As taxas oficiais de desemprego definidas pelo IBGE na PME (Pesquisa Mensal de Emprego) são exemplos clássicos de distorção da realidade com a chancela do Estado. Consideram que o nosso país tem empregados e desempregados apenas em seis regiões metropolitanas: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre e Recife. Um país com 27 estados e 5.600 municípios, foi reduzido a seis regiões metropolitanas para saciar de índices estatísticos os governantes de plantão e os gestores da burrocracia do Estado. A partir dos índices obtidos nessas regiões faz-se o rebate para um índice nacional de desemprego, ou seja, seis regiões definem o comportamento do emprego e desemprego em todo o país. Isso é que é federalismo! Na realidade, a falta de um projeto de nação e de processos profissionais de gestão, faz com que distorções da realidade sejam tornadas verdades absolutas. Pior: decisões muito sérias são tomadas com base nisso!

O emprego no mundo do trabalho no século XXI é algo complexo e muito diferente dos referenciais estáticos e da visão reducionista que imperou no século passado, especialmente no Brasil, aonde a legislação trabalhista já foi carcomida por quase 70 anos de abusos e desusos, caiu de podre, mas ainda é exaltada por políticos e sindicalistas nefastos como sendo a última linha de defesa dos trabalhadores. E isso interfere diretamente nos resultados das empresas, assim como as altas taxas de impostos, baixa escolaridade dos trabalhadores, concorrência predatória de importados e a ausência do Estado para estabelecer mecanismos de defesa econômica efetivamente sérios. Nesse cenário inserem-se as taxas de desemprego oficiais do governo federal, superiores a 10%, o que já é um escândalo internacional, mas que aqui são docilmente aceitas, como a guerra urbana que toma conta das principais cidades e que tem pelo menos duas décadas. E o governo nada faz.

Além das distorções estatísticas por exclusão ou depuração, existem ainda as diferenças metodológicas, que conferem mais dramaticidade ao tema. Para o governo federal, a PME do IBGE considera apenas o que se denomina desemprego aberto, ou seja, são desempregados apenas aqueles que estão ou estavam procurando emprego de modo efetivo nos últimos 30 dias, e não exerceram nenhum tipo de atividade nos últimos sete dias. Isso significa que, oficialmente, desempregado tem tempo de validade e tem que ser um desocupado por pelo menos sete dias. Pode isso?

Para desmoralizar essa fantasia estatística do governo federal, o DIEESE juntamente com a Fundação SEADE e mais um grupo de instituições sérias, definiram o desemprego como um sistema muito mais complexo e que deve incluir um exército de excluídos. Dois novos grupos foram metodologicamente identificados para compor um novo padrão de referência na pesquisa: 1) o desemprego oculto pelo trabalho precário e 2) o desemprego oculto pelo desalento. Parece poesia sociológica, mas é ciência. Apenas com esses dois novos grupos, a taxa de desemprego do DIEESE/SEADE engorda cerca de 50% a mais de desempregados sobre as taxas oficiais. Isso significa que para cada ponto percentual do IBGE, são acrescentados mais meio ponto percentual por conta da nova metodologia que inclui apenas uma parte dos excluídos. A taxa de desemprego do IBGE de 14%, que estourou no final de 2006, foi esmagada pela taxa de quase 20% do DIEESE/SEADE.

Como se isso não bastasse, o que dizer então do relatório do Centro Internacional de Pobreza, do PNUD (Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento), para quem o desemprego no Brasil deve ter pelo menos mais 4% acima dos indicadores utilizados pelo governo, se fossem incluídos trabalhadores com renda insuficiente para comprar uma cesta básica? O que dizer de tantos desencontros estatísticos e metodológicos num país-continente que clama por trabalho, justiça e equilíbrio social?

Considerando que neste rico país com reservas de US 100 bilhões, o desemprego é apenas um detalhe conjuntural da economia, como fica o cenário real quando anualmente cerca de 1,8 milhão de pessoas aumentam o estoque de mão-de-obra disponível no mercado de trabalho? Como fica o cenário de uma economia que cresce a taxas medíocres de menos de 3%, e que contabiliza oficialmente um estoque de 10 milhões de desempregados formais e 50 milhões de pessoas no trabalho informal? Que exuberância econômica é essa cantada pelo sindicalista-presidente e seus asseclas, quando apenas os bancos estão usufruindo dessa exuberância com os escandalosos e indecentes lucros obtidos da miséria humana deste país? Eu tenho o maior interesse que alguém possa responder a tais questões.

Para sustentar as indecentes taxas de desemprego, só mesmo entendendo como elas são formadas e deformadas. Primeiro, estão sobranda vagas, faltam trabalhadores qualificados. Isso mesmo, não falta trabalho no país, falta qualificação para as novas demandas da indústria, do comércio, dos serviços e do agronegócio. E isso não é de hoje. Tem mais de uma década que a mídia canta e decanta essa informação, e nada acontece. Aliás, acontece sim: temos 12% de analfabetos absolutos e 60% de analfabetos funcionais, para uma população estimada pelo Popclock do IBGE em 188.402.704 pessoas em 13 de março de 2007. Trocando em miúdos, são quase 23 milhões de analfabetos absolutos, ou seja, não conseguem nem ler o próprio nome, e (pasmem!!!) 114 milhões de analfabetos funcionais, ou seja, pessoas que foram alfabetizadas, mas têm dificuldade para entender textos simples e fazer continhas básicas. Que país é esse? já questionava poeticamente Renato Russo em sua famosa canção na década de 80, sem resposta. Até hoje.

Por essas e outras tantas os números da realidade são completamente diferentes dos números da oficialidade, estes últimos utilizados largamente para a tomada de decisão pelos governantes de plantão, prejudicando milhões de trabalhadores, milhões de empregadores, milhões de famílias de brasileiros. As taxas são números frios, repetidos diariamente ad-nauseam pela mídia, sem o menor cuidado em expor seu significado, sua origem, num contexto realista e com visão crítica. Não interessa. É mais interessante discutir a audiência de Paraíso Tropical, Domingo Legal e coisas do gênero, para usufruir de linhas de crédito milionárias doadas pelo governo federal aos veículos de comunicação bonzinhos, obedientes e que dão destaque às lindas frases de efeito do Programa Café Com o Presidente.

Enquanto o sindicalista-presidente acredita na boa conversa do petro-presidente Bush, com quem vai triturar umas picanhas em Camp David nos próximos dias, a Justiça do Trabalho entope-se com mais de 2 milhões de causas que anualmente batem nos seus balcões surrados e surrupiados pelas falcatruas dos Lalaus da vida. Sustentamos milhares de juízes, tribunais e uma burrocracia infindável, criada para justificar empregos públicos estéreis, que não geram um centavo de riqueza para este país. Estamos longe dos 75 mil processos anuais nos Estados Unidos, aonde nunca se soube o que é FGTS. Estamos mais distantes ainda dos 2,5 mil processos trabalhistas anuais no Japão. Isso mesmo: 2.500 processos anuais, num país que não sabe o que é 13º salário, descanso semanal remunerado e outras divagações getulistas. Getúlio Vargas já virou pó, mas continua sacudindo o país. Renato Russo já virou pó, mas sua dúvida continua nos perseguindo: Que país é esse?