DESVENDANDO O BRASIL: A TRAJETÓRIA DE RACHEL DE QUEIROZ

RESUMO: Este artigo contempla a história da autora Rachel de Queiroz (1910-2003), e sua importância para a literatura brasileira. Cremos que, ao confrontar o cânone e ao domínio masculino, Rachel prosperou num sentimento sociológico que colaboraram significativamente para a elaboração e modernização das narrativas sobre o Brasil.

PALAVRA-CHAVE: Literatura, Nacionalismo, Pensamento Socialista.

INTRODUÇÃO

              Até o século XX, a historiografia brasileira menosprezava quase todas as autoras nacionais, deixando de lado suas principais obras. Durante o período compilatório da história da literatura brasileira, as mulheres foram em grande parte deixadas de lado pelos agentes construtores do cânone. No entanto, na década de 1930, apareceu uma pioneira a impor sua passagem, e deixou vestígios notórios na história literária brasileira. Rachel de Queiroz viu o Brasil de jeito novo, diferente, com um olhar mais crítico e autêntico.

Foi a única escritora mulher aceita como representante do movimento modernista. Foi uma das primeiras mulheres a se opor, com sucesso, uma vida independente e livre. Foi uma mulher que escolheu e determinou seu destino afetivo, existencial, literário, profissional, politico. Foi uma mulher que viveu de e para o oficio de escrever. (HOLLANDA, 2004, p.297).

Rachel prestou um importante serviço a favor da luta pela valorização do trabalho da mulher além do campo literário. Sua obra, com uma forte ligação politica, perpetuou ideias num Brasil intelectual.

O pensamento socialista presente nas obras de Rachel confrontou os agentes criadores do cânone, mesmo não possuindo uma referência feminina na literatura nacional, seu vanguardismo auxiliou para a ascensão e valorização da mulher no cenário nacional. Rachel, por ter sido marginalizada pela sua condição de ser mulher, possuía uma visão diferente, uma ótica de um estranho ao meio em que vivem. Com esse entendimento, Rachel tomou conhecimento de sua própria excentricidade de seus valores distintos:

O approach do José Lins era de menino de engenho, de senhor de engenho. O meu nunca foi o da sinhazinha. É o da mulher totalmente integrada na vida nordestina. Eu assumo isso em todos os meus personagens. Eu não sou uma pessoa deslocada, sou aquela que não sai de lá mesmo quando sai. Essa diferença eu me reservo e cobro dos outros quando me confundem com a tropa geral dos literatos, eu me isolo disso. Realmente, meu ângulo é feminino.  (HOLLANDA, 2002, p. 114)

É desse jeito que vamos traçar o magnífico percurso de Rachel de Queiroz, mensurando sua posição e contribuição para o enfrentamento aos criadores canônicos e a supremacia masculina, desenvolvendo o surgimento de uma nova classe – o escritor profissional- a atividade feminina e a contribuição necessária para a formação e modernização das narrativas nacionais.

A DOMINAÇÃO MASCULINA NO CENÁRIO LITERÁRIO BRASILEIRO

            A representatividade social presente nas obras literárias concede fundamentos necessários para uma restauração das relações realizadas durante uma determinada época e espaço social e o estudioso/historiador, por meio da análise de uma perspectiva, retém a possibilidade de reconstituir um importante aparato de informação. A literatura tem um importante papel na compilação ideológica expressa em determinadas épocas e circunstancias e um pertinente registro das implicações e discrepância provenientes dos campos que os fomentam.

            Ao certificarmos a literatura brasileira como uma nascente importante da constatação do mundo social, é preciso cogitar, de maneira analítica, as relações desenvolvidas no cenário literário e os combates com os membros em benefícios da inserção, diferenciação, canonização e emudecimento. Para isso adotaremos pressupostos necessários de Pierre Bourdieu, relacionados ao meio literário e a supremacia masculina.

