Bruno Henrique Bernardo Fahd

Eric Abreu Caldas[1]

 

Sumário: Introdução; 1. Conceito de direito e justiça: a teoria Platônica;

  1. A relação entre o direito, a moral e justiça;

2.1 A problemática entre: sociedade, direito e justiça no Brasil;

  1. A política como meio de criar um direito justo no Brasil;

 Considerações Finais; Referências

 

 

RESUMO

O presente trabalho tem como função fazer uma análise crítico-reflexiva sobre a problemática relação entre direito, justiça e moral na sociedade brasileira, abordando um contexto histórico e social desses conceitos, e buscando uma solução para esse paradigma que é o direito como símbolo de justiça e moral.

PALAVRAS-CHAVE: Justiça; Direito; Moral; Sociedade;  Platão;

INTRODUÇÃO

Direito e justiça estão interligados desde sempre. Pela lógica, um é associado ao outro, pois através do direito é possível se chegar à justiça. Porém, a realidade não é essa. A justiça tem um caráter moral, do justo, do divino, enquanto o direito, com seu aspecto normativo e a sua dogmática procura apenas garantir o que está positivado pela lei. O que cria uma distinção entre a justiça, como é entendida, como algo divino e justo e a justiça que o direito traz, considerada por muitos, em especial pela população leiga, uma justiça maquiada, muitas vezes até injusta.

 Justiça, desde o início dos tempos, é entendida como qualquer atitude que vá de encontro com preceitos morais, normalmente baseados em divindades. Nos povos antigos e politeístas, esses preceitos eram ditados de acordo com o Deus adorado e com os valores e crenças que ele pregava. Essas confirmadas por rituais, e por atitudes diárias.

Com o passar dos tempos e o advento do cristianismo e sua ascensão, essas práticas deixaram de serem atribuídas de acordo com cada Deus e passaram a ser concentrada nos mandamentos de um só Deus supremo. Mas a estrutura da justiça não mudou, continua ela a ser um código de conduta e atitudes de acordo com preceitos morais baseados em um Deus. Essa ligação da justiça com o divino está presente em cada um de nós até hoje, mas está presente com mais força na população leiga.

Assim, essa justiça divina, que por muito tempo foi usada para consolidar o poder da Igreja Católica sobre a população, foi sendo confrontada pela justiça natural, pelo jusnaturalismo, que via o homem com direitos naturais, e ele como autor da justiça, que seria baseada nos direitos naturais de cada ser humano.

Portanto, a partir daí nasce o direito, e sua noção de justiça dos humanos. Ou como o ser humano passa a ser um sujeito de direitos, passa também a ser um sujeito merecedor de justiça. O justo deixa de ser algo divino, para ser algo natural, garantido pelo direito. E o justo passa ser aquilo que o direito positivo garante como direitos, a justiça deixa de ser algo divino, para ser algo dos homens para os homens.

Porém, o homem é falho, e a partir daí, com o positivismo da justiça, começam a surgir os pensamentos, se esse direito positivo, se uma justiça positiva é realmente a justiça verdadeira, reabrindo assim, a discussão sobre o que é a justiça e o que realmente ela representa, e em especial o que ela realmente é em nossa sociedade.

  1. Conceito de direito e justiça: a teoria Platônica

Como já dito, direito e justiça teoricamente andam juntos, mas a prática mostra algumas diferenças entre os dois. Diferenças que podem ser exibidas pela teoria Platônica sobre a justiça e o direito.

Para Platão a justiça deveria ser apoiada em fatos morais, como dito por Kelsen, a justiça era uma profissão de fé no bem. Portanto, Platão acreditava no valor moral da justiça, e nesse valor moral regido por algum ser maior do que nós:

"A especulação sobre justiça a  nas obras da juventude de Platão está visivelmente sob a influencia da dialética socrática. Ela não vai além de tentativas formalistas de definição e, em seu resultado, não ultrapassa análises conceituais inteiramente insuficientes. Trata-se, em grande parte, de tautologia sem conteúdo, como, por exemplo, a convicção exposta na Apologia de Sócrates de que é ruim cometer injustiça e desobedecer a quem é melhor do que nós". (KELSEN, Hans. A Ilusão da Justiça. 3º ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.273)

Platão acreditava em uma justiça divina, fruto de um “ser maior” e “melhor do que nós”, e tinha crença em uma lei divina, que nos regia e orientava. Considerava injusto, tudo que ia contra essa lei divina e o homem que desrespeitava outro homem, portanto, mostrando traços do que seria o direito natural.

