A HISTÓRIA DE UM PEDRO

Era uma vez um menino de 15 anos, que está no 9º ano do ensino fundamental, estuda em uma escola para poucos, possui uma ótima condição financeira.

Este é Pedro.

Porém é diagnosticado como dislexo e com um enorme déficit de atenção.

Conforme FONSECA (pág. 42) a criança com DA (dificuldade de aprendizagem) não é uma criança deficiente, a criança com DA possui, no plano educacional, um conjunto de condutas significativamente desviantes em relação à população em geral. Trata- se uma criança normal em alguns aspectos, mas desviante atípica em outros, que por si só, exigem processos de aprendizagem que normalmente não se encontram disponíveis, por agora, no envolvimento da classe regular, dita normal.

Os 09 comportamentos e/ou características mais frequentes em crianças com D.A. segundo McCarthy apud, Fonseca (pág 92) são:

  • Hiperatividade
  • Problemas psicomotores
  • Labilidade emocional
  • Problemas gerais de orientação
  • Desordens de atenção
  • Impulsividade
  • Desordens na memória e no raciocínio
  • Dificuldades especificas de aprendizagem: dislexia, disgrafia, disortografia e discalculia

A dislexia é uma disfunção que interfere no processamento visual, auditivo e motor da criança, dificultando o seu processo de aprendizagem de leitura, independentemente da sua inteligência, do seu nível sociocultural e da adequação pedagógica. Seus sintomas podem coexistir ou mesmo confundir-se com características de vários outros fatores de dificuldade de aprendizagem, tais como o déficit de atenção/hiperatividade, dispraxia, discalculia, e/ou disgrafia.

Apesar de tímido com adolescentes de sua idade, Pedro é uma pessoa adorável, sentimental, que se apega facilmente a todos os adultos que lhe dão atenção, dentro da sala de aula vê no professor um defensor, faz muitas perguntas, nunca em voz alta. Pedro faz acompanhamento médico, com fonoaudiólogo e terapeuta, apesar de suas dificuldades é muito esforçado, estuda bastante em casa, e consegue tirar boas notas em quase todas as matérias, porém em matemática, seu caso é mais grave, faz aulas particulares 3 vezes por semana desde sempre, como ele mesmo afirma, mas nem assim consegue acompanhar a turma, percebe-se que ele tem uma boa base matemática, é bom em contas, sabe perfeitamente a tabuada, tem algumas fórmulas na cabeça.

Seu problema está em conseguir se concentrar e entender o que a questão está pedindo, qualquer conversa ao seu redor o chama atenção, e isto lhe faz cometer erros algumas vezes fatais na resolução dos exercícios, talvez por insegurança e vergonha, durante a explicação tem vergonha de dizer que não entendeu. Ele sofre por isso, e tenta recompensar de outras formas, seu fichário de matemática é extremamente organizado, as folhas não tem nenhuma orelha, ele escreve bem devagar para que sua letra fique o melhor possível. Segundo FONSECA (1995 pág. 264) :

“As crianças com DA são normalmente descritas pelos pais e pelos professores como vivas e fabulosas, nervosas e desatentas, irrequietas e traquinas, possessivas e coléricas, desarrumadas e desorganizadas, conflituosas e descontroladas, explorativas e manipulativas, irresponsáveis e negativistas, instáveis e impulsivas, etc.”

Mas quem conhece Pedro verdadeiramente concorda que apesar de apresentar algumas destas características, ele também possui outras características marcantes, sendo uma das principais, seu carinho e afeto por aqueles que lhe dão atenção, então não podemos julgar um aluno após vermos seu diagnóstico médico, cada pessoa possui características próprias, e nós como professores devemos estar atentos para identificar em nossos alunos também as características boas.

Durante as provas percebe-se em sua feição a preocupação e até mesmo desespero, freqüentemente chama o professor para perguntar se está certa a questão, que apenas responde não poder dizer. Consegue ótimas notas em trabalhos, mas nas provas seu desempenho é ruim. Sua desculpa para a nota tirada é sempre a mesma: - Eu sabia a matéria, mas não consegui entender o que era para fazer.

A professora de matemática de Pedro, é sem dúvida fantástica, consegue prender a atenção da turma durante a explicação, é muito paciente ao tirar dúvidas, possui um ótimo domínio da classe sem ser autoritária demais, sua aula é descontraída e os alunos demonstram gostar. Ela preocupa-se muito com as dificuldades de Pedro, faz o que pode para lhe dar o máximo de atenção possível, porém ela é apenas uma, e apesar de sua preocupação, não pode deixar o resto da sala para dar atender apenas a Pedro.

Isto sem dúvida acontece em muitas escolas, professores que percebem as dificuldades de seus alunos, mas modificar isso dentro da sala de aula é uma tarefa muito difícil. Estar dentro de uma classe cheia de alunos com necessidades distintas não é uma tarefa fácil para ninguém , quando um aluno merece uma atenção especial, se torna realmente complicado para qualquer professor administrar seu tempo de forma a atender as particularidades dos alunos. Porém não é uma missão impossível.

Admitindo esta situação a professora de Pedro expõe para a coordenação que ele não está conseguindo acompanhar a classe nas aulas de matemática.

A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA

A escola então entra em contato com os pais de Pedro, eles têm plena consciência de suas dificuldades, algumas vezes culparam a escola pelo fracasso escolar de seu filho, mas com o passar do tempo reconheceram que seu filho realmente apresenta dificuldades de aprendizagem, e buscaram ajuda médica. É fácil para uma família que tem um ótimo plano de saúde diagnosticar as causas das dificuldades de seu filho, mas sabemos que isso não está ao acesso de todos. Nossas escolas estão cheias de crianças que ainda não foram diagnosticadas, de acordo com suas necessidades especiais, e talvez nunca sejam, passarão anos dentro da escola sem conseguirem aprender corretamente e serão julgadas por isso, como se tivessem culpa de seu fracasso escolar.

