DIFERENCIAÇÃO DA ALÍQUOTA DE ICMS E A GUERRA FISCAL ENTRE OS ESTADOS[1]

  

Guilherme Rocha Araújo[2]

Thalissa Fernanda Matos Viana[3]

RESUMO

O presente artigo cuida de uma análise acerca dos limites constitucionais ao poder estatal de tributar, trazendo à discussão as peculiaridades de uma das principais fontes de receita do Estado brasileiro: o ICMS. Para tanto, analisar-se-á até que ponto os incentivos e renúncias fiscais constituem, em um contexto geral, atrativos para instalação de empreendimentos, tomando por base a diferenciação de alíquotas do ICMS. Busca-se, ainda, contextualizar o Estado do Maranhão no aludido cenário, analisando as propostas para solucionar a guerra fiscal criada entre os Estados.

PALAVRAS-CHAVE

 

Liberdade de Tráfego; ICMS; Guerra Fiscal; Federalismo.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

O poder de tributar e seus limites encontram-se disciplinados no texto constitucional (especificamente entre os artigos 150 e 152 da CF), sendo um campo altamente fértil para o debate de questões atinentes aos direitos fundamentais dos contribuintes. A Magna Carta estabelece um rol extenso de preceitos reguladores do exercício de tributar, aptos a limitar a atuação do Estado. Na esteira do ensinamento de Aliomar Baleeiro (2005, p. 2-3), a partir de uma análise sistemática da Lex Major, infere-se que o  Sistema Tributário Nacional se  “movimenta  sob a  complexa aparelhagem de  freios e  amortecedores, que  limitam os excessos acaso detrimentosos à economia e à preservação do regime e dos direitos individuais”. Daí ser mais adequado falar-se em competência tributária.

Essa delimitação de competências é aquilo que Geraldo Ataliba chamará de “fatias do poder”. O tributarista afirma que “nenhum ente público possui o poder tributário, pois não lhes é permitido fazer o que lhe aprouver em matéria tributária, já que a Constituição é um compêndio distribuidor e limitador de competências, porque todas elas são limitadas, senão não seriam competências” (ATALIBA, 1992, p. 112).

Dentre os princípios que disciplinam e limitam o poder estatal de tributar, encontra-se o princípio da Liberdade de Tráfego. Referido princípio possui fundamento no art. 150, inciso V, da Constituição Federal, e proíbe que as entidades políticas estabeleçam limitações ao tráfego de pessoas ou bens, através de tributos interestaduais ou intermunicipais. Não obstante, pode ocorrer a incidência do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS nas operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal.

O presente artigo, partindo desses conceitos básicos, se dispõe a analisar a disputa existente entre os estados brasileiros, travada mediante a concessão de incentivos fiscais relacionados ao ICMS, a chamada guerra fiscal. A discussão é de grande relevância, portanto,  em decorrência do cenário em que se encontra mergulhado o país, em virtude da concessão, aparentemente sem critérios e à revelia da lei, de incentivos de ordem financeira, justificados pela possibilidade de desenvolvimento regional.

1. LIMITES AO PODER DE TRIBUTAR E O IMPOSTO SOBRE A CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS

 

Ao Estado é outorgada a capacidade de angariar receitas para suprir as necessidades financeiras do mesmo, via tributos. A competência tributária tem como principal fundamento a supremacia do Estado nas suas relações com indivíduos a ele subordinados, e esse fato, em específico, dá sustentação ao exercício do poder de tributar. Hugo de Britto Machado (2007,p.59), nesse sentido, afirma:

No exercício de sua soberania, o Estado exige que os indivíduos lhe forneçam os recursos de que necessita. Institui o tributo. O poder de tributar nada mais é que um aspecto da soberania estatal, ou uma parcela desta. (...) é relação jurídica, embora o seu fundamento seja a soberania do Estado.. Sua origem remota foi a imposição do vencedor sobre o vencido. Uma relação de escravidão, portanto (grifo nosso).

É imperioso afirmar que apesar da soberania estatal assegurada pelo poder de tributar, não pode o contribuinte ficar sujeito ao livre arbítrio do interesse do Estado, e nesse sentido, a Carta Magna impõe limites ao poder de tributar, ou seja, impõe limites à invasão patrimonial tendente á percepção estatal do tributo. Tais limitações resultam de princípios e imunidades tributarias inseridas nos arts. 150, 151 e 152 da Constituição Federal.

