DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA PREVIDÊNCIA NO BRASIL

 

            As leis não são códigos moribundos, inertes, mas representações superestruturais de uma determinada realidade palpável; portanto são presenças vivas, pulsantes, que correspondem a um determinado estágio de desenvolvimento de uma sociedade ou de um modelo civilizatório. Assim sendo, à medida que a sociedade se modifica, as leis tendem a se modificarem com ela. Por isso é preciso compreender a evolução histórica das leis; é uma forma de buscar a compreensão da própria sociedade. Como bem coloca HOMCI (2009),

O estudo da evolução histórica da Previdência Social no Brasil é de grande importância para uma compreensão exata dos termos atuais, e para uma reflexão contínua em busca de excelência legislativa, doutrinária, jurisprudencial e administrativa na Previdência social do futuro.

Salutar, para a apresentação dessa evolução histórica, que sejam evidenciados momentos específicos nos quais a previdência teve relevo, por meio de uma disposição linear de desenvolvimento da sociedade, com os devidos graus de proteção do cidadão por meio da Seguridade Social – seja ela no âmbito privado ou mediante a intervenção do Estado.

            Pode-se dizer que a busca à assistência social teve seu começo na busca da sociedade pelo direito mínimo de justiça social, ou seja, uma maior participação do Estado na questão do assistencialismo, para que diminuísse as desigualdades sociais (MACEDO, 2013, p. 11).

            Essa intervenção da sociedade em busca da justiça social, ao longo do tempo, gerou o aprimoramento da legislação e das políticas de assistência social. Entretanto, em nossa primeira Constituição, em 1824, sob a égide do Primeiro Reinado, a seguridade não foi lembrada, sendo feita somente uma rápida referência, no artigo 179, em relação aos socorros públicos (HOMCI, 2009).

            Não interessava ao Império, tanto sob o Primeiro como o Segundo Reinado, uma política voltada para a seguridade social. Somente ao apagar das luzes desse regime político hereditário é que surgiram duas leis beneficiando os trabalhadores dos correios e telégrafos e os trabalhadores da estrada de ferro, nessa ordem respectiva.

            A primeira legislação específica sobre Direito Previdenciário foi o Decreto nº 9.912-A, de 26 de março de 1888, que regulava o direito à aposentadoria dos empregados dos correios, estabelecendo aposentadoria para os empregados que atingissem 60 (sessenta) ou 30 (trinta) anos de serviço. Em novembro do mesmo ano, uma norma criou a Caixa de Socorros em cada uma das estradas de ferro do Império como forma de auxiliar os operários que, naquele momento, eram os responsáveis pela abertura das ferrovias que interligavam diversas localidades do País. (Ibdem) Já em 1890, o Decreto nº 221, de 26 de fevereiro, concedeu aposentadoria aos empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil (MACEDO, 2013, p. 11).

            Constitucionalmente, a questão previdenciária só veio a ser abordada na segunda Constituição brasileira, a de 1891, na recém proclamada República, mas, mesmo assim, de maneira bastante resumida, ao dispor, em seu artigo 75, que “a aposentadoria só poderá ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da Nação” (MARTINS, 2004, p. 18). Ano seguinte, “foi instituída a aposentadoria por invalidez e a pensão por morte aos operários do Arsenal da Marinha, tendo em conta que já estava vigorando o regime republicano, sob forte influência de cafeicultores e militares” (HOMCI, 2009). Vale salientar o valor estratégico que esses operários tinham na segurança da denominada República da Espada, já que a Marinha era o grande braço armado do recém criado Estado republicano brasileiro.

            Em 1919, a questão da seguridade social, embora minimamente contemplada, deixou de ser circunscrita aos trabalhadores da esfera pública, através do “Decreto Legislativo nº 3.724 (que) instituiu compulsoriamente um seguro por acidente de trabalho, que já vinha sendo praticado por alguns seguimentos (sic), contudo sem previsão expressa na lei” (Ibdem).

            O Decreto Legislativo n°. 4.682/1923, conhecido popularmente como Lei Elói Chaves, é considerado por muitos estudiosos como o marco divisor da Previdência Social no Brasil, sendo responsável pela criação das caixas de aposentadoria e pensões para os ferroviários, bem como pela determinação de socorro médico e remédios com preços inferiores aos praticados no mercado. Em 1926, essa lei alcançou igualmente trabalhadores portuários e marítimos.

            Entretanto, a pretensão da Lei Elói Chaves é questionada por se tratar, na visão de alguns estudiosos, de um decreto cujo objetivo era o de sobrepor a ação do Estado à ação desenvolvida, à época, pelo mutualismo dos grupos profissionais e sindicatos que ofereciam, muito antes da Lei, os benefícios contemplados por ela. Tratou-se, pois, segundo essa visão, do Estado preencher uma lacuna objetivando retirar o caráter de luta e de classe das conquistas sociais, no sentido de apresentá-las meramente como benesses oferecidas pelo poder estatal.

