1 INTRODUÇÃO

Os dados mostram que de 1992 a 2004 houve uma redução de 40% no número de crianças que trabalham no país. Mas ainda são muitas as que estão perdendo a infância – e até a vida – trabalhando como adultas. (Globo Repórter, 18/08/2006)

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) caracteriza exploração do trabalho infantil como a atividade executada por crianças menores de 15 anos com objetivo de prover seu sustento ou de sua família (Convenção n° 138, 2002).

A palavra explorar, originária do latim explorare significa observar, inspecionar, informar, utilizar uma coisa com a finalidade de realizar um benefício, abuso de boa-fé, da ignorância ou da especial situação de alguém para auferir interesse (FERREIRA, 1977, p.210).

Ávila (1978) ensina que no sentido sociológico a significação do termo se aproxima da idéia de espoliação, que a lato sensu significa privar alguém de algo que é seu por direito. As formas primitivas de espoliação eram as guerras de extermínio, o assalto e a escravização, sendo que na era capitalista, estas formas foram substituídas pelo salário injusto e a exploração monopolista, principalmente.

Para De Plácido e Silva (1988, p. 339), conceitua espoliação, na linguagem cotidiana, como toda ação que tem o sentido de prejudicar outra pessoa em seu interesse, privando-a das vantagens ou benefício que lhe deveriam caber. A espoliação, segundo Ávila (1978), é uma das formas mais cruéis de injustiça social dos nossos tempos, refletida pelo trabalho escravo ou a salários ínfimos, condições de trabalho e de vida subumanos.

Além disso, as transformações decorridas da globalização e da reestruturação produtiva vêm provocando mudanças no processo de organização do trabalho, acentuando o aumento do desemprego dos adultos e da desigualdade social. Dessa forma, crianças e adolescentes passam a ser os mantenedores das famílias, trabalhando, a maioria, na informalidade, em ocupações perigosas e mal remuneradas, porque, para estas ocupações, sempre haverá demanda ou oportunidade de inserção.

Neste contexto, crianças e adolescentes, aquelas mais carentes, estão sendo exploradas, espoliadas, tendo sua força tênue de trabalho utilizadas a benefício de um adulto, e isto justamente por fazerem parte da camada social mais necessitada de recursos.

Apesar da previsão na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a incidência e a exploração do trabalho infanto-juvenil no país é uma realidade ostensiva nos centros urbanos, constituindo uma das mais perversas manifestações da questão social brasileira.

Trata-se de um fenômeno que tem como pano de fundo a intensificação da desigualdade social e o aumento da pobreza, elementos determinantes da inserção precoce de crianças e adolescentes em atividades de geração de renda suplementar, cabendo destacar que essa incorporação precoce, em sua maioria, não se constitui uma escolha, mas uma imposição da realidade social excludente, que apresenta diferenciações e particularidades, considerando-se as diversas formas de inserção e de precarização.

O presente trabalho problematiza essa questão no âmbito jurídico, social e econômico no Município de São Luís, Capital do Estado do Maranhão. O estudo contempla toda a atividade comercial informal, desenvolvida por crianças até 12 anos e adolescentes até 14 anos, faixa etária proibida por lei para o trabalho infanto-juvenil, objetivando identificar e analisar as variáveis determinantes da inserção das mesmas, no mercado de trabalho.

Os procedimentos metodológicos da investigação envolveram duas fontes fundamentais: pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo com as crianças e adolescentes.

A pesquisa de campo foi realizada através de entrevista, composta de questões previamente elaboradas, abordando individualmente cada criança e adolescente na região, no período de 28 a 31 de agosto de 2007. A entrevista procurou constatar a oferta do trabalho infanto-juvenil, sua natureza, jornada, condições e finalidade.


2 DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Diante da magnitude que ainda constitui o trabalho precoce nos países menos desenvolvidos, em particular no Brasil e em suas regiões, algumas leis e regras foram criadas para minimizar e combater essa prática.

