Victor José Machado de Oliveira

Mestrando em Educação Física – PPGEF/CEFD/UFES
Professor Habilitado em Magistério – CEMBRA

Professor Licenciado em Educação Física – FCSES

Resumo

O clube de Desbravadores é um programa da Igreja Adventista do Sétimo Dia destinado ao publico juvenil de 10 a 15 anos de idade. Seus trabalhos são desenvolvidos a partir do tripé educacional: físico, mental e espiritual. Por tempos a educação física está presente nas atividades dos Desbravadores, porém vinculada somente ao aspecto físico, regulamentada a partir das abordagens higienistas pautada em pressupostos biológicos. Entende-se que uma articulação com as novas tendências da educação física pode auxiliar como contribuição para o desenvolvimento integral dos juvenis mediante o diálogo com a cultura corporal.

Palavras-chave: Desbravadores; Cultura Corporal; Educação Física.

Ensina a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando for velho, não se desviará dele.

Provérbios 22:6

Introdução

O Clube de Desbravadores foi fundado oficialmente no ano de 1950 pelo departamento de Jovens da Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia, ao ser reconhecido como programa oficial da mesma a nível mundial. No Brasil o primeiro relato de atividade foi marcado em Santa Catarina nos anos de 1960. Ele é uma atividade desenvolvida ao publico alvo juvenil (crianças e adolescentes) de 10 a 15 anos de idade, de diferentes classes sociais, cor ou religião. Seu trabalho central é desenvolvido no tripé educacional: FÍSICO, MENTAL e ESPIRITUAL[1].

A filosofia central dos Desbravadores compreende que boa parte do seu programa é montada ao redor da ação física. Entretanto todos esses anos percebe-se que a educação física (EF) nos desbravadores não avançou muito nas práticas desenvolvidas dentro dos clubes, tendo como lócus principal a promoção da saúde pautada em modelos higienizadores[2]. Para tanto é necessário também entender as abordagens que influenciaram a EF para entender-se a proposta deste texto que procurará estabelecer um diálogo inicial com o objeto que convencionalmente tem-se utilizado nas abordagens críticas da EF que é a cultural corporal (COLETIVO DE AUTORES, 1992).

Rebuscando autores que tratam as abordagens críticas da EF e os textos acerca das ações pedagógicas dentro do clube de Desbravadores buscar-se-á tecer algumas considerações – possíveis e cabíveis – com relação ao trabalho desenvolvido dentro dos clubes de desbravadores. Uma delas reflete a necessidade de articular a EF enquanto área do conhecimento que pode contribuir no desenvolvimento não somente do aspecto “físico” do tripé educacional, mas articulado com os outros dois aspectos – mental e espiritual – formando uma unidade de trabalho comum, assim atendendo a formação dos juvenis que participam das atividades desenvolvidas pelo clube.

Em vista dessas primeiras aproximações este texto procurará refletir o processo em que a EF enquanto área do conhecimento pode auxiliar no desenvolvimento sócio-histórico desses juvenis, corroborando na promoção de qualidade de vida junto ao programa desenvolvido pelo clube e sua filosofia.

Compreendendo a presença da Educação Física na sociedade e as abordagens pedagógicas utilizadas na sistematização de seu trabalho

Para um melhor entendimento da proposta deste texto é necessário revermos alguns pontos acerca da presença da EF na sociedade e as abordagens utilizadas por esta durante a história e sua constituição enquanto uma área do conhecimento que procura estudar a cultura corporal.

O nome educação física – como convencionalmente é chamado atualmente – nem sempre foi utilizado para demarcar as atividades “físicas” trabalhadas pelos homens no transcurso histórico. Porém historicamente os homens sempre realizaram atividades para a melhora das capacidades físicas, como por exemplo, Roma no período de seu império, onde se formava o guerreiro-militar.

No início da modernidade o plano cartesiano[3] ao apregoar a separação entre corpo e mente forja uma consolidação do trabalho que então passará a ser realizado pela EF. Esta trabalhará no Século XVIII com o papel de regenerar e revigorar o corpo debilitado pelo trabalho nas fábricas. Mas é no Século XIX que a EF renasce com o surgimento da escola laica, sendo neste período abordada pelos preceitos higiênicos e cuidados com o corpo. No século XX além da prescrição médico-higienista passa a receber os jogos, a ginástica e o esporte para além das questões voltadas a aptidão física e saúde.

Outro momento importante a ser mencionado apresenta-se com as mudanças ocorridas no contexto educacional brasileiro na década de 1980. Nesse período de redemocratização da sociedade brasileira surgiram propostas pedagógicas críticas no âmbito da EF. Foi a partir delas que foi possível ampliar a visão estritamente biologizante que perdurava na Educação Física, propondo que outras dimensões fossem contempladas nas propostas pedagógicas, mais especificamente, os aspectos sócio-culturais e políticos inerentes às relações humanas (BRACHT, 1999).

