1. A questão da energia elétrica na Constituição Federal. Sua qualificação como mercadoria

O ICMS é o imposto, como o próprio nome indica, que incide sobre operações de circulação de mercadorias e, nos termos do artigo 155, II da Constituição Federal sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, exclusivamente, já que os demais serviços são de competência municipal.

Traz em seu DNA o ICM anterior, somado a algumas espécies de serviços, que o legislador constituinte entendeu ser de competência mais apropriada ao Estado, em detrimento do imposto municipal. Este fato, porém, não prejudica o fato de se tratar de um imposto único, já que assim foi a opção do legislador constituinte.

O parágrafo 2º do artigo 155, em seu inciso X, discrimina que o imposto não incide sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, combustíveis e energia elétrica.

Na seqüência, o parágrafo 3º esclarece que, à exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput e dos impostos dos artigos 153, I e II, nenhum tributo poderá incidir sobre operações relativas à energia elétrica.

Estas normas são fielmente repetidas na Constituição do Estado de São Paulo, que prevê o ICMS no art. 165, I, "b", bem como a não incidência do mesmo sobre a energia elétrica (art. 165, § 2º, 8, "b").

Logo, fica claro que para o legislador constituinte a energia elétrica somente pode ser tributada pelo ICMS, além dos impostos de importação e exportação, de competência federal.

Levando tal assertiva em consideração, bem como o fato de que a energia elétrica não foi qualificada como serviço, já que os serviços sobre os quais incide ICMS são exclusivamente aqueles dispostos no artigo 155, II (serviços de transporte interestadual e intermunicipal, além dos serviços de comunicação), só podemos concluir que a energia elétrica, para o legislador constituinte, é uma espécie de mercadoria, incidindo o imposto sobre a sua circulação.

Confira-se o posicionamento de Roque Antônio Carrazza :

"Em suma, o ICMS pode alcançar, também, as operações relativas a energia elétrica. Noutros termos, a energia elétrica, para fins de tributação por via de ICMS, foi considerada, pela Constituição, uma mercadoria (...)." (grifo nosso)

Tratou-se, sem dúvida, de uma inovação constitucional, pois no conceito tradicional de mercadoria há a necessidade de esta ser um bem palpável, concreto, objeto de mercancia.

Neste sentido, a definição tradicional de mercadoria proposta por Deocleciano Torrieri Guimarães, em seu dicionário jurídico :

"Mercadoria ? Todo bem móvel objeto de ato de comércio, que seja apreciável, permutável, suscetível de ser cortado, pesado e medido."

Nesta definição, de fato, não caberia a interpretação de que a energia elétrica pudesse se tratar de mercadoria. A energia elétrica não se corta e não se pesa, embora possa ser medida.

Este conceito de mercadoria, no entanto, está a nosso ver superado, como sustentamos acima.



2. O Princípio da não-cumulatividade. A Lei Complementar 87/96 e a alteração trazida pela Lei Complementar 101/2000


A Constituição Federal, ao instituir o ICMS, consagrou como um de seus princípios básicos a não-cumulatividade, vale dizer, o imposto compensa-se em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação, com o montante incidente nas operações anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.

E a própria Constituição estabelece as restrições ao princípio, estipulando que a isenção ou não incidência do ICMS, salvo determinação em contrário da legislação: (a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; e (b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.

Afora isto, a Constituição não contém nenhuma outra restrição, ficando a cargo da Lei Complementar disciplinar a forma de aplicação do mencionado princípio.

Neste diapasão, a Lei Complementar n.º 87/96, em seu artigo 33, II, permitia a utilização dos créditos de ICMS referente à energia elétrica usada ou consumida no estabelecimento, de forma ampla.

"Art. 33 ? Na aplicação do art. 20 observar-se-á o seguinte:
(...) II ? a energia elétrica usada ou consumida no estabelecimento dará direito de crédito a partir da data da entrada desta Lei Complementar em vigor."