            Segundo Bourdieu (1996), a liberdade artística é construída em cima da autonomia relacionada ao campo elencado sobre condições definidas. Entendendo o processo social das relações objetivas, atentando fundamentalmente aos poucos os reflexos da vivencia do autor em sua obra.

            Os embates pela diferença travada nesse meio seriam as engrenagens do campo e, essas lutas e mecanizações da continuidade do controle inevitável causariam reflexos nos agentes comprometidos no cenário literário, nos autores, em suas obras, no público leitor, intermediário, entre outros. Com base nesta ideia, é fundamental realizar uma investigação analítica da crença, “a produção materialista do produto, a transformação da criação, com isso a procura foi apartado, distante das atividades do autor/artista, da conjuntura desse conhecimento relativo.” (BOURDIEU, 1996, p.193). Na concepção do autor:

Pressupõe-se que compreender a obra de arte seria compreender a visão do mundo própria ao grupo social a partir ou na intenção do qual o artista teria composto sua obra e que, comanditário ou destinatário, causa ou fim, ou os dois ao mesmo tempo, ter-se-ia de alguma maneira exprimido através do artista capaz de explicitar a sua revelia verdades e valores dos quais o grupo expresso não é necessariamente consciente (p.230).

No entanto mesmo a luta sendo a engrenagem do meio, no interior aparece algumas reivindicações fragmentadas objetivando o desmantelamento da classe, todavia as regras do jogo continuam. A luta pelo poder é o que move o campo e auxilia na estruturação permanente.

A posição entre direita e a esquerda entre a retaguarda e a vanguarda, o consagrado e o herético, a ortodoxia e a heteroxia, muda constantemente o conteúdo substancial, mas permanece estruturalmente idêntica. Os recém-chegados só podem destituir os antigos porque a lei implícita do campo é a distinção em todos os sentidos do termo: a ultima diferença. (BOURDIEU, 1983, P.157).

Segundo Bourdieu (1996), o determinismo social que refletem na obra do autor são resultados do seu viver habitual, externalizando assim a sua posição social enquanto indivíduo (educação familiar, escolar), produtor, em contrapartida, por meios de diligencias sociais constantes na posição conquistada no campo produtivo. A criação artística é a junção do convívio social do autor com a constituição da sua posição na divisão do trabalho na produção cultural (e na classificação do trabalho de controle), atividade realizada pelo autor em sua obra e, indissociável, realizando-se como artista.

As características e o posicionamento social do artista seria o início “gerador e unificador que reduz as características intrisecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoco, isto é, em um conjunto de escolhas de pessoas, de bens, de praticas”. (BOURDIEU, 1996, P.2). A sociologia não abrange a obra artística nem suas peculiaridades e, sim o autor e sua obra isoladamente, com isso o cenário literário é considerado um ambiente que exerce uma imposição interna, de uma maneira distinta conforme seu posicionamento, criando uma rivalidade que ajudam a manter ou transmutar.

A compreensão refere a um complexo e objetivo de métodos essenciais, orientador das convicções que regem as relações. E essa espiritualidade que mantem o meio, “do jogo de linguagens que nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram”, criando uma função por meio de “uma pulsão expressiva e um espaço dos possíveis expressivos, que o faz com que a obra, ao realizar as duas historias de que ela é produto, as supere”, (BOURDIEU,1998,p.69-70).

Os embates que buscam preponderância, evidenciado pelo reconhecimento e pelo predomínio de bens simbólicos como a diferença, o respeito, o controle ditatorial das regras, a aclamação genuína, fazem parte da engrenagem do meio.

A posição entre os paladinos e os pretendentes, institui no interior mesmo do campo a tensão entre aqueles que, com em uma corrida, se esforçam por ultrapassar seus concorrentes e aqueles que querem evitar ser ultrapassados. (...) buscando ate mesmo realizar por antecipação o projeto de seus concorrentes, (...), se a luta permanente entre os detentores de capital especifica e aqueles que estão desprovidos dele constituem o motor de uma transformação incessante da oferta de produtos simbólicos não é menos verdade que apenas podem levar a essas tranformaçoes profundas das relações de força simbólica que são as alterações da hierarquia dos gêneros, das escolas ou dos autores quando podem apoiar-se em mudanças externas de mesmo sentido, (BOURDIEU,1996, p.147-48).

