DIREITO E MORAL NOS TEMPOS MODERNOS: REFLEXOS PARA AS PRÁTICAS DO DIREITO DE FAMÍLIA

 

 

 

 

 

 

 

 

RESUMO

 

 

 

 

 

 

A relação entre a Moral e o Direito ao longo dos tempos adquiriu conotações variadas nas diferentes Escolas Hermenêuticas e sob influência das inúmeras transformações sociais e culturais modificando as formas de interpretação da legislação. Sabe-se que o conceito de Família constituído perante a sociedade, por longo período, foi tradicionalmente regido pela figura masculina, mas com o passar do tempo moldou-se de acordo com as transformações ocorridas na sociedade. A Família adquiriu conotação diferenciada e pressupôs novo tratamento, tanto da sociedade quanto dos juristas e legisladores. Portanto, a análise do sistema jurídico no que tange ao Direito de Família e o contexto de mudanças na Era Moderna, que envolveu a aprovação do divórcio no Brasil, permitirá compreender melhor como as diferentes interpretações interferem na prática do Direito Civil.

 

PALAVRAS-CHAVES:  Moral; Direito, Família.

 

 

 

 

 

 

 

 

TRADUÇÃO

 

 

The relationship between the moral and the law over the years has acquired different connotations in different schools Hermeneutic and under the influence of many social and cultural transformations modifying the forms of interpretation of the legislation. It is known that the concept of family made to society for a long period, has traditionally been governed by the male figure, but over time has shaped up according to the changes occurring in society. The family acquired different connotations and assumed new treatment, both society and the lawyers and legislators. Therefore, the analysis of the legal system with regard to family law and the change of context in the modern era, which involved the approval of divorce in Brazil, will better understand how different interpretations interfere with the practice of civil law.

KEYWORDS: Moral; Law, Family.

 

 

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

 

 

                  Desde os pensadores da Idade média aos juristas do Século XXI, é denotada a preocupação em promover um entendimento clareado da relação entre Direito e Moral. Esta intenção, contudo, adquire conotações diversas nas diferentes épocas e contextos experimentados pelo homem em sociedade.

                   Precipuamente faz-se relevante analisar as distintas concepções e os conceitos dos estudiosos responsáveis por definir e apresentar sentido a esta problemática. Porém, o enfoque deste estudo contemplará especialmente Idade Média e Modernidade. Esse estudo tem como tema a Moral e o Direito nos tempos modernos, e responderá à seguinte pergunta: Quais as influências do distanciamento entre Direito e Moral pregado pelo positivismo jurídico para as práticas do Direito Civil Moderno?

                  Propôs-se fazer um estudo sobre a influência da Moral no Direito Civil Brasileiro, no que tange ao Direito de Família. Especificamente, observar a relação entre Direito e Moral; analisar a influência da Hermenêutica Jurídica na abertura da argumentação constitucional para a dimensão moral, e, compreender como essa relação alterou a prática do Direito de Família.

                  Ressalta-se que esta pesquisa pretende verificar se as práticas do Direito Moderno deixaram de ser influenciadas pela moral. Para isso, propôs-se uma pesquisa teórica, como marco principal a obra As Escolas Hermenêuticas e os Métodos de Interpretação da Lei, de Marcelo Mazotti, além de vasto referencial teórico que fundamenta o tema abordado.

Adota-se como marco teórico a obra: As Escolas Hermenêuticas e os Métodos de Interpretação da Lei, de Marcelo Mazotti, que aborda os métodos de interpretação da lei, com foco histórico e filosófico, perpassando a Idade Média e Era Moderna. 