Desta forma, a partir de 13/9/96, data da vigência da LC 87/96, todos os estabelecimentos podiam utilizar-se dos créditos de ICMS decorrentes da energia elétrica.

Todavia, a Lei Complementar n.º 102/2000, ao arrepio da Constituição Federal, alterou o disposto no inciso II do artigo 33, que passou a viger com a seguinte alteração:

"Art. 33 - Na aplicação do art. 20 observar-se-á o seguinte:
(...)
II ? Somente dará direito ao crédito a entrada de energia elétrica no estabelecimento:
a) quando for objeto de operação de saída de energia elétrica;
b) quando consumida no processo de industrialização;
c) quando seu consumo resultar em operação de saída ou prestação para o exterior, na proporção destas sobre as saídas ou prestações totais; e (...)"

É tema de debate, e nos interessa neste trabalho, o que está disposto na letra "b" do art. 33, II da Lei Complementar 102/2000, vale dizer, a energia utilizada no processo de industrialização.

Apesar da flagrante inconstitucionalidade da Lei Complementar retro citada, como teremos oportunidade de estudar mais adiante, ela consolidou-se na legislação nacional, o que provocou a imediata reação do Fisco, que passou a interpretar que os créditos de energia elétrica somente poderiam ser compensados pela empresa nos termos da nova redação do artigo.

"Crédito de ICMS ? Energia Elétrica ? Irrigação ? Consumo
Exposição:
A Consulente informa exercer a atividade de produção agrícola, utilizando-se, como sistema de irrigação, de pivô central movido por energia elétrica, também utilizada na captação e distribuição da água. Tal energia é adquirida junto à CEMIG, que determinou a Consulente instalar medidores exclusivos para o sistema de irrigação.
Dúvida:
Poderá apropriar como crédito o valor correspondente ao ICMS relativo à energia elétrica adquirida e utilizada no seu sistema de irrigação, pivô central?
Solução:
A alínea b, inciso I, § 4º, art. 66, Parte Geral do RICMS/2002, permite o creditamento do ICMS relativo à aquisição de energia elétrica para uso especificamente em processo de industrialização, o que não é o caso da Consulente, tendo em vista que a produção agropecuária não é considerada processo industrial. Logo, não lhe é permitido o creditamento pretendido.
Legislação:
RICMS/2002, Parte Geral, art. 66, § 4º, inciso I, alínea b."

"Consulta(s) de Contribuinte(s): 010/2005
Data de Atualização: 18/01/2005"
"Crédito de ICMS ? Energia Elétrica ? Ativo Permanente
Exposição:
A Consulente exerce atividade preponderante de fabricação, importação e exportação de fios e fibras têxteis e apura o ICMS pelo sistema de débito/crédito.
Informa que, necessitou adquirir um sistema central de ar-condicionado, que atendesse tecnicamente ao processo industrial de texturização de fios de "poliéster" e "náilon", para manter o ambiente com a temperatura controlada.
Diz que as máquinas texturizadoras adquiridas e utilizadas no processo industrial exigem uma temperatura ambiente em torno de 25°C para funcionarem adequadamente, vez que tais máquinas operam com fornos a temperaturas entre 200°C e 450°C, e se o ambiente não fosse condicionado, a temperatura no interior da fábrica chegaria entre 40°C e 50°C, bem acima da temperatura ideal indicada pelo fabricante das máquinas.
Diz que as máquinas, sem dúvida, fazem parte do processo produtivo, juntamente com a energia elétrica consumida, integrando a base de cálculo do preço de venda dos produtos fabricados pela Consulente, conforme orientação emanada do art. 43, inciso IV c/c §§ 2º e 3º, e do art. 50, todos da Parte Geral do RICMS/2002.
Poderá a Consulente se creditar do ICMS destacado nas notas fiscais de aquisição das centrais de ar-condicionado e da energia elétrica necessária para o seu funcionamento?
Solução:
As centrais de ar-condicionado e a energia elétrica consumida em seu funcionamento não fazem parte do processo produtivo da empresa. Os equipamentos são considerados bens do ativo permanente e a energia elétrica, in casu, como material de uso e consumo.
A alínea "b", inciso I, § 4º do art. 66 da Parte Geral do RICMS/02, permite o creditamento do ICMS relativo à aquisição de energia elétrica para uso especificamente em processo de industrialização, o que não é o caso da Consulente.
A Consulente poderá aproveitar o crédito referente à aquisição das centrais, nos termos do inciso III do art. 66, Parte Geral do RICMS/02, por se tratar de bem destinado ao ativo permanente do estabelecimento, na razão de 1/48 por mês, desde a sua entrada, observado o disposto nos §§ 3º, 4º e 5º do artigo citado c/c os §§ 8º, 9º e 10 do art. 70, Parte Geral do RICMS/2002.
Caso a Consulente tenha adquirido as centrais de ar-condicionado em outra unidade da Federação, deverá promover o recolhimento do diferencial de alíquotas nos termos do inciso II do art. 2º, Parte Geral do RICMS/2002, que irá compor o imposto a ser creditado na forma citada no parágrafo anterior. Se tiver aproveitado o crédito relacionado à entrada das referida centrais, diferentemente do previsto no § 3º do art. 66, Parte Geral do RICMS/2002, bem como do relativo à energia elétrica utilizada pelas mesmas, deverá promover o estorno desses créditos.
Legislação:
RICMS/2002, Parte Geral, art. 2º, II, art. 43, inciso IV c/c §§ 2º e 3º, art. 50 e art. 66, inciso I, § 4º, alínea "b".
RICMS/2002, Parte Geral, art. 66, inciso III, §§ 3º, 4º e 5º c/c art. 70, §§ 8º, 9º e 10º.
Consulta(s) de Contribuinte(s): 071/2005
Data de Atualização: 04/05/2005"


3. Da "industrialização" ocorrida nos serviços de comunicação


Incontroverso é o fato de que a empresa de telecomunicação adquire energia elétrica com incidência do ICMS e é tributada pelo mesmo imposto, por força da prestação de serviço consagrada na Constituição Federal. Tanto é que até o advento da Lei Complementar 102/2000 não havia, por parte do Fisco, qualquer resistência ao creditamento do ICMS relativo à energia elétrica por estas empresas.

O posicionamento atual do Fisco, porém, é o de que não é possível às empresas de comunicação se creditar do ICMS anteriormente recolhido em relação à energia elétrica, já que não há, neste caso, industrialização e, por decorrência, ela não pode ser caracterizada como insumo.

O artigo 46, parágrafo único do Código Tributário Nacional conceitua o produto industrializado como aquele "que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo".

O artigo 4º do Regulamento do IPI (RIPI), na mesma linha, descreve a atividade industrial como aquela que altere a natureza ou a finalidade dos produtos, ou aperfeiçoe-os para consumo.

O insumo é, assim, o "elemento que entra no processo de produção de mercadorias ou serviços" , ou ainda "cada componente necessário à produção" .

A discussão gira, portanto, em saber se a energia elétrica no serviço de comunicação é ou não insumo e, caso positivo, se tal insumo aplicado à comunicação teria o condão de industrializar este serviço.

O Prof. Kiyoshi Harada, em artigo recente , defendeu que a energia elétrica deve ser entendida como insumo que é consumido no processo de prestação do serviço de comunicação, sendo elemento essencial à geração de comunicação.

Para o ilustre professor, o conceito de insumo não pode ser inflexível. Trata-se de uma nova realidade constitucional, deixando (o conceito) de ser entendido exclusivamente e tradicionalmente como produtos palpáveis ou bens corpóreos.