Considerava a justiça dos homens imperfeita, mas ressaltava que devia ser obedecida, pois não obedecê-las, também seria um ato de injustiça. Isso era um preceito moral, o ser humano deve seguir as leis positivadas e as leis naturais. Pois a justiça era algo apoiado nos preceitos morais com o bem como virtude. Desrespeitar uma lei, mesmo que não se concorde com ela, seria ir contra esse bem, e como dito pelo mesmo, é preferível sofrer uma injustiça a cometê-la.

Essa crença platônica está presente até hoje na nossa sociedade. Inclusive é uma das virtudes do direito positivo. Uma norma, válida e presente em um ordenamento jurídico, deve ser respeitada e seguida, por mais que um indivíduo não concorde com ela e com seu valor moral. Além do fato, que todo cidadão brasileiro deve conhecer a norma, por mais que não saiba. É um preceito do direito, que desrespeitar uma lei é crime, e que ela deve ser obedecida, por mais que não se concorde com ela. O que remete as idéias platônicas e é um fato na nossa sociedade.

A partir dessa idéia, de que algo injusto deve ser combatido, Platão também se tornou um grande defensor do sistema penal. Defensor da idéia, de que cada um que comete uma injustiça, deve pagar por ela, como dito por Kelsen, Platão se mostra a favor de penas iguais as injustiças cometidas por um indivíduo a outro, portanto a pena de alguém seria proporcional ao que cometeu de injusto.

Em um determinado momento de sua obra, mais precisamente em “A República”, Platão começa a relacionar o justo com o querer do governante. É justo o que o governante considera justo, e por esse ser o líder, aquele que guia a sociedade, essa é a verdadeira justiça, como é exposto por Kelsen:

"Após esse êxito altamente discutível da dialética socrática, Trasímaco adentro o diálogo, no curso do qual apresentará uma tese sofística, veementemente combatida por Sócrates. Diz: sustento que o justo nada mais é do que a conveniência do mais forte – e especifica sua tese partindo do pressuposto de que o justo é o que é legal, sendo justiça e direito positivo a mesma coisa. Todo governante elabora suas leis para sua própria conveniência – a democracia, leis democráticas, as tiranias, leis tirânicas, e assim por diante. Com esse tipo de legislação anuncia que justo para os governados é o que lhes é vantajoso (aos governantes), e quem a transgredir será punido como infrator e criminoso". (KELSEN, Hans. Op. cit. p.281.)

Esses relatos de Platão, também foram vistos em nossa sociedade, principalmente no contexto da ditadura militar, em qual uma pequena parcela do governo, no caso os militares, se julgando aptos a governarem e a decidirem o que era melhor para a sociedade, tomaram o poder e fizeram o uso do direito positivo, para impor as suas leis e a sua justiça. Foi governado do jeito que lhes era vantajoso, e com o direito positivo sendo utilizado como instrumento de legalização disso, o que remete a questão de um direito injusto.

Em âmbito mundial, esses conceitos Platônicos também foram empregados em diversas ditaduras e tiranias, como o Fascismo na Itália de Mussolini e o Nazismo da Alemanha de Hitler. Vale lembrar que em ambas o direito positivo, foi fruto da legalização de todos os atos imorais praticados nessas ditaduras totalitárias. O que prova que o Platonismo é capaz de influenciar até as piores formas de governo e justiça já existentes.