Com esse breve panorama nota-se um novo cenário em que a EF toma parte de seu processo pedagógico voltado as questões culturais, e é nesse momento que pode contribuir no trabalho realizado no clube de Desbravadores. Partindo dos pressupostos apontados pelo Manual Administrativo do clube de Desbravadores e outros documentos que integralizam suas propostas de trabalho, entende-se que é necessário entender o espaço que as “atividades físicas” e recreativas para enfim traçar algumas proposições de trabalho partindo da perspectiva da cultura corporal.

Da “atividade física” as “práticas corporais”: novas perspectivas pedagógicas para os clubes de Desbravadores

Segundo consta no Manual do clube de Desbravadores o programa deve se desenvolver pelos objetivos de auxiliar os juvenis a manterem a boa forma física e o desenvolvimento harmonioso dos aspectos físico, social, intelectual e espiritual. Entretanto tem-se utilizado no interior dos clubes uma abordagem que se aproxima em muito das abordagens higienistas e desenvolvimentistas, apregoando premissas voltadas meramente ao ajustamento da saúde pelo fazer-por-fazer.

Outro momento que cabe ressaltar aqui são as práticas exercidas a partir das “atividades físicas” enquanto lócus do desenvolvimento dos aspectos físicos do juvenil. Ora, entendendo por outro ângulo as orientações dos manuais dos Desbravadores é preciso superar a visão do trabalho a partir das “atividades físicas” para novas práticas pedagógicas advindas das “práticas corporais”. Essa mudança de termo refere-se à necessidade de perceber as práticas sociais da área, pois as mesmas são constituídas culturalmente e carregadas de sentidos e significados em suas mais variadas formas de expressão corporal, o que é ausente na expressão “atividade física”.

Entender que as práticas corporais são forjadas num determinado grupo social emerge a questão de que só é possível estabelecer um programa – que atenda os juvenis em seu crescimento dos aspectos físico, social, intelectual e espiritual – mediante o acesso às diversas manifestações corporais presentes muitas das vezes nas atividades propostas nos manuais, mas pouco trabalhadas dentro do clube, ou quando trabalhadas de forma superficial e rasa.

Quando o juvenil entende as práticas corporais como constituintes de sua comunidade ele se sente ligado a ela intermédio os sentidos e significados presentes em seu contexto social. É neste momento que a caminhada deixa de ser chata, porque ele não está mais ali para “andar e andar”, mas para encontrar-se entre amigos/as, estar em contato com a natureza percebendo a criação de Deus, sentir-se incluído no grupo e participante do mesmo, etc.

Neste momento percebe-se que é profícuo o estabelecimento do diálogo com as abordagens críticas da EF uma vez que essas podem contribuir até mesmo para uma ressignificação das próprias práticas corporais pelos indivíduos e por fim pelo grupo.

Algumas possibilidades de desenvolvimento de ações pedagógicas a partir da cultura corporal

Como apontado pelo Coletivo de Autores (1992) há alguns conteúdos que podem ser trabalhados pela EF, entretanto nos ateremos a alguns, a saber: os jogos, os esportes e a ginástica. Também há outras práticas corporais que podem ser manifestadas dentro das ações pedagógicas do clube como as atividades ao ar livre (caminhadas, acampamentos, esportes de aventura, etc.). Mediante tais colocações encontra-se similaridade entre esses conteúdos previstos nas abordagens didáticas da EF com as atividades propostas no programa dos Desbravadores. Por exemplo, o manual de especialidades recheado de atividades recreativas que podem ser trabalhados nos clubes.

Entretanto há algumas questões decorrentes da imensidão de possibilidades de atividades presentes nos manuais dos Desbravadores:

  • O que, como e por que ensinar?
  • Como planejar e executar um plano de ação?
  • Quem vai ensinar?

A primeira questão refere-se a uma pontuação tripla e de fundamental importância que todos os líderes[4] de desbravadores devem se fazer antes de iniciar um programa de atividade. A segunda é parte do processo da montagem do programa, sendo caracterizada pelo planejamento das ações a serem desenvolvidas dentro de um período de tempo. A terceira concerne à seleção dos instrutores, segundo suas possibilidades e conhecimentos específicos. Dessas três pontuações vejamos em alguns exemplos práticos como efetuar um trabalho significativo que proporcione um desenvolvimento sadio aos juvenis.

Quando se pretende ensinar algo é necessário entender que isso vai ser ensinado a alguém, e esse alguém traz consigo sua bagagem de vida e de experiências corporais de práticas desenvolvidas anteriormente. Daí encontra-se um primeiro equívoco da seleção de um conteúdo, quando é realizada sem o conhecimento prévio dos sujeitos a quem será ofertado e das condições materiais e de pessoal para o desenvolvimento das atividades. Ora, para ensinar natação é necessário um local específico adequado com pessoal qualificado a ensinar tal conteúdo, um local onde não haja condições físicas para tal prática deve ser conhecido previamente pelos líderes ao selecionar os conteúdos a serem trabalhados. Conhecer os juvenis quanto ás práticas corporais já praticadas por esses é essencial nesse processo, até mesmo para que se possa eleger monitores em tal atividade proposta, assim motivando o juvenil a ser um sujeito ativo em todo o processo.

