Desenvolvimento humano: uma análise tridimensional e a sua relação com aprendizagem

Autores: Jorge Lufiande - Docente da Universidade Pedagógica- Delegação de Quelimane- Departamento de Ciências de Educação e Psicologia

                 Leonel Jone - Docente da Universidade Pedagógica- Delegação de Quelimane- Departamento de Ciências de Educação e Psicologia

 

 

Introdução

O princípio de que aprendizagem é mudança de comportamento remete-nos para uma ideia segundo a qual ela não se encontra dissociada com o desenvolvimento. Sabe-se que toda e qualquer mudança de comportamento nesta perspectiva de desenvolvimento humano implica sair de uma aspecto em que o sujeito era incapaz para o outro em que já é capaz. Portanto, o conceito de desenvolvimento como “… mudanças qualitativas e quantitativas que ocorrem no ser humano ao longo da sua vida” (Rodrigues, 2003) implica que melhoramos a nossa performance na medida em que nos adaptarmos cada vez melhor ao meio ambiente.

Este artigo visa reflectir sobre o conceito de desenvolvimento humano em três dimensões ou domínios: o biossocial, cognitivo e psicossocial. De uma forma específica o enfoque da reflexão vai basear-se nas questões como continuidade vs descontinuidade e fontes de desenvolvimento. Em termos metodológicos, a pesquisa baseou-se na revisão bibliográfica e uma breve análise. O trabalho vai primeiro referir-se sobre visão que se tem em relação ao carácter contínuo e descontínuo do desenvolvimento, depois faz-se a análise dos factores que concorrem para o desenvolvimento humano, em diante apresenta-se resumidamente as teorias mais comuns que explicam o desenvolvimento psíquico e, finalmente mostra-se a relação que existe com a aprendizagem.

 

 1. Modelos explicativos de Desenvolvimento Humano

O estudo do desenvolvimento humano baseado apenas num domínio não pode explicar todo processo, havendo necessidade de estudá-lo de forma holística visto que cada domínio relaciona-se com os outros.

Berger (2000:2) estuda o desenvolvimento humano dividindo-o em três domínios: O domínio biossocial que compreende o cérebro e o corpo, assim como as mudanças e as influências sociais que as direccionam. O domínio cognitivo, que compreende os processos de pensamento, as habilidades perceptuais e a dimensão da linguagem assim como as instituições educacionais que as promovem. O domínio psicossocial, que compreende as emoções, a personalidade e as relações interpessoais com a família e a comunidade.

São estes elementos mencionados em cada domínio que na medida que a pessoa avança em idade amadurecem, resultando no sujeito cada vez mais e melhor capacidade de resposta aos estímulos de meio, melhor capacidade de resposta aos estímulos sociais e mais adaptado ao seu contexto.

A discussão que se coloca é sobre se as transformações que ocorrem em cada domínio são contínuas ou descontínuas e, se as tais mudanças operadas todas são de forma quantitativa e/ou qualitativa.

Para esta questão há duas perspectivas explicativas. A perspectiva mecanicista que vê “… o desenvolvimento como contínuo, sempre governado pelos mesmos processos, permitindo predição de comportamentos posteriores a partir de comportamentos anteriores. ” (Papalia, D. E,2006:60).

Os teóricos que defendem a tese de continuidade estão a favor também do argumento segundo o qual as mudanças que ocorrem operam-se ao nível quantitativo, aquelas que acontecem em graus como por exemplo, o tamanho e peso do corpo que aumentam na medida que a pessoa cresce. Visão reforçada pelo Shaffer (2005:39), que define o desenvolvimento humano como um processo de adição que ocorre aos poucos e continuamente sem mudanças bruscas.

 

Em contraposição, os teóricos da perspectiva organicista, os de (descontinuidade)  descrevem o caminho do desenvolvimento como uma série de mudanças abruptas, cada uma elevando a criança a novos e presumivelmente, mais avançados níveis de funcionamento. Esses teóricos, de acordo com Papalia, D. E, et all (2006:60), assumem que em cada etapa as pessoas lidam com diferentes tipos de problemas e desenvolvem diferentes tipos de capacidades, cada etapa fundamenta-se nas anteriores e prepara caminho para a seguinte. Estas mudanças, portanto, as qualitativas, segundo Berger (2000:32), referem-se a mudanças em tipo ou seja, aquelas que tornam um indivíduo fundamentalmente diferente do que era antes.