A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - Lei Federal nº. 8.069/90, fixam as diretrizes que norteiam o combate ao trabalho infanto-juvenil.

Promulgada em 1988, a Constituição Federal determina em seu artigo 7o, parágrafo XXXIII:

"proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 (dezoito) anos e de qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo aos 14 (quatorze) anos na condição de aprendiz".

Prevê ainda, à criança e ao adolescente direitos trabalhistas e previdenciários; direito à profissionalização e à capacitação adequada; direito ao acesso à escola; e direito à compatibilização da freqüência da escola com o trabalho, bem como a necessidade de assistência do pátrio/mátrio poder no que se refere ao trabalho da criança e do adolescente. Significando a responsabilização dos pais no acompanhamento da ocupação laboral, dos filhos, sendo autorizados pela legislação trabalhista, a rescindir o contrato, se verificarem que tal atividade prejudica a saúde ou a escolaridade da criança.

No que se refere ao ECA, o estatuto começa por determinar o que é criança e o que é adolescente nos termos da lei, segundo o art. 2o do ECA:

"considera-se criança para os efeitos da Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquelas entre doze e dezoito anos de idade".

Proíbe qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente baseia-se em três princípios fundamentais: descentralização, participação e mobilização. As ações do governo e da sociedade civil nos diversos setores voltados para a problemática da infância e da adolescência vêm sendo desenvolvidas a partir deste trinômio. No que se refere à descentralização, o Estatuto da Criança e do Adolescente delega atribuições específicas e fundamentais aos estados e municípios, que passam a dividir com o governo federal e a sociedade civil organizada a responsabilidade pela garantia do cumprimento da lei na proteção às crianças.

Essa estratégia de descentralização, que viabiliza a participação dos diferentes segmentos da sociedade civil, propiciando a sua mobilização em torno do respeito aos direitos da criança e pela eliminação do trabalho infantil, inclui a criação dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e dos Conselhos Tutelares.

Em relação à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o art. 403 veda o trabalho para menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz a partir dos quatorze anos, sendo proibido o trabalho em locais que podem prejudicar sua formação, seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, bem como, em horários que não permitam a freqüência à escola.

Além desses institutos, a OIT, através da Convenção n° 138, de 1973, propõe, em seu artigo 1o, a abolição do trabalho infantil e prossegue definindo que a idade mínima para o trabalho infantil "não será inferior à idade de conclusão da escolaridade compulsória ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos. Todavia, se a economia e condições de ensino não estiverem suficientemente desenvolvidas", permite-se ao País definir, inicialmente, a idade mínima de 14 anos. Apesar disso, a Recomendação n° 146 da OIT, de 1973, sugere que "os países membros devem ter como objetivo a elevação progressiva para 16 anos. Nos países onde a idade mínima para emprego ou trabalho estiver abaixo de 15 anos, urgentes providências devem ser tomadas para elevá-la a esse nível.

Entretanto, apesar da ratificação da Convenção n° 138 da OIT pelo Brasil, milhões de crianças continuam trabalhando, comprometendo o seu desenvolvimento físico e psíquico, sua escolarização e o seu futuro, assim como o futuro do Brasil. A questão é delicada, pois para a maioria das famílias que usam o trabalho de crianças e adolescentes, é impossível priorizar a escola, assim, garantem o presente, sacrificando o bem estar futuro (PASTORE, 2006a).

Do ponto de vista econômico e do empregador, o trabalho assalariado infanto-juvenil apresenta algumas vantagens em relação àquele executado por adultos. As crianças podem ser mais facilmente adequadas à demanda flutuante de mão-de-obra, podendo ser também mais facilmente dispensadas. Ademais, o trabalho infantil é menos valorizado, sendo consideravelmente mais baixos os salários pagos a crianças e adolescentes. Esse fato explica, em parte, o aumento do número de crianças inseridas no mercado de trabalho, ao mesmo tempo, em que também cresce o desemprego entre os trabalhadores adultos (PASTORE, 2006b).

