Na História da Filosofia, Descartes é considerado o marco inicial do modernismo. Com o Discurso do Método, o filósofo visa apresentar uma nova forma de investigação para se chegar à verdade, isto é, ao conhecimento último.

[...] formei um método, pelo qual me parece que eu consiga aumentar de forma gradativa meu conhecimento, e de elevá-lo, pouco a pouco, ao mais alto nível, a que a mediocridade de meu espírito e a breve duração de minha vida lhe permitam alcançar (DESCARTES, p. 36).

A obra se assemelha a uma auto-biografia intelectual, apresentando as características gerais da formação do filósofo francês. Nos primeiros capítulos, Descartes faz um passeio por sua formação acadêmica: teria estudado lógica, literatura, teologia, filosofia e, por fim, se dedicado as ciências exatas, em especial à matemática.

Deleitava-me principalmente com as matemáticas, devido à certeza e à evidencia de suas razoes; mas ainda não percebia sua verdadeira aplicação, e, julgando que só serviam às artes mecânicas, espantava-me de que, sendo seus fundamentos tão seguros e sólidos, não se houvesse construído sobre eles nada de mais elevado(DESCARTES, p. 40).

No que diz respeito à filosofia, Descartes afirmava que "nela ainda não se encontra uma única coisa a respeito da qual não haja discussão, e conseqüentemente que não seja duvidosa" (DESCARTES, p. 41). O filósofo "não alimentava esperança alguma de acertar mais que os outros" (DESCARTES, p. 41), ou seja, acreditava que não poderia fazer grandes contribuições a esse saber, haja vista que, "tudo" já havia sido dito. Descartes criticou duramente a filosofia, chegando a afirmar que as ciências que nasciam da filosofia não poderiam construir "nada de sólido [...] sobre alicerces tão pouco firmes" (DESCARTES, p. 41). Neste sentido, ele propõe uma nova concepção de filosofia. Para Descartes, a função primeira e última da filosofia não deveria ser a especulação, mas sim a análise e apontamento da verdade.

O filósofo rompe com a tradição escolástica por afirmar que o homem pode chegar ao conhecimento pelo simples fato de ser sujeito cognoscente, sem a necessidade de um ser ontológico, "pois acreditava poder encontrar muito mais verdade nos raciocínios" (DESCARTES, p. 42) e inaugura a modernidade, caracterizada pela busca do conhecimento último na racionalidade introspectiva. Em outras palavras, o sujeito busca a verdade voltando-se para si e se abstraindo das distrações e erros provocados pelos juízos prováveis e pelos sentidos.

após dedicar-me por alguns anos em estudar assim o livro do mundo, e em procurar adquirir alguma experiência, tomei um dia a decisão de estudar também a mim próprio e de empregar todas as forças de meu espírito na escolha dos caminhos que iria seguir (DESCARTES, p. 42).

O método Cartesiano

O desejo de Descartes de chegar ao conhecimento último, por si só, resultou no método cartesiano, descrito na íntegra na obra O Discurso do Método e seus resultados mais importantes apresentados no título As Meditações e na quarta parte do Discurso.

Para se chegar a tal fim, Descartes decidiu "procurar o verdadeiro método para chegar ao conhecimento de todas as coisas de que seu espírito fosse capaz" (DESCARTES, p. 48), assim propôs, a si mesmo, uma espécie de abstração de seu tempo e sua cultura. Adotou a observação; colocou, em primeiro lugar nas suas investigações o principio da dúvida; aprendeu a não acreditar no hábito e a buscar as respostas em si mesmo. Nesses termos, podemos resumir o método cartesiano em quatro etapas: 1) Não aceitar nada que não seja evidente e evitar a prevenção e a precipitação; 2) Dividir um problema em tantas partes quantas forem possíveis e necessárias, a chamada regra da análise; 3) Conduzir o pensamento por ordem, partindo dos objetos mais simples para os mais complexos, a chamada regra da síntese; 4) Efetuar enumerações tão completas de modo a ter certeza de nenhum elemento ter sido esquecido. Contudo, Descartes afirma que sua intenção não era a de reformar a seus pensamentos, tão pouco a filosofia. Seu real objetivo era "construir um terreno que é todo meu" (DESCARTES, p. 46), ou seja, criar um método próprio.