 Após esse pensamento, Platão depois passa considerar a justiça como algo que leva ao bom, a felicidade. E como dito por Kelsen, passa ir atrás de resolver o chamado enigma da justiça. Esse pensamento todo vem após seu contato com a metafísica. Ele passa a considerar a justiça como forma de felicidade, como um fim, já algo a ser alcançado e que conduziria a felicidade, já que aqueles que vivessem em um mundo justo viveriam em um mundo feliz.

Portanto, é notável a influência de Platão para a justiça e o direito. Com mudanças de pensamentos ao longo do tempo, Platão é capaz de legitimar e influenciar tiranias e de fazer o mesmo com o direito natural, o que torna seu pensamento por vezes algo paradoxo. Mas sua contribuição para o direito e a justiça é vasta, como exposto. Considera o direito, que no caso, seriam as leis, como meio de se chegar a justiça, e que a justiça deveria ser sempre apoiada em princípios morais, o que inicia a chamada relação entre moral, direito e justiça.

  1. A relação entre direito, moral e justiça

Desde sempre, a justiça foi associada à moral, e o direito deveria vir de encontro com essa associação. Pois o direito seria o meio para a garantia da justiça, portanto interligando-se assim com a moral. De fato, essa interpretação é válida, porém para o direito positivo, nem sempre.

As teorias positivistas de Kelsen, que passaram a influenciar o direito a partir do século XIX e a ascensão do positivismo como meio de criar certezas sobre as ciências, fez com que o direito buscasse uma determinação e um objeto de estudo, com o intuito de se tornar uma ciência positiva.

Essa corrida pelo positivismo do direito, fez com que ele passasse a ser visto como algo isolado da moral e da justiça. O direito passaria a ser apenas o direito e seria uma ciência normativa, com finalidade de estudar a norma. A justiça e a moral não seriam objetos do direito.

O direito era visto como algo científico e fruto da conduta humana. Passando a ser visto como regulador da sociedade. Assim, era dotado de força coerciva, e a força legal da norma, o direito deixa de ser visto como um meio de atingir a justiça e passa a ser visto como algo que mantém a sociedade estável.

Portanto, a moral passa a ser visto como algo de cada indivíduo, algo de cada um, algo de sua crença, em que cada indivíduo é aconselhado a praticar, como um meio de conduta ética, buscando regulamentar a sociedade. Associando assim a moral e a justiça, como fatos de cada um. Mas deixando o direito inerente a isso tudo, o direito assim, deixa de ser relacionado com eles.

Observa-se, portanto, que o direito, com o positivismo se afasta das relações históricas com a moral e a justiça, e passa a lutar pela autonomia da ciência jurídica, que se intitula apenas regente das condutas sociais. A partir disso, instala-se na sociedade a diferença entre o direito, moral e justiça. E a crença social, pertinente que o direito é apenas uma forma de legalizar condutas e não é um meio para obtenção de justiça.

2.1 A problemática entre: sociedade, direito e justiça no Brasil

O positivismo do direito e sua visão alheia ao conceito de moral e justiça criaram uma problemática social. O direito não seria uma forma de chegar à justiça, e como dito por Marx, seria uma forma de legitimação de poder, parte da super-estrutura, e uma forma de dominação social. O direito cai em descrédito social e no Brasil é visto como algo corrupto e sem a justiça como objetivo.

Porém, essa questão social é complicada. A sociedade brasileira detém uma visão leiga dos fatos e o caráter de regulador social que o direito tem é inegável. Porém, como já foi dito, o afastamento da moral e da justiça pelo direito, também pode legitimar injustiças totais. O direito positivo pode ser uma grande armadilha, já que pode garantir, de direito e de fato, preconceitos, injustiças e até loucuras, como caso do nazismo.

Tanto, que o caso do nazismo foi determinante para um repensar do direito quanto ciência positiva. No Brasil como também já exposto, houve o caso da ditadura militar. Isso contribuiu muito para a visão social de um direito injusto por parte da nossa sociedade. O direito foi usado pela máquina estatal como um meio de praticar injustiças morais para a sociedade, mas que era justo no campo do direito positivo.

