DIFERENÇAS CULTURAIS E SOCIAIS- SUAS IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA ESCOLAR

Resumo

Atualmente os cenários públicos estão sendo ocupados por diversos grupos socioculturais. Movimentos sociais tem a possibilidade de apresentarem múltiplas questões, denunciando injustiças, desigualdades e discriminações, reivindicando igualdade de acesso a bens e serviços e reconhecimento político e cultural. No contexto educacional as discrepâncias também se revelam fortemente e põe a prova práticas arraigadas profundamente no cotidiano escolar. Ainda hoje é preconizado em nossa cultura escolar o comum, o homogêneo, o uniforme. A partir desta problemática, este texto objetiva analisar as atuais práticas pedagógicas adotadas pelos docentes numa tentativa que permita a análise do que pode e do que está sendo feito, para receber e integrar alunos de culturas e realidades diferentes na sala de aula e mostrar que a diversidade pode ser uma mais-valia para todos os intervenientes do processo educacional.

Introdução

Em uma sociedade onde todos percebem cada vez mais um multiculturalismo, onde a “pluralidade de culturas, etnias, religiões, visões de mundo e outras dimensões das identidades infiltra-se, cada vez mais, nos diversos campos da vida contemporânea” (Moreira, 2001, p. 41) este, se conceitua permitindo questionar interiormente o currículo escolar, suas práticas pedagógicas, a “superioridade” dos conhecimentos gerais e universais sobre os conhecimentos particulares e locais. (Idem)

O contexto latino-americano e as dificuldades encontradas nestas escolas de trabalharem as diferenças remontam-se desde o início de sua institucionalização, conforme afirma a conhecida pesquisadora argentina, Emília Ferreira:

A escola pública, gratuita e obrigatória do século XX é herdeira do século anterior, encarregada de missões históricas de grande importância: criar um único povo, uma única nação, anulando as diferenças entre os cidadãos, considerados como iguais diante da lei. A tendência principal foi equiparar igualdade à homogeneidade. Se os cidadãos eram iguais diante da lei, a escola devia contribuir para gerar estes cidadãos, homogeneizando as crianças, independentemente de suas diferentes origens. Encarregada de homogeneizar, de igualar, esta escola mal podia apreciar as diferenças (apud LERNER 2007, p.7)

A universalização escolar, a expansão de seus sistemas, a garantia de acesso para todas as crianças e a ampliação obrigatória dos anos de escolarização fazem parte de um projeto de escola para todos preconizada no século XX e que continuam sendo revisitadas, reconfiguradas e atualizadas.

Porém, pensar o multiculturalismo na educação nos dias atuais implica considerar a realidade mundial, onde existem um sem par de confrontos entre pessoas, grupos e nações que pensam, percebem e atuam de maneira distinta e ainda assim têm que entender que na verdade estes problemas enfrentados são praticamente idênticos e que a solução está em uma cooperação entre todos.

 

  1. Escola: lugar de todos e para todos

“A escola tem que ser local, como ponto de partida, mais internacional e intercultural, como ponto de chegada.” (Romani, 2004, p. 15)

Conforme infere o autor, a escola é o local onde se aprimora a ação educativa realizando de maneira prática a educação cidadã. Para que isso aconteça as orientações curriculares, inclusive todas as suas áreas de conteúdo regimentares devem estar estruturadas e organizadas de maneira que possam abarcar e integrar todos os elementos do processo educativo.

Nas últimas décadas foi-se verificado um grande avanço na criação e promulgação de várias leis voltadas para aqueles alunos que apresentam algum tipo de insuficiência, seja motora, visual, psíquica ou de comunicação. No ano de 2014 foi instituída a nova versão do Plano Nacional de Educação (PNE), à partir de sua versão anterior de 2001. Como os objetivos e metas contidas no Plano são variadas, consideraremos apenas duas para análise:

1.2- Combate à desigualdade: “Garantir que, ao final da vigência deste PNE, seja inferior a 10% a diferença entre as taxas de frequência à Educação Infantil das crianças de até 3 anos oriundas do quinto de renda familiar per capita mais elevado e as do quinto de renda familiar per capita mais baixo.”

