1.2 Dignidade da pessoa humana

            Trata-se de uma tarefa difícil conceituar a dignidade da pessoa humana, posto ser este conceito um ideal jurídico que vem sendo desenvolvido no decorrer dos séculos.

            Assim antes de adentrarmos ao significado que hoje é atribuído à dignidade da pessoa humana, destaca-se que incialmente a ideia do valor intrínseco da pessoa humana tem suas raízes no pensamento clássico e no ideário cristão. Sarlet pontua que:

(...) tanto no Antigo como no Novo Testamento podemos encontrar referências no sentido de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, premissa da qual o cristianismo extraiu a consequência – lamentavelmente renegada por muito tempo por parte das instituições cristãs e seus integrantes (basta lembrar as crueldades praticadas pela “Santa Inquisição”) – de que ser humano – e não apenas os cristão – é dotado de um valor próprio e que lhe é intrínseco, não podendo ser transformado em mero objeto ou instrumento. (SARLET, 2012, p.34)         

                Na antiguidade clássica a dignidade da pessoa humana estava diretamente relacionada com a posição social ocupada pelo indivíduo e o seu reconhecimento social, “daí poder falar-se em uma quantificação e modulação da dignidade, no sentido de se admitir a existência de pessoas mais dignas ou menos dignas”. (SARLETS, 2012, p.35).      

            A doutrina jurídica mais expressiva identifica no pensamento de Kant as bases de uma fundamentação, bem como de uma conceituação da dignidade da pessoa humana

            Dentro do pensamento Kantiano, construído a partir da natureza racional do ser humano, a dignidade da pessoa humana baseia-se no fato de que todo ser racional, existe como um fim em si mesmo, diferente do que ocorre com os seres irracionais que possuem valor apenas relativo como meio, não possuindo autonomia de vontade e assim se sujeitando à vontade da natureza.

            Não é fácil elaborar um conceito transacional da dignidade humana, tendo em vista a dificuldade de levar em conta de forma adequada a diversidade religiosas, históricas e políticas presentes nos diferentes países. Essa dificuldade consiste no fato de ser a dignidade elemento intrínseco a todos os seres humanos, se tornando impossível especificá-la. No entanto, quando a mesma é violada, se torna bem mais fácil de ser identificada (como ocorre no Regime Disciplina Diferenciado).

            Nesse sentido, Sarlet nos oferece a seguinte conceituação jurídica da dignidade da pessoa humana:

A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todos e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de proporcionar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida. (SARLET, 2012, p.73)

                                  

            A dignidade da pessoa humana é o principal direito fundamental constitucionalmente garantido, tendo em vista ser uma qualidade natural da pessoa. Nesse sentido (Kildare, p.386),                                             diz que “a dignidade da pessoa humana é o fundamento de todo o sistema dos direitos fundamentais, no sentido de que estes constituem exigências, concretizações e desdobramento da dignidade da pessoa e que com base nesta é que devem aqueles serem interpretados”.

            A dignidade, como qualidade inerente da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, tendo em vista o seu valor supremo e incontestável, e por isso deve ser protegida e respeitada por seus semelhantes e pelo Estado.

            A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 1°, inciso III, proclama o valor da dignidade da pessoa humana como norma fundamental, reconhecendo o nosso Constituinte de 1988 que “é o Estado que existe em função da pessoa humana e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não o meio da atividade estatal”. (SARLET, 2012, p.80).

            Dessa forma, a dignidade da pessoa humana, no âmbito do direito constitucional positivo, constitui fundamento do Estado democrático de Direito. Salienta-se que a dignidade da pessoa humana foi contemplada por vários dispositivos constitucionais, tendo em vista a sua expressa previsão em outros capítulos da nossa Magna Carta.