                   Propôs-se para este estudo uma pesquisa teórica, a fim de fundamentar a análise do tema proposto sob os diferentes ramos do conhecimento que sobre ele conjecturam, considerando a legislação brasileira, especificamente o Código Civil e a Constituição Federal. Com caráter interdisciplinar, envolve as áreas de Direito Civil, Filosofia, Ciência Política, e Hermenêutica Jurídica, por meio do método hipotético dedutivo e da utilização de fontes primárias e secundárias

 

 

 

 

 

 

DIREITO E MORAL

 

 

 

 

                        Na Idade Média sabe-se que o pensamento humano voltava-se ao Teocentrismo.  Considerava a sociedade desta época o total controle de Deus nas ações e nos acontecimentos sociais. A conduta humana fundamentava-se e era condicionada à submissão e observância dos valores divinos, entendidos como superiores aos valores naturais por adquirirem perfeição no amor e na justiça. Ela é, portanto justificada por valores que transcendem a existência dos indivíduos e da própria sociedade (...) um valor transcendental à vida secular e histórica. [1]

                  As normas e valores instituídos estavam intrinsecamente entretecidos de religiosidade.

As leis humanas configuravam-se incapazes de atingir julgamentos adequados ou estabelecer regras capazes de postular uma ordem social justa, pois esta seria fatidicamente corruptível. A concepção de superioridade dos desígnios da lei divina está relacionada à visão desta como “uma ordem que está para além dos sentidos humanos, naturalmente de caráter espiritual, em que a Justiça aparece como fenômeno imperecível (...) a eternidade e a irrevogabilidade são suas características.[2]

                  Diante deste entendimento, a moral atuaria exclusivamente como representação do arbítrio e interesse de Deus, a quem se devia obediência e não caberiam questionamentos. O direito, então, era natural e sua legitimidade não dependia de aprovação do homem, era, neste caso, um direito comum a todos. Compreende-se daí que:

[...] os primeiros princípios de moralidade correspondem ao que há de permanente e universal na natureza humana, por isso perceptíveis, de imediato, pela razão comum da generalidade dos homens, independentemente de sua cultura ou civilização. Abrangem tais princípios os deveres dos homens para consigo mesmos, para com os outros homens e para com Deus.[3]

        

                  Portanto, o pensamento e conceito no medievo baseavam-se nos conceitos pregados por Jesus e em seu exemplo de justiça e respeito às leis espirituais. O direito seria então o equilíbrio da lei divina, que prescreve e normatiza o padrão comportamental, e o livre-arbítrio dos indivíduos na escolha de pautar suas ações na busca ou não daquilo que é eterno e transcende ao físico.

Nesta época, a interpretação dada aos textos bíblicos não era adequada, já que não oportunizava aos membros da sociedade entender o que realmente narravam.

Mazzoti afirma que preocupados em facilitar o estudo das Escrituras Sagradas e torná-la mais aceita socialmente, os clérigos iniciam na Igreja Católica Medieval o uso da Hermenêutica. [4]

                  Para o autor, as impressões e significações atribuídas pelo homem diante dos diversos conceitos apresentados, conferem-lhe maior conhecimento e a adequação de argumentos e posturas que serão realizadas em função da análise hermenêutica

Além disso, a intitulada Escola bíblica influenciou para que a hermenêutica, estritamente voltada à exegese, fosse também adotada nas ciências jurídicas, porém focada na aplicabilidade das Normas Jurídicas.

                  Mazotti conceitua que a metodologia exegética objetivava, primordialmente:

[…] a justificação dos dogmas da Igreja a partir das Sagradas Escrituras. O intérprete sacro estava então totalmente desprovido de liberdade para descobrir os sentidos das passagens bíblicas. Mesmo quando eram estudadas as parábolas – cujas metáforas tornam a atividade hermenêutica mais aberta e especulativa –, o resultado final deveria sempre traduzir uma unidade dogmática incontesti”.[5]

                   Mais tarde, no fim da Idade Média, modificou-se o pensamento até então teocêntrico que desvincula-se da espiritualidade e engrandece o homem. Este não mais sujeito às vontades superiores, movido pela razão, torna-se autônomo, pautando suas ações e decisões na lógica. As normas passam a ser instituídas alicerçadas na lei natural, necessariamente, com a concessão do homem e deveriam ser positivadas para obter validade e legitimidade.