4- Educação especial / inclusiva: “Universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados”

Isto enfatiza a intenção do Plano em envolver-se com a redução das desigualdades regionais e a continuidade e com o sucesso do educando na escola. Sendo assim, esta meta quando favorece uma ação para mitigar as desigualdades sociais reforça a ideia que somente um trabalho em conjunto pode gerar resultados satisfatórios, como inclusive objeta Libâneo:

Uma coisa é certa: as escolas estão ai, é nela que estão matriculados os filhos das camadas médias e pobres da população, e é questão de justiça que elas atendam, do melhor modo possível, aos direitos de todos e uma educação de boa qualidade, apta a preparar os alunos para a empregabilidade, participar da vida política e cultural, desenvolver a capacidade reflexiva para atuar e transformar a realidade social. (LIBÂNEO, 2008, p.21)

            A partir destas duas metas podemos afirmar que a escola é uma instituição que tem como função primordial educar e ensinar, de modo organizado, uma população com particularidades próprias de idade, saberes e experiência. A escola deve ter uma resposta aos alunos, destinatários principais, de acordo com o processo educacional por toda a vida e considerando sua plena inserção social. Um ambiente sadio e que inspire segurança é condição primária para que o desejo de aprender siga atrelado a um crescimento saudável.

            Afirmar que uma escola é para todos, significa levar em conta a diversidade cultural que existe na mesma. Conforme Sá (2001):

À escola  competirá  a  organização  de  um  ambiente  cultural  que  permita  a maturação  de  cada indivíduo  no respeito pelos aspetos éticos, cívicos  e técnicos, harmoniosamente interligados, humanizando o ensino de modo a que faça evoluir o processo  cognitivo  e  relacional,  que  possibilite  o  desenvolvimento  de  atitudes responsáveis nos jovens, que lhes permitam assumir a responsabilidade pelos seus atos  e  a  capacidade  de  tomar  decisões  perante  si  próprios,  perante  o  grupo  e  a sociedade em que vivem, aprendendo a participar com autenticidade na construção do bem comum. (p.13)

            Este mesmo autor (2001) afirma que, a escola, tal como a sociedade, deve ser desafiada a repensar estratégias para acolher todos os alunos, até e sobretudo aqueles que na maior parte das vezes, só dominam a língua do seu país de origem.

            Tais estratégias terão como objetivo a integração destes alunos na comunidade escolar, para que adquiram as aptidões necessárias para se realizarem na sociedade que os acolhe, sem nunca os deixarem perder as suas origens, pois “as turmas tornaram-se microcosmos da diversidade da sociedade mundial e a compreensão transcultural tornou-se uma condição indispensável para o estabelecer de um bom clima de aprendizagem nas escolas de todo o mundo.” (UNESCO, 1995, p. 12)

  1. Escola Multicultural e Educação Inclusiva

            Para que exista uma educação inclusiva é necessário que o respeito à diversidade seja preponderante e que os agentes inseridos compreendam que ninguém é detentor da verdade, da sabedoria e da inteligência, e que suas visões de mundo, interesses pessoais e culturas são fatores agregadores para o todo. Para isso é necessário negociações constantes para que todos façam concessões e que possam ao menos terem partes de seus interesses e valores comtemplados no espaço público escolar.

            Segundo Fuck (1994), a educação deve ser um processo onde o indivíduo é o agente principal e transformador de sua realidade, porém isso só poderá acontecer se não existir por parte da escola uma postura alienadora, baseada em métodos que não levam em conta a lógica de quem aprende. O autor ainda acrescenta que a educação deve ser construída por toda a vida e assim o indivíduo poderá erigir a partir de seu saber, aptidões e capacidades para agir na qualidade de ator social. A educação deve ser considerada como um método de valorização pessoal e de aprendizagem de vivência comunitária e não somente como um método de ensino para aprender novos conteúdos. Esta vivência comunitária é condição primária para que o respeito aos direitos humanos e às liberdades essenciais se tornem efetivamente um direito e um meio fundamental para alicerçar todas as formas de desenvolvimento. A escola deve ser um local privilegiado de uma aprendizagem que dê sentido à vida, motivando e significando um diferencial para cada um que ali está e deve acompanhar as mudanças sociais que estão interligadas aos grandes processos tecnológicos cada vez mais presentes no cotidiano de todos.

