Deus ético e tolerante

Geraldo Barboza de Carvalho

Javé, Deus dos Patriarcas e Profetas, Deus Pai, Deus Mãe, Deus Filho, Deus trino e uno é Deus do direito e da justiça, Deus ético por antonomásia. Javé fala e realiza o que fala. Quem optou livremente viver pela fé em Jesus Cristo tornou-se profeta do Senhor, com a missão de testemunhar o direito e a justiça, falar e fazer o que Jesus falou e fez, e ensi-nar os irmãos a praticar tudo que Jesus ensinou. "Como o Pai me enviou, eu também vos envio. Recebei o Espírito Santo. Vós sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra. Ide por todo o mundo, proclamai o Evange-lho a toda criatura. Fazei que todas as nações se tornem discípulos meus, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos. Eles saí-am a pregar por toda parte, agindo com eles o Senhor, confirmando a Palavra por meio dos sinais que a acompanhavam. Estes são os sinais que acompanharão os que tiverem crido: em meu nome expulsarão demônios, falarão novas línguas, pegarão em serpentes, e se beberem algum veneno mortífero, nada sofrerão; imporão as mãos aos enfermos es-tes ficarão curados" Jo 20,21-22; At 1,8; Mc 16,15-20; Mt 28,19-20. Os profetas da no-va aliança são revestidos do mesmo Espírito que revestia Moisés e que ele transmitiu aos 72 anciãos, colaboradores seus na condução do povo, aos artesãos que construíram a Ar-ca da Aliança, que guardava as Tábuas da Lei dadas no Sinai, e aos profetas. "Suscitarei do meio dos irmãos um profeta semelhante a ti. Porei as minhas palavras em sua boca e ele lhes comunicará tudo o que eu lhe ordenar. Eu mesmo pedirei conta a quem não es-cutar as palavras que o profeta pronunciar em meu nome. Mas o profeta que ousar dizer em meu nome coisa que não lhe mandei, ou falar em meu nome de outros deuses, esse profeta deverá morrer. E se te perguntares: como posso distinguir a palavra que não vem do Senhor, nisto terás um sinal: se não acontecer nem se realizar o que esse profeta falar em nome do Senhor, então o Senhor não lhe disse tal coisa. Foi o profeta que o inventou por presunção. Por isso, não o temerás"18,18-22. A fé é o poder de Deus que apaga nos-sos pecados, nos justifica, comunica-nos a santidade de Deus e nos torna aptos a fazer e falar as coisas de Deus, com a autoridade e o poder decisório dele: "Tudo o que ligardes na terra será ligado no céu; tudo que desligardes na terra será desligado nos céu" Mt 18, 18. A salvação vem, pois, pela fé em Jesus Cristo,sem levar em conta a vida pregressa do fiel."Todos me conhecerão. Porque vou perdoar sua culpa e não me lembrarei mais do seu pecado" Jr 31,34.Dimas tinha uma vida pregressa eticamente perversa, pois era ladrão. Mas ganhou a vida eterna quando, pregado na cruz ao lado de Jesus, invocou a misericórdia do Redentor: "Jesus, lembra-te de mim, quando vieres em teu Reino. Jesus respondeu: Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no Paraíso" Lc 23,42-43. A vida pecaminosa do ladrão não foi obstáculo para salvar-se, já que recorreu ao meio adequa-do de salvar: a fé em Jesus Cristo. Contudo, Dimas à parte, só permanece unido à videira e vive a sua vida, quem, a partir da adesão a Jesus pela fé, começar a ser ético, a praticar o direito e a justiça,os valores éticos fundamentais do Reino de Deus, a marca registrada da santidade de Javé. Vida pregressa eticamente corrompida não é obstáculo à salvação, pois "Javé perdoa os pecados do perverso sem guardar lembrança de nenhum deles". Javé perdoa os pecados sem cobrar reparação pelos desaforos que sofreu do pecador. Se ele se arrepende sinceramente e aceita o perdão de Deus, imediatamente é enxertado na videira, viverá na amizade do Pai. Não interessa a Javé o passado, mas