Cátia Simone Rodeghiero -

DIFICULDADES NA APRENDIZAGEM A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA E AS EXPRESSÕES DE SOFRIMENTO PSIQUICO

       No decorrer deste trabalho a cerca do tema as leituras produzem inúmeras opiniões e abrangem diversas abordagens ,trazendo discussões e idéias enriquecendo a problemática  a respeito desse assunto. Essa discussão sobre tais relações que se estabeleçam entre processos de subjetivação e aprendizagem é fundamental para que se entenda, inicialmente a  proposta do tema. Através da ação sobre o meio físico e da interação com o ambiente social, na qual a linguagem exerce papel central, processa-se o desenvolvimento e a aprendizagem do ser humano. Pelo desenvolvimento, a criança logo ao nascer vai se constituindo como um sujeito dividido, não dono de suas vontades. É um processo complexo, em que a combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais produz nele transformações qualitativas. Muitos autores vêm discutindo a relação de desenvolvimento e aprendizagem, principalmente a partir das idéias de estudiosos europeus que realizaram suas pesquisas na primeira metade do século XX.

         Para Piaget (1989), a aprendizagem depende do nível de desenvolvimento já alcançado pelas crianças. Segundo ele, é o desenvolvimento que cria condições para a aprendizagem, ou seja, é anterior á aprendizagem. O ensino deve seguir o desenvolvimento, pois só é possível aprender quando há amadurecimento das funções cognitivas compatíveis com o nível de aprendizagem.

          Essa apropriação do saber ocorre pela interação social com adultos e companheiros. Nessa visão, desenvolvimento e aprendizagem quando significativa estimula e desencadeia o avanço do desenvolvimento para um nível mais complexo que, por sua vez, serve de base para novas aprendizagens.

           Segundo Wallon (1986), outro estudioso da criança, trouxe importantes contribuições para pensar sobre o desenvolvimento, ancorando-o numa tripla interação: fatores sociais, biológicos e psíquicos, destacando nestes as funções afetivas. Ao estudar as relações do ser humano com o ambiente, Wallon (1986) concebe a emoção como a primeira manifestação social que possibilita a comunicação da criança com seu meio. Para ele, as emoções estão na origem da linguagem, precedem toda a formação sensório-motora e mental, contribuem para o desenvolvimento intelectual. As formas do pensamento, assim, são fortemente influenciadas pelas experiências afetivas do indivíduo.

        A psicanálise, com Freud e Lacan,desencadeou uma discussão acerca do desejo do sujeito, onde devemos ver o sujeito como um ser desejante incluindo no circuito da linguagem. A partir dos escrito da psicanalista francesa Maud Mannoni, especificamente em sua obra A criança atrasada e a mãe, o debate acerca da escolarização da criança com problemas de desenvolvimento se acirrou,sendo então, Mannoni uma autora muito importante para  transformação do pensamento sobre a aprendizagem das crianças com problemas de desenvolvimento (MRECH,1999).

         Maud Mannoni foi uma das fundadoras da escola experimental de Bonneuil na França onde eram atendidas crianças psicóticas, e autistas ou com outros transtornos graves de desenvolvimento. Para essas crianças,a entrada no simbólico não ocorreu, a educação falhou. Entre estas , podem-se considerar as que apresentam distúrbios   globais de desenvolvimento ,” cuja educação falhou seja pela fantasmática parental, seja pelos limites do corpo , seja por injunções sociais e que são “associais” pelas dificuldades que exibem no estabelecimento do laço social”(KUPFER, 2001, p. 67) é importante que a criança psicótica vá para escola e um dos motivos é que ela possui qualidades intactas , que a autora chama de ilhas de inteligência. Estas são pontos que podem ser costurados e ampliadas a fim de se estender  a rede simbólica que ela possui tão fragmentada.

  “ A inscrição do Outro primordial pode ser considerada como inicio da educação, portanto, na criança em estruturação psicótica ou autista essa educação falhou ou não aconteceu”. Kupfer (2001).

         Vygotsky (1981) defende a idéia de que os outros têm fundamental papel no desenvolvimento de qualquer indivíduo, uma vez que só nos desenvolvemos por meio das interações estabelecidas com os outros, sendo que estas interações estão carregadas de significados socialmente construídos.

         Andrada e Zanella (2002, p. 128) afirmam que:

                                                          O processo de significação é                         destacado por Vygotski em sua teoria da gênese e

                                                            desenvolvimento do psiquismo humano, posto que, via atividade em contextos

                                                            sociais específicos, o que é apropriado pelo sujeito vem a ser não a realidade em

                                                             si, mas o que esta significa tanto para os sujeitos em relação quanto para cada

                                                             um em particular.