Dessa forma, a erradicação do trabalho infantil não depende apenas da legislação, vincula-se também à existência de emprego ou subemprego entre os membros adultos da família e a necessidade de geração de renda. Somente quando o Brasil for capaz de oferecer emprego para os que precisam, que as crianças vão ser afastadas desta triste realidade.

O mercado atual necessita, cada vez mais, de profissionais especializados nas novas tecnologias, e sem educação nossas crianças serão excluídas deste modelo de desenvolvimento. Neste ponto falham as políticas brasileiras, não estruturando e favorecendo um ambiente de promoção para seus nacionais. Depreende-se disso, que tanto os governos quanto a sociedade civil desempenham papel fundamental nesse processo, sem os quais, será impossível promover estas crianças e minorar os reflexos da desigualdade social nas classes mais baixas.


3 SÃO LUÍS E O MERCADO CENTRAL

O Município de São Luís desponta como um dos mais importantes pólos regionais do Nordeste brasileiro. É um centro de polarização econômica, graças à sua posição geográfica ligada às grandes capitais e principais centros consumidores do país. Este privilégio associado à uma moderna infra-estrutura urbanística, faz do Município o grande centro de apoio na interligação do Nordeste e Norte do Brasil, através das Rodovias Federais BR-135, BR-222, interligadas ao Corredor de Exportação Carajás - Itaqui.

A história do Mercado Central se confunde com a própria história do Município. Surgiu no séc. XIX no centro da cidade. Um aglomerado de comerciantes informais perto da antiga zona boêmia. Lá funcionava de tudo um pouco: matadouro de gado improvisado; abatedouro de aves; lenharias; vendas de bebida alcoólicas e pontos de prostituição.

Com o passar dos anos foram-se as prostitutas, estas em sua grande maioria, pois, atualmente, há a presença significante de travestis. O comércio regulamentado ocupou a área, as barracas que eram de madeira foram reerguidas em alvenaria, porém, a popularidade continuou a mesma e a diversificação é hoje a tônica principal, fazendo do Mercado Central um dos pontos mais populares e tradicionais da cidade.


4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A pesquisa de campo, realizada no período de 28 a 31 de agosto de 2007, demonstrou a existência da exploração do trabalho infanto-juvenil em São Luís, especificamente no Mercado Central. Vinte (20) crianças e adolescentes foram diretamente abordadas, tanto nos estabelecimentos comerciais como nas vielas do mercado. A maior parte dos entrevistados se distribui nas faixas de 10 a 12 anos (crianças) e 13 a 14 anos (adolescente), sendo que, 40 % são crianças e 60 % adolescentes.

Esses dados confirmam a infração do art. 6o, XXXIII da CF, do art. 60 do ECA e do art. 403 da Consolidação das leis trabalhistas.

A faixa etária varia de 10 a 14 anos, a saber: duas (2) têm 10 anos; três (3) têm 11 anos; três (3) têm 12 anos; seis (6) têm 13 anos e seis (6) têm 14 anos.

Como se observa duas (2) são engraxates, uma (1) é catadora de papel, uma (1) trabalha em uma loja de roupas, uma (1) trabalha em loja de verduras, uma (1) vende bombons no ponto de ônibus, quatro (4) são ajudantes de serviços gerais em diversos estabelecimentos, três (3) são vigias de carro e sete (7) são cobradores de faixa azul.

No que diz respeito à jornada de trabalho das crianças (10 a 12 anos), uma (1) criança trabalha todos os dias da semana, três (3) crianças trabalham 6 dias por semana, três (3) trabalham 2 dias por semana. Na jornada de trabalho dos adolescentes (13 a 14 anos) temos nove (9) trabalhando 6 dias por semana, um (1) trabalha 5 dias da semana, dois (2) trabalham 3 dias e um (1) trabalha apenas um dia.