Trazendo assim, para a nossa sociedade a dúvida novamente, do que é justiça, e como ela se relaciona com o direito. Ficando evidente, que o positivismo do direito trouxe incertezas sobre o que é justiça para a nossa sociedade. É claro e pertinente que uma lei injusta pode existir. Já que o fim do direito deveria ser a justiça, e a justiça precisa de moralidade, seja ela divina, ou natural.

Portanto, uma lei injusta é possível, ela existiu e ainda existe. O direito pode ser usado com outros fins, afinal uma lei que obriga um cidadão a torturar e matar, só pode ser considerada injusta, por mais que o representante legal não admita isso.

  1. A política como meio de criar um direito justo no Brasil

A partir desse descrédito no direito como meio de justiça e com o caso concreto em nosso país da ditadura militar e das suas várias injustiças sociais praticadas, a política apesar da visão social de prática corrupta e de homens injustos ainda é a melhor forma de criar um direito justo no Brasil.

Pois através da política, todo cidadão tem o direito de mudar sua realidade. A política rege as leis, e o direito positivo é doutrinado assim. Portanto, como dito por Platão, o legislador cria leis de acordo com suas realidades e seus interesses.

Por isso se a sociedade não se conscientizar, que precisa participar da política, a realidade vai continuar sendo a mesma. Corrupção, leis contestáveis e um senso de justiça, ética e moral deixado de lado. Já que se há a oportunidade, os que detêm o poder fazem o uso do mesmo da forma que lhes for melhor.

Um caso recente disso é o gradual aumento salarial que os deputados votaram as pressas, para se beneficiarem. A sociedade precisa atuar, ao contrário de ficar alheia a política, pois ela que guia o direito no Brasil, e, portanto, a nossa justiça.

A política ainda é o meio mais fácil e mais prático de criar um direito justo, já que com a queda da superioridade positiva, as leis passam a ter um caráter relacionado com a moral e a justiça. Mas para isso ocorrer na prática é preciso uma fiscalização política e social na legislação destas leis.

Considerações Finais

Observa-se, portanto, que o direito, historicamente era vinculado com a moral e a justiça divina, mas que com o passar do tempo e com o positivismo ele perdeu um pouco de seu fim justiceiro e passou a vestir um caráter de regulador social. Porém, como já vimos na história, esse é um passo perigoso. O direito precisa sempre ser vinculado à moral e a justiça. Pois o direito injusto é possível, com a visão de controlador social, o direito pode ser usado para fins imorais e injustos. O debate sobre o que é justiça e o que é justo também é relevante. A moral realmente é algo presente em cada um e em suas crenças, mas vale ressaltar que é preciso existir uma ética no direito, para que a as relações estejam corretamente ligadas.

O direito, como o próprio positivismo jurídico ressalta, é um fato social, é algo criado pela humanidade. E, portanto, se é assim, é preciso um código ético e justo, e para isso é preciso um relacionamento com a moral. Pois a moral, mesmo sendo algo relativo para todos, é o bem maior de cada ser humano. O direito precisa ser visto ao espelho disso, e a moral e a justiça precisam ser fins dos direitos e presentes em suas leis, se não o direito pode ser o maior instrumento imoral e injusto já existente e a sociedade brasileira, pode voltar aos tempos obscuros como o da ditadura.

REFERÊNCIAS:

BITTAR, Eduardo C. B; ALMEIDA, Guilherme de Assis. Curso de Filosofia do Direito. 7º ed. São Paulo: Atlas, 2009.

KELSEN, Hans. A ilusão da Justiça. 3ª ed, São Paulo: Martins Fontes, 2000.

KLIPPEL, Bruno Avila Guedes. Considerações sobre a Justiça platônica para Hans Kelsen. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 563, 21 jan. 2005. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/6196>. Acesso em: 26 maio 2011.

MORAL, Justiça e Direito na Teoria de Hans Kelsen. Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/bittar.htm>. Acesso em: 26 de maio de 2011.

ROJO, Raúl Enrique; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli. Sociedade, Direito e Justiça. Relações Conflituosas, Relações Harmoniosas? In: Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 13, jan/jun 2005, p. 16-34.

[1]  Alunos do 2º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco