Estrutura Familiar Umbandista

Quando ouço falar assim: aí que a Umbanda perdeu sua raíz, agora tudo é curso e tecnologia, eu tinha saudade do terreiro de chão batido onde todos ficavam sentados ouvindo o Preto-Velho falando, pitando e tomando seu cafezinho.

Ao meu ver quando o nosso saudosismo nos remete  à um passado que nos alegra, é porque esse atual presente é e está sendo infeliz. Veja bem, eu posso pensar na minha vó materna e dizer: aí que saudade daquele tempo em que eu ficava com minha vózinha e ela fazia aquele café gostoso no fogão a lenha coado no coador de  pano e ficávamos conversando naquela sua casinha de sapê. Porém não é o cenário que nos faz falta! O que não percebemos é que o que nos faz falta não é o cenário ou uma busca por uma Umbanda tradicional, não é a casa de sapê ou o cafezinho no fogão à lenha, o que nos faz falta é o acolhimento, o aconchego, o tempo que não conta quando conversamos, o zelo e o respeito no trato, olhar no olho, o orgulho do filho, do neto e do Pai. Não é forrando o chão do nosso terreiro com terra batida e tirando os microfones dos templos que vamos melhorar a religião, não é mudando o cenário e sim mudando o comportamento, restabelecendo a noção de família tão bem empregada e revelada nas próprias linhas de trabalhos na Umbanda. É restabelecendo o êxtase de quando saudarmos um guia espiritual, ali nos ajoelhar, cruzar o solo, bater a cabeça, beijarmos a mão do guia e dizer: a vossa benção vozinho (a) paizinho ou mãezinha, a vossa benção, o vosso amparo e a vossa guia, e quando ainda de joelhos esse Preto-Velho afagar sua cabeça com carinho, ali você derramar uma lágrima discreta de gratidão e sentir o amor verdadeiro de um espírito ancião que é distinguido pelo grau divino de avô, justamente por ter esse espírito já formando centenas de pais, que já lhe deram milhares de netos e bisnetos, e você é só mais um na imensidão de netos que Olorum o confiou a este Preto-Velho. Isso sim é voltar a raiz verdadeira de Umbanda, e não querer retirar toda a tecnologia a disposição da religião dizendo que isso anula a tradição querendo reviver um cenário vazio. Para mim um trabalho de Umbanda só se justifica quando eu cumpro esse ritual que me emociona,e ajoelhando diante de uma entidade cruzando o solo, colocando as mãos no seus pés, aguardando que ele autorize para que eu levante, beijar a mão desse Pai, pedir a sua bênção, proteção, amparo e sua guia, e ser abraçado por este guia num ato de amor que nos preenche no fundo da alma. Isso é voltar a raiz da verdadeira Umbanda. É o respeito e a admiração do filho para com o Pai, e deste para com seu filho, orgulhando-se dos passos de seus filhos e futuros netos de santo. É o reconhecimento da deferência que este grau Sagrado (Pai no Santo) representa e o reconhecimento da dádiva divina e satisfação que o grau Filho do Pai no Santo representa. Devemos nos ater a isso, pois somente dessa forma, não iremos procurar afeto no passado tornando nosso amor saudosista. Quer resgatar a estrutura familiar Umbandista? Resgate os valores que são imprescindíveis a uma estrutura famíliar e aí não importará se seu terreiro mudou, está maior, está com cursos, etc. Pois os valores, o respeito, a reverência e o amor estarão sendo exercidos em sua plenitude. É dentro do seio da família que se forma um bom filho de Umbanda e só o amor a tudo nivela. Ame, reverêncie, honre e respeite seu Pai que será respeitado pelos seus filhos, ame seus filhos que será amado pelos seus netos. Quer resgatar a estrutura familiar na religião, resgate seus valores, pois o cheiro do café quente da querida vovó nada mais é que o perfume do amor que com zelo lhe serve delicadamente uma chicara de café, a criança correndo, brincando e sorrindo no terreiro nada mais é que o movimento do amor girando a sua volta, os passos vagarosos do Preto-Velho nada mais é que a calma e a serenidade que só o amor proporciona. Seja como seu Avô Preto-Velho, como seu Paizinho Caboclo, como seu Sobrinho Erê, como seu Compadre Exu, como se Tio Antônio e Tia Maria e assim será um bom filho de Umbanda, respeitador do seu Pai e orgulhoso dos seus filhos e netos.