No que tange ao ICMS, inquestionável mencionar o principio da “limitação ao tráfego”, previsto no inciso V do artigo 150 da CF, segundo o qual a intermunicipalidade e a interestadualidade não poderão ser fatos geradores de quaisquer tributos. Ocorre que o imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços corresponde a uma exceção ao referido principio, tendo em vista que difere quanto fato gerador. O ICMS deve ser recolhido em virtude da circulação de mercadorias, da prestação de serviços de transporte ou da prestação de serviço de comunicação, e não em razão das simples transposições territoriais (SABBAG, 2012, p. 259).

O ICMS, conforme o artigo 155 da CF e LC n. 87/96, corresponde ao Imposto instituído pelos Estados e pelo Distrito Federal, sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e representa hoje 80% da arrecadação dos Estados (SABBAG, 2012, p.1058).

O ICMS surgiu como “Imposto sobre Vendas Mercantis – IVM” (1922-1936), transformou-se em “Imposto sobre Vendas e Consignações – IVC” (1936-1965), posteriormente em “Imposto sobre a Circulação de Mercadorias – ICM” (1965-1989). E foi instituído pela Emenda Constitucional n. 18/65, recebendo um significativo papel constitucional à luz do art. 155, § 2º, I ao XII, reforçado da Lei Complementar n. 87/96.

Dentre os princípios que regem o ICMS, importante mencionar o principio da não cumulatividade e o principio constitucional da seletividade. Segundo o primeiro imposto não será cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias, prestação de serviços de transportes e de comunicação como o montante cobrado nas operações anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. Já o principio constitucional da seletividade, pauta-se pela estipulação de alíquotas diferenciadas para algumas mercadorias e serviços, em razão da essencialidade de cada um, cuja previsão está no art. 155 § 2º, III (SABBAG, 2012, p.1072).

Incidirá o ICMS, á luz do art. 4º da Lei Complementar n. 87/96, sobre pessoas que pratiquem operações relativas à circulação de mercadorias, importadores de bens de qualquer natureza, prestadores de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e prestadores de serviço de comunicação.

Segundo Sabbag (2012, p.1060), é possível que figure no polo passivo da relação jurídica o responsável tributário, quando escolhido por lei para pagar o tributo sem que tenha ocorrido o fato gerador (art. 121, § único, II, do CTN). A Constituição, nesse sentido, prevê a substituição tributaria “pra frente”, que seria escolha de uma terceira pessoa para o recolhimento do tributo antes da ocorrência do fato gerador.O autor ao exemplificar menciona o caso da saída de veiculo produzido na industria automobilística, em que o ICMS será recolhido antes de o veiculo ser vendido na concessionária (fato gerador).

É valido ressaltar a substituição tributaria regressiva, a qual é marcada pela ocorrência do fato gerador em um momento anterior ao pagamento do tributo. Fala a doutrina em diferimento, que corresponde à postergação do recolhimento do tributo para um momento ulterior ao fato gerador.

Não incidirá ICMS sobre coisas corpóreas que não sejam mercadoria, ou seja, bens de particulares, na alienação de bens do ativo fixo ou imobilizado (STF), na simples transferência de mercadoria de um para outro estabelecimento da mesma empresa (súmula n.166 do STJ), nas remessas de mercadorias para degustação, demonstração, na integralização de bens pela pessoa jurídica para constituição ou ampliação de um outra empresa, a mudança integral do estabelecimento da pessoa jurídica, com o deslocamento do seu patrimônio para outro local (2012, p.1063).

No que tange às alíquotas, prevê a Constituição Federal em seu art. 155, §2º, IV, in verbis:

§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação;

V - é facultado ao Senado Federal:

a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros;

b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros;

Nesse sentido, o Senado Federal consoante resolução n. 22/89, estabeleceu alíquotas internas livremente estipuladas pelos Estados, e alíquotas interestaduais, para as quais há o critério da mesma alíquota para todas as mercadorias. Entretanto, é estipulado hoje uma alíquota de 7% para operações interestaduais que destinarem mercadorias ou serviços a contribuintes dos Estados das regiões do Norte, Nordeste e Centro-Oeste e para o Espírito Santo, uma alíquota de 12% para operações interestaduais que destinarem mercadorias ou serviços a contribuintes dos Estados das regiões Sul e Sudeste, e uma alíquota 17% ou 18%

para operações de importação (SABBAG, 2012, p.1066).

     Ocorre que, em sede de tributação, apesar da previsão Constitucional e da própria Lei Complementar nº 24/75, os Estados teimam em burlar tal obrigatoriedade, em razão da pretensão de atrair receitas e investimentos oriundos das grandes empresas, gerando, assim, um impasse na tributação, denominado guerra fiscal.

 2. CARACTERÍSTICAS DA GUERRA FISCAL

O Sistema Tributário Nacional, seguindo o comando constitucional e a lógica do princípio federativo, deve ser estruturado de forma a (re)distribuir as receitas públicas entre as unidades e demais esferas administrativas, com o escopo precípuo de proporcionar condições satisfatórias para atender às demandas que lhes são exigidas.

Conforme assinala Roque Antonio Carrazza (2003, p. 136), “não poderão ser expedidas leis ou normas infralegais (e.g., regulamentos) que, de alguma forma, anulem as exigências do princípio federativo”. É dizer, nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2002), que o “espírito da Federação” impõe uma “unidade dentro da diversidade”.

Registre-se, por oportuno, que, justamente em decorrência do princípio federativo, a Magna Carta determina que é defeso à União invadir a competência tributária dos Estados, e vice-versa. A Constituição Federal, ipso facto, conferiu “a cada um o direito de regular suas despesas e, conseguintemente, de instituir e arrecadar, em caráter privativo e exclusivo, os tributos que as atenderão” (CARRAZZA, 2003, p. 144).

Sabe-se, então, que aos Estados-membros é conferida certa capacidade de se autogerenciar, buscando maior eficiência na tomada de decisões. Entre as possibilidades, pode cada membro da federação adotar políticas tributárias distintas, visando, dessa forma, maximizar o fluxo de investimentos em sua região de influência. O problema ocorre quando esse tipo de conduta compromete o equilíbrio jurídico entre os Estados, atingindo níveis preocupantes na criação de incentivos. É a chamada guerra fiscal.

Passa-se, com isso, de uma conjuntura ideal de “federalismo cooperativo para uma situação de federalismo competitivo, em que cada membro federado compete entre si na busca de uma situação mais favorável” (OLIVEIRA, 2000, p. 113).

A guerra fiscal se caracteriza por concessões unilaterais, ao arrepio da Lei, de benefícios e incentivos fiscais para atrair investimentos. Esses incentivos são dados no âmbito do ICMS, imposto estadual que tributa a circulação de mercadorias e determinados serviços. Entre as diversas vertentes de benefícios, o financiamento em longo prazo do pagamento do ICMS é mais largamente empregado. O objetivo é facilitar, ao máximo, a instalação da empresa.

Ocorre que, no intuito de conceder reduções e/ou isenções nas alíquotas de ICMS, os Estados e o Distrito Federal, devem firmar, por expressa disposição legal, convênios entre si. Esses convênios devem ser firmados no âmbito do CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária, constituído por membros do Governo Federal e secretários de Fazenda de cada membro federativo. O CONFAZ foi instituído por meio da Lei Complementar n. 24, de 07 de outubro de1975, aqual determina, ainda, que a concessão de um benefício depende, necessariamente, da decisão unânime dos Estados representados e estabelece penalidades em casos de descumprimento. A guerra fiscal corre, simplesmente, à revelia da LC n. 24/75 e da própria Constituição da República (art. 155, § 2º, XII, “g”).

Mais que isso, embora as isenções fiscais tenham um peso elevado na escolha da localização das instalações industriais, se consideradas isoladamente – como único fator determinante –, podem reduzir boa parte da eficiência do empreendimento. Isso ocorre, pois as empresas acabam levando em consideração outros fatores, tais como: proximidade do mercado (57,3% dos casos), custo de mão-de-obra (41,5%), vantagens locacionais específicas (39,0%), sindicalismo atuante na região (24,4%) e saturação espacial (14,6%)[4]. O benefício fiscal não constitui, portanto, fator único para as opções de investimento (CAVALCANTI e PRADO, 1998, p. 40).

Esse quadro, quando configurado, ocasiona, inevitavelmente, distorções no mercado, refletindo não apenas uma redução da eficiência do investimento empresarial, como, possivelmente, um aumento de preços do produto produzido, onerando o consumidor final. A guerra fiscal, quando generalizada (situação em que todos os Estados adotam incentivos extremamente atraentes), pode comprometer, então, a capacidade do Estado-membro de dinamizar sua economia, prática nada vantajosa para as unidades menos industrializadas.

Um fator que, certamente, contribui para a adoção dessas práticas por parte dos Estados financeiramente mais carentes diz respeito ao Fundo de Participação dos Estados (FPE). Estas unidades recebem uma parcela significativa do Fundo, às vezes maior do que o volume por elas arrecadado de ICMS. Torna-se cômodo, a partir daí, renunciar à ampliação da base tributária, pois o Estado consegue manter-se apenas com o FPE.

A comparação apresentada na tabela em anexo[5], entre os recursos recebidos pelos Estados e pelo DF à conta do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e as respectivas arrecadações do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, permite avaliar a natureza redistributiva do FPE, presumindo-se que o ICMS tende a refletir com razoável aproximação o dinamismo da economia estadual ou sua base econômica.

Em alguns casos, como pode se observar, o valor transferido para a unidade federativa, através do FPE, é maior do que o volume arrecadado, por meio de ICMS, pela mesma que está recebendo a transferência. Este processo pode ser observado no caso do Estado do Maranhão, que possui uma relação entre FPE e ICMS na ordem de 127,4%, contra o Estado de Santa Catarina, que possui uma relação de 6,4%. Quanto maior o valor constante da última coluna (FPE/ICMS), maior será o volume que o Estado recebe através do FPE em relação a sua arrecadação de ICMS.

O corolário que se obtém é que o maior volume recolhido de ICMS concentra-se no Estado de maior capacidade produtiva, o que não é inesperado, posto que o aludido tributo incide sobre a comercialização e circulação de produtos e serviços.

O problema é que, caso um Estado com baixa capacidade arrecadadora resolva, através da renúncia fiscal, abrir mão de um possível novo recolhimento decorrente da instalação de um empreendimento, cria-se uma situação de perpetuação de uma capacidade tributária sub-utilizada. Em outras palavras, mesmo que o Estado-membro aumente sua tributação efetiva, através de outros meios, ele provavelmente estará recolhendo menos do que poderia, afetando, por conseguinte, o equilíbrio de mercado (princípio da equidade).

Todo esse cenário pode mudar, em breve, pois o Supremo Tribunal Federal publicou, no último dia 24 de abril, o edital da Proposta de Súmula Vinculante nº 69, cujo texto estabelece, ipsis litteris:

Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional.

Toda essa incongruência do Sistema Tributário brasileiro poderia, facilmente, ser solucionada com a simples obediência à Lei Complementar nº 24/75, embora se reconheça que existe, atualmente, um empenho institucional no sentido de evitar que os Estados continuem a conceder benefícios relativos ao ICMS unilateralmente, prejudicando o equilíbrio tributário nacional.

3. A SITUAÇÃO DO MARANHÃO NO CONTEXTO DA GUERRA FISCAL

3.1 – Política tributária do Estado

O Estado do Maranhão, como já demonstrado, possui baixa capacidade tributária em relação a outros Estados industrializados, a exemplo daqueles localizados nas regiões Sul e Sudeste. Em função disso, existe uma preocupação em atrair investidores, a fim de viabilizar a instalação de empreendimentos em diversos setores. O objeto é captar recursos de forma a diminuir ao máximo a disparidade existente entre as economias das unidades financeiramente privilegiadas.

O Programa de Incentivo às Atividades Industriais e Tecnológicas no Estado do Maranhão – ProMaranhão, lançado em 27 de novembro de 2009, configura um modelo que visa incentivar a implantação, ampliação, relocalização e reativação de indústrias no Estado, buscando fomentar o desenvolvimento de empresas de pequeno porte que atuam nesses setores. Entre os benefícios apresentados, encontra-se a dispensa do pagamento de 75% do saldo devedor do ICMS para implantação pioneira por vinte anos.

Na ADI4499, aConfederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) questiona a constitucionalidade da Lei Estadual n. 9.121, de 4 de março de 2010, que instituiu o ProMaranhão, e o Decreto n. 26.689, de 30 de junho de 2010, que o regulamenta.

A Confederação alega que, dentre os incentivos fiscais do ProMaranhão, o artigo 2º, incisos I e IV e parágrafo 1º da Lei Estadual n. 9.121/2010 previu a concessão de “crédito presumido de ICMS” – verdadeira desoneração tributária –, sem prévio convênio interestadual autorizador. Ainda na seara de inconstitucionalidades, “o artigo 7º da lei afronta o artigo 167, inciso IV, da Constituição, na medida em que vincula receita de imposto (ICMS) a fundo (Fundo Estadual de Desenvolvimento Industrial), também à revelia de autorização constitucional”, aponta a CNTM (STF, 2010).

Para atrair os investidores, o Governo do Estado lançou, ainda, o Programa Sucroalcooleiro do Maranhão. Tal programa consiste no levantamento completo das condições oferecidas pelo Estado para desenvolvimento da atividade.

Depois de lançado no Estado, o programa também vai ser apresentado a investidoresem São Paulo.“O Maranhão vai apresentar condições ímpares para o desenvolvimento da atividade socroalcooleira”, conforme explica o Secretário Estadual de Indústria e Comércio, Ronaldo Braga (CARAJÁS, 2012). A Fundação de Estudos Agrários Luís de Queiroz (FEALQ), de São Paulo, foi contratada para apontar as potencialidades do negócio e subsídios da política de atração de investidores.

No entanto, em função das ações diretas de inconstitucionalidade que tramitam, atualmente, no STF, os programas de incentivos fiscais mantidos pelo Governos Estadual correm riscos de desaparecer. De acordo com Cláudio Trinchão, Secretário Estadual de Fazenda do Maranhão, cerca de 90% desses programas podem ser extintos. O secretário ainda acredita em um acordo dos ministros com os membros do Conselho Nacional de Política Fazendária, do qual é coordenador, para evitar prejuízos às regiões mais carentes.

Cláudio Trinchão aponta, ainda, para uma possível solução para a guerra fiscal, e o fim desse tipo de concorrência entre os Estados-membros. Ele diz que a alternativa para se evitar prejuízos aos estados mais pobres seria a criação de dois fundos, o de Desenvolvimento Regional (FDR) e o de Equalização Regional (FER). Outra saída, explica, seria a revisão da política de desenvolvimento regional do país (EMIR, 2012).

3.2 - Precedentes do Tribunal de Justiça do Maranhão

O papel do poder judiciário no impasse da guerra fiscal no Maranhão, pelos precedentes analisados, consiste, efetivamente, em manter os incentivos e conceder isenção do ICMS, atuando em face de recursos e demandas do próprio Estado.  O acórdão n.º  62.540/2006  revela o posicionamento do Tribunal de Justiça, in verbis:

 

EMENTA: Processual civil. Agravo de instrumento. Mandado de Segurança. Decisão Liminar. Presença dos requisitos legais para sua concessão. Preliminar de Nulidade. Motivação da decisão. Intimação da Procuradoria do Estado. A finalidade do art. 3º da Lei nº 4348/64, que determina a intimação pessoal do representante legal do Estado das decisões proferidas em mandado de segurança onde o agente público figure como autoridade coatora, é dar-lhe maior garantia, assegurando-lhe amplo e efetivo conhecimento do teor da decisão. Em obediência ao princípio da instrumentalidade das formas, previsto no art. 244 do CPC, segundo o qual se consideram válidos os atos processuais que, apesar de praticados em desconformidade com o modelo legal, alcançam a finalidade para a qual foram criados, não há que se falar em nulidade da decisão, por ausência de intimação pessoal do Procurador Geral do Estado, quando o ente estatal que este representa toma conhecimento, ainda que de outro modo, do teor da decisão, interpondo inclusive recurso adequado tempestivamente, exercitando, assim, o contraditório e a ampla defesa. A fundamentação sucinta, coerente e objetiva não se confunde com ausência de motivação, não constituindo, pois, causa de nulidade da decisão. Correta é a concessão de medida liminar pelo juízo a quo quando presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. O primeiro, decorrente da demonstração, através de contrato de financiamento e de dispositivos de leis, que o Sistema de Apoio à Industria e ao Comércio Exterior do Estado do Maranhão – SINCOEX, também alcança o ICMS – Substituição Tributária, tributo do qual a agravada é contribuinte, não havendo razão, portanto, para a lavratura de auto de infração, nem para a constituição de crédito tributário, por conta do não recolhimento do citado tributo. E o segundo, em razão dos efeitos danosos advindos do ato ilegal perpetrado pelo fisco estadual, como a inclusão do nome do contribuinte no rol dos devedores remissos e a proibição de transacionar e contratar com repartições públicas e autarquias estaduais, efeitos estes que não podem esperar para serem afastados apenas quando do desfecho final da ação mandamental. Recurso conhecido e improvido;( AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 034621/2005-SÃO LUÍS Relator : Desembargador Jamil de Miranda Gedeon Neto;Agravante: Estado do Maranhão;Procurador: Rogério Belo Pires Matos; Agravada: Companhia Maranhense de Refrigerantes; Advogados : Eduardo José Leal Moreira e outro.ACÓRDÃO N.º  62.540/2006)

No caso, o Estado do Maranhão interpõe Agravo de instrumento em face de decisão liminar do juízo monocrático, alegando além das preliminares, a matéria de mérito no que tange à isenção da Companhia Maranhense de Refrigerantes ao pagamento do ICMS. O Estado em sua defesa alega, justamente, o prejuízo do mesmo, segundo ele, “a suspensão da exigibilidade do crédito tributário causará maior prejuízo ao Ente Público, e por via reflexa a toda sociedade, principalmente quando se leva em conta que o débito da agravada extrapola a cifra de um milhão de reais” (trecho do acórdão).

Ainda assim, decidiu o Tribunal em face do Estado, no agravo interposto, alegando a legitimidade da isenção em razão do agravado está incluído no Sistema de Apoio à Industria e ao Comércio Exterior do Estado do Maranhão – SINCOEX.

Importante, ainda, ressaltar acórdãos referentes à apreensão de mercadorias pelo chefe do posto fiscal. O Tribunal de Justiça, em dois acórdãos, indeferiu a possibilidade de tal atuação, em detrimento à arrecadação do imposto sobre a circulação de mercadorias, in verbis:

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – SUSPENSÃO DA INSCRIÇÃO ESTADUAL, INTERDIÇÃO DO ESTABELECIMENTO E APREENSÃO DE MERCADORIAS POR CHEFE DE POSTO FISCAL, COMO MEIO PARA COAGIR O CONTRIBUINTE AO PAGAMENTO DO TRIBUTO DE ICMS - ILEGALIDADE. I – É ilegal e enseja a concessão da ordem de segurança, por ofensa ao direito líquido e certo do impetrante, o ato de suspensão da inscrição estadual, interdição do estabelecimento e apreensão de mercadorias pelo Fisco, estadual, como meio destinado a coagir ao pagamento de tributo considerado devido pelo contribuinte, sob pena de desrespeito ao art. 150, inciso IV, da CF e à Súmula nº 323, do STF.II – Segurança concedida. (Câmaras Cíveis reunidas, Sessão do dia 03 de julho de 2009, Mandado de Segurança n.º 16438/2007 – São Luís- MA, Impetrante: G. Mendes e Cia Ltda, Advogados  : Luís Henrique Falcão Teixeira, Gutemberg Soares Carneiro, Paulo Roberto Almeida e Silvana Cristina Reis Loureiro, Impetrado   : Secretário de Fazenda do Estado do Maranhão, Relatora: Desª. Anildes de Jesus B. Chaves Cruz, ACÓRDÃO N.º 82.808/2009). (grifo nosso).

                                                         

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. DEFERIMENTO PELO JUÍZO SINGULAR. APREENSÃO DE MERCADORIAS POR AUTORIDADE DO FISCO ESTADUAL. MEDIDA ADOTADA PARA COAGIR O CONTRIBUINTE AO PAGAMENTO DE TRIBUTO. INADMISSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 150, INC. IV, DA CF E DA SÚMULA Nº 323 DO STF. REGIME DE RECOLHIMENTO ANTECIPADO DO TRIBUTO SEM SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. SUBMISSÃO A REGIME DE TRIBUTAÇÃO ESPECIAL. FATOS ENSEJADORES DA MEDIDA QUE REMONTAM AOS ANOS DE 2001/2002. POSSIBILIDADE SOMENTE NO PERÍODO EM QUE ESTAVAM OCORRENDO AS IRREGULARIDADES. IMPOSSIBILIDADE DE PERPETUAÇÃO NO TEMPO POR PERÍODO INDEFINIDO. CONFIGURAÇÃO DE COBRANÇA INDIRETA DE TRIBUTO. IMPOSSIBILIDADE DE CONSTITUIR PENALIDADE. COBRANÇA DE ALÍQUOTA A MAIOR (17%) QUANDO DO RECOLHIMENTO ANTECIPADO DO ICMS. ATO ATENTATÓRIO AO LIVRE EXERCÍCO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL. RECURSO IMPROVIDO. I - Inadmite-se a apreensão de mercadorias pelo fisco estadual como expediente destinado a coagir ao pagamento de tributo considerado devido pelo contribuinte, não sendo exigível qualquer cobrança para liberação das referidas mercadorias, sob pena de desrespeito ao art. 150, inc. IV, da CF. Inteligência da Súmula 323 do STF.II- [...] Recurso improvido. (Segunda Câmara Cível, sessão do dia 28 de agosto de 2012.AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 002750/2012 (0000474-98.2012.8.10.0000)- São Luís; Agravante: Estado do Maranhão;Procurador: Oscar Medeiros Júnior;Agravado : Empório das Construções LTDA; Advogados : Alfredo Alves da Costa Filho e outros;Relatora : Desembargadora Nelma Celeste Souza Silva Sarney Costa; Acórdão n.°: 119.228/2012)

No primeiro acórdão, o TJ alega que a atuação do Secretario da Fazenda do Estado é ilícita e extrapola sua esfera legal de competência, perpetrando ato administrativo eivado de nulidade, caracterizando abuso de poder, em sua modalidade excesso de poder (trecho do acórdão).

Desse modo, verifica-se nas decisões do Tribunal de Justiça, baseadas em precedentes superiores, a verdadeira incongruência do Sistema Tributário Brasileiro e um empenho institucional do poder judiciário no sentido de que o Estado continue a conceder benefícios relativos ao ICMS unilateralmente, prejudicando o equilíbrio tributário nacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do presente estudo, buscou-se delinear e caracterizar, a partir de conceitos básicos de Direito Tributário, o cenário em que se encontra o país, no que tange à repartição de competências e receitas tributárias entre União, Estados e Municípios. Abordou-se, ainda, o tema da guerra fiscal que se observa entre os Estados, caracterizada pela disputa entre os diversos membros federativos em conceder incentivos fiscais para atrair investimentos em seu território.

Foi observado que o problema da baixa arrecadação de ICMS é parcialmente resolvido quando são analisadas outras fontes de recursos que o Estado possui, principalmente fundos de transferência da União para os Estados, como FPE e FPEX. Muitas vezes o volume recebido é significativo, ultrapassando, inclusive, a própria receita tributária da unidade federativa.

É possível perceber que, embora as isenções fiscais tenham um peso elevado na escolha da localização das instalações industriais, se consideradas isoladamente (como único fator determinante), podem reduzir boa parte da eficiência do empreendimento, pois as empresas levam em consideração outros fatores preponderantes.

Outro ponto que merece observação é a postura do Poder Judiciário diante da disputa fiscal aqui analisada, especialmente em âmbito maranhense. Não se adotam critérios legais e parâmetros capazes de minimizar as distorções econômicas e políticas dentro do grupo federado.

O processo de concessão de incentivos fiscais que visam incentivar o aumento de investimentos de novos projetos em uma determinada região pode ser considerada uma atitude válida, mas não da forma generalizada e absolutamente sem critérios como vem sendo praticado. Nesse passo, seria mais acertado se o Governo Federal fosse incumbido, verdadeiramente, de efetuar uma escolha pública mais próxima da perfeição, encontrando o equilíbrio necessário e procurando sempre administrar o conflito entre os Estados-membros e atendendo a uma ocupação espacial mais racional. Adotar-se-ia, a partir de então, uma centralização nas tomadas de decisões quanto a possíveis renúncias e financiamentos de receitas.

REFERÊNCIAS

 

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SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Confederação questiona incentivos fiscais oferecidos por Pernambuco e Maranhão. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=167095>.Acesso em: 30 set. 2012.



[1] Paper apresentado à disciplina de Direito Tributário I, ministrada pelo Prof. Msc. Fabiano Lopes, do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Graduando do Curso de Direito

[3] Graduanda  do Curso de Direito 

[4] Fonte: CNI/CEPAL, 1997.

[5] Preferiu-se colocar a tabela como anexo para facilitar a leitura do texto e não prejudicar sua formatação.