Apesar desta divergência de posicionamento, é importante clarificar que esta oposição, continuidade (mudança quantitativa) e descontinuidade (mudança qualitativa), não pode ser entendida em termos unilaterais (Rodrigues 2003:218). O desenvolvimento motor e físico é habitualmente descrito como contínuo, ao passo que a aquisição de competências cognitivas é entendida como descontínuo resultado da sucessão de estádios distintos. Ao estádio refere-se a transformações qualitativas da experiência vivida e do comportamento assim como a transformações de estruturas subjacentes.

Significa que por exemplo, a saída de um estádio para o outro, a pessoa terá preenchido um conjunto de habilidades características a aquele estádio e, as aquisições do estádio actual apresentam forte relação com as competências já adquiridas (no estádio anterior), uma vez que elas constituem condição para a sua assimilação sucedida. Estes aspectos acontecem na medida que a maturação vai ocorrendo, com o aumento do tamanho e peso.

2. Fontes de Desenvolvimento

Sobre as fontes de desenvolvimento discute-se a questão da hereditariedade e genética, assim como o papel do meio ambiente na mudança desenvolvimental, por serem variáveis determinantes na formação e desenvolvimento da pessoa.

Actualmente partilha-se a ideia sobre o papel de cada factor, e conclui-se que tanto os factores internos (genético, hereditários) como externos (meio ambiente) ambos determinam da mesma maneira, sem valorizar tanto num em relação ao outro. Porém, é preciso salientar que as vezes se comparam os graus de contribuição de um factor em relação ao outro, mas não quer com isto dizer que por exemplo a maior participação de um factor no desenvolvimento do indivíduo (como algumas pessoas entendem), significa a ausência dos outros.

O que acontece naturalmente é determinado factor ser mais saliente em relação ao outro, o que pode ter a sua contribuição positiva ou negativa no processo de desenvolvimento do sujeito. Por exemplo, crianças que desenvolvem num ambiente social pobre (com poucos estímulos sociais) desenvolvem menores competências sociais em relação a aquelas que se desenvolvem num ambiente social rico (com muitos estímulos sociais), mas não significa que as primeiras não tiveram ambiente social.

O outro factor refere-se a actividade do sujeito na construção do seu próprio desenvolvimento dependendo do contexto histórico-cultural em que estes factores interagem.

 

2.1 Algumas características do Desenvolvimento

Rodrigues (2003) apud Goffman, refere que o desenvolvimento é um processo temporalmente sequenciado que engloba todo ciclo vital, o que quer dizer que o desenvolvimento ocorre em qualquer período da nossa vida. Por outro lado, as transformações próprias do desenvolvimento cumprem uma espécie de agenda ou programação temporal.

O desenvolvimento é integrativo, o que significa que tem a sua base de apoio em experiências e aquisições anteriores. Por exemplo a moral decorre gradualmente, formando-se a partir de experiências no meio familiar, no infantário, na escola em diante.

O desenvolvimento é direccional, o que significa que se desenrola no sentido de uma complexidade crescente. Os recém-nascidos transformam-se primeiro em crianças e adolescentes e depois em adultos.

O desenvolvimento é organizado, o que significa que as aquisições e competências são progressivamente integradas. Por exemplo, enquanto bebés aprendemos a coordenar os músculos e as funções perceptivas, enquanto adultos aprendemos a organizar e regular as diversas tarefas da nossa actividade quotidiana.

O desenvolvimento é global, o que significa que as mudanças e evoluções não ocorrem isoladamente. Cada aspecto de desenvolvimento, seja físico, cognitivo, afectivo e social depende de todos outros aspectos, isto é, da interacção entre estes vários aspectos.

 

3. Teorias de Desenvolvimento Psíquico

As teorias de desenvolvimento dividem-se em grandes teorias, por apresentarem uma forte estrutura para interpretar e compreender mudanças de comportamento (psicanalítica, behaviorista, cognitiva) e teorias menores ou miniteorias porque objectivam explicar apenas uma parte de desenvolvimento. Há ainda um grupo de teorias, as teorias emergentes por surgirem do conjunto de teorias sistemáticas e abrangentes do futuro.

De acordo com Berger (2000:40), a teoria psicanalítica enfatiza que as acções humanas e os pensamentos originam-se de impulsos e de conflitos poderosos que frequentemente não fazem parte da nossa consciência.

Berger (2000:25), refere que na teoria psicossocial de Erickson, os problemas da vida adulta reflectem os conflitos não resolvidos da infância. A solução de cada crise do desenvolvimento depende da interacção entre as características do indivíduo e qualquer suporte que seja dado pelo ambiente social.