 

Pode-se inferir, portanto, que aquilo que professora percebe como problema de aprendizagem ou de comportamento é fruto das suas experiências prévias e apropriações geradas na suas interações nos sistemas em que vive e viveu ao longo de sua história. Dessa forma, sendo sempre uma significação construída, pode ser reestruturada ou reenquadrada.

           Assim como os significados construídos podem ser  transformados. Isso acontece não em uma perspectiva linear, cronológica, mas em uma perspectiva de ciclos. Sendo assim, o conceito de ciclos está associado ao conceito de desenvolvimento, movimento, crescimento, ordenação, etapas.

           Carter e McGoldrick (1995) classificam 6 fases evolutivas na vida da família: o jovem solteiro; o casamento; famílias com filhos pequenos; famílias com adolescentes; famílias no meio da vida e famílias no estágio tardio da vida. Em cada estágio existem processos emocionais implícitos que exigem mudanças no status da família para que esta prossiga se desenvolvendo.

             A formação de um conflito acontece normalmente nas passagens de estágios, pois o nível de estresse familiar, segundo Carte e McGoldrick (1995, p. 8) “é geralmente maior nos pontos de transição de um estágio para o outro no processo de desenvolvimento familiar.

             Percebe-se que atualmente a transformação do núcleo familiar, tradicional, passa por transformações sócio-culturais como: ausência de um dos pais; pais adotivos; vivência de um segundo núcleo familiar e aglomerados familiares dentre outros. Algumas dessas situações familiares podem ser responsáveis pela maior vulnerabilidade do adolescente à ocorrência de problemas, discussões entre pais, modelos inadequados, extrema permissividade, extrema rigidez, contraste de valores, inadequação educacional e sexual dentre outras, contribuindo para o surgimento de conflitos.No processo de maturação físico-emocional no adolescente, geralmente um grande valor é atribuído à assim chamada “separação” dos pais e a sua ligação ao determinado grupo. Sabe-se que a identificação grupal e a ligação com os pais são aspectos importantes para o adolescente na construção de seus valores, atitudes e comportamentos. Nesta trajetória para a vida adulta a família permanece como marco referencial de modelos e papéis.

           De acordo Winnicott (1973, p. 37), a criança que não consegue se adaptar ao mundo de forma satisfatória, ela vive, a partir das experiências vividas, uma experiência de não integração ou desintegração.

           Assim, é muito importante a participação dos pais, através do diálogo, procurando entender as dificuldades que seu filho enfrenta, pois os problemas podem ser sanados através da exposição deles, e buscar ajuda de uma maneira que pode contribuir para que ele possa resolvê-los.

           Winnicott (1973, p. 38) explica ainda que a interação com meio é uma contínua necessidade do ser humano, para isso, usa a capacidade de criar soluções, formas, de se adaptar ao meio. E viver de forma criativa, ajuda na compreensão das situações, adaptando-se às novas experiências.

           Tais leituras visarão investigar as expressões de sofrimento psíquico de crianças no seu processo de aprendizagem.

           Segundo Rebelo (1993), as dificuldades de aprendizagem podem ser entendidas como obstáculos, ou barreiras, encontrados por alunos durante o período de escolarização referente à captação ou assimilação dos conteúdos propostos. Eles podem ser duradouros ou passageiros e mais ou menos intensos e levam alunos ao abandono da escola, à reprovação, ao baixo rendimento, ao atraso no tempo de aprendizagem ou mesmo à necessidade de ajuda especializada.    O termo distúrbio de aprendizagem é o termo mais utilizado como sinônimo de dificuldade de aprendizagem; cabe salientar, no entanto, que dificuldade é um termo mais global e abrangente com causas relacionadas ao sujeito que aprende, aos conteúdos, ao professor, aos métodos, ao ambiente físico e social da escola. Os distúrbios se referem a um grupo de dificuldades, mais difícil de serem identificadas, mais específicas e pontuais, caracterizadas pela presença de disfunção neurológica, que é responsável pelo insucesso na escrita, na leitura ou no cálculo (Johnson e Mykelbust, 1987; Rebelo, 19.

           Os comportamentos problemáticos e os sinais clínicos que acompanham o sofrimento depressivo da criança, são : baixo desempenho escolar, retraimento social, pobre Expressão afetivo emocional, choro fácil,irritabilidade, baixa auto –estima acompanhada de pensamentos negativos sobre si, sentimento culposo, intolerância a perdas e frustrações , alto nível de exigência consigo (ZIMERMAM,  1999).

