DESCONEXÃO DO AMBIENTE DE TRABALHO E AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS: a implementação do teletrabalho e suas consequências na relação de subordinação empregatícia[1]

 

Gabriella Sousa da Silva Barbosa

Rafael Barros Freire[2]

Ana Carolina Cardoso[3]

Sumário: Introdução; 1 Desconexão do ambiente de trabalho no direito brasileiro; 2 Da implementação do teletrabalho e das inovações tecnológicas na relação empregatícia; 3 Das consequências do teletrabalho na relação de subordinação empregatícia e da hipersubordinação; Considerações Finais; Referências. 

RESUMO

Tal artigo propõe-se a analisar o instituto do teletrabalho, discorrendo sobre suas características com as respectivas considerações a respeito das modificações sociais e tendo em vista o direito à desconexão do ambiente de trabalho e o direito ao repouso do empregado. Ademais, será efetuado uma análise crítica acerta da implementação de tecnologias de modo a facilitar a comunicação empregado-empregador e os limites para que tal instituto não seja utilizado de modo a criar uma circunstância de hipersuborninacao na relação empregatícia.

Palavras-chave: Teletrabalho – Desconexão – lazer – hipersubordinação  

 

 

Introdução

 

Com as transformações sociais da última década, a relação empregatícia sofreu grandes mutações, adequando-se não apenas a um novo perfil profissional, mas principalmente, às exigências do mercado, em uma sociedade dinâmica surgida na era da informação. Nesse diapasão, a figura do teletrabalho surge inicialmente como alternativa para flexibilização do horário de trabalho, objetivando uma desconexão do ambiente em que costuma trabalhar, com o conseqüente aumento em sua produtividade. Contudo, esta aparente melhoria na relação empregatícia pode esconder uma supersubordinação na relação patrão-empregado, a desrespeitar o espaço-tempo desconexo de seu ambiente de trabalho, mantendo a referida relação por tempo superior àquele disposto em lei.

Todo trabalhador tem direito ao lazer e descanso, essencial para uma vida digna e saudável, pois deverá ter um tempo reservado para si, onde poderá passar com familiares, amigos ou praticar esportes, desvinculando-se totalmente do trabalho. Tal direito é assegurado a todos os cidadãos brasileiros na Constituição Federal em seu artigo 6º.. Em prol da proteção ao lazer, a Constituição Federal em seu art. 7º, XII limitou a jornada de trabalho em 8 horas diárias e 44 horas semanais e determinou a obrigatoriedade do repouso semanal remunerado (inc. XV), além de estabelecer remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal (inc. XVI)

Devido ao teletrabalho ser um novo tipo de prestação de serviços que surgiu com a globalização e com o avanço da tecnologia, ainda não há no Brasil uma legislação específica para o assunto, fazendo com que seja regulamentada de maneira indireta pela CLT. Desse modo, devido ao silêncio da lei, se torna mais fácil para que o empregado seja explorado, não conseguindo “sair” do seu ambiente de trabalho para ter seu direito ao lazer

1. O direito a desconexão do ambiente de trabalho

Em meio ao mundo globalizado, onde o capitalismo e o consumismo são exarcebados, é muito difícil para o empregado ter seu descanso garantido, tendo em vista tanta competitividade. Com a vinda da terceira revolução industrial, houve uma grande evolução tecnológica, onde novos aparelhos surgiram para facilitar e simplificar o trabalho do homem, como por exemplo, os smartphones, Ipads e computadores que permitiram a comunicação à distância em tempo real. Entretanto, segundo Jorge Luiz Souto Maior essa tecnologia também está escravizando o homem, pois através desses aparelhos, aumenta a disponibilidade do empregado em face ao empregador, fazendo com que aquele muitas vezes sofra invasões no seu espaço privado, por estar sempre conectado ao seu ambiente de trabalho.

O direito ao lazer é um direito fundamental de todo ser humano, essencial para a manutenção de uma vida digna e saudável. Tal direito já estava previsto na Declaração universal de Direitos humanos de 1948 em seu art. 24 que fala que “toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas”. A Constituição Federal em seus arts. 6º e 7º, IV também garantem o direito ao lazer, tendo a mesma importância que o direito à saúde, educação e moradia.

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim

Para que tal direito possa existir, estabeleceu-se um limite para a jornada de trabalho. Segundo Alice Monteiro de Barros, “as normas sobre duração do trabalho têm por objetivo primordial tutelar a integridade física do obreiro, evitando-lhe a fadiga. Daí as sucessivas reivindicações de redução de trabalho e alongamento dos descansos.” (BARROS, 2007, p.648). Segundo a ilustre autora, é necessário distinguir jornada de trabalho e horário de trabalho. Jornada seria o tempo que o empregado permanece a disposição do empregador, trabalhando ou aguardando ordens, durante um dia, enquanto horário de trabalho seria o “período que vai do inicio ao término da jornada, como também os intervalos que existem durante o seu cumprimento” (BARROS, 2007, p.647). Desse modo, a jornada de trabalho diária prevista no nosso ordenamento é de 8 (oito) horas, podendo ser “acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho” (art. 59 CLT) e em caso de necessidade imperiosa poderá a duração exceder o limite legal, mas não poderá ultrapassar 12 (doze) horas diárias (art. 61 CLT).  Tal limite existe, pois a vida não poderá se restringir somente ao trabalho, tendo o ser humano limites e também outras prioridades. Segundo Sérgio Pinto Martins

A atividade do homem, restrita como a sua natureza, tem limites que não podem ser ultrapassados. Por isso o trabalho não deve prolongar-se por mais tempo que as forças permitem, de tal modo que a quantidade de repouso deve ser proporcional à qualidade do trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar, bem como à compleição e saúde dos operários (MARTINS, 2008. p.135)

A jurisprudência já vem decidindo em favor dos empregados em casos de jornadas excessivas, como foi o caso do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.

DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTRA EXCEDENTE DO LIMITE LEGAL DE TOLERÂNCIA DIREITOS FUNDAMENTAIS. O dano existencial é uma espécie de dano imaterial, mediante o qual, no caso das relações de trabalho, o trabalhador sofre danos/limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo tomador do trabalho. Havendo a prestação habitual de trabalho em jornadas extras excedentes do limite legal relativo à quantidade de horas extras, resta configurado dano à existência, dada a violação de direitos fundamentais do trabalho que integram decisão jurídico-objetiva adotada pela Constituição. Do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador, nele integrado o direito ao desenvolvimento profissional, o que exige condições dignas de trabalho e observância dos direitos fundamentais também pelos empregadores (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Recurso provido (TRT-4 - recurso ordinário trabalhista: ro 11379320105040013 rs 0001137-93.2010.5.04.0013)

Portanto, deve ser garantido ao empregado o direito a desconexão do ambiente de trabalho, ou seja, aquele momento em que o indivíduo se desliga totalmente do trabalho para fazer outras atividades essenciais de sua vida, como ficar com a família e repousar, pois “o lazer atende à necessidade de libertação, de compensação às tensões da vida contemporânea e é uma resposta à violência que se instaurou na sociedade, ao isolamento, à necessidade do ser humano para encontrar-se consigo e com o próximo [...]” (NASCIMENTO, 2006, p.471). Segundo Oliveira (apud Gabriela Silva, 2010), o direito a desconexão é

[...] o direito do trabalhador (teletrabalhador ou não) de permanecer desligado ou ‘desconectado’ do pólo patronal e da exigência de serviços em seus períodos de repouso, notadamente em virtude da possibilidade de interferências do tomador de serviços nesses lapsos de tempo diante da existência das novas tecnologias. (OLIVEIRA, 2010, p. 64)

Nesse mesmo sentido, Vólia Bonfim fala que “o trabalhador tem direito à ‘desconexão’, isto é, a se afastar totalmente do ambiente de trabalho, preservando seus momentos de relaxamento, de lazer, seu ambiente domiciliar, contra as novas técnicas invasivas que penetram na vida íntima do empregado.” Desse modo, no momento em que o empregador exige excessiva carga de trabalho do empregado, estará lhe causando danos físicos, psíquicos, sociais e familiares.

Existiria o dever de indenizar no caso de lesão ao direito ao lazer? Para responder essa pergunta existem duas correntes, segundo Manuel Pino Estrada. A primeira fala que caso o empregado tenha sido remunerado pelas horas extras trabalhadas, nenhum tipo de indenização será devida, já que o pagamento da hora extraordinária em valor superior à hora normal já compensaria o desgaste sofrido pelo empregado. Para a segunda corrente, “o adicional de horas extras remunera o trabalho, mas não compensa os malefícios do impedimento ao lazer” (ESTRADA, 2012, p103), ou seja, paga o trabalho realizado, mas não as lesões que poderão ocorrer como doenças profissionais, estresse, lesões físicas e psíquicas, além de retirar do indivíduo o seu descanso com a família, já que a CLT não permite a realização de horas extras de maneira abusiva.

