DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM UM ENFOQUE PSICOPEDAGÓGICO

 

Greice Herédia dos Santos Moura

Muitos Instituições Escolares têm encaminhado à clínica Psicopedagógica alunos com a queixa de que estes apresentam Dificuldades de Aprendizagem. Porém, segundo Oliveira (1997), muitos desses encaminhamentos não precisariam ser feitos se os profissionais estivessem atentos a uma educação mais integral do aluno e aptos para realizar uma educação preparatória e mesmo uma reeducação em seu ambiente escolar. Fonseca (1995, p. 70) afirma que não apenas a população, mas muitos educadores e o próprio governo possuem um conceito muito subjetivo do que é um indivíduo com dificuldades de aprendizagem, sem contudo submeter-se a um estudo aprofundado para validar ou ampliar seus conhecimentos sobre esse fenômeno. Diante dessa falta de conhecimento sobre o tema “existem muitos casos em que as crianças são prejudicadas porque este encaminhamento se faz tardiamente, quando já foram reprovadas por dois ou três anos seguidos e depois de terem automatizado os erros, principalmente de leitura e escrita” (OLIVEIRA, 1997, p. 14).

Elementos como cultura, estímulos, história de vida, relações sociais, desenvolvimento emocional e da personalidade, ou seja, fatores internos psicobiológicos e fatores externos socioculturais também influenciam na aprendizagem do indivíduo. Na concepção histórico-cultural, cujo teórico principal é Vygotsky, é que vamos encontrar essa visão mais ampla de desenvolvimento e aprendizagem, por isso a escolha dessa abordagem para fundamentação inicial de nossa análise.

Quando trata de aprendizagem, essa abordagem deixa claro que a questão da maturidade ou desenvolvimento não são as mais importantes para a aprendizagem, mesmo assim não nega a sua influencia como podemos ver na fala de Vygotsky; Luria e Leontiev (2001, p. 111):

É uma comprovação empírica, frequentemente verificada e indiscutível, que a aprendizagem deve ser coerente com o nível de desenvolvimento da criança. Não é necessário, absolutamente, proceder a provas para demonstrar que só em determinada idade pode-se começar a ensinar a gramática, que só em determinada idade o aluno é capaz de entender álgebra. Portanto, podemos tomar tranquilamente como ponto de partida o fato fundamental e incontestável de que existe uma relação entre determinado nível de desenvolvimento e a capacidade potencial de aprendizagem.

Para esta abordagem a “origem das formas superiores do comportamento consciente estavam nas relações sociais do indivíduo com o meio externo” (LURIA, 1992, p. 48) onde o sujeito não é apenas influenciado pelo meio, mas também age ativamente sobre ele. Aqui, através da imitação e interação com um indivíduo mais desenvolvido, da troca de informações, explicações e exemplificações, a criança irá atingir um nível superior ao seu desenvolvimento efetivo.

Com o auxilio da imitação na atividade coletiva guiada pelos adultos, a criança pode fazer muito mais do que com a sua capacidade de compreensão de modo independente. A diferença entre o nível das tarefas realizáveis com o auxilio dos adultos e o nível das tarefas que podem desenvolver-se com uma atividade independente define a área de desenvolvimento potencial da criança. [...] O que a criança pode fazer hoje com o auxilio dos adultos poderá fazê-lo amanhã por si só.” (VYGOTSKY, 2001, p. 112 e 113)

Percebemos nesta fala de Vygotsky que é através da interação que atingimos a zona de desenvolvimento potencial, fazendo com que a criança experimente novas perspectivas na resolução de problemas, amplie suas experiências sobre o objeto de estudo, influencie sobre o ambiente e indivíduos que a cercam, ampliando também suas experiências. Toda troca de experiências é válida, não apenas com adultos, mas com os pares. Vejamos as conclusões a que este teórico chegou ao estudar os processos das funções superiores nas crianças:

Ao estudar os processos das funções superiores nas crianças, chegamos a uma conclusão que nos surpreendeu. Toda forma superior de comportamento aparece em cena duas vezes durante o desenvolvimento: primeiro, como a forma coletiva do mesmo, como forma interpsicológica, como um procedimento externo do comportamento... depois, como forma individual, como forma intrapsicológica e interna. (VYGOTSKY, In GARCÍA, 1998, p. 120)

O comportamento, nessa concepção possui de fato uma base genética, mas esta estava restrita aos processos inferiores como instintos e condicionamentos. Quanto aos processos superiores, segundo Veer & Valsiner (2001), estes se desenvolvem na história humana, no domínio de vários meios ou instrumentos culturais, sendo a fala um dos mais importantes, e tem que ser dominados de novo por cada criança humana em um processo de interação social.