A luta travada no cenário literário brasileiro é renovar a cada dia, com o aparecimento de novo autores, estilos e temáticas; os novatos buscam a valorização de suas obras, os veteranos desejam os privilégios que os auxiliaram no aceitamento e manutenção e oposição às afrontas dos novatos. Depois da entrada é necessário permanecer distinto, vencendo as avaliações dos consagrados e procurando assim, caracterizar a legitimidade das produções. Nessa perspectiva em se tratando de Rachel de Queiroz podemos ver que suas ligações com pessoas influentes da época ajudaram imensamente para a sua valorização profissional no cenário literário. Essa convivência ficou exemplificada durante o discurso da própria autora que é divulgado seu livro O Quinze e sua participação efetiva na Academia Brasileira de Letras:

O Quinze foi publicado em agosto de 1930. Não fez grande sucesso quando saiu em Fortaleza. Escreveram até um artigo falando que o livro era impresso em papel inferior e não dizia nada de novo. Outro sujeito escreveu afirmando que o livro não era meu, mas do meu ilustre pai, Daniel de Queiroz. (...) Morava então no Ceará o jornalista carioca Renato Viana, que me deu os endereços das pessoas no Rio de Janeiro, uma lista de jornalistas e críticos para os quais eu devia mandar o livrinho. O mestre Antônio Sales, que adorou o livro, também      me deu outra lista. Então me chegou uma carta do meu amigo Hyder Corrêa Lima, que morava no Rio, convivia com Nazareth Prado e a roda de Graça Aranha. Hyder mostrava na carta o maior alvoroço e contava      o entusiasmo de Graça Aranha por O          Quinze. Depois veio uma carta autografada do próprio Graça, realmente muito entusiasmado. Em seguida começaram a chegar críticas, de Augusto Frederico Schmidt (no “Novidades Literárias”), do escritor Artur Mota, em São Paulo; foram pipocando notas e artigos, tudo muito animador (QUEIROZ; QUEIROZ, 2004, p. 37).

                             

                                      Com o correr dos anos, entretanto, os meus amigos mais próximos foram entrando para a Academia: Adonias Filho, Otávio de Faria, Afonsinho (Afonso Arinos), Aurélio Buarque. (...) Eles dois lá dentro [Adonias e Otávio], consideravam uma espécie de traição terem-me deixado de fora. Também havia na Casa outros amigos meus com a mesma idéia. (...) E quando Otávio e Adonias me falavam no assunto, eu tinha um argumento irrespondível: mulher não pode entrar para a Academia. Eles então       se dedicaram à nova frente de batalha: a entrada de mulher para a Academia (QUEIROZ, QUEIROZ, 2004, p. 235).

Na obra A dominação masculina, Bourdieu (2005), investiga os pretextos da não existência de uma violação ou revolução dos métodos criados por suas relações de domínio, ou seja, o domínio do homem no campo literário é visto como justificável e natural, o predomínio masculino está presente na vida social, é como se fosse um sistema de formação de pensamento e de ação, sua expressividade é evidenciada nos fatores que desobriga qualquer justificativa social ou da linguagem: a predileção do homem é apresentada um tanto descaracterizada, neutra, enquanto o feminino, que é caracterizado visivelmente.