            Assim sendo, o Estado procurava, de maneira ideológica, através de grande ufanismo, festejos e enorme publicidade referentes à nova Lei, ofuscar o papel das entidades classistas dos trabalhadores esvaziando a prática mutualista de conteúdo e assumindo o papel de grande beneficente da força de trabalho produtiva (HOMCI, 2009).

            Em que pese o caráter ideológico da Lei Elói Chaves, objetivamente pode ser definida como marco divisor; senão pelo pioneirismo da iniciativa, que em essência coube às associações classistas dos trabalhadores, ao menos pelo pioneirismo no campo jurídico, uma vez que cabe ao Estado, e não aos sindicatos e outras formas de organização de classe, a outorga e promulgação das normas e leis que formam a superestrutura jurídico-institucional da sociedade brasileira e, por que não dizer, de todas as sociedades organizadas.

            Seja como for, a Lei Elói Chaves impulsionou várias outras medidas relativas à previdência e seguridade sociais como a criação de novas caixas de aposentadoria voltadas para diversas categorias, tais como portuários, telegráficos, servidores públicos, mineradores e várias outras. Essas caixas de aposentadorias e pensões eram administradas pela iniciativa privada, cabendo ao Estado apenas a regulamentação de seu funcionamento condizente com o disposto na legislação vigente (Ibdem).

            Entre 1923, ano da criação da Lei Elói Chaves, e 1934, ano da Constituição resultante dos embates da “Revolução de 32”, várias normas foram criadas, servindo de embasamento para o Direito Previdenciário brasileiro, através do Decreto nº 19.433/1930 que criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, tendo como uma das atribuições orientar e supervisionar a Previdência Social, inclusive como órgão de recursos das decisões das Caixas de Aposentadorias e Pensões, e através do Decreto nº 22.872/1933 que criou o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (...) (Ibdem).

            A Constituição de 1934, denominada Constituição Classista, estabeleceu, em seu artigo 121, alínea h, uma nova forma de custeio da Previdência Social através de participação tríplice, Estado, patrões e trabalhadores, sendo esse custeio baseado em contribuições obrigatórias. Foi também nela que pela primeira vez foi utilizado o termo “Previdência”, sem o adjetivo “Social”, e pela primeira vez se dispôs acerca da cumulação de benefícios (Ibdem).

            A Constituição de 1937, extremamente autoritária, uma vez representativa do Estado de exceção nominado Estado Novo, trouxe, em seu artigo 137, o estabelecimento dos seguros de velhice, de invalidez, de vida e para acidentes de trabalho. Entretanto, tal artigo foi suspenso pelo Decreto nº 10.358, de 1942, o que tornou a Constituição Polaca (como ficou conhecida), no campo da Previdência, uma Carta sem nenhuma contribuição.

            Sob a égide dessa Constituição, foram editados vários Decretos-Leis, como bem lembra HOMCI (2009):

a) O Decreto-Lei nº 288, de 23 de fevereiro de 1938, criou o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado;

b) O Decreto-Lei nº 651, de 26 de agosto de 1938, criou o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas, mediante a transformação da Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Trabalhadores em Trapiches e Armazéns;

c) O Decreto-Lei nº 1.142, de 9 de março de 1939, estabeleceu exceção ao princípio da vinculação pela categoria profissional, com base na atividade genérica da empresa, e filiou os condutores de veículos ao Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transporte e Cargas;

d) O Decreto- Lei nº 1.355, de 19 de junho de 1939, criou o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Operários estivadores;

e) O Decreto-Lei nº 1.469, de 1º de agosto de 1939, criou o Serviço Central de Alimentação do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários;

f) Foi reorganizado o Conselho Nacional do Trabalho, criando-se a Câmara e o Departamento de Previdência Social;

g) O Decreto-Lei nº 2.122, de 9 de abril de 1940, estabeleceu para os comerciantes regime misto de filiação ao sistema previdenciário. Até 30 contos de réis de capital o titular de firma individual, o interessado e o sócio-quotista eram segurados obrigatórios; acima desse limite a filiação era facultativa;

h) O Decreto-Lei nº 7.835, de 6 de agosto de 1945, estabeleceu que as aposentadorias e pensões não poderiam ser inferiores a 70% e 35% do salário mínimo;

i) O Decreto-Lei nº 8.742, de 19 de janeiro de 1946, criou o Departamento Nacional de Previdência Social.

            A Constituição de 1946, por sua vez, manteve a forma tríplice de custeio e inovou ao trazer a denominação previdência social, em seu art. 157 (MACEDO, 2013, p. 12).