Para a corrente mais liberal, pode se considerar, nesse caso, responsabilidade objetiva, porque, além de o lazer ser direito fundamental, o empregador por forca do artigo 2º, da CLT, é responsável pelo abuso de direito (art. 187 do Código Civil) já que o empregado não cumpre horas extras à seu talante. (ESTRADA, 2012. p.104)

2. Da implementação do teletrabalho e das inovações tecnológicas na relação empregatícia

 

Analisar a figura do teletrabalho na atual relação empregatícia é remontar-se a um fenômeno muito mais amplo: a implementação das tecnologias ao ambiente de trabalho. Desde a 1ª Revolução Industrial, a tecnologia começa a ser aliada de empregadores, com fulcro no aumento da produtividade. (GARCIA, 2006, p.1).

É nesse diapasão que a criação do telégrafo e da locomotiva, ainda durante a 1ª Revolução Industrial, aumentam o fluxo de informações, melhorando a comunicação e o transporte de empregados. Em sequência, o fordismo e o taylorismo são responsáveis pelo crescimento da estrutura organizacional das empresas, otimizando a produção. (ROSEDÁ, 2006, p.3).

Invenções como o rádio e o supramencionado telégrafo deixam de ter cunho meramente comunicacional, transformando-se em objetos por meio dos quais o empregador pode interagir com os empregados, muitas vezes durante seu momento de repouso, com o intuito de mantê-los em alerta quanto à produção. (GARCIA, 2006, p.1).

A inserção de novos meios de comunicação possibilitou o surgimento de um regime de trabalho nunca antes visto pelo meio jurídico. O teletrabalho apresenta-se viável para redução de custos e aumento da competitividade empresarial. A transposição do controle físico do empregador para o controle virtual, com a desconcentração do ambiente de trabalho, é uma boa opção para o labor no século XXI. (ROSEDÁ, 2006, p.2).

Diferentemente do que se acredita, e conforme delineado preliminarmente, a implementação de tecnologia na relação empregatícia não é fenômeno surgido com a internet ou computadores. Anadélia Viana Souza (2009, p.15), em seu ensaio sobre o surgimento do teletrabalho, traz o exemplo da empresa norte-americana Penn Raiboad, cujo empregador, Jonh Edgar Thompson, em 1857, utilizava o telégrafo para controlar à distância o uso dos equipamentos pelos empregados.

Com o desencadeamento das tecnologias, a dinamicidade da sociedade, a inserção massiva da mulher no mercado de trabalho – assim como as garantias de gênero decorrentes de tal inserção –, não tarda para que o modelo do trabalho realizado em casa seja adotado pelas empresas àqueles empregados com atividade preponderantemente intelectual (GARCIA, 2006, p.1). É diante disso que o advento das redes de inter e intranet, influenciado pelo caos no transporte público e o tempo perdido durante tal locomoção, introduzem à dinâmica da relação patrão x empregado, na década de 70, a figura do teletrabalho, assim caracterizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT): “Cualquier trabajo efectuado en un lugar donde, lejos de las oficinas o los talleres centrales, el trabajador no mantiene un contacto personal con sus colegas, pero puede comunicarse con ellos a través de las nuevas tecnologías.”

Apesar das tentativas legislativas, o que ainda se encontra é a vagueza dos termos, muitas vezes a confundir, ou propositalmente desvirtuar, a carcaterização do teletrabalhador. Primeiramente, cabe diferenciar o teletrabalho da figura do trabalho a domicílio, trazida no art. 83 da CLT: “Art. 83 - É devido o salário mínimo ao trabalhador em domicílio, considerado este como o executado na habitação do empregado ou em oficina de família, por conta de empregador que o remunere.”

Como se apreende das duas caracterizações acima, é fundamental para o teletrabalhador a utilização das novas tecnologias, assim como a ausência de contato pessoal com o trabalhador; já na figura do trabalho a domicílio, basta que a atividade contratada seja efetuada na residência do trabalhador ou em oficina familiar. (GARCIA, 2006, p.1).

Mas somente a utilização das novas tecnologias, conceito trazido pela OIT, não é suficiente para demarcar a complexidade do teletrabalho, pois ainda há que diferenciá-lo quanto à caracterização de telework, teleworking e telecommuning, a saber:

O telework é entendido como o trabalho a distância, que atualmente está voltado a tarefas e atividades que existiam anteriormente, mas que, com o paradigma da  desconcentração do trabalho no interior da empresa, ganham novo colorido, como, por exemplo no setor de vendas, em que os relatórios padronizados já existiam, sendo o bloco de contratos, o de relatórios e o de notas fiscais foram substituídos pelos formulários computadorizados; estes antes eram remetidos via correio, ou eram entregues pessoalmente pelos vendedores  ao Departamento de Vendas, toda sexta ou segunda-feira, dias em que geralmente eles vinham até a sede ou a filial da empresa para reuniões com os supervisores. Outros setores que se beneficiaram com o teletrabalho são o de administração, de serviços jurídicos (...), entre outros tantos setores de serviços.

