Dieta do Mediterrâneo
Publicado em 21 de janeiro de 2013 por Fabrício Cinque de Proença Franco
Ancel Keys, pesquisador da Universidade de Minnesota, reparou no início dos anos 40 que as doenças cardiovasculares estavam relacionadas ao modo de vida e à forma como as pessoas nos Estados Unidos se alimentavam. Naquela época, o número de mortes por ataque cardíaco em homens de meia-idade já se revelava alto em comparação com outros países onde as pessoas tinham uma dieta mais simples. A fim de analisar essa relação, Keys conduziu um estudo internacional e de longo prazo em vários países do mundo. Chamado de Seven Countries Study (Estudo dos Sete Países), o trabalho foi conduzido a partir dos anos 50 nos Estados Unidos, Finlândia, Holanda, Itália, Iugoslávia, Grécia e Japão. Após muita análise e críticas sobre o espaço amostral utilizado (sete países era considerado pouco para a consideração dos resultados) Keys descobriu uma surpreendente dieta que incluía alimentos capazes de manter uma vida saudável e mais duradoura, a chamada dieta do Mediterrâneo.
O mar mediterrâneo é cercado por três continentes cujas diferenças culturais são díspares, o sul da Europa, o Oriente Médio e o norte da África. No entanto, as condições climáticas e a geografia em comum permitiram o desenvolvimento de culturas semelhantes que influenciaram seu padrão alimentar desde a antiguidade. Por isso, identifica-se o mesmo tipo de alimentação desde a Espanha, França e Itália até o Marrocos e a Grécia. Uma dieta que inclui no cardápio frutas, verduras, cereais integrais, sementes oleaginosas (castanhas, nozes), plantas leguminosas (lentilha, grão-de-bico), peixes e laticínios. Tudo temperado com azeite extravirgem à vontade e uma taça diária de vinho tinto.
Keys percebeu que os habitantes dessa região apresentavam baixos índices de doenças crônicas e alta expectativa de vida. Tudo graças ao seu hábito alimentar tradicional e ao fato de evitarem o consumo de carnes vermelhas, gorduras saturadas, refrigerantes, doces e produtos industrializados, tudo aquilo que os americanos mais apreciam. A partir desta constatação, Keys anunciou ao mundo a dieta como um conjunto de hábitos alimentares essencial à saúde, uma dieta capaz de prevenir doenças e manter uma vida com mais qualidade e vitalidade.
Para entender como essa dieta funciona, evitando doenças cardíacas, acidentes vasculares e cânceres, devemos compreender o potencial nutritivo dos itens alimentícios consumidos.
Frutas e hortaliças possuem alto teor de fibras, que ajudam na motilidade intestinal e na excreção de colesterol e gorduras através das fezes. Além disso, contam com boas concentrações de substâncias antioxidantes capazes de retardar o envelhecimento das células e evitar o câncer, tais como as vitaminas C e E, o licopeno e o beta-caroteno. Os cereais, por sua vez, tais como o trigo e o arroz, são excelentes fontes de carboidratos e calorias. O fato de serem consumidos na forma integral inclui a ingestão de vitaminas do complexo B, como a tiamina (B1), e fibras. Isso garante energia, vitalidade e boa digestão.
Lentilhas, ervilhas e grão-de-bico são sementes de vegetais leguminosos e apresentam alto teor de proteína vegetal, além de fibras. Os povos mediterrâneos costumam ingeri-los diariamente, bem como nozes e castanhas. Carnes vermelhas, que são as principais fontes protéicas nas dietas ocidentais, são consumidas com extrema parcimônia na dieta mediterrânea, algo em torno de duas a três vezes por mês. A substituição da carne vermelha pelas leguminosas como fonte de proteínas é uma das principais vantagens da dieta, pois evita os conhecidos malefícios da ingestão frequente de carne bovina e suína.
As atividades pesqueiras da costa mediterrânea garantem o fornecimento de pescado de qualidade, o que justifica um amplo consumo de peixes e frutos-do-mar. Esses alimentos, combinados com nozes e castanhas, oferecem proteínas e lipídios essenciais. Os peixes e as oleaginosas possuem gorduras poliinsaturadas como o ômega-3 que reconhecidamente ajudam a prevenir a hipercolesterolemia, ou seja, o aumento do colesterol no sangue. Com os níveis de colesterol sanguíneo sob controle, o indivíduo fica menos propenso a ser vitimado por doenças cardiovasculares. Além disso, os ômegas dos peixes garantem a saúde das células nervosas, auxiliando a memória.
Além dos peixes, a região também possui condições adequadas para a produção de azeite extravirgem, um dos principais símbolos da dieta do Mediterrâneo. Desde a antiguidade, esses povos mantêm a tradição de temperar alimentos e saladas com azeite e esse hábito, da mesma forma que a ingestão de pescado, controla o colesterol, evitando problemas cardíacos. Sabe-se que o azeite aumenta os níveis de HDL (High Density Lipoprotein), o chamado “colesterol bom”, mantendo a corrente sanguínea livre das placas de ateroma responsáveis pelos infartos e acidentes vasculares. Outra vantagem do azeite está na sua concentração de polifenóis, substâncias antioxidantes que, como já vimos, retardam o envelhecimento e previnem o desenvolvimento do câncer.
A ingestão de vinho tinto ou suco de uva, muito comum durante ou após as refeições, coroa a dieta do Mediterrâneo como a mais saudável do mundo. As uvas também possuem polifenóis antioxidantes, como os flavonóides e o resveratrol, que atuam da mesma forma que o azeite. Portanto, mantêm uma aparência jovial e um sangue livre de colesterol ruim.
Diante de tantos benefícios, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) declarou em novembro de 2010 a dieta do Mediterrâneo como Patrimônio Imaterial da Humanidade. Foi a primeira vez que uma tradição alimentar passou a figurar numa lista de patrimônios da humanidade, reforçando mais ainda o seu valor tanto na manutenção da qualidade de vida e saúde como na manifestação cultural de uma região. O reconhecimento dessa dieta nos mostra que é possível viver mais e melhor apenas com uma alimentação balanceada e adequada. Pense bem nisso quando for fazer sua próxima refeição. Salute e buon appetito!!
Fabrício Proença
Biólogo, Professor e Redator-Chefe da Revista Vita Naturalis
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