Quando as atitudes dos dominados estão de acordo com os pensamentos dos dominadores, suas ações passam a ser apenas uma declaração de vassalagem. No entanto, há uma luta permanente que ganhou espaço no campo cognitivo, levando em consideração a realidade sexual, e as imprecisões de certos objetos que permitiria os subservientes uma oportunidade de resistir. A inerente manifestação da sexualidade seria um produto de uma construção, fruto de determinadas escolhas direcionadas que exacerba semelhanças:

                       Longe de as necessidades da reprodução biológica          determinarem a organização simbólica da divisão social do trabalho          e, progressivamente, de toda a ordem natural e social, é uma                                         construção arbitrária do biológico, e particularmente do corpo,   masculino e feminino, de seus usos e suas funções, sobretudo na          reprodução biológica, que dá um fundamento aparentemente natural                                         à visão androcêntrica da divisão do trabalho sexual e da divisão             sexual do trabalho e, a partir daí, de todo o cosmos. A força          particular da sociodicéia masculina lhe vem do fato de ela acumular                                         e condensar duas operações: ela legitima uma relação de dominação

                inscrevendo-a em uma natureza biológica que é, por sua vez, ela                 própria uma construção social naturalizada (BOURDIEU, 2005, p.        33).

Nesse intuito, as mulheres estariam destinadas a submissão ou usar todas as suas forças para enfrentar o poderio masculino, assentir esmorecer-se ou refutar o poder lhe proporcionado através de uma autorização. A dominação masculina se prevalece através de ações reciprocas determinadas por elas mesmas: “pelo fato de suas disposições resultarem da incorporação do preconceito desfavorável contra o feminino, instituído na ordem das coisas, as mulheres não podem senão confirmar seguidamente tal preconceito” (BOURDIEU, 2005, p.144).

Bourdieu enfatiza que uma mesma atividade dita como honrosa e difícil quando praticada por um homem, pode ser nomeada de insignificante e ínfima quando desenvolvida por uma mulher. Com isso as mulheres precisam muito mais predicativos que uma posição exige, mas sim características masculinas:

                             De fato, é raro as mulheres estarem suficientemente livres de      total     dependência, senão dos jogos sociais, pelo menos com relação    aos homens que os jogam, para poderem levar o desencanto a esta                                         espécie de comiseração um tanto condescendente para com a     illusio masculina. Toda a sua educação as prepara, pelo contrário, a entrar no jogo por procuração, isto é, em uma posição ao             mesmo tempo exterior e subordinada. (...) Excluídas dos jogos do   poder, elas são preparadas para deles participar por intermédio dos homens que neles estão envolvidos (p. 97).

A historia da importância social da mulher não pode ficar atrelada apenas a sua exclusão em determinadas ocupações, mas sim lutar contra as estruturas e mecanismos que eternizam a dominação entre os sexos. Na praticas, qualquer atividade realizada por mulheres, independente de sua posição social seria insignificante, por um simbolismo de negatividade que atinge tudo que ela produz. A vida em sociedade movimenta-se igual um mercado no qual o domínio masculino impera.

Bourdieu (2005) salienta para a necessidade de desenvolver uma ideologia pertinente e capaz de confrontar a economia doméstica, com suas partes no trabalho e poder, com os diversos campos do mercado de trabalho.

                             A verdade das relações estruturais de dominação sexual se         deixa   realmente entrever a partir do momento em que observarmos,       por exemplo, que as mulheres que atingiram os mais altos cargos (...)                                         têm que “pagar”, de           certo modo, por este sucesso profissional      com um menor “sucesso” na ordem doméstica (divórcio, casamento            tardio, celibato, dificuldade ou fracassos com os filhos etc.) e na                          economia de bens simbólicos; ou ao contrário, que o sucesso na            empresa doméstica tem muitas vezes por contrapartida uma renúncia      parcial ou total maior sucesso profissional (BOURDIEU, 2005, p.                                                       126).

             Rachel de Queiroz quebrou todos os tabus e preconceitos, e certa indiferença da critica especializada, resultados de suas opiniões politicas perante as questões de seu tempo. Para isso é só analisarmos suas trajetória social, reflexos da sua participação no cenário literário brasileiro em 1930, e a sua fatual aceitação se equiparada aos outros autores integrantes da Academia Brasileira de Letras.