                        A partir de então, com o jus naturalismo, e mais tarde com o iluminismo pregado, o Direito passa a ser dividido em Natural e Positivo e cresce a autonomia deste em relação à moral. Desta forma, “o direito positivo então, passa a se justificar na natureza humana (...) o direito positivo encontra sua legitimidade nos ideais de igualdade, liberdade, segurança e fraternidade cultivados pelo direito natural.[6]

Nesta conjuntura a analogia entre direito e moral ainda não era devidamente postulada.

                  Concomitante, difundia-se o pensamento laico, responsável por postular a necessidade de desvinculá-los, tornando o direito mais autônomo em relação à moral, tanto religiosa quanto social, pois “por muito tempo o pensamento jus naturalista esteve mergulhado na religião.[7]

A laicidade instaurou o distanciamento entre as práticas políticas e a religião, promovendo também distinção entre público e individual. O pensamento laico defendia a liberdade de expressão aliada a busca de valorização não só de uma crença, mas de distintas formas de religião ou descrença.

                  Na Idade Média, prevaleciam às doutrinas religiosas pregadas pela Igreja, tanto para as questões morais, quanto para o Direito aplicado predominantemente vinculado à Moral e, por ela regido, era compreendido como a representação da vontade e verdades divinas. Neste sentido, os eclesiásticos, preocupados em clarear o entendimento dos textos bíblicos, propuseram novas formas de interpretação e análise, conhecidas como modelo exegético, para facilitar a aplicação destes textos pelos indivíduos.

                  O positivismo jurídico e o iluminismo romperam com os padrões teocêntricos e, numa busca constante de provocar uma desvinculação entre a Moral e o Direito, propunham uma visão mais racional do Direito que passaria a ser entendido como ciência. A visão voltava-se à aplicabilidade e à finalidade do Direito e do sistema jurídico.

                  Acompanhando estas mudanças, como denota Mazotti a hermenêutica jurídica, adquire caráter menos tradicional e volta-se para a própria finalidade do sistema jurídico, que é criar e aplicar a lei. Portanto, a hermenêutica está relacionada à realidade política, cultural e ética de um povo em momentos históricos específicos.[8]

                  Nesta visão, a função da hermenêutica revela uma faculdade de alterar o sentido da norma sem que se perca de vista o primado do direito” e ainda permitir ao intérprete “por meio da abertura de sentidos promovida (…) articular resultados interpretativos que se distanciam do enunciado normativo.[9]

                  Nesta conjuntura houve inúmeras transformações nas práticas do Direito Moderno. Os juristas voltados a utilidade da norma e também considerando os contextos históricos, sociais e às mudanças dos valores, adotavam como parâmetro não apenas uma das escolas hermenêuticas, mas na Era Moderna, as experiências hermenêuticas das diversas escolas passaram a se influenciar constantemente, criando um ambiente multidisciplinar e permitindo enormes avanços em seus estudos.[10]

                  No Brasil as influências positivistas, culminaram para a distinção entre Igreja e Estado após a Proclamação da República com a promulgação do Decreto n° 119-A de 17 de janeiro de 1890 que fazia o país laico e não confessional, cita-se:

Art. 1º É proibido á autoridade federal, assim como á dos Estados federados, expedir leis, regulamentos, ou atos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e criar diferenças entre os habitantes do país, ou nos serviços sustentados á custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões filosóficas ou religiosas.[11]

                  Neste contexto, as relações sociais foram modificadas. A visão do ser humano em relação ao outro se amplia e as diferenças passam a ser aceitas, inclusive no que diz respeito ao homem e a mulher. A família, que durante séculos teve como base o modelo patriarcal foi moldando-se face às transformações sociais. A instituição familiar deixa de ter apenas o instinto reprodutivo, e busca então a satisfação e a valorização do indivíduo. Após a industrialização, a família moderna fundamentava-se no amor próprio e na livre escolha dos cônjuges, ou seja, no individualismo e reformulou-se a relação conjugal.