o futuro do peca-dor. Por isso, Javé exige dos que crêem nele a prática do direito e da justiça, pois crer é incorporar os valores conaturais à SS. Trindade, a origem da fé e dos valores éticos. Por isso, não faz sentido dissociar fé e vida ética. Quem vive pela fé pratica as obras que Je-sus pratica, pois incorpora os valores que ele vive. O primeiro sinal da falsa fé é a mente tortuosa que prática a injustiça. A iniqüidade provoca indignação a Javé, cuja santidade repele toda maldade. Não há como compactuar a santidade de Javé com maldade, falta de ética. A santidade de Javé se expressa na prática do direito e da justiça, lugares teoló-gicos privilegiados, lugares de encontra com Jesus Cristo, pois a prática desses valores manifesta nosso amor ao próximo. "Se alguém, possuindo bens deste mundo, vê seu ir-mão na necessidade e lhe fecha o coração, como permanecerá nele o amor de Deus? Fi-lhinhos, não amemos com palavras ou com a língua, mas com ações e em verdade" 1 Jo 2,17-18. Amor é o principal lugar teologal, é a expressão da santidade de Deus. Amor que se traduz no respeito e cuidado de Javé por seus filhos e filhas, no respeito e cuidado dos filhos de Deus uns pelos outros, aliados dele na construção do Reino de Deus e nos-so. Jesus, o Filho amado Pai, reto, santo, é o Justo por antonomásia, cuja retidão traduz-se na misericórdia com os fracos, em especial os pecadores, os mais fragilizados porque distantes de Deus, embora não faça acepção de pessoas, não cometa injustiça, no intuito de proteger os fracos. Como parceiros da aliança eterna de Jesus, não podemos compac-tuar com a injustiça, com a opressão, sob pena de nos desligarmos da videira, tornarmo-nos ramos secos que serão queimados. Os galhos vivos da videira praticam a justiça e o direito, denunciam os desrespeitos ao direito e à justiça, em nome da fé, do amor por Je-sus Cristo e dos valores do Reino de Deus. Maria, a fiel e obediente serva de Javé, pau-tava a vida pelo espírito ético de Javé, o direito e a justiça, e expressa seu profundo sen-so ético quando proclama: "Minha alma glorifica Javé porque olhou para a humildade de sua serva, derrubou os poderosos do seu trono e elevou os humildes, saciou os famintos de bens, despediu os orgulhosos de mãos vazias, conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e da sua posteridade para sempre". Maria invoca Abraão como o refe-rencial ético do povo, em virtude dele ser, em primeiro lugar, referencial da fé do povo. Abraão não agradou Javé com sacrifícios ou oração bajulatória, mas oferecendo-lhe pão e vinho pelas mãos do sacerdote do Altíssimo, Melquisedec, e o próprio filho único Isa-ac. Nisto se manifesta a prática do direito e da justiça por Abraão. Por isso o hagiógrafo diz: "Abraão creu em Javé– praticou a fé– e lhe foi tido em conta de justiça" Gn 15,6. A fé do Patriarca se tornou paradigma para quem crê em Jesus Cristo. Sem praticar o direi-to e da justiça a fé cai no vazio do falso louvor. Não adianta querer agradar a Deus com belas orações, oferendas e sacrifícios, acender velas e velas, mas viver na injustiça. Javé abomina a mente tortuosa e a conduta perversa. "Eles me buscam todos os dias, mostram interesse em conhecer meus caminhos, como se fossem uma nação que pratica a justiça, que não abandona o direito estabelecido pelo seu Deus. Pedem leis justas, mostram inte-resse em estar junto de Deus. E me perguntam: 'Por que temos jejuado e tu não vês? Te-mos mortificado nossas almas e tu não tomas conhecimento disto'? A razão está em que, no mesmo dia do vosso jejum, correis atrás dos vossos negócios e explorais vossos tra-balhadores; a razão está em que jejuais para entregar-vos a contendas e rixas, ferirdes com