          Quando se trata da relação escolar com crianças, Port ( s/d, p.2) diz que este processo implica em “certa relação de espelhamento entre educador e educando: o educador, ao receber um educando,tem uma experiência inicial de espelhamento,pois reconhece no educando certos traços que o identificam como um ser humano”. Considerando que sempre vão existir diferenças entre um professor e seus alunos, mesmo um problema grave de estruturação psíquica não impede que o professor possa identificar algo de seu no aluno.

           Port (2001) afirma que, quando um professor recebe algum aluno com falhas na estruturação a psíquica, pode ocorrer uma perplexidade por parte do professor, podendo isso ocorrer tanto pelos efeitos imaginários que o diagnostico pode gerar, quanto pelo confronto  com a diferença radical da criança com necessidades especiais. O autor considera ser importante que ocorra um trabalho interdisciplinar, Isto é , uma intersecção entre os saberes da psicanálise e da educação a fim de melhor realizar a chegada da pessoa com necessidades especiais na escola.        

          Estudos mostram que apesar da confusão na utilização de terminologias e na própria concepção das dificuldades de aprendizagem, que muitas vezes atrapalham seu esclarecimento e os avanços de conhecimentos na área, merece destaque o fato de que apenas 43% das crianças que ingressam no sistema educacional terminam o ensino fundamental e, dentre estes, apenas 13% não enfrentam repetências, ou seja, conseguem chegar à oitava série na idade esperada (Pilati,1994).

           Segundo Fonseca (1995; DSM- 1994), trata-se de uma temática complexa, controvertida e de abordagem pluri e interdisciplinar que congregam profissionais que nem sempre concordam em relação às suas definições, concepções e causas, empregando termos diferentes como seus sinônimos; é o caso de déficit, deficiência, fracasso, insucesso, alteração, problema, transtorno e mais comumente o termo distúrbio Essa diversidade de  terminologia é decorrente também dos diversos enfoques que subsidiaram os estudos das dificuldades de aprendizagem ao longo do tempo.

           A primeira fase desses estudos é, compreendida no período de1800 a1930, etapa em que as lesões cerebrais foram mais destacadas, buscando-se suas origens e sua relação com as perdas ou distúrbios da linguagem e da fala.

            A segunda e terceira fase ocorreu no período de1930 a1960 e foram marcadas pela busca de instrumentos de diagnóstico e intervenção e desenvolvimento de programas escolares capazes de auxiliar crianças com problemas para aprender.

            A partir de 1960 experimenta-se a fase contemporânea que se caracteriza pela ampliação dos estudos sobre diagnóstico e intervenção para além da idade escolar, pela busca de definições mais precisas e pelo desenvolvimento de novas tecnologias de aprendizagem.

           A ida da criança pequena para a escola propicia benefícios, pois as situações escolares podem ser ricas em experiências sociais e de aprendizagem. A possibilidade de vivenciar situações diversificadas e sistemáticas de comunicação tende a acelerar a aquisição da linguagem. Por meio da linguagem, a criança se torna capaz de compreender o contexto cultural e nele se inserir. As relações e normas culturais circulam na linguagem, que ocupa, portanto, um papel central na socialização do indivíduo (Hage et al., 2004; Johnson et al., 2009; Olds et al., 2004; Rhoades et al., 2009).  

           As evidências atuais demonstram que as condições de vida, como a pobreza entre outros fatores interferem nas relações familiares e afetam as crianças diretamente, crianças que vivem em ambientes desfavoráveis, hostis, desamorosos, precocemente criam condutas adaptadoras disfuncionais para a manutenção do equilíbrio emocional próprio e da família.

Viver com os outros é o que constitui e tece,de modo estrutural, a teia e o tecido de um sujeito.Se algo   na       historia de uma criança   a esta  impedindo de enodar  com o outro,   de  fazer  laço social, então buscar o reordenamento simbólico  desse sujeito, tratar  dele é,  entre outras coisas, levá-lo , mais uma vez,  à trama social.  Ao meio da rua, às escolas (KUPFER, 2006, p,77).  

         Acredito que estudar a possível relação de sofrimento traumático para a criança será de fundamental importância para podermos então  entender o funcionamento e o desenvolvimento de suas capacidades. E assim, possivelmente contribuir na formação deste sujeito, amenizando seu enfrentamento, ao se deparar com a realidade da vida adulta. 

      Ensinar é uma arte e como toda arte merece nossa admiração.