                  A hermenêutica marcava o desapego à formalidade da interpretação da lei propiciando um posicionamento mais questionador frente a este modelo silogístico formal, que não resolve as situações não legisladas, ou aqueles que foram, mas geravam dúvidas em sua aplicação pautando uma visão diferenciada da legislação brasileira.[12]

                  Essa abertura de paradigmas propicia no Brasil um olhar mais atento a questões não discutidas ou abordadas na Constituição ou no Código Civil vigentes. Como ocorreu com a questão do divórcio, antes totalmente negado pela legislação que, justificando zelar pela continuidade da família, pregava sua inconstitucionalidade.

                  A validade exclusiva do casamento civil, ratificada através do Decreto 181 de janeiro de 1890, expressava preponderância deste sobre o casamento religioso. Embora as diversas mudanças no contexto social, a legislação estive no centro do direito positivo e permaneceu ligada à cultura predominante. A proposta de divórcio apresentada no ano de 1893 não obteve êxito, pois ainda havia uma forte ligação religiosa às práticas do direito.

                  O Código Civil vigente em 1916 configurava claramente em seu texto o pensamento da sociedade conservadora da época em seu art. 2º afirmava que “Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”, enquanto à mulher, sob extremo preconceito citava incapaz, em seu art. 6. “São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal”.

                         Por outro lado, apesar de grande resistência, o código aceitou o direito ao “desquite”, entretanto este ato não admitia casamento posterior e só poderia ser consumado se houvesse intenção dos dois cônjuges. Então, se a vontade fosse manifesta pela mulher e o homem não concordasse, a união não poderia ser anulada.

A redação do Código quanto à Dissolução da Sociedade Conjugal, nos artigos 317 e 318, indica:

Art. 317. A ação de desquite só se pode fundar em algum dos seguintes motivos:

I. Adultério.

II. Tentativa de morte.

III. Sevicia, ou injuria grave.

IV. Abandono voluntário do lar conjugal, durante dois anos contínuos.[13]

Art. 318. Dar-se-á também o desquite por mutuo consentimento dos cônjuges, se forem casados por mais de dois anos, manifestado perante o juiz e devidamente homologado.[14]

                   A adoção de técnicas hermenêuticas sistemáticas e sociológicas possibilitou a discussão referente à possível aprovação do divórcio  pautando-se na valorização dos Direitos Fundamentais, defendidos na Constituição Federal. Por exemplo, a Constituição vigente em 1934, tratando dos Direitos Fundamentais, afirmava no Art. 113, I - “Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou ideias políticas”.

Porém, essa igualdade perante à lei não era real nas práticas do Direito de Família, principalmente nas questões relacionadas ao sexo. O homem era tido como a autoridade máxima da instituição familiar e suas vontades e ordens prevaleciam sobre às das mulheres, excluídas de quaisquer decisões. Subjugada às vontades do marido, a mulher era constantemente desrespeitada e ridicularizada social e moralmente. Não tinha o direito de escolher estar casada ou não e, mesmo nos casos de violência e agressão física, deveria permanecer fiel ao seu cônjuge.

                  Pontes de Miranda cita em sua obra Tratado de Direito de Família que:

A Religião, a Moral e os costumes de família, processos sociais estáveis e estabilizadores, predeterminam, em grande parte, a legislação estatal sobre a família. (...)  A finalidade da legislação estatal, em matéria de direito de família, como a finalidade das legislações confessionais sobre a família, é regular e proteger a vida do par andrógino, assegurar a procriação dentro da legalidade (...) O dever é moral e o caráter jurídico, que se lhe dá, é insuficiente para o munir de ações executivas.[15]

                  Vale ressaltar que as influências sociais, políticas e econômicas modificaram a família e colaboraram para que as questões de gênero fossem analisadas sob nova perspectiva. Concomitantemente às mudanças na situação feminina, transformou-se o papel do homem no contexto familiar e também as relações conjugais.

                  Apesar da influência da teoria positivista para promover uma distinção entre moral e Direito, após a Segunda Guerra Mundial passou-se a defender a aproximação destes justificando que, segundo Mazotti, por ser um sistema aberto, o Direito aceita relacionar-se com o discurso moral. Isto, considerando que a moral impõe regras de conduta humana com objetivo de universalização, conduzindo a uma abertura da argumentação constitucional para a dimensão moral.  

