D E U S  P O R  T A B E L A

            Uma das marcas registradas nos sermões pregados hoje é o lugar decepcionante que ocupa a pessoa do Altíssimo. Primeiramente vem um personagem, ou um fato, ou ainda um conceito, para depois surgir, em meio à nebulosa humana, a figura de Deus. Sem que haja um referencial além da figura do Altíssimo, Ele não pode ser referido, uma vez que falta uma visão mais objetiva do que realmente seria o “Eu sou”. Nesse contexto de inversão, Deus aparece como um figurante, um pano de fundo no grande cenário religioso, onde os feitos humanos suplantam as ações do digno Ser. Tomemos como exemplo Elias ou mesmo Davi, que nas prédicas passam a ocupar lugar de destaque, levando o ouvinte a ater-se mais à postura dos referidos personagens, que propriamente ao que o Criador fez e colocou nessas pessoas. Dessa forma, os méritos ficam quase que totalmente com o ser criado, onde as atribuições de cada personagem suplantam os maravilhosos feitos do Altíssimo. A bem da verdade, seria como um jogador passar uma bola ao colega e esta, no trajeto, resvalar no juiz, entrando entre as traves. Um gol marcado por casualidade, em que os méritos ficam com o juiz. O atleta que chutou a bola pode sair do estádio até sob vaias, em meio às interjeições pejorativas por parte da torcida.

          Partindo do exposto temos um estado deficitário, no qual prevalecem sempre os paradoxos, com consequências negativas entre o conceito que fazem de Deus e o lugar que as criaturas ocupam. Como dissemos – e é aqui que entram as inversões de valores – Deus surge no drama humana como uma figura  quase aleatória, podendo ou não ser destacada como o ápice das ações, uma vez que a mente do indivíduo se firma mais no elemento visado, que propriamente no responsável por tudo que ocorre no contexto humano. Com efeito, a pregação moderna destronou Deus do seu lugar, passando a enfatizar o consequente em detrimento da causa primária. É o efeito tomando o lugar da causa. É sabido que no binômio causa-efeito, o primeiro elemento  gera o segundo, e que este só existe em função do primeiro. Ao atribuir valores primeiramente ao segundo, perde-se de vista – praticamente – o primeiro. Isso porque, as ações da criatura passam a ter um peso equivalente, ou acima do Criador. Não é isso que vem acontecendo no grande cenário religioso da atualidade?

         Não precisamos ir muito além das esferas tradicionais para cientificarmos como isso é extremamente prejudicial ao conceito sobre Deus. Em nossas greis essa forma de encarar Deus não tem trazido um estado latente, que diga respeito aos membros terem uma visão mais acurada do Criador, muito menos receberem a necessária edificação espiritual. Sempre que entra um referencial humano em primeiro lugar, com seus feitos até maravilhosos, o Eterno passa a ocupar lugar secundário em importância. No catolicismo esse procedimento é mais que corriqueiro. Atenções a seres santificados suplantam em escala ascendente o pouco que é dirigido ao Criador. Um devoto tem como estrela principal em sua devoção a figura de um ser, que a igreja colocou como um intermediário na hierarquia religiosa. Dessa forma é a criatura que ocupa o lugar proeminente na devoção dos fiéis. Primeiramente vão aos subalternos, os depositários da graça  e poder de intercessão – segundo a igreja -   para depois, com pouca atenção, referirem-se a Deus. É, sem dúvida, o lugar de honra de Deus tomado pelos seres criados. Pior quando uma figura representativa se torna o ápice da devoção. Efemérides jamais vistas tem seu lugar cativo no seio da religiosidade dominante. Um país quase inteiro, num determinado dia, se congraça em efusivas homenagens pirotécnicas a um ícone que suplanta em muito os parcos oferecimentos ao Salvador. Tão alto este ponto, que a figura mariana ganhou um recinto emoldurado com as comendas de rainha. Enquanto isso Cristo, tem que assistir a tudo, como um simples consequente da genitora que o suplanta praticamente em tudo no que tange aos oferecimentos da religiosidade. Enormes caravanas se deslocam de rincões distantes, em demanda a um centro onde o comércio religioso, misturado aos folguedos, dignifica muito mais a criatura que propriamente o Criador. Cristo jamais recebeu tamanha honra. Se há recintos dedicados ao seu nome, não passam de meras capelas e algumas construções, mas nem de longe têm o mesmo fulgor da capital mariana!

        Enfatizando o exposto, detenhamo-nos por um momento na liturgia de um culto de adoração, onde o pregador se desdobra em emitir palavreados que demostrem sua formação, sua condição de orador. É quando entra o aspecto nada condizente com a finalidade de uma reunião. Até podemos perguntar: se é um culto de adoração a Deus, por que sermões? Qual a razão de transferir a verborragia, passando a dirigi-la à assistência, ao invés de dirigir palavras de exaltação a Deus? E por que o elemento visado é o homem, contrariando a finalidade do culto? Respondemos:  quando tal prática tem lugar, a cerimônia deixa de ser uma adoração, para se transformar num sermão didático, cujo elemento visado é o homem e não Deus. Nessa forma de reunião fica patente uma situação em que o foco da reunião tem como alvo a criatura em detrimento do criador. Vê-se que está em voga na atual conjuntura religiosa a super valorização do elemento humano, quando a ele é dado prioridades em receber, contrariando o que Deus requer de cada um.  Dessa forma o vértice das atenções é desviado da Causa – como dissemos – recaindo sobre a obra criada.

        Cerrando fileiras a esses desvios, as aglomerações neopentecostais primam-se por manterem o foco de suas reuniões no homem, outorgando-lhe sua finalidade precípua. Tanto que os apelos e direcionamentos recaem inteiramente sobre o o ser criado. Promessas de bens materiais, curas e um rosário de atribuições têm como endereço certo o feito à imagem não conforme a semelhança. É como o personagem de uma pintura tomando o lugar do pintor. É Deus, transformado em servo a serviço do patrão. Ele é solicitado quando a necessidade bate à porta e, prontamente tem que atender os rogos do solicitante. Entram ai as figuras dos denominados “homens de Deus’, que por justa razão, dado a caráter invertido do lugar ocupado pelo homem, deveriam ser considerados “homens dos homens”, e não de Deus, visto que a razão, a finalidade de ostentarem esse título tem sido o homem em toda sua abrangência. Rematamos nosso modesto trabalho com uma preciosidade de um desses “homens de Deus:  “Deus é obrigado a fazer prosperar os homens”.  Ante essa suposta subordinação do criador à sua criatura, cremos não haver necessidade de dizer mais nada!