O Fisco estadual, ao que parece, também não discorda do fato de que a energia elétrica pode ser considerada como um insumo. Porém, restringido ao processo de industrialização. Neste sentido, a Decisão Normativa CAT 1, de 25/4/2001:

"3.1 - insumos
A expressão "insumo" consoante o insigne doutrinador Aliomar Baleeiro "é uma algaravia de origem espanhola, inexistente em português, empregada por alguns economistas para traduzir a expressão inglesa 'input', isto é, o conjunto dos fatores produtivos, como matérias-primas, energia, trabalho, amortização do capital, etc., empregados pelo empresário para produzir o 'output' ou o produto final. (...). "Insumos são os ingredientes da produção, mas há quem limite a palavra aos 'produtos intermediários' que, não sendo matérias-primas, são empregados ou se consomem no processo de produção" (Direito Tributário Brasileiro, Forense Rio de janeiro, 1980, 9ª edição, pág.214).
Nessa linha, como tais têm-se a matéria-prima, o material secundário ou intermediário, o material de embalagem, o combustível e a energia elétrica, consumidos no processo industrial ou empregados para integrar o produto objeto da atividade de industrialização, própria do contribuinte ou para terceiros, ou empregados na atividade de prestação de serviços, observadas as normas insertas no subitem 3.4 deste trabalho."

O STJ já teve oportunidade de se manifestar sobre a questão posta neste trabalho, asseverando que a prestação de serviços das empresas de telecomunicações não se confunde com industrialização:

"TRIBUTÁRIO. ICMS. MANDADO DE SEGURANÇA. REPRESENTANTE DO ESTADO. INTIMAÇÃO PESSOAL. AQUISIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. CREDITAMENTO. EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM INDUSTRIALIZAÇÃO. ART. 33, II, "b", DA LC 87/1996. INAPLICABILIDADE.
1. A partir da sentença, o representante do Estado deve ser intimado pessoalmente de todas as decisões proferidas em Mandado de Segurança.
2. Nas instâncias ordinárias, é imprescindível a intimação pessoal da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, embora essa providência seja dispensada no âmbito do STJ.
3. A Fazenda Pública foi intimada pessoalmente do acórdão em 6.2.2007 e interpôs o Recurso Especial em 8.3.2007. Tempestividade reconhecida.
4. O Princípio da Não-Cumulatividade por si só não permite o creditamento amplo e irrestrito de ICMS relativo à aquisição de energia elétrica.
5. O consumo de energia somente gera direito a creditamento nos exatos termos e limites previstos pelo art. 33, II, "b", da LC 87/1996.
6. Hipótese em que o Tribunal de origem equiparou a empresa de telecomunicação à indústria, com base na interpretação da legislação federal (Decreto do Conselho de Ministros 640/1962).
7. Em princípio, a discussão quanto à natureza da atividade empresarial (se é industrial ou não) atrairia a incidência da Súmula 7/STJ. No presente caso, de modo peculiar, a definição da natureza industrial foi fixada pela instância de origem tão-só com base na interpretação da legislação federal (em especial, do Decreto 640/1962).
8. O debate recursal, in casu, é estritamente de direito, pois basta interpretar a definição legal da atividade industrial para fins de tributação e verificar se nela se abarcam as empresas de telecomunicação.
9. Desnecessidade de perquirir sobre a natureza do Decreto 640/1962 se é legislação federal para fins de análise pelo STJ. Isso porque o conteúdo dessa norma é incontroverso, não demandando a interpretação do STJ.
10. Análise da violação de dispositivos da legislação federal posterior ao Decreto 640/1962, em especial o art. 33 da LC 87/1996, interpretado à luz do conceito de industrialização dado pelo CTN (art. 46, parágrafo único), além do Regulamento do IPI e da Lei Geral de Telecomunicações.
11. Em matéria tributária, a definição de atividade industrial é dada pelo Código Tributário Nacional, lei posterior ao citado Decreto 640/1962. "Considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo" (art. 46, parágrafo único, do CTN). O art. 4º do Regulamento do IPI detalha a atividade industrial, nos limites fixados pelo CTN.
12. Prestação de serviço não se confunde com atividade industrial.
13. As empresas de telecomunicações prestam serviços (art. 1º da Lei Geral de Telecomunicações). Essa acepção é adotada pela Constituição Federal ao definir a competência tributária relativa ao ICMS (art. 155, II).
14. Os serviços de telecomunicações, que se submetem exclusivamente ao ICMS (e não ao IPI), não representam atividade industrial para fins da tributação.
15. É inviável o creditamento de ICMS relativo à aquisição de energia elétrica pelas concessionárias de telecomunicações, nos termos do art. 33, II, "b", da LC 87/1996, pois são prestadoras de serviço, e não entidades industriais.
16. Recurso Especial provido."
(REsp n.º 984.880 ? TO. Rel. Min. Herman Benjamin. Dt. 18.12.2008) ? grifo nosso