O teleworking, como qualquer forma de substituição da viagem ao local de trabalho pelas tecnologias de informação, está adstrito ao conteúdo do trabalho, que contém diretrizes para a consecução dos objetivos. No “teleworking”, a informação é a ferramenta de trabalho. (...) O teleworking é a inovação que permite que um novo conceito de trabalho e uma nova mentalidade de trabalhador estejam em curso.

O telecommuning é o trabalho periódico realizado fora do escritório principal. (...) Especialistas italianos (...) não fazem a distinção entre o teletrabalho e o telecommuning e salientam, de modo genérico, que essa nova modalidade de trabalho pode ser adotada só por formas de trabalho que se prestem à descentralização por razões de índoles técnicas, organizativas ou humanas (...). (JARDIM, 2004, p.11).

3. Das consequências do teletrabalho na relação de subordinação empregatícia e da hipersubordinação

                 

Um dos requisitos para a existência da relação empregatícia, a subordinação, na atual conjuntura de dinamicidade das relações sociais, encontra-se flexibilizada de tal forma que alguns autores, ainda que em minoria, já começam a se arriscar no sentido de sua inexistência. Mas o que seria, afinal, a referida subordinação na relação empregatícia? Nos dizeres de Vólia Bonfim Cassar (2013, p.246), a subordinação equipara-se a subalternidade hierárquica, um dever de obediência por parte do empregado, a desdobrar-se nos poderes: diretivo, disciplinar e hierárquico.

A subordinação nada mais é que o dever de obediência ou o estado de dependência na conduta profissional, a sujeição às regras, orientações e normas estabelecidas pelo empregador inerentes ao contrato, à função, desde que legais e não abusivas. (CASSAR, 2013, p.246)

Nesse sentido, muito tem se falado a respeito da potencial ausência de subordinação em relações patrão x empregado cujo caráter intelectual flexibiliza o caráter diretivo que aquele possui em relação ao trabalho executado por este último. Em boa hora, Alice Monteiro de Barros (2013, p. 223) traz a figura da “subordinação técnica invertida”, em que o know-how do empregado, muitas vezes, dilui o caráter diretivo das determinações do empregador, substituindo-se, portanto, a “subordinação controle” pela “subordinação integração ou objetiva”.

Sucede que, em uma sociedade como a atual, caracterizada pela racionalização do trabalho, com a consequente especialização da mão de obra, o empregador nem sempre possui superioridade ou igualdade de conhecimentos profissionais em relação ao empregado, mesmo porque cada vez mais, as contratações recaem sobre pessoas que possuem um grau de conhecimento em determinada profissão (know how) do qual o empregador não é detentor. Nasce daí o que se chama de “subordinação técnica invertida”, frequentemente presente nas relações de trabalho intelectual. (BARROS, 2013, p.223).

Apesar da flexibilização e da inevitável desconexão ao ambiente de trabalho, claro está que, mesmo trabalhando em seu domicílio, ou até quando em local indeterminado com a continuidade da conexão com a empresa por meio tecnológico, a subordinação empregatícia continua presente. Nesse sentido, importa lembrar a modificação efetuada pela Lei nº 12.551/2011, a acrescentar o parágrafo único ao art. 6º da CLT, com o intuito de elucidar o celeuma e os diversos entendimentos doutrinários acerca da possível ausência de subordinação na modalidade de teletrabalho:

Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. 

Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

 

 

 

Passado esse ponto, vale ressaltar que a mencionada subordinação, em concordância com os arts. 2º e 3º da CLT, é jurídica e objetiva (CASSAR, 2013, p.247), cabendo apenas o poder diretivo do empregador no que tange à atividade exercida pelo empregado e nos limites desta. Ocorre que, sabidamente, o fenômeno da flexibilização da jornada de trabalho, primariamente visto como um benefício ao empregado, que agora poderá “escolher” de forma independente a distribuição de sua jornada, atua, com o decorrer do desenvolvimento do teletrabalho, de modo diametralmente oposto: não mais há como desconectar-se do ambiente de trabalho, visto a iminência do chamamento do empregador. (ROSEDÁ, 2006, p.13).

O empregado, que antes detinha claro discernimento do término de seu tempo de trabalho diário e dos respectivos intervalos intra e interjornadas, vê-se agora acorrentado, e por que não dizer escravizado, sob a perspectiva de invasão do ambiente familiar a qualquer momento em prol da maior efetividade do trabalho realizado em sua empresa. (GARCIA, 2006, p.1).