punho perverso. Não continueis a jejuar como agora, se quereis que vossa voz seja ouvida nas alturas! Por acaso é este o jejum que escolhi, um dia em que o homem morti-fica sua alma? Por acaso é esse inclinar de cabeça como o junco, a esse fazer a cama so-bre o pano de saco e cinza, acaso é a isso que chamais jejum e dia agradável a Javé? Que me importam vossos inúmeros sacrifícios? Eu odeio e desprezo vossas festas e não gosto de vossas reuniões. Porque, se me ofereceis holocaustos, não me agradam vossas oferen-das e não olho para o sacrifício de vossos animais cevados. Estou farto de holocausto de carneiros e da gordura dos bezerros cevados; não tenho prazer no sangue de touros, car-neiros e bodes. Quando vindes à minha presença quem vos pediu que pisásseis os meus átrios? Afasta de mim o ruído de teus cantos, não posso ouvir o som de tuas harpas. Bas-ta de trazer-me oferendas vãs: elas são para mim um incenso abominável: não posso su-portar iniqüidade e solenidade juntas. Por acaso oferecestes-me sacrifícios e oferendas no deserto, durante quarenta anos, casa de Israel? Minha alma as detesta, elas são para mim um fardo; estou cansado de carregá-lo. Quando estendeis vossas mãos, desvio meus olhos de vós; ainda que multipliqueis a oração, não vos ouvirei. Vossas mãos estão cheia de sangue: lavai-vos, purificai-vos. Tirai da minha vista vossas más ações, cessai de pra-ticar o mal, aprendei a fazer o bem. Buscai o direito, corrigi o opressor! Fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva. Por acaso não consiste nisto o jejum que escolhi: rom-per os grilhões da iniqüidade, soltar as ataduras do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e despedaçar todo o jugo? Não consiste em repartires o teu pão com o faminto, recolher em tua casa os pobres desabrigados, vestires aquele que vês nu e não te esconderes da-quele que é tua carne? Se fizeres isto, então, poderemos discutir. Mesmo que vossos pe-cados sejam como escarlate, tornar-se-ão alvos como a neve; ainda que sejam vermelhos como carmesim tornar-se-ão como lã. Se estiverdes dispostos a ouvir, comereis o fruto precioso da terra e a tua luz romperá como a aurora, a cura das tuas feridas se operará ra-pidamente, tua justiça irá à tua frente e a glória de Javé irá à tua retaguarda. Que o direi-to corra como a água e a justiça como um rio caudaloso. Então clamarás e Javé respon-derá, clamarás por socorro e ele dirá: 'Eis-me aqui'! Isto, se afastares do teu meio o ju-go, o gesto ameaçador, a linguagem iníqua; se te privares para o faminto, se saciares o o-primido, a tua luz brilhará nas trevas, a escuridão será para ti como a claridade do meio-dia. Javé será o teu guia continuamente, e te assegurará a fartura, mesmo em terra árida; revigorará teus ossos, e serás como um jardim regado, como uma fonte borbulhante, cu-jas águas nunca faltam. Mas, se vos recusardes a ouvir e vos rebelardes, sereis devora-dos pela espada do Espírito, que é a Palavra de Deus. Da minha boca Javé fez uma espa-da cortante, da minha boca saia uma espada afiada com dois gumes. Pois, a Palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante que qualquer espada de dois gumes: penetra até di-vidir a alma e o espírito, junturas e medulas. Ela julga as disposições e intenções do co-ração. Não há criatura oculta à sua presença. Tudo está nu e descoberto aos olhos daque-le a quem devemos prestar contas. Ele vê tudo. Se eu disser: 'que as trevas escondam-me, não haja luz onde eu passar', pra ti a noite é clara como o dia, nada se oculta ao teu divino olhar. Para onde irei, longe do teu Espírito? Se subo ao céu ou me prostro no a-bismo, te encontro lá" Is 1, 11-20; 58,1-12; Am 5,21-25; Is 49,2; Hb 3,12-13.