A interferência da família dentro da escola é muito importante para o aluno, mas o que vemos acontecer, é que algumas famílias nem fazem idéia do que está acontecendo com seus filhos no ambiente escolar, é comum encontrarmos casos de filhos que passam mais tempo dentro da escola do que com seus próprios pais, com a necessidade de trabalhar para sustentar dignamente as famílias, os pais se vêem obrigados a perderem esta ligação com a escola, por falta de tempo. Existem também pais que simplesmente não se importam, acham que a escola tem a obrigação de ensinar seus filhos, se ele não tem um bom desempenho a culpa é da escola, que não está cumprindo seu papel corretamente.

Como Pedro não está mais conseguindo acompanhar a classe, a coordenação sugere a seus pais que durante as aulas de matemática ele se retire da sala para fazer um conteúdo matemático de uma série anterior, será feito uma avaliação para diagnosticar para qual ano ele de vê retornar.

A família num primeiro instante não gosta nada da idéia, afirmam que desta forma estarão excluindo seu filho do restante da sala, mas acabam concordando que será melhor para Pedro. O objetivo é nivelá-lo com sua classe, revisar conteúdos já vistos, para que assim no futuro possa retornar para sala durante as aulas de matemática.

4 APÓS SAIR DA SALA

Decidiram que Pedro deve retornar para o conteúdo matemático do 7º ano.  No momento em que foi contado a Pedro que ele deixaria a sala durante as aulas de matemática ele ficou feliz, ficou feliz até demais.

Deve existir uma boa relação entre professor e aluno, devemos ter cuidado para não perdemos a autoridade dentro da sala, mas os alunos não devem enxergar no professor um inimigo, que sente prazer em prejudicá-los em sala, segundo  CHACON (2003), pág. 86:

Se o objetivo é melhorar o ensino e a aprendizagem da matemática, parece conveniente levar em conta os fatores afetivos dos alunos e dos professores. As emoções, atitudes e crenças atuam como forças impulsionadoras da atividade matemática. Em muitos casos atuam como forcas de resistência a mudanças.

Quem nunca teve um professor fantástico? Existem professores que conseguem deixar qualquer matéria divertida, e professores que conseguem fazer o aluno detestar uma matéria que antigamente gostavam, temos este poder em nossas mãos, tudo depende da didática utilizada e da forma como nos relacionamos com nossos alunos, cada vez percebo mais a importância do professor ter conhecimentos pedagógicos, e muitas vezes deixamos de lado essas matérias em nossa formação acadêmica, preocupados apenas com as matérias especificas de nosso curso, por exemplo, na matemática damos muito mais atenção as matérias que envolvem cálculos do que as pedagógicas.

Com essa atitude de retirar Pedro de sua sala de aula durante as aulas de matemática suas notas melhoraram significativamente, mas surge outra problemática: Pedro agora realiza matemática com uma tutora, a escola estaria desta forma excluindo Pedro? O ato de retirar da sala um aluno que já possui dificuldades de relacionamento, não estaria gerando nele um sentimento de incapacidade e inferioridade? Essa prática não seria uma forma da escola “camuflar” que existe um aluno com dificuldades e que a professora não está sendo capaz de atender suas individualidades? Isto não seria exclusão? Segundo Eglér (2004, pág 1)

A exclusão escolar manifesta-se das mais diversas e perversas maneiras, e quase sempre o que está em jogo é a ignorância do aluno, diante dos padrões de cientificidade do saber escolar. Exclui, então, os que ignoram o conhecimento que ela valoriza e, assim, entende que a democratização é massificação de ensino, e não cria a possibilidade de diálogo entre diferentes lugares epistemológicos, não se abre a novos conhecimentos que não couberam, até então, dentro dela. Os sistemas escolares também estão montados a partir de um pensamento que recorta a realidade, que permite dividir os alunos em normais e deficientes, as modalidades de ensino em regular e especial, os professores em especialistas, nesta e naquela manifestação das diferenças.

As escolas que se dizem preocupadas com a educação especial contam com professores e pedagogos especializados nessa área, mas todos os professores da escola devem ser qualificados para prestar este atendimento, é inaceitável que um professor ignore um aluno dentro da sala de aula se baseando de que escola possui outras pessoas responsáveis pela educação especial. Segundo Mittler (2000), Os professores do ensino regular consideram-se incompetentes para atender às diferenças nas salas de aula, especialmente aos alunos com deficiência, pois seus colegas especializados sempre se distinguiram por realizar unicamente esse atendimento.

Precisamos como professores assumir nosso papel dentro da sala de aula, devemos nos preocupar com todos os nossos alunos, por mais que seja fácil e conveniente para o professor ignorar a existência do aluno com dificuldades de aprendizagem, e rotulá-lo como “mal aluno”, devemos nos esforçar para que o ensino transmitido alcance a todos, mesmo que para alcançar algumas pessoas seja necessário repensar a forma de transmitir o conteúdo.

E enquanto refletimos sobre o que seria uma educação ideal para alunos com necessidades especiais, a vida de Pedro vai passando, e junto com ela seu tempo para aprender, continuaremos sendo professores caso algum de nossos alunos não consiga aprender o conteúdo ensinado, mas para aquele aluno este conhecimento talvez nunca mais seja recuperado, hoje Pedro é um pré-adolescente, mas futuramente será um adulto e a vida  vai lhe exigir o que exige de qualquer outra pessoa. Então a escola não pode se conformar que Pedro não consiga aprender e simplesmente deixe a vida passar.