Dentre os argumentos do STJ para rechaçar a utilização dos créditos, está a de que a simples leitura do artigo 5º, VIII, letra "b" do RIPI resolveria a questão. Com efeito, mencionado artigo esclarece que não se considera industrialização a instalação de estações e centrais telefônicas ou outros sistemas de telecomunicação e telefonia.

"Art. 5º Não se considera industrialização:
(...)
VIII - a operação efetuada fora do estabelecimento industrial, consistente na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte:
(...)
b) instalação de oleodutos, usinas hidrelétricas, torres de refrigeração, estações e centrais telefônicas ou outros sistemas de telecomunicação e telefonia, estações, usinas e redes de distribuição de energia elétrica e semelhantes; ou (...)"

Porém, a questão posta em análise trata da utilização da energia elétrica como insumo do processo de "industrialização" da comunicação e não da instalação de meios para difundi-la.

Não obstante o posicionamento do Tribunal Superior, externado pelo Ministro Herman Benjamin, parece-nos mais adequada a posição do Prof. Kiyoshi Harada, aposta no artigo já citado:

"Com efeito, sem a energia elétrica não será possível a produção de sons indispensáveis à comunicação. Logo, a energia elétrica integra o processo de industrialização que resulta na produção dos serviços de comunicação."

É que o conceito de industrialização, assim como o de mercadoria e insumo não pode ser obtido de forma restrita, mas deve ser entendido à luz da Constituição e do princípio nela insculpido, da não-cumulatividade do ICMS.

Desta forma, a palavra "industrialização" deve ser entendida como qualquer alteração do produto pelo insumo, dentre o qual está a energia elétrica, seja para a indústria, seja para a prestação de serviço.


4. Inconstitucionalidade da Lei Complementar 102/2000


Por outro lado, ainda que não se admita que o termo "industrialização" pode ser aplicado também às empresas prestadoras de serviço, ainda assim haverá, em nossa opinião, a possibilidade de que as empresas de telecomunicação se beneficiem dos créditos de energia elétrica, já que a Lei Complementar 102/2000 é inconstitucional.

Isto porque o princípio da não-cumulatividade, previsto na Constituição Federal, em seu artigo 155, § 2º, I é amplo e não comporta limitações por normas infraconstitucionais.

As únicas limitações que podem ser admitidas são aquelas previstas pela própria Constituição, que já tivemos oportunidade de observar em capítulo anterior.

Ora, se a Constituição dá o mais, não pode, por óbvio, a norma infraconstitucional querer dar de menos. Trata-se de flagrante infração à hierarquia das normas, na qual a Constituição é a mais importante delas.

A Lei Complementar deve disciplinar o regime de compensação do tributo, o que não significa que pode alterar ou reduzir este direito.

Neste sentido mais uma vez nos socorremos da lição do Prof. Roque Antônio Carraza :

"O direito ao crédito (em favor do contribuinte e oponível ao Estado ou ao Distrito Federal) brota, inteiro, da própria Constituição e, por isso mesmo, não pode ser alterado, em sua substância, nem pela lei, nem pela Fazenda Pública. Também independe, para ser desfrutado, da efetiva cobrança do ICMS nas operações ou prestações anteriores. Ainda que tal cobrança não se dê, o direito ao crédito é indiscutível".