Eis aí a seriedade do Deus ético: ninguém o engana com palavras falaciosas e orações sem sinceridade de coração. Cuidado, crentes! A vivência da fé passa pela vivência dos valores éticos, como carimbo das orações. Por mais fervorosa que seja a oração, nenhu-ma chega até Deus se não é acompanhada de vida ética. Por isso, o obstáculo para viver na intimidade com Deus não está em Deus, mas em quem vive se omitindo na prática do direito e da justiça, com as mãos sujas de obras más, tentando enganar Deus com lindas e vazias orações. "Não, a mão de Javé não é muito curta para salvar, nem seu ouvido tão duro que não possa ouvir. Antes, foram as vossas iniqüidades que criaram um abismo entre vós evosso Deus. Por causa dos vossos pecados Javé escondeu de vós seu rosto, para não vos ouvir. Com efeito, vossas mãos estão machadas de sangue e vossos dedos, de iniqüidade; e os vossos lábios falam mentira e a vossa língua profere maldade. Não há quem acuse com justiça, não há quem mova uma causa com lealdade. Todos põem sua confiança em coisas vãs e pronunciam falsidade, concebem trabalheira, dão à luz a iniqüidade. Os seus trabalhos são iníquos, ações violentas estão em suas mãos. Seus pés correm para o mal, apressam-se em derramar sangue inocente. Os seus pensamentos são iníquos: ruína e devastação estão em suas veredas. Por isso, o julgamento reto está longe de nós, a justiça não está a nosso alcance. Esperávamos a luz e o que veio foram trevas; a claridade, no entanto, caminhamos na escuridão. Porque são numerosas nossas trans-gressões contra Javé, e nossos pecados testificam contra nós. Nossas transgressões nos estão presentes; conhecemos nossas iniqüidades: rebelar-nos, negar Javé, afastar-nos do nosso Deus; proferir violência e revolta, conceber e meditar a mentira. O direito foi ex-pelido, mantém-se a justiça à distância, porque a verdade estrebuchou na praça e a reti-dão não pode apresentar-se. Javé viu e lhe pareceu mau que não houvesse direito. Então o braço de Javé veio em seu socorro e a justiça o sustentou. Virá um redentor de Sião a quem se converter da sua rebelião. Procurai Javé enquanto pode ser achado, invocai-o enquanto está perto. Abandone o ímpio seu caminho e o homem mau, seus pensamentos, e volte para Javé, pois terá compaixão dele" Is 55,6-7; 59,1-15.20. O redentor veio na Pessoa do Filho humanado, que assumiu vicariamente os pecados do povo, frutos da vi-da sem ética. Ele fará justiça Javé, pois trm vida ética perfeita: "Ele tem feito tudo bem" Mc 7,37. Fazer tudo bem feito é imitar o Criador que fez tudo bom, muito bom. Fazer tudo bem feito é a santidade. Jesus fazia tudo conforme o projeto do Pai, fazia-o confor-forme via o Pai fazer. Fazendo tudo bem feito, Jesus prestava culto perfeito ao Pai e de-sagravava os pecados do povo contra o direito e a justiça. Jesus é encarnação da paciên-cia de Javé com a fraqueza do seu povo pecador. Em Jesus, o Pai dá ao povo a oportuni-dade e tempo suficiente para se converter à prática dos valores do Reino. Jesus revela o Pai como modelo de paciência e perfeição moral, de respeito por seus filhos, até pelos 'maus e ingratos'. É surpreendente este aspecto da santidade de Javé revelado por Jesus. A santidade de Javé ofendida pela vida errada do povo rebelde fazia-o ameaçar o povo de vingança e destruição. O povo esperava aterrorizado o dia da vingança de Javé. "Ai daqueles que desejam o dia de Javé! Para que vos servirá o Dia de Javé? Tremam todos os habitantes da terra, porque está chegando o Dia de Javé. Ele será trevas e não luz. Ele é escuridão sem claridade. Um Dia de trevas e de escuridão, um dia de nuvens e obscu-ridade. Um dia de ira, aquele dia: dia de angústia e tribulação, dia de devastação e des-truição. Como alguém que foge de um leão e um urso cai sobre ele. Ou que entra em casa, coloca a mão na parede e a serpente o morde" Am 5,18-20; Sf 1,15; Jl 2,1-2. Com essas imagens fortes os profetas tentavam incutir na mente e coração do povo a serieda-de de não praticar o direito e da justiça, o fracasso de uma vida ética desregrada. O povo sabia disso, era aterrorizante sua expectativa do Dia da ira de Javé. Contrariando as ex-pectativas, o Dia de Javé chegou tão suavemente e sem estardalhaço na Pessoa de Jesus Menino, que ninguém notou sua chegada. Em vez do "dies irae", o Menino-Deus chegou na suavidade de uma noite no campo, em meio a animais, plantas e pastores, sob um céu de estrelas luzentes. Em vez de lamento e dor, alegria e louvor no céu e na terra. "Glória a Deus no mais alto dos céus, paz na terra aos homens que ele ama" Lc 2,14. Paz na ter-ra, em vez de pânico e pavor. "Rejubila, filha de Sião, solta gritos de alegria, Israel! Ale-gra-te e exulta de todo coração, filha de Jerusalém. Javé revogou a tua sentença (vingan-ça do Dia de Javé) e eliminou o teu inimigo. Javé, o rei de Israel está no meio de ti, não mais verás a desgraça. Naquele Dia, será dito a Jerusalém: 'Não temas, Sião! Não desfa-leçam tuas mãos! Javé, o teu Deus, está no meio de ti, um herói que salva (não pilha os vencidos). Ele exulta de alegria por tua causa, renovar-te-á por seu amor, regozija-se por tua causa com gritos de alegria, como nos dias de festa" Sf 3,15-18. Em vez da vingan-ça, misericórdia. Em lugar do castigo, a tolerância que dá nova oportunidade ao faltoso.