Buscar parcerias também é uma boa opção para o desenvolvimento de novas atividades. Inovar as práticas corporais é sempre interessante, pois promove uma maior interação do grupo, assim também oferecendo novos estímulos para o desenvolvimento educacional dos juvenis conectados por essas práticas. Ou seja, futebol para os meninos e queimada para as meninas em todos os encontros torna-se cansativo e por fim leva a indisciplina.

Mediante a seleção dos conteúdos o planejamento é a fase subsequente da operação na montagem do programa. É interessante que esse planejamento seja esboçado por grandes e pequenos blocos durante o ano, por exemplo, um bloco semestral dividido por dois blocos trimestrais. No planejamento[5] deve constar alguns pontos a serem realizados no trabalho:

  • Identificação do plano, clube e data de execução do mesmo;
  • A justificativa (por que estou ensinando isso?);
  • O objetivo geral e objetivos específicos;
  • O cronograma de atividades;
  • E a forma de avaliação.

O planejamento deve ser flexível, democrático e organizado. Não basta somente planejar, é necessário planejar com alguém e para alguém. Toda e qualquer prática corporal deve ser planejada especificamente antes de cada encontro.

Uma boa opção para a construção de um plano de ação coerente são parcerias feitas com profissionais da área da educação física. Isso é fácil de encontrar, uma vez que em cada escola existem profissionais que podem auxiliar neste processo. Outra questão está na formação dos líderes de Desbravadores, que deveriam ser estimulados neste sentido de poderem se qualificar também, segundo a cultura corporal para poder trabalhar com as práticas corporais dentro dos clubes.

Ao dirigir uma atividade o mínimo necessário para quem esta a frente é conhecer essa prática corporal, entender os procedimentos de segurança, conhecer o grupo ao qual está aplicando a atividade.

As práticas corporais podem ser dividas didaticamente sob duas formas para melhor entendimento de sua aplicação no clube de desbravadores. A primeira é a forma de ensino-aprendizagem, esta regada pelas técnicas didáticas específicas para o ensino. A segunda forma é a de recreação, onde a prática tem caráter mais “livre” do que a forma de ensino-aprendizagem. Permeando a didática pode-se afirmar que só se aprende fazendo, dialogando e tecendo relações interpessoais mediante as práticas corporais.

Considerações finais

Entre as limitações desse texto pode-se concluir em linhas provisórias que é possível abrir o diálogo entre as novas abordagens da EF e o trabalho realizado nos clubes de Desbravadores. E para tanto é necessário superar a visão biologizante da atividade física voltada somente à promoção da saúde, assim desmitificando a reprodução da atividade pela atividade.

O planejamento aparece como momento importante na construção do programa dos desbravadores, e principalmente sua democratização e flexibilidade tem-se mostrado fiel ao alcance dos objetivos propostos. E neste momento trazer parcerias mostra-se profícuo ao atendimento da demanda do clube de Desbravadores, otimizando a qualidade do trabalho desenvolvido com os juvenis.

A educação física pode contribuir neste processo mediante a oferta de práticas corporais ricas em sentidos e significados ao propor formas lúdicas, alternativas, participativas, criativas e reflexivas. Aumentando o leque de possibilidades e conhecimento dos juvenis, proporcionando novas práticas de lazer e educação que auxiliem no seu desenvolvimento físico, social, intelectual e espiritual.

Referências

BRACHT, V. Identidade e Crise da Educação Física: um enfoque epistemológico. In: ______. CRISORIO, R. (Coord.). Educação Física no Brasil e na Argentina: identidades, desafios e perspectivas. São Paulo: Autores Associados, 1999, p.13-30.

COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

DSA. Manual Administrativo do Clube de Desbravadores. Divisão Sul Americana da Igreja Adventista do Sétimo Dia, 1991.



[1] Fonte: Site oficial dos Desbravadores | www.desbravadores.org.br.

[2]Para uma melhor compreensão a respeito dessas abordagens no decorrer deste texto serão apontadas algumas questões sobre as fases em que a EF passou, por exemplo, o higienismo, militarismo, tecnicismo até chegar às tendências críticas.

[3] O plano cartesiano pensado por Descartes não será aprofundado aqui, mas servem como pano de fundo para compreender a história e suas concepções dos opostos na tradição ocidental.

[4] Refiro-me não somente aos líderes de “pano”, mas também aos líderes eleitos para trabalharem com os juvenis.

[5] O planejamento é um ponto extenso que será tratado em outro momento. Porém aqui cabe ressaltar alguns pontos necessários para a constituição de um plano de ação.