Resta claro que o legislador violou o respectivo principio da não-cumulatividade, quando não permitiu que as empresas comerciais, incluindo as de telecomunicações, contribuintes do ICMS, se apropriassem do imposto constante nas aquisições de energia elétrica a qual é fundamental para o exercício da atividade.

O STF, no entanto, em julgamento da medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade n.º 2.325, de forma totalmente contrária a letra da norma constitucional, firmou o entendimento de que a Lei Complementar é constitucional.

Apesar do julgamento da ADIN ainda não ter ocorrido, vários acórdãos seguintes se basearam no julgamento da referida medida cautelar:

"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS - ICMS. AQUISIÇÃO DE MERCADORIAS DESTINADAS AO USO, AO CONSUMO E À INTEGRAÇÃO DO ATIVO FIXO: COMPENSAÇÃO. LEI COMPLEMENTAR N. 102/2000: INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. O julgamento de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade autoriza o exame imediato dos recursos sobre a controvérsia que nela se tenha cuidado." (RE 457078 AgR / PR - PARANÁ
AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA
Julgamento: 07/04/2009 Órgão Julgador: Primeira Turma)

"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI COMPLEMENTAR N. 87/96. SUPERVENIÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR N. 102/00. CRÉDITO DE ICMS. LIMITAÇÃO TEMPORAL À SUA EFETIVAÇÃO. VULNERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 1. O Plenário desta Corte, no julgamento da ADI-MC n. 2.325, DJ de 4.10.04, fixou entendimento no sentido de não ser possível a compensação de créditos de ICMS em razão de operações de consumo de energia elétrica ou utilização de serviços de comunicação ou, ainda, de aquisição de bens destinados ao uso e/ou à integração no ativo fixo do próprio estabelecimento. 2. As modificações nos artigos 20, § 5º, e 33, da Lei Complementar n. 87/96, não violam o princípio da não-cumulatividade. Agravo regimental a que se nega provimento." (RE 461878 AgR / MG - MINAS GERAIS
AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. EROS GRAU
Julgamento: 17/06/2008 Órgão Julgador: Segunda Turma)


5. Conclusão


Assim, considerando-se que a energia elétrica, no novo conceito proposto pela Constituição Federal é uma espécie de mercadoria, já que prevista no artigo que institui o ICMS e não se trata de serviço;

Considerando-se ainda que a energia elétrica é um bem essencial para o serviço de comunicação, modificando o processo de difusão e, por esta razão, configurando-se assim como um insumo que gera a "industrialização", e;

Considerando-se por fim, que, ainda que não haja industrialização, a Lei Complementar 102/2000 é flagrantemente inconstitucional por restringir a aplicação do princípio da não-cumulatividade;

Chegamos à conclusão, de uma forma ou de outra, que as empresas de telecomunicação podem e devem se creditar dos valores de ICMS recolhidos nas operações anteriores referentes aos créditos de energia elétrica, pois há industrialização e, ainda que não houvesse, a Lei Complementar 102/2000 é inconstitucional.


REFERÊNCIAS


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CAMPANHOLE, Hilton Lobo; CAMPANHOLE, Adriano. Constituições do Brasil. 13ª ed., São Paulo: Atlas, 1999

CARRAZA, Roque Antonio. ICMS. 14ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009

_________. Curso de Direito Constitucional Tributário. 25ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004

HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 19ª ed., São Paulo: Atlas, 2010

_________. Crédito do ICMS incidente sobre Energia Elétrica adquirida pelas Empresas de Telecomunicação. Artigo. In : http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-tributario/170304-credito-do-icms-incidente-sobre-energia-eletrica-adquirida-pelas-empresas-de-telecomunicacao.html, acessado em 04/10/2010.

JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de Direito Financeiro e Tributário. 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 20ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002

MELO, José Eduardo Soares de. IPI Teoria e Prática. São Paulo: Malheiros, 2009

PAULSEN, Leandro e; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos Federais Estaduais e Municipais. 5ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010