O Deus do direito e da justiça, que não compactua com a falta de ética, revela-se o Deus misericordioso e tolerante. Tolerância não é conivência com o mal, omissão ante o opressor. A tolerância é virtude dos fortes, não dos covardes, e caracteriza quem usa o poder para o bem de outrem, não para humilhar. Tolerar é dar nova oportunidade ao fal-toso, confiar que ele pode se regenerar. O intolerante olha o faltoso como irrecuperável, perdido, merecedor de desprezo. Ora, o Criador fez a substância do ser humano seme-melhante à substância divina: criou-nos perfeitos e bons. Mas o pecado nos corrompeu. "Corromperam-se os que sem tara Javé gerou, geração depravada, pervertida. Mas, te compadeces de todos, pois tudo podes, fechas os olhos diante dos pecados dos homens, para que se arrependam" Dt 32,5. Sem cessar Javé, nos convida a retornar ao convívio com o Deus da vida, amoroso Pai, diligente Irmão, consoladora Mãe. "Procurai Javé en-quanto pode ser achado, invocai-o enquanto está perto. Javé está perto de todos os que o invocam, de todos os que o invocam com sinceridade. Abandone o ímpio seu caminho e o homem mau seus pensamentos, e volte para Javé, pois terá compaixão dele, e para o nosso Deus, porque é rico em perdão" Is 55,6-7; Sl 144 (145),18; Sb 11,23. A tolerância é a face complacente da justiçade Javé, assim como o perdão ao faltoso é a face branda do direito. Portanto, tolerância e perdão são atributos do direito e da justiça, são valores éticos. É deste quilate a tolerância e o perdão de Javé, Deus ético por antonomásia. Por isso, os que vivem pela fé e levam vida ética são tolerantes com as fraquezas dos irmãos. Só os que são eticamente fracos, os insensatos são intolerantes, violentos, pretendem a justiça pela força. Confundem poder com a ignorância e força bruta. Ora a força da ética é a autonomia da pessoa, que assume livremente o próprio destino à luz da fé. Os intole-rantes são autoritários e querem o poder para controlar as liberdades pessoas. Mas, não é este o espírito do poder de Javé. "Javé, teu grande poder está sempre ao teu serviço. Fa-zer uso do poder está a teu alcance quando queres. Quem pode resistir à força do teu bra-ço? O mundo inteiro diante de ti é como o grão de areia na balança, como a gota de or-valho que de manhã cai sobre a terra. Tu te compadeces de todos, pois tudo podes. Pou-co a pouco corriges os que caem e os admoestas, lembrando-lhes as faltas, para que afas-tem-se do mal e creiam em ti, Javé. Porque são teus, todos perdoas, Javé, que amas a vi-da. Sim, tu amas tudo o que criaste, não te aborreces com nada do que fizeste; se tivesses odiado alguma coisa, não a terias feito. E como poderia alguma coisa subsistir, se não a tivesses querido? Como conservaria a existência, se não a tivesses chamado? Dispuseste tudo com medida, número e peso. Por seres justo, governas o universo com justiça e es-timas incompatível com o teu poder condenar quem não merece castigo. Pois tua força é o princípio da justiça, por seres o Senhor de todos, todos perdoas com justiça. Dominan-do tua força, julgas com moderação e nos governas com muita indulgência" Sb 11,20-12,1-2;15-16.18. Este é o Deus da minha fé, Javé, Deus do direito e da justiça, que me conhece, que eu conheço, que me ama, que eu amo. Ele me conquistou desde que conhe-ci sua Palavra e descobri o tamanho de sua bondade, a imensidão da sua misericórdia, a ternura do seu coração de Pai, o calor de seu coração de Mãe, o companheirismo do co-ração do Filho, que me fez seu irmão, membro da Família divina. Tudo isto somado con-figura a tolerância de Javé, Deus que ama perdoar, não condenar; que criou todas as coi-sas por amor e ama tudo que