A dominação masculina não esperava em pleno século XX uma publicação livresca de uma mulher, muito menos sendo tão jovem com apenas dezenove anos e nordestina, com uma obra anômala para seu sexo, no entanto as qualidades os surpreenderam, e para que houvesse uma homogênea aceitabilidade foi necessário separa seu texto do que era costumadamente estabelecido como literatura feminina. Quando escritores consagrados como Graciliano Ramos e Augusto Frederico Schmidt leram o livro dela ficaram fascinados com o estilo asseverativo, direto e, até mesmo atiçador na perspectiva literária, asseguraram que:

                             O quinze caiu de repente ali por meados de 30 e fez-nos             espíritos estragos maiores que o romance de José Américo, por ser        livro de mulher e, o que na verdade causava assombro, de mulher   nova. Seria realmente de mulher? Não acreditei. Lido o volume e visto o retrato no jornal, balancei a cabeça: - Não há ninguém com                   esse nome. É pilhéria. Uma garota assim fazer romance! Deve ser          pseudônimo de sujeito barbado (HOLLANDA, 2004, p. 290).

                             Revelação de um grande escritor brasileiro, inteiramente             desconhecido, suspeita abertamente já que não vê no livro de D.       Rachel ‘marca que lembre, nem de longe, o pernosticismo, a                                         futilidade, a falsidade de nossa literatura feminina’ – que D. Rachel       de Queiroz fosse ‘apenas um nome escondendo outro nome    (HOLLANDA,2004, p. 290).

Posteriormente a publicação da obra O Quinze, Rachel de Queiroz reconheceu a destonação da obra, e as distinções presentes na escrita masculina e feminina:

                             Eu acredito numa escrita feminina, sim. O mundo da mulher      não é o mundo masculino. As marcas da escrita feminina estariam          principalmente na linguagem. O meu caso é diferente: talvez eu       tenha uma linguagem masculina. (...) Quando eu comecei a escrever,        a literatura brasileira ainda se dividia entre o estilo açucarado das                  mocinhas e a literatura masculina. Hoje o estilo de muitas escritoras       brasileiras se impõe. Clarice, por exemplo. Ela foi a maior de todas          nós – e era absolutamente feminina (DE FRANCESCHI, apud.                                         BRITO, 2007, p.76)

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO AUTOR

Segundo Ênio Passiani 2003, reconstituir a origem social herdada assim como o capital, e a procura por uma colocação no cenário favorece a explanação de “todo seu capital social e simbólico acumulado ao longo desse percurso para, assim, coligir mais informações que contribuam para desprender a posição”, (p.109).

                             ... não dá todas as respostas que procuramos ou responde a                                                                                                               

              todas as questões sociologicamente relevantes, mas, desde que      cotejada com os estados correspondentes da estrutura do          campo que se determinam em cada momento histórico, oferece      elementos que permitem analisar as tomadas de posição e as      disposições do agente social em razão da posição ocupada no               campo, que, por sua vez, torna-se inteligível se vislumbramos a      trajetória (social) percorrida pelo  agente; trajetória e posição       constituem uma relação dialética, na qual não é possível                 entender uma sem nos ocupamos necessariamente da outra   (PASSIANI, 2003, p.109).

Com a intenção de entender as convicções e as perspectivas presentes no cenário literário brasileiro, a criação de uma divisão de escritores profissionais e os resultados de uma ideia original, que retomaremos os momentos que achamos mais importantes para entender a posição social de Rachel de Queiroz.

Natural de Fortaleza no Ceará, Rachel de Queiroz nasceu em dezessete de novembro de 1970, filha de Clotilde Franklin e Daniel de Queiroz, Rachel sempre esteve nas mais importantes rodas sociais cearenses, seu pai foi juiz de direito, no entanto sua paixão profissional era a vida docente e por isso renunciou a função da magistratura e foi lecionar no Liceu.