A renda obtida por estas crianças e adolescentes é destinada por dezesseis (16) destas para ajudar no sustento da família e somente quatro (4) usam a renda em seu benefício. Duas (2) crianças ganham R$ 15,00 por dia, uma (1) ganha R$ 5,00 por dia, uma (1) ganha R$ 4,50 por dia, uma (1) ganha R$ 2,00 por dia e uma (1) tem renda ignorada por trabalhar diretamente com os pais catando papel. Na renda semanal uma (1) ganha R$ 20,00, uma (1) ganha R$ 4,00, duas (2) ganham R$ 5,00 e uma (1) ganha R$ 7,00. Mensalmente constatamos que sete (7) ganham 100,00, uma (1) ganha R$ 25,00 e uma (1) ganha R$ 5,00.

Como se verifica 80% entregam o que recebem para o sustento da família, e os demais utilizam sua renda para uso próprio.

A investigação demonstrou que as 16 crianças e adolescentes que destinam a renda para a família, entregam principalmente à mãe. Em outras palavras, há um indício explícito de que a mãe é a guardiã do lar. Dos entrevistados seis (6) são de famílias numerosas com mais de quatro irmãos, quatro (4) possuem até dois irmãos, cinco (5) são de famílias com até quatro irmãos, quatro (4) não têm irmãos e uma (1), por resistência do dono da loja onde trabalhava, não respondeu.

Com referência à situação econômica, os dados atestam à necessidade da inserção da criança e do adolescente, precocemente, no mercado de trabalho para a geração de renda suplementar. A baixa renda ou ausência da mesma é a variável mais importante que induz à utilização e exploração da mão-de-obra infanto-juvenil.


5 CONCLUSÃO

Este trabalho analisou a exploração do trabalho infanto-juvenil em São Luís-MA, na região do mercado central.

Os dados demonstram que 60% dos entrevistados estão entre a faixa etária de 13 a 14 anos e 40% de 10 a 12 anos, ou seja, são adolescente e crianças e não poderiam estar trabalhando, devido à disposição constitucional.

São diversas as naturezas dos trabalhos executados de forma informal, sendo sua maioria realizados nas vielas do mercado, pondo em risco a formação física, moral e psicológica, destas crianças e adolescentes, o que é proibido pela Constituição federal de 1988, pelo ECA e CLT.

As condições são inadequadas, pois, passam parte do dia sem nutrição e hidratação adequada, expostas ao sol, carregando peso, tendo sua integridade física e moral suscetível de violações e desrespeito a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

A jornada de trabalho para 45% destas crianças e adolescentes é de 6 dias, o que demonstra que não há um tempo reservado para os deveres escolares e nem para o lazer de qualidade.

Por fim, 80% das crianças e adolescentes destinam o que arrecadam para aumentar a baixa renda a familiar, insuficiente para prover as necessidades básicas da família.


REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da república federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

SUSSEKIND, Arnaldo, MARANHÃO, Délio, VIANA Segadas, et al. Instituições do Direito do Trabalho, 19a. ed. São Paulo: LTr, 2001,2 v.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. In: (45 - Trabalho do Menor, 17a. ed., rev. e atualizada, São Paulo: Saraiva, 2001.

PASTORE, José. Convenção da OIT sobre o Trabalho Infantil. Disponível em: <http:/www.josepastore.com.br/artigos>. Acesso em 27 de ago. 2006.

O trabalho infantil. http:/www.josepastore.com.br/artigos em 26 de ago. 2006a.

Infância roubada. http://globoreporter.globo.com/ em 27 de ago. 2006

Normas trabalhistas, NAFTA E ALCA. Disponível em: <http:/www.josepastore.com.br/artigos>. Acesso em 26 de ago. 2006b.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 15. ed. atual. por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves. São Paulo: Forense, 1988. p. 339.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. p. 210.

BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. São Paulo: Saraiva, 2001.

OIT.Convenção sobre a Idade Mínima para o Trabalho n° 138 de 1973. Legislação informatizada.

OIT. Recomendação sobre a Idade Mínima para o Trabalho n° 146 de 1973. Legislação informatizada.

ÁVILA, Fernando Bastos de. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. ed. 3. Rev. e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 1978.