criou. "Se fosse para odiar não teria criado de modo algum. Deus é amor". O amor só sabe amar. Por isso, Javé tudo faz para o bom êxito da criação. A tolerância é a marca indelével, o caráter de Javé, Deus de Abraão, Isaac, Jacó, Moisés, dos profetas, de Jesus Cristo, Deus Pai das misericórdias, Pai da compaixão, cuja bonda-de estende-se a toda criatura, do céu e da terra. "Javé, Javé, Deus de compaixão e pieda-de, lento para a cólera e cheio de amor e fidelidade; que guarda o seu amor a milhares, tolera a falta, a transgressão e o pecado. Javé é um fogo devorador, um Deus ciumento, que a ninguém deixa impune, mas castiga a iniqüidade dos pais nos filhos e nos filhos de seus filhos, até a terceira e a quarta geração dos que o odeiam, mas também age com amor até a milésima geração para aqueles que o amam e guardam seus mandamentos. Bendize a Javé, ó minha alma, e tudo que há em mim, seu santo nome. Não te esqueças de nenhum dos seus benefícios. É ele que perdoa tua culpa toda e cura todos teus males. Javé realiza atos justos, faz justiça a todos os oprimidos. Javé é piedade e compaixão, lento para a cólera, cheio de amor; não vai disputar perpetuamente, seu rancor não dura para sempre. Não nos trata conforme nossos erros, nem nos devolve segundo nossas cul-pas. Como um pai é compassivo com os filhos, Javé é compassivo com aqueles que o te-mem; porque conhece nossa estrutura e sabe do pó que somos" Ex 20,5-6; 34,6-7; Dt 4, 24; Sl 102 (103),1-3.6.8-10.13-14. A tolerância de Javé brota da sua justiça, que é da na-tureza da sua santidade: sabendo que somos fracos, contém seu poder. Por isso, tolerar o mal não é fazer de conta que não existe, omitir-se diante dele, nada fazer para extirpá-lo. Tolerar o pecado, as transgressões, o mal é ter paciência proativa com os faltosos, viver em paz com os transgressores, levar em conta a fragilidade humana, dando tempo ao ar-rependimento, à conversão. Antes deste estágio da revelação, os hagiógrafos mostravam Javé como justiça implacável, intolerante, amargo remédio contra o pecado. Depois, ob-servando o sofrimento decorrente da rebeldia do povo, descobriram que a tolerância de Javé supera sua justiça vingativa. A tolerância com os pecadores transformou a justiça de Javé misericórdia que perdoa. A possibilidade conatural de falir, a tendência natural ao pecado, a fragilidade humana, a concupiscência tornaram-se poderosos álibis, fortes atenuantes dos pecadores diante de Deus. Javé descobriu que não é justo castigar quem não merece castigo, pois erra por fraqueza, mais que por maldade deliberada. Daí, tendo em vista a fragilidade humana, a justiça que acusa e condena tornou-se tolerância que modera o castigo, misericórdia que acolhe e perdoa quem merece ser rejeitado, julgado e castigado. A tolerância, a paciência, a compaixão, a misericórdia, o perdão gratuito das dívidas com Deus provam a largueza do coração de Javé, que não tem prazer em conde-nar, mas ama perdoar. Jesus espelha a tolerância de Javé quando diz: "Deus amou tanto o mundo que enviou seu Filho único, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Quando ainda éramos fracos Cristo, no tempo marcado, morreu pelos ímpios. Dificilmente alguém dá a vida por um justo; por um ho-mem de bem talvez haja alguém que se disponha a morrer. Mas Deus demonstrou seu a-mor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós quando ainda éramos pecado-res. Por isso, quem nele crê não será julgado, pois passou da morte à vida, mediante a fé. Nisto se manifestou o amor de Deus por nós: Ele enviou o seu Filho único ao mundo pa-ra que vivamos por ele. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos Deus, mas e-le nos amou primeiro, e enviou seu Filho como vítima de expiação por nossos pecados" Jo 3,17; Rm 5,6-8; 1Jo 4,9-10.19. A vida eticamente desregrada causa sofrimento nos fi- lhos e comove o coração do Pai e do seu enviado, Jesus Cristo. Compadecido da nossa desgraça, o Filho humanado assumiu nossas iniquidades em seu corpo santo, feito peca-do por opção de amor, e morreu com elas na cruz como vítima de expiação, como bode expiatório da antiga aliança. Mas, Jesus é o Cordeiro de Deus da nova aliança, que apaga os pecados pessoais e do mundo no seu sangue, mediante a expiação vicária das nossas culpas. Com isto, aproximou os pecadores novamente de Deus, do qual a vida pecami-nosa, sem ética os havia afastado. Durante sua vida pública, Jesus prova a tolerância do Pai aproximando-se dos pecadores em seu Nome, deixando-se tocar, abraçar por eles, ouve suas necessidades, cura-lhes as mazelas físicas, morais, sociais, espirituais. Os fari-seus, doutores, sacerdotes afastavam-se do povo para não se contaminarem, pois consi-deravam impuros os que não cumpriam a Lei. Jesus, o Santo de Deus, mostra com seu exemplo que o que suja o ser humano não é o que vem de fora, mas de dentro do cora-ção malicioso: maus propósitos, más palavras, ódio, todo o lixo ético que suja o coração humano e o torna inapto para amar Deus e o próximo. Misturando-se com os pecadores, em vez de se contaminar, Jesus os purificava, santificava, elevava-lhes a auto-estima e e-liminando a paralisia psicológica que os impedia de assumir a própria identidade, levan-do-os a conquistar lugar na sociedade. Jesus inaugura a nova lei do amor sem restriçãoou medida, particularmente com os marginalizados pelas autoridades do Templo. Os fa-riseus e doutores condenavam a aproximação de Jesus da massa de miseráveis de Israel, que eles tratavam com desdém: "Se ele fosse santo não comeria com os pecadores. Se soubes-se quem é esta mulher, não a deixaria lavar seus pés e enxugá-los com os cabe-los". Em resposta a tão deslavado moralismo, Jesus lhes respondia: "Não são os sadios que precisam de médico, mas os doentes; não são os santos que precisam de salvação, mas os pecadores. Eu vim buscar e salvar as ovelhas perdidas de Israel". Jesus é a perso-nificação encarnada da tolerância, da compaixão de Javé com os pobres dos pobres, os pecadores. A massa de pobres abandonados como ovelhas sem pastor percebia o carinho de Jesus por eles e se sentiam amados. Tolerando o pecado e o pecador, em nome da jus- tiça e do direito, da santidade de Deus, Jesus é trigo (misericórdia) no meio do joio (du-reza de coração), sem se tornar joio, sem deixar de ser santo, mas santificando os que es-tavam perto dele. O tolerante não perde a identidade por misturar-se com pessoas de má fama, discriminadas pela sociedade, mas se dá bem com todos para tentar ganhar todos. "Ainda que livre em relação a todos, fiz-me servo de todos, a fim de ganhar o maior nú-mero possível. Para os judeus fiz-me como judeu, para ganhar os judeus. Para os fracos, fiz-me fraco, a fim de ganhar os fracos. Tornei-me tudo para todos, a fim de salvar al-guns a todo custo. Faço isso tudo por causa do Evangelho, para tornar-me participante dele" 1 Cor 9,19-23. Paulo era movido pela fé no "Pai de nosso Jesus Cristo, Pai das mi-sericórdias, Deus de toda consolação! Ele nos consola nas nossas tribulações, para que possamos consolar os que estão em qualquer tribulação, mediante a consolação que nós mesmos recebemos de Deus. Na verdade, assim como os sofrimentos de Cristo são copi-osos para nós, assim também é copiosa nossa consolação" 2Cor 1,3-5. Consolação é atri-buto típico de Deus-Mãe, que com Deus Pai gerou multidões de filhos e filhas.