                  Nota-se que:

                                                  Mesmo que muito se tenha feito ao longo dos anos para se desvencilhar o Direito das paixões humanas e do subjetivismo – tratando-o como um ente absolutamente imparcial e científico na defesa da justiça - , tudo o que se conseguiu provar foi o inverso: não há Direito sem moral e a consequente consagração de valores que conduzam ao sentimento de justiça.[16]

                                              Somente no ano de 1977, o divórcio é, por fim, autorizado no Brasil, através da Lei n° 6.515. Este ato representou um enorme avanço no Direito de Família, pois ampliava as possibilidades de anulação do matrimônio aceitando a iniciativa por um dos cônjuges e não apenas em concordância e o casamento posterior:

Art. 24 - O divórcio põe termo ao casamento e aos efeitos civis do matrimônio religioso. [17]

Art .26 - No caso de divórcio resultante da separação prevista nos §§ 1º e 2º do art. 5º, o cônjuge que teve a iniciativa da separação continuará com o dever de assistência ao outro. [18]

Art. 27- Parágrafo único - O novo casamento de qualquer dos pais ou de ambos também não importará restrição a esses direitos e deveres. [19]

                           

                                        Porém, aos olhos da sociedade da época, ainda com pensamento nos moldes do medievo, fragilizava a instituição familiar já que facilitava a dissolução do matrimônio. Por isso, sofreu duras críticas daqueles que se posicionavam, ao que se pode dizer, a favor da família. No entanto, permanecia a busca para quebrar o dogmatismo jurídico e ampliar as discussões quanto ao divórcio, pela necessidade de observar a realidade social e considerar seu constante dinamismo e complexidade, contrários à rigidez jurídica.

                   A modernidade contribuiu muito para a valorização dos Direitos Humanos. Quase não considerados os direitos fundamentais passam a ter destaque no cenário jurídico e social, graças a proposta moderna de um desenvolvimento universal para um sistema social que concretizasse o princípio da igualdade formal, através da crescente redução das desigualdades reais no mundo moderno.[20]

                   Percebe-se ao longo da história que a influência exagerada das questões morais sobre o Direito propiciou atitudes extremistas que reprimiam e impediam o exercício da liberdade individual. Como era o caso do divórcio pregado como imoral, totalmente inadequado aos padrões sociais aceitos.  Ora, sabe-se que a moral não é uma visão universal já que o que é tido como moral por alguns é concebido como imoral por outros. Portanto, apesar de ser essencial essa relação entre Direito e moral deve ser ponderada para que haja equilíbrio da justiça aplicada a todos.

A Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, alterou de forma profunda a realidade social e o Ordenamento Jurídico vigente. Muitas transformações ocorreram no Direito de Família, que, no início do século XX, quando promulgado nosso Código Civil, disciplinava as relações dos núcleos familiares formados pelo casamento, onde o homem exercia sua supremacia sobre a mulher, mera coadjuvante restrita às lides domésticas.

Depois com passar do tempo no dia 14 de Julho de 2010 foi publicado e entrou em vigor a Emenda Constitucional n° 66, que deu nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que descrevia sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, no sentido de suprimir o requisito de prévia separação judicial por mais de 01 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 02 (dois) anos. O parágrafo possuía a seguinte redação: "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei ou comprovada separação de fato por mais de dois anos." Agora, ficou assim: "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. Como podemos notar a Emenda Constitucional nº 66, contém apenas um único artigo, que promoveu a alteração do § 6º do artigo 226, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de um ano ou a exigência de separação fática por mais de dois anos para a concessão do divórcio.

Pelo ordenamento jurídico atual, tornou-se perfeitamente possível que um casal contraia matrimônio em um dia e se divorcie no dia seguinte.