Diante disso e da ausência de manifestação da legislação trabalhista brasileira, muito tem se falado acerca da ocorrência da figura da hipersubordinação na relação de teletrabalho, afinal, a previsão constitucional (art. 7º, XIII) de jornada de 8 horas diárias e 48 semanais, assim como a obrigatoriedade de disposição de intervalos entre jornadas e dentro delas, veem-se sufocadas com o sobreaviso escamoteado na ilusão de flexibilização do horário de trabalho. (ROSEDÁ, 2006, p.15).

Ademais, o empregado vê perturbados o lazer, as férias, o descanso semanal, em prol da maior efetividade do trabalho realizado, posto que, com a ausência de legislação a regrar tal interferência na vida privada do empregado, o empregador incorrerá, cedo ou tarde, na violação não apenas ao art. 7º da CF-88, como também e consequentemente, nos preceitos constitucionais expostos no art. 5º, IV, VI, VIII, X, XVII -  a violar a esfera da intimidade, privacidade, liberdades de pensamento, vida religiosa, convicção filosófica ou política.

Fenômeno surgido desde a década de 70, em que a presença feminina no mercado de trabalho vê-se massificada e estabilizada, a especialização técnica em ampliação e a turbulência no transporte público a atrapalhar o tempo produtivo do empregado, a figura do teletrabalho, conforme delineado, ainda é prematura no direito trabalhista brasileiro, dando margem à tomada integral do tempo do trabalhador, que a qualquer momento pode ter sua esfera privada invadida pelo empregador. (GARCIA, 2006, p.1). Caracterizado, portanto, o poder diretivo em tempo integral, a transformar a normal subordinação do empregado ao empregador em hipersubordinação, visto a ausência de limites claros na interferência do empregador na esfera íntima do empregado.

 Mesmo diante disso, ainda são poucas as manifestações legislativas a esse respeito, perdurando a obscuridade em tal modalidade de emprego. Ainda tímidas as atuações, mais próximo de uma conformidade com aquilo que se busca na regulação do teletrabalho está o Projeto de Lei nº 4.505/08, do deputado Paulo Vellozo do PSDB/ES, a intentar máximo de 40% do tempo diário empregado na consecução da atividade de trabalho domiciliar em teletrabalho.

Considerações Finais

 

Com a mudança do paradigma histórico, onde existe uma exarcebação do capitalismo e do consumismo, fazendo com que todos queiram o lucro a qualquer custo, a desconexão do trabalho se torna uma tarefa árdua, mas necessária para a manutenção de uma vida saudável e digna.

O teletrabalho se mostra como uma boa alternativa para resolver questões sociais, como poluição ambiental e inclusão de pessoas com deficiências, idosos e enfermos no mercado de trabalho. Além disso, os empregados terão muito mais autonomia e um horário flexível que pode alternar de acordo com suas necessidades. Para o empresário as vantagens também existem, como a economia de espaço nas fábricas e escritórios e economia de energia, havendo uma redução dos custos e aumento da produtividade. Entretanto, os teletrabalhadores constantemente são explorados exercendo jornadas de trabalho superiores às 8 horas elencadas na Constituição Federal, não tendo seu direito ao lazer e conseqüentemente não tendo tempo para sua família e saúde. A tecnologia deverá existir para auxiliar o homem e não para escravizá-lo, pois o Direito deve se moldar nas relações sociais com o intuito de atender a necessidade pelo qual ele existe.

REFERÊNCIAS

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BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito de Trabalho. 9 ed. São Paulo: LTR,  2013.

CASSAR, Volia Bomfim. Direito do Trabalho. 7 ed. São Paulo: Editora Método, 2012.

ESTRADA, Manuel Martin Pino. A escravização digital no teletrabalho e nos mundos virtuais e comentários à lei 12.551 de 2011. Ano 29. Nº339. RS: HS editora, 2012

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MARTINS, Sérgio Pinto. Direitos fundamentais trabalhistas. São Paulo: Atlas, 2008

NASCIMENTO, Amauri Macaro. Curso de Direito do trabalho.  21.ed. São Paulo: Saraiva, 2006

OLIVEIRA, Christina D’arc Damasceno apud SILVA, Gabriela Rangel. As novas tecnologias no direito do trabalho:direito à desconexão. Disponível em < http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=41b0db49fd10d959>

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[1] Paper apresentado como requisito para obtenção de aprovação da disciplina Direito Individual do Trabalho.

[2] Alunos do 7º Período, do Curso de Direito Vespertino, da UNDB

[3] Professor orientador