 

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

         Neste momento em que finalizo este estagio tenho a sensação do dever cumprido, que realizei com êxito mais esta etapa significativa da minha formação acadêmica. E que nada se dá por acaso, tudo traz seu sentido e este local a APAE me proporcionou a oportunidade de vivenciar o que hoje estou relatando aqui. Sei o quanto  foi difícil escolher um local , mas quando recebi a resposta que havia sido selecionada fiquei muito feliz e me dediquei ao máximo  ao estágio.

           Acredito, que fiz um bom trabalho junto à equipe clinica e também com toda a instituição que envolve além dos professores todos os outros profissionais aos quais tenho muita admiração . Em relação ao acompanhamento dos pacientes, ao  tratamento clínico que prestei, pude perceber evoluções em cada caso  de maneiras diferentes amenizando suas dificuldades e sofrimentos. Isso foi gratificante e fiquei muito feliz por poder contribuir com esse meu pedaço de fazer “psi”. Quanto às dificuldades encontradas sempre as levando para a supervisão, onde foram discutidas. Pelas eventuais falhas ocorridas  penso que essas   são inerentes às pessoas e podem ser repensadas  e novamente atribuem conhecimentos   elevando o crescimento pessoal.

 

 

REFERENCIAIS BIBLIOGRAFICOS:

 ANDRADE, DRICK, M. As mudanças do ciclo de vida familiar. POA: Artes Médicas, Belo Horizonte, 1995. CURONICI,

 CARTER, B., MCGOL ANDRADA, E. G. C.; ZANELLA, A. V. Processos de significação no brincar: problematizando a constituição do sujeito. Psicologia em Estudo, 7 (2), 127-133). Bronfrenbrenner, U. (1994). Ecological models of human development. International Encyclopedia of Education (p.37-43, v. 3, n. 2). England: Elsevier Sciences, 2002.

 

 FONSECA, V. (1995). Manual de Observação Psicomotora: Significação Psiconeurológica dos Fatores Psicomotores. Porto Alegre: Artes Médicas.Disponível  em: http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v21n2/a06v21n2.pdf 

Henri Wallon. São Paulo: Ática, 1986. _____. A evolução psicológica da criança. Disponível em:http://albertoabreu.wordpress.com/2006/07/18/psicologia-da-infancia-de-wallon/trackback/ acesso em 27/09/2011.

 KUPFER, Maria Cristina. Duas notas sobre a inclusão escolar. In:Escritos da Criança, n. 6, 2.ed. Porto Alegre:Publicação do centro Lydia Coriat de Porto Alegre, 2006.

______. Educação para o futuro : psicanálise e educação,n 6, 2.ed. SãoPaulo:, Escuta, 2001.

MRECH,L.M. Educação Inclusiva: Realidade ou Utopia .texto apresentado na Mesa Redonda de mesmo titulo no Evento organizado pelo LIDE – Laboratório Interunidades de Estudos sobre as Deficiências, Universidade de São Paulo, 1999.  disponível em> http://wwweducacaoonline.pro.br>acesso em 20 set. 2012.

 PIAGET, J.  Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense  Universitária, 1989.

 PILATI, O. (1994). Sistema nacional de avaliação d a   e d u c a ç ã o   b á s i c a   ( S A E B ) :   E n s a i o .Avaliação das Políticas Públicas Educacionais, 2, 11-30.Disponível em:http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v21n2/a06v21n2.pdf   Acesso  em 23/09/

Port, Ilvo Fernando. Escolarização e subjetivação de crianças em estruturação psicótica: um trabalho transdisciplinar. In: Colóquio do LEPS- psicanálise,Infância e Educação. IP/FE-USP, São Paulo, 2001.Disponível em:>http://WWW.proceedings.scielo.br/scielo.phpscript=sci_arttext&pidMSC00000000032001000300018< acesso em 18 out. 2012.

REBELO, J.A.S ; Dificuldades da leitura e da escrita em alunos do ensino basico , Rio Tinto . Ed. Asa.(1993).

  VYGOTSKY, Lev S.; LURIA, Alexandr R.; LEONTIEV, Alexis N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem (coletânea de textos). São Paulo: Ícone, 1981.Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302000000200012&script

 

WINNICOTT, D.W. A criança e seu mundo. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editora, 1973. Disponível em:

 ZIMERMAN, D.E. (1999) Fundamentos Psicanalíticos – Teoria, Técnica eClínica. Porto Alegre .Disponível em: http://www3.mackenzie.br/editora/index.php/ptp/article/, Artmed. Acesso em 22/09/2010 as 14:10.