Rachel sempre recebeu muito incentivo por parte de seus pais para se dedicar a leitura de obras de autores consagrados da literatura nacional e francesa. A intelectualidade de sua família teve um importante domínio em sua historia.

Eu nasci numa casa de intelectuais, onde todo mundo lia           muito. E por isso, naturalmente, eu comecei a ler também. (...) Quando comecei a escrever em jornal, aos 16 anos de idade, eu      já tinha uma enorme familiaridade com esse universo da          literatura. (...) Em casa todo mundo lia e opinava; eu não era           uma exceção que por         acaso tinha brotado no jardim.  (DE   FRANCESCHI, apud. BRITO, 2007, p. 81)

A obra O Quinze retrata um pouco da seca de 1915, que devastou o nordeste brasileiro, e que a família Queiroz sofreu na própria pele, foi a partir desta realidade que Rachel escreveu a sua obra mais importante e que marcou a historiografia literária brasileira, O Quinze foi publicado em 1930, e a posição social de sua família foi de suma importância para que a obra ganhasse reconhecimento nacional, (DE FRANCESCHI, apud. BRITO, 2007, p. 81)

Como estreante na vida literária, Rachel ganhou uma grande e importante visibilidade nacional, no entanto apenas em 1935, com sua transferência para Maceió lhe deu a oportunidade de criar elos de amizades com grandes literatos brasileiros como Graciliano Ramos, Jorge de Lima e José Lins do Rego. O vanguardismo de Rachel não está ligado apenas pelo fato de ser uma escritora e enfrentar a presença masculina no campo da literatura nacional, mas também por “viver de sua pena”, escrevendo livros e cooperando com alguns jornais até sua morte em 2003, além do mais, durante os anos de 1940 a 1970, foi uma assídua tradutora: “durante um bom tempo, a tradução me ajudou a sobreviver. Mesmo depois que comecei a escrever para O Cruzeiro, continuei traduzindo” (DE FRANCESCHI, apud. BRITO, 2007, p. 76)

A obra de Rachel deixou um marco histórico e estético, além de viabilizar a participação das mulheres e para a profissionalização da literatura brasileira. Nessa perspectiva Gilberto Amado (1970), foi um dos pioneiros a tratar dessa categoria de “escritor profissional”, em suas análises, para ele esse novo escritor precisa aperfeiçoar-se sempre em sua arte:

                             Lendo Rachel estamos a mil quilômetros do amadorismo, do      ‘pouco mais ou menos’, do ‘tanto vale’ ou ‘tanto faz’, do ‘serve assim mesmo’, do aproximativo na linguagem e no pensamento. Ela           vê a realidade, saber ver a realidade. E a explora quebrando-lhe a           crosta, indo-lhe ao âmago. (...) para o leitor também profissional. (...)               [Rachel é] um conhecedor do seu ofício, senhor do seu métier    (AMADO, 1970, p. 20).

A fundamentação das obras de Rachel está atrelada na preocupação que a autora possui em relação à condição humana em sua vida no mundo em geral, em nosso país e especialmente no estado do Ceará. É com esse intuito que gostaríamos de reiterar que Rachel foi uma pensadora grandiosa, uma pessoa sensível a realidade de seu tempo, (AMADO, 1970).

A geração de vinte dos escritores brasileiros ganhou grandes destaques nas palavras de Gilberto Freyre:

                             A geração intelectual que sucedeu no Brasil aos modernistas      de São Paulo e do Rio apresenta, entre os seus característicos mais   salientes, o que alguém já chamou de sociologismo [...]. O que                                         principalmente passou a caracterizar o romance novo foi o seu tom        de reportagem social e quase sociológica; a sua qualidade de         documento; as evidências que reuniu de vida esmagada, machucada,                                         deformada por influência de natureza principalmente econômica; os      seus transbordamentos políticos. Tal o caso dos romances de Jorge         Amado, principalmente os anteriores a Jubiabá, Cacau e Suor. O              caso, até certo ponto, dos romances de José Lins do Rego, de     Graciliano Ramos, de José Américo de Almeida, de Rachel de    Queiroz – formidável documentação da vida regional, do maior      interesse sociológico e até político, e suprindo a falta de inquéritos,    sondagens, pesquisas sistematizadas. Quase nada nesses “romances”                      é obra de ficção; apenas os disfarces; apenas a deformação para.