Na aplicação de tal método, Descartes chegou há algumas importantes conclusões. Para ele os sentidos, assim como os objetos, podem nos enganar e tudo pode ser posto em dúvida, menos o fato de que duvido, ou seja, em toda a dúvida está a certeza do sujeito que dúvida.

decidi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais corretas do que as ilusões de meus sonhos. Porém, logo em seguida, percebi que, ao mesmo tempo que eu queria pensar que tudo era falso, fazia-se necessário que eu, que pensava fosse alguma coisa. E, ao notar que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão sólida e tão correta que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo, julguei que podia considerá-la, sem escrúpulo algum, o primeiro princípio da filosofia que eu procurava (DESCARTES, p. 62).

Ao colocar a existência humana subordinada ao pensamento, Descartes rompeu com a tradição filosofia vigente até então e deu a seguinte definição para homem: "uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar, e que, para ser, não necessita de lugar algum, nem depende de qualquer coisa material" (DESCARTES, p. 62). O filosofo afirma ainda que a alma "é mais fácil de conhecer do que ele [o corpo]" (DESCARTES, p. 62).

Adotando tal conceito de existência como princípio de sua filosofia, Descartes conclui "que poderia tomar por regra geral que as coisas que concebemos muito claras e distintas são todas verdadeiras, havendo somente alguma dificuldade em notar bem quais são as que concebemos distintamente" (DESCARTES, p. 63).

Tal constatação trás um novo problema: como poderia um ser, que não é perfeito, enxergar claramente aquilo que é verdadeiro? Na busca da resposta para esse problema, Descartes descobre que o dom de pensar em algo mais perfeito do que ele "devia ser de alguma natureza que fosse realmente mais perfeita [...] que tivesse sido colocada em mim por uma natureza que fosse de fato perfeita [...]. para dizê-lo numa única palavra, que fosse Deus" (DESCARTES, pp. 63-4).

O filósofo expõe que

para conhecer a natureza de Deus, tanto quanto a minha o era capaz, era suficiente considerar, a respeito de todas as coisas de que encontrava em mim qualquer idéia, se era ou não perfeição possuí-las, e tinha certeza de que nenhuma das que eram marcadas por alguma imperfeição existia nele, mas todas as outras existiam. Dessa forma, eu notava que a dúvida, a inconstância, a tristeza e coisas parecidas não podiam existir nele (DESCARTES, p. 64).

Mais adiante, Descartes vai expor de forma mais clara sua definição de Deus e da imperfeição dos seres por Ele criados:

Deus é ou existe, e é um ser perfeito, e porque tudo o que existe em nós se origina dele. De onde se conclui que a as nossas idéias ou noções, por serem coisas reais e oriundas de Deus em tudo que são evidentes e distintas, só podem por isso ser verdadeiras. De maneira que, se podem ser as que possuem algo de confuso e obscuro, porque nisso participam do nada, ou seja, são assim confusas em nós porque nós não somos totalmente perfeitos (DESCARTES, p. 67).

Considerações finais

No Discurso do Método, Descartes adverte para que não se faça confusão entre juízos prováveis e juízos corretos, pois os juízos prováveis não são mais do que prováveis e os corretos são aqueles que permitem a diferenciação entre falso e verdadeiro.

A filosofia, para Descartes, seria análise e separação, usando como meio o método. Descartes coloca em prática sua metodologia própria, com a finalidade de descobrir uma verdade, a qual, servisse como ponto de partida. Assim chegou ao Cogito: Penso, logo existo.

Partindo de uma certeza inicial, do sujeito pensante, Descartes descobre Deus como idéia inata e conclui que, ao se adotar certas regras metodológicas, o erro absoluto não seria possível. Com isso o saber se funda na subjetividade abandonando a concepção medieval de que a verdade estaria no Ser. Inaugurando, assim, a modernidade.

Referência

DESCARTES. Discurso do método. Tradução de Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova cultural, 1999. (Os Pensadores).