Fonseca (2009) ao desenvolver a Avaliação Psicopedagógica Dinâmica também parte deste pressuposto. Em sua prática psicopedagógica utiliza estratégias de mediação, tendo como finalidade prioritária, não a medição, mas a produção de mudanças no potencial de aprendizagem e adaptação do sujeito aprendente.

Maslow (1984) fala que além das influencias orgânicas, a aprendizagem pode sofrer alterações por inúmeros fatores sociais e econômicos. Para ele (p. 23) não são apenas as crianças de classe social de baixa renda que sofrem com sentimentos de inferioridade, desamparo e dificuldades em sala de aula. As crianças de classes sociais com mais vantagens podem sofrer devido a demasiada pressão que seus pais lhe submetem para que realizem e se sobressaiam academicamente. Enfim qualquer criança pode enfrentar uma tragédia familiar, pode sofrer com o bullyng e outros fatores que lhe afetarão e agirão sobre seu modo de enfrentamento, sua personalidade, sua autoestima e autoeficácia.

Sendo assim, não podemos olhar para a criança inserida em um ambiente escolar como desprovida de uma história de vida, de uma cultura, de uma crença religiosa, de preferências, de uma genética, de experiências anteriores, positivas e/ou negativas de aprendizagem. Ela é um ser complexo e tudo isso que pode influenciar em seu desenvolvimento e aprendizagem.

Outra questão importante que precisamos destacar, antes de partirmos para uma conceituação de dificuldade de aprendizagem, é o fato de estar ocorrendo nas escolas a estigmatização de crianças que possuem alguma dificuldade. Isso ocorre, segundo Sisto (2007) pela dificuldade em se classificar as crianças com dificuldades de aprendizagem. Para ele a classificação deve levar em conta que os sintomas de dificuldades encontradas não são apenas intrínsecos as crianças, além de que muitas apresentam mais de uma deficiência, ou com frequência se trata “de um problema de entorno social e cultural”.

De fato, os sistemas de classificação atendem a uma variedade de objetivos e historicamente têm prevalecido dois sistemas: o etiológico, que baseia sua classificação na causa original e o funcional, que se preocupa com o funcionamento.

O sistema de classificação etiológica é de considerável utilidade para especificar o conjunto das dificuldades que uma etiologia pode originar e para predizer o resultado de uma dificuldade. (SISTO, 2007, p. 33 e 34)

No entanto, sabemos que nem todos os casos de dificuldade de aprendizagem tem sua causa passíveis de identificação, podemos falar muitas vezes de hipóteses. Além da questão de identificação da causa, existe o fato de que muitas dificuldades de aprendizagem possuem origens semelhantes ou iguais e apresentarem manifestações diferentes diante de sua dificuldade específica. Daí a questão de cada indivíduo ser único e suas reações comportamentais próprias de suas experiências de vida.

Quanto ao funcionamento, vemos a mesma questão da particularidade de cada indivíduo diante das situações de aprendizagem ou dificuldade. A dificuldade pode ser específica em determinada área do conhecimento, ou o nível de atuação diante deste pode ser mais lento. Resultando em discrepâncias entre o desempenho acadêmico e a capacidade temporária ou não do aprender.

Para Sisto (2007, p. 35), devemos também considerar que algumas crianças que mostram uma dificuldade específica de aprendizagem podem com esta, criar outras, por exemplo: uma criança com dificuldades de leitura e interpretação pode desenvolver uma dificuldade com a Matemática ou História em exercícios cuja leitura e compreensão sejam necessárias.

Quando falamos de Dificuldades de Aprendizagem percebemos uma gama de concordâncias e discrepâncias na tentativa de conceituar tal problemática. Entretanto, concordando que o indivíduo é um ser complexo, como citado anteriormente, que muitos são os fatores que influenciam o comportamento e aprendizagem humana, podemos afirmar que construção destas dificuldades de aprendizagem vem da interação dinâmica e sistêmica de fatores endógenos e exógenos, que as crianças com dificuldades de aprendizagem frequentemente tem problemas em mais de uma área, que as dificuldades não desaparecem quando a criança volta para casa após a aula, e que as dificuldades podem produzir consequências emocionais.

Pain (1992) considera que as dificuldades de aprendizagens estão em todas as perturbações que impeçam o curso normal do processo de aprendizagem. Independente da capacidade cognitiva do aluno serão considerados problemas de aprendizagem qualquer fator que o impeça de aprender, impossibilitando o aproveitamento de suas potencialidades.