            A dignidade da pessoa humana possui um valor de destaque dentre os fundamentos do Estado Brasileiro. Nesse contexto temos a visão de Direley da Cunha Jr e Marcelo Novelino:

Núcleo axiológico do constitucionalismo contemporâneo, constitui o valor constitucional supremo que irá informar a criação, a interpretação e a aplicação de toda a ordem normativa constitucional, sobretudo o sistema de direitos fundamentais. Como consequência da consagração da dignidade humana no texto constitucional impõe-se o reconhecimento de que a pessoa não é simplesmente um reflexo da ordem jurídica, mas, ao contrário, deve constituir o seu objetivo supremo, sendo que na relação entre o indivíduo e o Estado deve haver sempre uma presunção a favor do ser humano e de sua personalidade. O indivíduo deve servir de “limite e fundamento do domínio político da República”, pois o Estado existe para o homem e não o homem para o Estado. (Direley da Cunha Jr e Marcelo Novelino . 2011. P.12)

                Depois de ser reconhecida no direito constitucional com norma jurídica positivada, atribui-se a dignidades da pessoa humana condição de princípio e valor fundamental, fazendo com que a dignidade da pessoa humana se torne a base do nosso ordenamento jurídico.

                Para Gomes (2006, p.99), a dignidade da pessoa humana, é o “princípio síntese do Estado Constitucional e Democrático de Direito, no qual todos os demais princípios acham-se ancorados. Sua força imperativa é incontestável e nenhuma ordem jurídica poderá contrariá-lo”. Conclui-se, portanto, que a dignidade da pessoa humana é um supraprincípio constitucional, devendo sempre ser levado em consideração.

Preceitua Kildare, que:

 a dignidade da pessoa humana é um valor que informa toda a ordem jurídica, se assegurados os direitos inerentes à pessoa humana Os direitos fundamentais constituem, por isso mesmo, explicitações da dignidade da pessoa, já que em cada direito fundamental há um conteúdo e uma projeção da dignidade da pessoa. (KILDARE, 2005, p.387)

                Nesse sentido, temos o posicionamento de Sarlet, que destaca a importância desse princípio:

                       

Num primeiro momento – convém frisá-lo -, a qualificação da dignidade da pessoa  humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o artigo 1°, inciso III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas (embira também e acima de tudo) uma declaração de conteúdo ético e moral, mas que constitui norma jurídico-positiva, dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material e, como tal, inequivocamente carregado de eficácia, alcançando, portanto – tal como sinalou Benda – a condição de valor jurídico fundamental da comunidade. Importa considerar, neste contexto, que, na sua qualidade de princípio e valor fundamental, a dignidade da pessoa humana constitui – de acordo com a preciosa lição de Judith Martins-Costa, autentico “valor fonte que anima e justifica a própria existência de um ordenamento juridico”, razão pela qual, para muitos, se justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológica-valorativa. (SARLET, 2012, p.85)

                A dignidade da pessoa humana foi elencada pelo Constituinte no rol de princípio fundamental, concluindo-se, dessa maneira, “que a dignidade da pessoa humana na sua condição de norma jurídica, não assume, para além da sua dimensão principiológica, a feição de regra jurídica” (SARLET, 2012, p.87).

            Segundo (ALEX, citado por SARLET, 2012, p.88), “a dignidade da pessoa humana constitui princípio de feições absolutas, razão pela qual sempre e em todos os casos haverá de prevalecer em relação aos demais princípios”.

            Nesse mesmo sentido (BONAVIDES, citado por SARLET, 2012, p.90) ao referir-se a dignidade da pessoa humana, afirmou que:

sua densidade jurídica no sistema constitucional há de ser portanto máxima e se houver reconhecidamente um princípio supremo no trono da hierarquia das normas, esse princípio não deve ser outro senão aquele que em todos os ângulos éticos da personalidade se acham consubstanciado. (SARLET, 2012, p.90)

                O legislador Constituinte, reconhece a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado democrático de Direito, prevalecendo a máxima de que “é o Estado que existe em função da pessoa humana e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não o meio da atividade estatal”. (SARLET, 2012, p.80).