Eis a boa notícia que Jesus revelou para o mundo e que trouxe alegria aos pecadores: o Pai nos ama com amor sem limite e, em nome desse amor, nos perdoa todas as faltas sem lembrar-se delas. Esta notícia é tão fabulosa e radical que o Apóstolo das Gentes a-firma: "Pois bem, mesmo que nós ou um anjo vindo do céu vos pregássemos um evan-gelho diferente daquele que vos pregamos e que recebestes, seja excluído" Gl 1,8-9. Não há notícia mais nova, sempre renova, eternamente nova mais que esta: o Pai de Jesus é também nosso Pai e nos ama com a mesmo amor que dedica ao Filho Único, que enxer-tou-nos no seu corpo santo como ramos na videira, cuja seiva nos alimenta com a vida de Deus. Por isso, "já não sou eu que vivo, mas Cristo vive em mim. Minha presente vi-da na carne eu a vivo pela fé no Filho de Deus que me amou e por mim se entregou" Gl 2,20. A prova cabal do amor, da tolerância impar do Pai com seus filhos e filhas pecado-res é nos ter dado o Filho único quando ainda éramos pecadores, sem exigir nada de nós, de graça. "Quando éramos ainda fracos, Cristo, no tempo marcado, morreu pelos ímpios. Dificilmente alguém dá a vida por um justo; talvez disponha-se a morrer por um homem de bem. Mas Deus demonstrou seu amor para conosco pelo fato de Jesus ter morrido por nós quando éramos ainda pecadores. Ninguém tem maior amor que quem dá a vida por seus amigos. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos Deus, mas ele amou-nos primeiro e enviou o seu Filho como vítima expiatória por nossos pecados. Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos em nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo e com ele ressuscitou-nos e nos fez assentar nos céus, em Cristo Jesus. Quem não poupou o próprio Filho, mas entregou-o por nós, como não nos haverá de agraciar em tudo junto com ele? Não há mais conde-nação para aqueles que estão em Jesus Cristo, pois ele é nosso perdão" Rm 5,7-8; 8,1. 32; Jo 15,13; 1 Jo 4,10.19; Ef 2,4-7. Em comparação com a estúpida tolerância humana com os que erram, a tolerância divina, sem prejuízo da sanção para o faltoso, é incomen-surável em relação ao castigo merecido. Porém, não se trata de sanção jurídica, mas mo-ral, de correção para a salvação. "Javé castiga a iniqüidade dos pais nos filhos e nos fi-lhos dos seus filhos, até a terceira e quarta geração dos que o odeiam, mas também a-ge com amor até a milésima geração em favor dos que o temem. Ele não nos castiga na proporção de nossas faltas, mas segundo a imensidão da sua misericórdia, porque sabe o pó que somos". É comovente a tolerância de Jesus com os discípulos ignorantes, com a mulher adúltera, com Pedro, Levi, Zaqueu, sudos, mudos. É desconcertante a tolerância do Pai com o filho pródigo. Tudo porque "sabe que somos pó", fragilidade. Por outro la-do, Jesus era extremamente severo com os orgulhosos fariseus, que não arredavam uma palha, mas punham pesados fardos nos ombros do povo ignorante. O critério ético deles era a letra, não o espírito misericórdioso da Lei. O Senhor não julga imediatamente o pe-cador, mas tolera sua fraqueza, dá tempo para que se converta. Por isso não tolera julga-mentos apressados, sem misericórdia contra seus amados pecadores. Além de condenar os pecadores, o moralismo os desestimula a reerguer-se. O irmão mais velho ficou irado com a tolerância do Pai com o filho caçula que optou por viver livremente longe do Pai, e ainda esbanjou a parte da herança que lhe cabia. Ele se achava com mais direito que o irmão mais novo pelo fato de ter cumprido fielmente a Lei. Não entendeu que a justiça do novo tempo chama-se misericórdia, tolerância divina levada ao extremo.

Este é Deus da minha fé, personificado em Jesus Cristo, que vive em comunhão de vi-da e amizade comigo, que o mundo não vive nem entende. Ele povoa meus sonhos bons, apazigua meu coração atribulado, preenche minha solidão, sacia minha sede de justiça, reanima-me nas horas de desalento. Ele é meu perdão, minha auto-estima, a certeza que vale a pena viver e arriscar a vida pelos valores do Reino de Deus. Ele é minha luz e vi-da, minha alegria e paz, o sentido pleno do meu peregrino viver. Meu ponto de partida e de chegada, meu caminho seguro, meu dia, minha noite: meu princípio, meu fim. Decla-ro minha sincera amizade, meu amor filial e fraterno, minha adoração ao Deus único e verdadeiro. Nele refugio-me, permaneço mesmo quando parece ausente, por ele, com ele e nele eu vivo, movo-me sem perder o rumo. Ninguém me ama mais que ele; eu o amo mais e acima que qualquer pessoa ou coisa. Seu Nome é Jesus de Nazaré, o Cristo envia-do do Pai, o portador da santa e consoladora Deus Mãe, que, todos os dias com o Pai, me gera filho de Deus no Filho Primogênito, mediante a fé. Ao Senhor da minha vida e do meu destino, Deus uno e trino, todo o meu amor, meu louvor, a minha gratidão.

À santa Mãe Maria peço proteção e intercessão junto ao Filho, o Sumo Sacerdote dos pecadores, em indormida vigília.

Ao meu Anjo da da Guarda, companheiro fiel e dedicado, agradeço pela proteção vigi-lante à minha pessoa, com o pedido de desculpa pelo trabalho que muitas vezes lhe dou, quando ajo sem a sabedoria que convém a um filho do bom Pai do céu, irmão de Jesus.