Mayna Marchiori de Moraes diz que a EC 66/2010 determinou uma verdadeira revolução em relação ao divórcio no Brasil. A PEC 33/2007 foi iniciada por uma proposta de juristas do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, juntamente com o Deputado Antônio Carlos Biscaia (PEC 413/2005) e reapresentada posteriormente pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro (PEC 33/2007), por não mais se justificar a sobrevivência da separação judicial, eis que a dualidade existente anteriormente acabava por gerar maiores despesas ao casal e uma “desnecessária repercussão psicológica danosa na alma das partes envolvidas.

Referida Emenda extinguiu por completo o instituto da separação judicial, consensual ou litigiosa, do ordenamento jurídico brasileiro e toda legislação que o regulava, em razão da não recepção. Portanto, o divórcio tornou-se a única medida dissolutória do vínculo e da sociedade conjugal. Assim, ficaram totalmente revogados, ainda que tacitamente, todos os artigos que diziam respeito exclusivamente à separação e, parcialmente revogados, aqueles que faziam menção à separação e ao divórcio. Não há mais que se falar no dever de observância dos prazos legais para que o divórcio tenha validade, eis que, com a promulgação da Emenda, o transcurso de períodos de tempo para efetivação da tutela perquirida não mais importa.[21]

 Sob o prisma jurídico, com o divórcio, não apenas a sociedade conjugal é desfeita, mas também o próprio vínculo matrimonial, permitindo-se novo casamento; sob o viés psicológico, evita-se a duplicidade de processos.

Porquanto pode o casal partir direta e imediatamente para o divórcio; e, finalmente, até sob a ótica econômica, o fim da separação é salutar, já que, com isso, evitam-se gastos judiciais desnecessários por conta da duplicidade dos procedimentos.

A mesma autora diz que a mudança do texto constitucional significou um notável avanço para a sociedade brasileira, principalmente por ter retirado do ordenamento jurídico o modelo bifásico de dissolução da sociedade conjugal, permanecendo o divórcio direto, a ser exercido pela autonomia das partes envolvidas.[22]

Simultaneamente criticada e elogiada por diversos segmentos da sociedade, esta Emenda entrou em vigor suscitando uma série de debates jurídicos, principalmente com relação à subsistência ou não da separação judicial. Se para uns, a Emenda Constitucional foi tida como um avanço, de maneira positiva, sendo até mesmo chamada de "Emenda do amor", para outros, verificou-se uma banalização da família

 

 

CONCLUSAO

 

A entidade familiar além de se constituir em “célula mater” da sociedade, ainda, percorre o tempo trazendo evolução para esta, levando, assim, as regras jurídicas a se adequarem às necessidades humanas das mais diversas, em especial as de caráter afetivo.

Ao se tratar de família, é preciso ter em mente que a mesma é formada por seres humanos, com suas necessidades, angústias, busca incessante da felicidade, e conquista de regras jurídicas que a apoiem no atingimento de todas as variáveis que abrangem essa instituição e a sua afetividade. Assim, têm-se famílias estruturadas sob as mais diversas organizações, desde o patriarcalismo, o matrimonialismo, a monoparentalidade, a união estável e também a união homoafetiva.

A Constituição Federal de 1988, trouxe grandes transformações na regulamentação da entidade familiar, legitimando a união estável, oferecendo maior consolidação da família, sob suas variadas modalidades e principalmente ampliando o conceito de entidade familiar. A forma legal de se constituir uma família através do casamento válido, há tempos já não é mais a única forma de família aceita na sociedade e no ordenamento jurídico.

Assim, considerando-se o conceito de família e 16 sua amplitude, observa-se que ele aumentou as possibilidades de construção de família sob as mais diversas formas, perante a sociedade. Nada mais são, do que entidades familiares, uma vez que seus pilares de sustentação são os mesmos de qualquer outra família, afeto, dignidade, solidariedade e igualdade.

Além de preencherem os requisitos para serem consideradas uniões estáveis, também se apresentam salvaguardadas pela Constituição Federal, não sendo passíveis de exclusão ou discriminação para que não se concretizem inconstitucionalidades e violações de princípios.