                             Os efeitos artísticos, sentimentais ou, em certos casos, políticos  (FREYRE, 1936, p.15).

O fato que mais chama a atenção nas obras de Rachel é a sua sensibilidade e olhar analítico recriado, posteriormente, a seus próprios conhecimentos pessoais vida nacional. Desta maneira nos sentiríamos galardoados se com o conhecimento deste trabalho pudéssemos instigar o desejo de ler Rachel de Queiroz. Uma pensadora critica que estava além de seu tempo, uma pessoa sensível das condições reais do povo nordestino, podemos dizer que sua obra está atrelada com uma sensibilidade sociológica, com uma autonomia de pensamento igual nos versos do poeta brasileiro Manuel Bandeira que foram direcionados a Rachel, um “Brasil de toda maneira” (BANDEIRA, 1993, p. 255).

Considerações Finais

A importância de Rachel de Queiroz para a literatura brasileira é uma questão imensurável, seus pontos de vista e sua visão à questões sociais proporcionaram um novo jeito de fazer literatura, seu vanguardismo quanto mulher e escritora entraram para a historia da nossa literatura, e seus esforços foram valorizados quando lhe foi concedido uma cadeira da Academia Brasileira de Letras ( ABL). De acordo com Passiani a presença na Academia é um resultado do bom trabalho prestado ao país principalmente ao campo literário, a Academia tem a importante missão de imortalizar os agentes das letras que, com seus textos abrilhantam a vida dos brasileiros.

Rachel de Queiroz recebeu com louvor sua vaga na Academia, a primeira mulher a ocupar essa vaga, graças uma louvável escrita, grandes obras que transformaram o jeito de olhar as questões sociais uma das obras mais conhecidas de Rachel de Queiroz foi  O Quinze, publicado em 1930, a obra retratava a grande seca de 1915, que ocorreu no Nordeste brasileiro, a história do livro é envolvente e que fidelizou um grande público, é como se fosse uma biografia da própria autora, que na grande seca sofreu na pele o sofrimento dos nordestinos junto com sua família.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMADO, Gilberto. “Rachel de Queiroz – escritor profissional”. In: QUEIROZ, Rachel de. 100 crônicas escolhidas. 2. Ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1970.

BANDEIRA, Manuel. “Louvado para Rachel de Queiroz”. In: Estrela da vida inteira. 20. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 4. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

___________. O poder simbólico. 2. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

___________. As regras da arte: gêneses e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Sul Americana S.A. 1970, v.5.

DE FRANCESCHI, Antônio F. (Org.). apud, BRITO, Clovis Carvalho. Rachel de Queiroz: cadernos de literatura brasileira. 2. Ed. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2002.

FREYRE, Gilberto. Sociologia e Literatura. Lanterna Verde. Rio de Janeiro, nov. 1936.

HOLLANDA, Heloísa Buarque de (Org.). As Melhores Crônicas de Rachel de Queiroz. São Paulo: Global, 2004.

PASSIANI, Ênio. Na trilha do Jeca: Monteiro Lobato e a formação do campo literário no Brasil. Bauru, SP: EDUSC, 2003.

QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. 13. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1971.

QUEIROZ, Rachel de; QUEIROZ, Mariza Luíza de. Tantos anos: uma biografia. 4. Ed. São Paulo, Arx, 2004.

VELOSO, Mariza; MADEIRA, Angélica. Leituras brasileiras: itinerários no pensamento social e na literatura. 2. Ed. rev. São Paulo: Paz e Terra, 2000.