            A educação deve ser amplificada a todos os domínios humanos, objetivando uma formação holística do aluno, conforme pondera Leite (2002):

 Se  a  educação  escolar  não  se  transformar,  quebrando  o  tradicionalismo  que  a caracteriza e englobando na sua cultura, subculturas de populações ou grupos que até há pouco tempo ignorava, ou que lhe eram estranhas, bem como questões das realidades locais e mundiais, está sujeita, pelo menos a duas situações: (1) perder uma das razões da sua existência e que é a de contribuir para uma educação para todos; (2) ser um veículo de marginalização de certos grupos sociais e obrigá-los a um  processo  de  assimilação,  sujeitando-os  a  uma  perda  das  suas  identidades culturais. (p. 97)

            O processo educacional deve ser uma ferramenta de compreensão para as pessoas de que uma outra realidade é possível. Deve contribuir na conscientização da necessidade de construção de sociedades mais equânimes, democráticas e solidárias. Os sistemas educacionais são pilares fundamentais para uma contínua construção de um mundo mais justo, constituindo um grande recurso onde todos podem a partir das conquistas de seus direitos, almejarem uma melhor perspectiva em suas vidas e da comunidade em que vivem.

            Na busca de uma escola multicultural de qualidade, onde as deliberações relativas à gestão da instituição que incidem sobre as próprias aspirações considerando as aprendizagens, métodos e organizações, a informação e a divulgação dos resultados obtidos são deveras importantes para que todos tenham uma dimensão da importância da participação de cada agente no processo educacional. O projeto educacional existente nas escolas deve ser uma produção oriunda de uma incansável audição, participação e colheita de resultados produzidos por todos os participantes do processo educacional

             

Referencias

BRASIL. Ministério da Educação. - MEC. Plano Nacional de Educação. Brasília, 2014. Disponível em: < http://www.mec.gov.br/pne. Acesso permanente

FUCK, I.  T.  (1994).  Alfabetização de Adultos.  Relato de uma experiência

 Construtivista. 2ª ed., Vozes, Petrópolis, 1994.

            LEITE, L. H. A. Pedagogia de projetos: Intervenção no Presente, Presença Pedagógica, Dimensão v. 2, n. 8. (pp. 25 – 33). Belo Horizonte. 1996. 

LERNER, Delia. Ensenãr en la Diversidad. Conferencia dictada en las Primeras Jornadas de Educación Intercultural de la Provincia de Buenos Aires: Género, generaciones y etnicidades en los mapas escolares contemporáneos. Dirección de Modalidad de Educación Intercultural. La Plata, 28 de junio de 2007. Texto publicado en Lectura y Vida. Revista Latinoamericana de Lectura. Buenos Aires, v.26, n.4, dez. 2007.

LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática/ 5 ed. Revista e ampliada. Goiânia; MF livros, 2008.

MOREIRA, A.F.B. Multiculturalismo, currículo e formação de professores.  In Currículo: políticas e práticas. Papirus, (pp. 81 – 96), Campinas, 2001, Brasil.

ROMANI, et al.  Estação:  Paulo Freire.  In:  Lucchesi, M. A.  S. (Org.), Conhecimento e pesquisa no mestrado em educação: pesquisa em pós-graduação. Santos. L. 2004

SÁ, L. L. Z. R. & Reis. Pedagogia Diferenciada – Uma forma de aprender a aprender. Cadernos do CRIAP, n.º 19. Asa Editores, Porto, 2001.

SOUTA, L. Multiculturalidade e educação.  Profedições, distribuição Odil, Setúbal. 2007