito ativo desse crime pode ser qualquer pessoa. É crime monossubjetivo e admite participação. Sujeito passivo é o devedor ou a massa falida e os credores de boa-fé. Apresentar – mostrar publicamente a declaração ou reclamação falsa – e juntar – anexar título falso ou simulado – são as duas condutas incriminadas. Importante pontuar que “a falsidade dos títulos deverá ser convincente e idônea para enganar, pois caso contrário, se for grosseira, não configurará o delito.” (PERIN JUNIOR, 2006, p. 376)

Elemento subjetivo do tipo é o dolo de perigo de dano, consistente na vontade inequívoca de apresentar relação e habilitação de créditos falsas ou reclamações falsas, ou juntar a elas título falso ou simulado. Trata-se de crime de mera conduta que se consuma com a simples apresentação ou juntada, independente da produção de qualquer resultado naturalístico. Destarte, não se admite a tentativa: ou o agente consegue apresentar ou juntar dado falso e o crime se consuma, ou não consegue e o fato é atípico. (GOMES, CUNHA, 2010, p. 468)

 

 

 

VIOLAÇÃO DE IMPEDIMENTO

 

Art. 177. Adquirir o juiz, o representante do Ministério Público, o administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro, por si ou por interposta pessoa, bens de massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, em relação a estes, entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivos processos:

 

 Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

 

Este delito guarda relação com delito tipificado no artigo 190 da antiga lei. Tem como escopo impor a imparcialidade aos sujeitos que estão atuação nos processos de falência e recuperação judicial, além de garantir a distância em relação ao patrimônio dos credores para evitar suspeitas de fraude.

 Violação de impedimento consiste na aquisição, por parte do Juiz, do representante do MP, do Administrador Judicial, do Gestor Judicial, do Perito, do Avaliador, do Escrivão, do Oficial de Justiça ou do Leiloeiro, por si ou por interposta pessoa, bens da massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, em relação a estes, entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivos processos.

O sujeito passivo é a Administração da Justiça e a Fé Pública.

De acordo com Perin Junior “Trata-se, portanto, de crime próprio, pois só pode ser praticado pelas pessoas indicadas na lei. O legislador, primeiramente quis assegurar a tutela dos credores, impedindo que pessoas adquirissem por preço “vil” os bens de massa falida ou do empresário em recuperação judicial” (JUNIOR, 2006, p.378). 

 Segundo Aguiar “A tentativa não é admissível e para o presente crime a ação correta será de natureza pública incondicionada.”(AGUIAR, 2006, p.77)

 Os mais variados autores c classificam este delito como sendo especial próprio, de mera conduta, comissivo, de resultado, unissubsistente e unissubjetivo.

 

OMISSÃO DE DOCUMENTOS CONTÁBEIS OBRIGATÓRIOS

 

 Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios:

 

 Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.

 

Este dispositivo possui semelhança com o tipo penal descrito no artigo 186,VI, da revogada lei de falências.

Omissão de documentos contábeis obrigatórios consiste em deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos obrigatórios da escrituração contábil da empresa. Vários são os autores que concordam com a explanação anterior sobre esse crime entre eles podemos citar Perin, Barbosa entre outros.

A punição, neste caso, é para o empresário que tem o dever de possuir escrituração contábil. Esta conduta revela-se ilícita e dolosa.

O sujeito passivo são a Administração da Justiça, os credores e a coletividade.

Perin “Trata-se de crime de mera conduta” (JUNIOR, 2006, p.378), pois, como visto acima, versa este crime na omissão da elaboração, escrituração ou autenticação, antes e depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios. 

Devemos observar que esse dispositivo contém uma norma penal em branco, visto que, não possui especificação a respeito aos documentos de escrituração contábil obrigatórios necessitando de uma legislação própria para que se encontre a definição dos mesmos. Este livro é obrigatório conforme o disposto no art.1.180 do CC/2002).

É crime a mera omissão. Pois, nestes casos, a lei considera a simples conduta do empresário como fonte geradora de perigo para o exercício da atividade empresarial e de acordo com Perin a presunção é Q júris et de jure (absoluta). (JUNIOR, 2006, p.379). 

DE acordo com Aguiar “Não se admite a tentativa já que se trata de crime omissivo.” (AGUIAR, 2006, p.78) A ação penal apropriada deverá ter natureza pública incondicionada. O tipo desse crime é classificado por vários autores como omissivo próprio, instantâneo, de mera conduta, unissubjetivo e unissubsistente.

 

BIBLIOGRAFIA

 

AGUIAR, Luana Canhedo. Os crimes previstos na Lei 11.101/05 - Lei de Recuperação de Empresas e Falências. Disponível em: << http://pt.scribd.com/doc/62498346/32/OMISSAO-DOS-DOCUMENTOS-CONTABEIS-OBRIGATORIOS >>. Acesso em: 02 nov. 2010.

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GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches. Legislação Criminal Especial. 2 ed. rev e atual e ampl – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

PERIN JUNIOR, Ecio. Curso de direito falimentar e recuperação de empresas. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2006.



[1] Alunos do 7º Período do curso de Direito da UNDB.

[2] Trabalho apresentado à disciplina Direito Penal da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.