Lembre-se: a religião é rica em sentimentos e as pessoas buscam na religião primeiro os sentimentos que preencham os sentidos da sua vida e depois fundamentos que as amparam, porém acabando o sentimento, acaba o real sentido da religião.

Família e religião são sinônimos e essa realidade nos traz a tona um assunto já adormecido em nossa memória religiosa. Assunto esse que faz parte da genealogia da Umbanda, ou a origem e a finalidade da estrutura da religião de Umbanda. Por de traz de uma distinção divina que começa no Orum com os Orixás e a chega até nós no Aye. Distinção do grau divino chamado de Pai e Mãe que começa nos Orixás no plano divino e sublime da criação e acaba em nós com o grau sacerdotal Pai ou Mãe no santo no plano mais denso da criação. Uma estrutura religiosa que é composta em sua liturgia com graus de distinção que começa com vovô pretos e vovós pretas velhas, tio e tia... saudoso tio Antônio e tia Maria, com os Paizinhos e Mãezinha, compadres e comadres Exus, com os Erês, que nos chama de tios ou irmãos de seus Pais. E o que está por de traz dessa estrutura? A resposta é Familia Sagrada ou Sagrada Família!
Familia é um grupo de pessoas com ancestralidade comum, ancestralidade que começa em Deus a árvore genealógica e raiz sustentadora de todos os frutos que sua diversidade, pluralidade e magnitude é capaz de gerar. Um assunto propício e chegado em boa hora para relembrarmos que sem família não se tem uma ancestralidade, só é Pai quem foi formado por um Pai, só é avô aquele que formou um filho em que esse Filho se tornou Pai e esse Pai formou filhos que são netos cujo avô se renova no fruto bendito da sua descendência. Entendermos nossa Religião e entender sua estrutura familiar, pensar sua estrutura familiar e viver o seu pensamento.

Creio que uma pessoa busca na religião o acolhimento, o amparo, o carinho, a confiança, o amor, o aconchego, a força para seguir adiante, e assim tudo que uma família bem estruturada oferece. Umbanda é isso, todos sentados em volta do Preto-Velho ouvindo suas histórias ou conselhos e nos emocionando com eles, Umbanda é o abraço do Preto-Velho, é o agarrar firme na mão do Caboclo, é se deixar alegrar com os baianos, se contagiar com a simplicidade do marinheiro, permitir gargalhar junto com Exu diante de um problema que a primeira vista é insolúvel. Umbanda é família, por que todos procuram a Umbanda para preencher um vazio familiar ou um vazio de Deus. Deveríamos estimular mais essa estrutura e modelo familiar que começa em Olorum e sua família divina e depois se expande nos guias protetores e na sua família espiritual. Os próprios pontos cantados enaltecem a família espiritual de Aruanda, tem um ponto do Caboclo Folha Verde que toda vez que canto eu me emociono, é assim: Seu Folha Verde se perdeu nas matas e a Jurema achou e acabou de criar, hoje ele é um grande guerreiro é filho da Jurema e neto do seu Cobra-Coral. Nesse ponto está implícito a história de uma criança perdida que foi acolhida e adotada num berço familiar, foi alimentada de fé, carinho e esclarecimento, tornou-se um grande guerreiro e um homem de bem, neto da Cobra-Coral (neto da justiça, da lei, do equilíbrio). Um ponto muito lindo que relata a história de muitos que chegam na Umbanda sem esperança e que lá é acolhido como filho, amado, alimentado de fé e torna-se um homen de bem. A Umbanda é transformadora justamente por possuir em sua estrutura um modelo familiar que começa lá nos Orixás e deságua em nós. No livro cavaleiro do arco-iris, essa estrutura está bem descrita. Devemos erguer e reavivar essa bandeira na Umbanda. Axé e Saravá a família Umbandista.