Para Sisto (2007, p. 33) o termo Dificuldade de Aprendizagem pode ser entendido como um grupo heterogêneo de transtornos que podem manifestar-se por atrasos ou dificuldades na leitura, escrita, soletração e cálculo, em indivíduos com inteligência potencialmente normal ou superior e sem deficiências visuais, auditivas, motoras ou desvantagens culturais. Estes atrasos ou dificuldades geralmente não ocorreram em todas as áreas de uma só vez e podem estar relacionado a problemas de comunicação, atenção, memória, raciocínio, coordenação, adaptação social e problemas emocionais.

Fernández (1991) parece apresentar uma definição mais adequada. Para ela a dificuldade de aprendizagem constitui um sintoma ou uma inibição, toma forma em um individuo, afetando a dinâmica de articulação entre os níveis de inteligência, o desejo e o corpo redundando em um aprisionamento da inteligência e da corporeidade por parte da estrutura simbólica inconsciente. Essa dificuldade é, também, reativa, afeta o aprender do sujeito em suas manifestações sem afetar a inteligência. Geralmente surge a partir de um choque entre o aprendente e a instituição educativa que funciona expulsivamente. Esta autora diz que para se chegar ao significado de sintoma, vai ser imprescindível recorrer a história pessoal do sujeito.

Percebemos pela fala de Fernández o fator “escola”, como um dos aspectos que interferem na aprendizagem das crianças. Este, juntamente com o fator “família” terá destaque frente a outros fatores que serão citados no presente artigo, por enquadrar-se diretamente nas relações sociais mantidas pela criança envolvida em processo de aprendizagem.

Oliveira (1997, p. 119) argumenta sobre o fator “escola”, uma realidade notável em nosso país, muitos professores estão entrando nas salas de aula sem planejar-se, sem refletir sobre sua didática, com “procedimentos de ensino, materiais de instrução totalmente inadequados e desestimulantes e, principalmente, carentes da flexibilidade necessária para adaptar os objetivos do ensino às diferenças individuais dos alunos”.

Braidotti (2009, p. 149) descreve o fator “escola” sob outra perspectiva, a da inter-relação professor-aluno-conhecimento, que afetará diretamente no sentido que este construirá sobre o aprender. Vejamos sua fala:

Assumo, no entanto, a partir de uma perspectiva histórico-cultural, que a qualidade dos vínculos, definida na interação com o outro, influencia a produção de sentidos e dela dependem as possibilidades de aprendizagem constituídas e constitutivas do modo como o sujeito usa sua rede interna nas relações, a partir das condições concretas de produção de vida. A crise nas relações intersubjetivas, no espaço escolar, se situa precisamente nas condições concretas de produção de sentidos. Isto, no meu entender, ressalta a importância da inter-relação que envolve o conhecimento e os sujeitos do processo de ensino e aprendizagem.

Quando falamos de vínculos não podemos deixar de pensar no fator “família”, justamente por ser este o vínculo e influencia mais forte que a criança carrega. Tal conceito pode ser verificado nos pressupostos psicanalíticos a partir das ideias de Winnicott (1997), que considera a família como componente indispensável a boa estruturação psicológica da criança. Muitas dificuldades de aprendizagem ou de adaptação a escola tem origem no universo familiar e nas expectativas dos pais sobre os filhos com relação ao destacar-se academicamente.

Wallon (apud BRAIDOTTI, 2009, p. 152) agrega a afetividade e a inteligência na formação psíquica da criança como um par inseparável, tendo cada um o seu papel bem definido e, em sua integração, “permitem a criança atingir níveis de evolução cada vez mais elevados”.

Quanto aos já citados e aos outros fatores que podem levar uma criança a apresentar dificuldades de aprendizagem, podemos citar, segundo Oliveira (1997, p. 117 e 118) como mais frequentes, as seguintes causas:

a)    fatores intra-escolares como inadequação de currículos, programas, sistemas de avaliação, relacionamento professor-aluno, métodos de ensino inadequados;

b)    deficiência mental;

c)    problemas físicos e/ou sensoriais (défcits auditivos e visuais);

d)    linguagem deficiente;

e)    problemas emocionais;

f)     aspectos carenciais da população (saúde, nutrição);

g)    diferenças culturais e/ou sociais.

É preciso ressaltar que estes e qualquer outro fator causal não são determinantes de uma dificuldade de aprendizagem, ou seja, não é porque uma criança se enquadra em algum destes fatores que ela certamente irá apresentar dificuldades de aprendizagem. A construção da dificuldade de aprendizagem é multifatorial e agregado a fatores intrínsecos psicobiológicos e fatores extrínsecos socioculturais.

