Segundo Zilá Bernd O Romantismo realizou uma revolução estética que querendo dar à literatura brasileira o caráter nacional, agiu como força sacralizante1 Assim pode-se supor que a fase indianista e a fase social foram de fundamental importância para a solidificação nacionalista de seus mitos. Entre estas duas fases tem-se a segunda geração romântica da qual faz parte Manuel Antonio Álvares de Azevedo, foco do presente estudo e principal representante do período individualista e subjetivista. As muitas faces de seus escritos apresentam como marca recorrente o conhecido ultra-romantismo, aspecto que o caracterizou como legítimo representante do mal do século e também como um autêntico byroniano. A biografia deste escritor mostra que ele é autor de uma obra razoavelmente extensa para quem viveu tão pouco tempo; apenas vinte e um anos, logo, devido à curta existência, toda a sua obra é póstuma.

Sabe-se que a obra de Álvares de Azevedo reúne poesia, teatro, conto, romance e prosa crítica. Esta ultima é composta de discursos e de cartas.

Este breve estudo pretende focalizar, em especial, as cartas escritas por Álvares de Azevedo para sua família e seu amigo Luiz Nunes. Convém destacar que tanto as suas cartas quanto sua poesia são importantes testemunhas da história pessoal desse escritor. Estas produções situadas entre o indianismo de Gonçalves Dias e o engajamento literário de Castro Alves refletem um jeito especial de sentir o cotidiano do país, já que alia preocupações rotineiras a confissões de sentimentos íntimos, trazendo as marcas de sua personalidade melancólica, zombeteira e masoquista.

Pretende-se focalizar nos textos epistolares de Álvares de Azevedo os percursos percorridos no sentido de questionar preceitos estéticos convencionais, tendo como foco de especial atenção à extrema consciência crítico-estética em que ocorrem questionamentos e até ironização a cerca dos fundamentos canônicos do romantismo. Percebe-se com isso que ele insinua a dessacralização de imagens e conceitos mitificados: "Tudo isto é sublime nos livros, mas é soberanamente desagradável na realidade!".2 Pode-se dizer que em alguns momentos Álvares de Azevedo desconstrói os espaços paradisíacos evocados por José de Alencar para evidenciar outros espaços através de uma descrição realista que se opõe aquelas ritualizadas.

A característica intrigante de sua obra reside na articulação consciente de um projeto literário baseado na contradição, talvez a contradição que ele próprio sentisse na condição de adolescente submetido aos dualismos que caracterizam a linguagem romântica. Tal contradição é perfeitamente visível nas partes que formam sua obra principal, a Lira dos Vinte Anos. Na primeira e na terceira partes mostram um Álvares adolescente, casto, sentimental e ingênuo. Já a segunda parte apresenta uma face irreverente, irônica, macabra e por vezes orgíaca e degradada, um jovem em conflito com a realidade, tragado pelos vícios e amadurecido precocemente.