Importante ressaltar que encontrar soluções jurídicas para a família, contemplada pela visão social, é inseri-la no direito e no cumprimento das exigências legais para realizarem o seu maior objetivo: manifestar o seu afeto e ser feliz.

A nova Emenda Constitucional nº 66/2010 consiste num importante marco na disciplina do divórcio no Brasil. Com a alteração da redação do art. 226, § 6º da Constituição Federal de 1988, veio também várias interpretações e algumas muitas críticas, no que diz respeito a nova forma do divórcio.

Grande parte dos doutrinadores e juristas sustenta a posição de que não mais persiste no ordenamento jurídico pátrio o instituto da separação judicial, por ser essa a interpretação que mais assegura os efeitos da norma. Todavia, a minoria mais conservadora não reconhece a eficácia imediata da reforma, vislumbrando na simplificação do divórcio a fragilização da família e banalização do casamento.

Conclui-se que a Emenda Constitucional 66/2010 trouxe importante avanço em nosso sistema, mas a ausência de legislação infraconstitucional mais detalhada ainda deixa lacunas. Nesse sentido, faz-se importante ressaltar que foi possível identificar, no presente trabalho, muita divergência de opiniões durante os julgamentos dos recursos examinados, inclusive dentro de uma mesma câmara cível, com intervalos de tempo muito curtos e adoção de correntes contrárias.

Porém, sem entrar necessariamente no mérito da discussão sobre o término ou não do instituto da separação, uma coisa restou comprovada: o requisito do prazo anteriormente utilizado (um ano da separação judicial prévia ou dois anos da separação de fato) não mais necessita ser respeitado

 

 

 

REFERENCIAL

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[1] VAZ, Anderson Rosa. Introdução ao Direito. 1 ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 53.

[2] BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito: panorama histórico, tópicos conceituais. 4 ed. São Paulo, Atlas, 2005, p. 159.

[3] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 37.

[4] MAZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Barueri, SP: Minha Editora, 2010, p. 17.

[5] MAZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Barueri, SP: Minha Editora, 2010, p. 20.

[6] VAZ, Anderson Rosa. Introdução ao Direito. 1 ed.  Curitiba: Juruá, 2011, p. 55.

[7] NADER, Paulo. Filosofia do Direito. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 366.

[8] MAZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Barueri, SP: Minha Editora, 2010, p. 18.

[9] MAZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Barueri, SP: Minha Editora, 2010, p. 48.

[10] MAZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Barueri, SP: Minha Editora, 2010, p. 18

[11] Decreto n° 119-A D.O.U 17 de janeiro de 1890.

[12] MAZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Barueri, SP: Minha Editora, 2010, p. 50.

[13] BRASIL. Lei N° 3.071 de 1º de Janeiro de 1916. Código Civil Brasileiro

[14] BRASIL. Lei N° 3.071 de 1º de Janeiro de 1916. Código Civil Brasileiro

[15] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito de Família. Vol. 1. Campinas: Bookseller, 2001, p, 80-81.

[16] MAZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. Barueri, SP: Minha Editora, 2010, p. 48.

[17] BRASIL. Lei N° 6.515 de 26 de Dezembro de 1977. Da dissolução da Sociedade Conjugal.

[18] BRASIL. Lei N° 6.515 de 26 de Dezembro de 1977. Da dissolução da Sociedade Conjugal.

[19] BRASIL. Lei N° 6.515 de 26 de Dezembro de 1977. Da dissolução da Sociedade Conjugal.

[20] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica (e)m crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 205.

[21] MORAES, Mayna Marchiori. CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Possibilidade de aplicação da arbitragem no divórcio - eficiência e celeridade ao acesso à justiça. Revista dos Tribunais Sul. vol. 1, p. 123 – 140. São Paulo. Revista dos Tribunais. Set – Out, 2013.

[22] MORAES, Mayna Marchiori. CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Possibilidade de aplicação da arbitragem no divórcio - eficiência e celeridade ao acesso à justiça. Revista dos Tribunais Sul. vol. 1, p. 123 – 140. São Paulo. Revista dos Tribunais. Set – Out, 2013.