Segundo Sisto (2001, p. 190), dentre as aprendizagens básicas, “a linguagem oral, a leitura, a escrita e a matemática são consideradas instrumentais para a vida social e acadêmica e são o cerne da maior parte das pesquisas em dificuldades de aprendizagem”.

No que diz respeito às Dificuldades de Aprendizagem em leitura e escrita, os problemas podem estar na presença de um déficit no desenvolvimento do reconhecimento e compreensão dos textos escritos, na soletração, formação de palavras, sintaxe, estruturação de frases, pontuação, organização de parágrafos, entre outros. Em matemática as dificuldades podem ser desde o reconhecimento de símbolos numéricos, até a alta de compreensão dos conceitos matemáticos e resolução de cálculos. (GARCIA, 1998)

Vejamos alguns dos distúrbios mais comumente encontrados segundo descrição de Porto (2011):

Disgrafia – é a dificuldade de imprimir ideias através dos símbolos gráficos. A escrita das letras e a distribuição das palavras no papel é irregular. Segundo Coll (1996) a criança até consegue copiar um texto, porém quando este é ditado é que aparecem as dificuldades.

Disortografia – é a incapacidade do indivíduo em usar adequadamente os símbolos gráficos na construção da escrita. Isso se traduz em trocas e omissões de letras, sílabas dentro das palavras, aglutinações, omissões ou separações indevidas de sílabas e palavras.

Dislexia – segundo Oliveira (1997, p. 125) “a criança disléxica tem dificuldade de compreender o que está escrito e de escrever o que este pensando, consequentemente pode perturbar a mensagem que recebe ou que expressa”. Para Porto (2011) e Oliveira (1997) esses indivíduos possuem a capacidade intelectual necessária para lidar com todas as outras disciplinas escolares e só se defronta com dificuldades quando precisa ler e escrever. Essa disfunção de apresenta sintomas como escrita especular e a troca sistemática de letras.

Discalculia – esse termo é para indicar dificuldades em Matemática. Segundo Porto (2011) o aluno pode muitas vezes automatizar a realização de algumas operações matemática e ter decorada a tabuada, porém não terá capacidade de aplicar esse conhecimento na resolução de problemas. Outros sintomas da discalculia são a troca ou omissão de algarismos na construção dos algoritmos, falta de atribuição de significado as sentenças matemáticas.

 

REFERÊNCIAS

 

BRAIDOTTI, Valéria. O aluno com baixo rendimento escolar na inter-relação professor-aluno-conhecimento: A crise nas relações intersubjetivas. In: MIOTELLO, V. A arte de consertar locomotivas velhas e o mundo: discursos e palavras sobre crise. São Carlos: Pedro & João Editores, 2009, p. 147-160.

COOL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. (orgs.) Desenvolvimento psicológico e educação: Necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artmed, 1996.

FERNÁNDEZ, Alicia. A Inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artmed, 1991.

FONSECA, Vitor da. Cognição, neuropsicologia e aprendizagem. E. Ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2009.

GARCIA, Jesus Nicasio. Manual de dificuldades de aprendizagem: linguagem, leitura, escrita e matemática. Porto Alegre: Artmed, 1998.

LURIA, Alexander Romanovich. A construção da mente.  São Paulo: Ícone, 1992.

MASLOW, Frostig. Problemas de aprendizaje en el aula. Buenos Aires: Editorial Médica Panamericana, 1984.

OLIVEIRA, Gislene de Campos. Psicomotricidade: educação e reeducação num enfoque psicopedagógico. Petrópolis: Vozes, 1997.

PAIN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. 4. Ed. Porto Alegre: Artmed, 1992.

PORTO, O. Bases da Psicopedagogia: Diagnóstico e Intervenção nos problemas de aprendizagem. Rio de Janeiro: Wak, 2011.

SISTO, F. F. Dificuldades de Aprendizagem em escrita: um instrumento de avaliação (ADAPE). In: SISTO, F. F. Dificuldades de Aprendizagem no Contexto psicopedagógico. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 190-213.

SISTO, F. F. Dificuldades de Aprendizagem. In: SISTO, F.; BORUCHOVICH, E.; FINI, L.D. Dificuldades de Aprendizagem no Contexto psicopedagógico. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 19-39.

VEER, René Van; VALSINER, Jaan. Vygotsky, uma síntese. São Paulo: Edições Loyola, 2001.

VYGOTSKY, l. S.;LURIA, A.R.; LEONTIEV, A.N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 7. Ed. São Paulo: Ícone, 2001.

WINNICOTT, D. W. A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes, 1997.