            Na continuidade do desenvolvimento da política previdenciária brasileira, surgiu o Decreto nº 35.448, de 1º de maio de 1954, que unificou e uniformizou as políticas de previdência no País. Essa unificação, entretanto, só alcançou efetivamente sua consolidação em 1960, com a Lei nº 3.807, ou seja, a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) que foi um marco em se tratando de uniformização da legislação previdenciária. A LOPS também criou benefícios como o auxílio natalidade, o auxílio funeral e o auxílio reclusão e todos os seus benefícios eram extensivos a todos os trabalhadores urbanos. Do ponto de vista histórico, a LOPS parece ter sido o principal passo dado na universalidade Previdência Social, apesar de não ter contemplado trabalhadores domésticos e rurais (HOMCI, 2009)

            Visando superar essa dicotomia entre trabalhadores urbanos e rurais, no que concernia aos direitos previdenciários, foi instituído, em 1963, o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural, o FUNRURAL, através da Lei 4.214.

            Em 1966, já em plena ditadura militar, foi criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS, e lançadas as bases para a criação do Instituto Nacional de Previdência Social, o INPS, criado efetivamente em 1967, ano em que passou a centralizar e a organizar todo o sistema previdenciário social brasileiro. (MACEDO, 2013, p. 12).

            Em termos de seguridade social, a Constituição de 1967 trouxe novidades, dentre as quais a previsão da concessão do seguro-desemprego. Se, por um lado, limitava substancialmente as garantias democráticas e as liberdades individuais, por outro, concedia benefícios à classe trabalhadora no sentido de ganhá-la para o regime recém imposto e, ao mesmo tempo, disciplinar a força de trabalho. Em seu artigo 158, determina o pagamento do salário mínimo regional que seja capaz de atender às necessidades básicas do trabalhador e sua família, o salário-família aos dependentes do trabalhador, a proibição da diferença salarial e de contratação empregatícia por motivo de sexo, cor e estado civil – o que, na prática, não é cumprido, integralmente, até hoje –, bem como proibição de distinção entre o trabalho manual, o técnico e o intelectual, salário noturno superior ao diurno, participação do trabalhador no lucro e na gestão da empresa, conforme fosse estabelecido, jornada diária de oito horas com intervalo para descanso, repouso semanal remunerado e nos feriados, férias remuneradas, higiene e segurança nos locais de trabalho, proibição de trabalho a menores de doze anos e proibição de trabalho noturno a menores de dezoito e a mulheres, descanso remunerado da gestante com estabilidade, estabilidade ou fundo de garantia equivalente, reconhecimento das convenções coletivas de trabalho (instrumento efetivo do pacto social que impulsionou o chamado “sindicalismo de resultados”), assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva, previdência social, baseada na arrecadação tríplice (União, patrão e trabalhador), voltada para o seguro-desemprego e a proteção à maternidade e para os casos de velhice, doença, invalidez e morte, seguro obrigatório contra acidentes de trabalho, colônias de férias e clínicas de repouso mantidas pela União, na forma da lei, aposentadoria para a mulher aos trinta anos de trabalho e direito restrito de greve. Na prática, alguns desses direitos constitucionais viraram “lei para inglês ver”, letra morta, como, por exemplo, o direito de greve.

Mesmo assim, o artigo 158 deu uma grande contribuição à legislação previdenciária brasileira. A partir dele, o nosso sistema deixou de ser de risco social para ser um sistema de seguro social, abandonando a idéia do contrato de seguro do Direito Civil (MACEDO, 2013).

Em 1974, um dos anos mais violentos da ditadura militar brasileira, nossa previdência ganhou seu próprio Ministério ao ser retirada da pasta do Trabalho. Foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social, o MPAS, objetivando elaborar as diretrizes e as políticas públicas de previdência e assistência médica e social (Ibdem).

Sob a égide da ditadura militar, várias normas relativas ao Direito Previdenciário foram editadas, como a Lei nº 5.316, de 14 de setembro de 1967, que integrou o seguro contra acidentes de trabalho à Previdência Social, o Decreto-Lei nº 564, de 1º de maio de 1969, que estendeu a Previdência Social aos trabalhadores rurais, as leis complementares nº 7 e nº 8, de 1970, que instituíram, respectivamente, o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), a Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRÓ-RURAL), a Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, que incluiu os trabalhadores domésticos na Previdência Social, a Lei nº 6.125, de 4 de novembro de 1974, que autorizou a constituição da Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social, o Decreto nº 77.077, de 24 de janeiro de 1976, que expediu a Consolidação das Leis da Previdência Social, a Lei nº 6.439, de 1º de setembro de 1977, que instituiu o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), e o Decreto nº 89.312, de 23 de janeiro de 1984, que, ao apagar das luzes do governo ditatorial, aprovou a uma nova Consolidação das Leis da Previdência Social (HOMCI, 2009).

            Como se pode ver, a ditadura militar que impôs um retrocesso à democracia e ao desenvolvimentismo nacionalista foi a mesma que ajudou a conformar a superestrutura jurídica do Previdência Social no País.