As teorias de aprendizagem baseam-se no reforçamento. No condicionamento operante, o processo de repetir uma consequência para que o comportamento em questão se torne mais provável de ocorrer novamente é chamado de reforçamento. De acordo com o autor, (2000:28).

Na aprendizagem social o comportamento é aprendido através de imitação. Baseando-se na modelagem, as pessoas observam o comportamento e então modelam o seu próprio depois disso.

De acordo com o Berger (Ibidem), apud Bandura (1977), a aprendizagem social envolve muito mais do que a observação de um modelo ou a imitação de um comportamento. A pessoa deve estar motivada a prestar atenção ao comportamento modelado, para armazenar informações sobre ele na memória… e para mais tarde recuperar a informação quando surgem as oportunidades para usar o comportamento modelado.

Para a teoria cognitiva, o desenvolvimento cognitivo, é orientado, segundo Piaget, pela necessidade humana de estabelecer uma equilibração cognitiva, ou seja, um estado de estabilidade mental. De acordo com Berger (2000:29), a equilibração cognitiva é experienciada quando a compreensão do presente se “adequa” às novas experiências, mesmo que esta adequação envolva uma descoberta, por parte de um bebé.

Na teoria sociocultural, explica-se o desenvolvimento e as competências individuais em termos de orientação, apoio e estrutura proporcionada pela sociedade, explica-se também a mudança social através dos tempos em termos e efeitos cumulativos das escolhas individuais.

A tese central da teoria sociocultural é que o desenvolvimento humano é o resultado de interacção dinâmica entre o desenvolvimento das pessoas e sua cultura circundante. (Berger, 2000).

A aprendizagem, levada em conta esta teoria, o mentor conduz o aprendiz para a zona de desenvolvimento proximal, que é a variação de habilidades que o aprendiz pode exercitar com assistência mas que não pode desempenhar independentemente.

Para além das três teorias já descritas, a teoria de sistemas epigenéticos acentua uma interacção contínua entre os genes e as forças ambientais, a qual pode variar desde as toxinas pré-natais e as tensões ao longo da vida.

 

4. Considerações finais

As transformações que ocorrem ao nível dos três domínios se verificam no meio, onde o sujeito interage com o social e o físico e vai cada vez mais, em condições normais, tornando complexos os esquemas cognitivos. A maturação dos componentes do domínio ou plano biossocial por exemplo, não ocorre só, sem que haja interferência positiva do social. O próprio domínio cognitivo é essencialmente dependente do meio, sendo o que o sujeito transporta ao nível de conhecimento inicialmente inexistente, de proveniência dos estímulos do meio ambiente, conforme os pensadores de tábula rasa. O plano ou domínio psicossocial, só pelo nome, apresenta uma clareza que, independentemente da peculiaridade do sujeito, o seu desenvolvimento não pode ser entendido dissociando-o das relações interpessoais que ele estabelece com o social. É este social, que constitui alicerce de tudo quanto vier a ser no futuro. Portanto, como não se pode explicar o desenvolvimento, isolando aos domínios, está claro também que o desenvolvimento não pode ser explicado sem aprendizagem, se bem que os dois aspectos apresentam uma relação - a de transformação/mudança. Para o aspecto de desenvolvimento, as tais transformações qualitativas, por exemplo se verificam quando o comportamento do sujeito, passado um determinado espaço temporal é melhor em relação ao anterior ou seja, a qualidade de resposta é melhor em ralação a qualidade anterior, demonstrando de certa forma uma aprendizagem. Pode-se até afirmar que está ocorrer desenvolvimento quando se verificam mudanças de comprtamento que, mais uma vez se vê na capacidade de resposta actual em relação a anterior aos estímulos do ambiente.

 

.

BIBLIOGRAFIA

  • Berger, K.S. O Desenvolvimento da Pessoa: da infância a Adolescência. 5ª.ed.LTC  Editora.2000
  • Papalia, D. E., Olds, S. W. & Feldmam, L.D. Desenvolvimento Humano. 8ª ed. McGraw- Hill, 2006
  • Rodrigues, L. Psicologia. 12º ano. 1º vol. 4ª.ed. Plátano editora.2003
  • Shaffer, D.R. Psicologia do Desenvolvimento: Infância e Adolescência.6ª.ed. Pioneira Thomson Learning. São Paulo, 2005