DEPRESSÃO NO AMBIENTE DE TRABALHO: Quando ela pode ser considerada doença ocupacional?[1]

Renato Gonçalves de Sá[2]

Victor Paiva Gomes Marques[3]

RESUMO

 

O paper analisa a depressão como doença psicológica e sua relação com o ambiente e forma de trabalho, bem como a forma que o direito trabalhista ampara os trabalhadores que sofrem com a doença. Analisamos em quais casos a depressão pode estar associada ao ambiente de trabalho, e quais benefícios são devidos ao trabalhador doente. No final, concluímos com doutrina e jurisprudência que asseveram a necessidade da comprovação do nexo causal entre a depressão e o ambiente de trabalho para que os direitos possam ser judicialmente efetivados.

Palavras-chave: Depressão, Direito do Trabalho, Doença ocupacional

 

1        INTRODUÇÃO

 

Com a chegada da Emenda Constitucional n. 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a poder julgar as ações de indenização por acidente de trabalho e por doenças ocupacionais. O presente paper vem analisar a depressão como doença relacionada ao trabalho, tentando vislumbrar a relação existente entre ambos, bem como a forma em que o ordenamento jurídico trata a situação.

O decreto-lei 3.048, de 06 de maio de 1999, elenca as doenças de trabalho, dentre as quais a depressão se faz presente. Tendo em vista que as doenças psicológicas são o mal do nosso século, com seu alto crescimento em virtude do modo de vida moderno e suas demandas excessivas sobre o indivíduo, é importante estudar como o trabalho como atividade essencial na sociedade influencia e é influenciado por essa doença.

Tal análise é importante tendo em vista o crescente número de julgados abordando o tema, numa relação de causa e efeito entre o trabalho e a depressão. Tratará o presente trabalho da doença em si, seus efeitos psicológicos relacionados com o trabalho, seu nexo causal e a necessidade de perícia, para atestar se tal enfermidade é decorrente da atividade laboriosa e as leis que tratam sobre o assunto.

2        O QUE É A DEPRESSÃO

 

A depressão, vista pela faceta médica, é uma enfermidade que acaba por mudar o estado psicológico de uma pessoa, deixando-a severamente triste. Quando se trata de depressão, não há sexo, religião ou cor. Ela atinge tanto homens e mulheres, de qualquer faixa etária e etnia. No entanto, pesquisas médicas apontam que as mulheres costumam ser afetadas duas vezes mais que o homem.

Essa doença se desenvolve normalmente de acordo com o estresse, estilo de vida e outros acontecimentos traumáticos, como divórcio, mortes na família, etc.

O indivíduo acometido sente-se sempre triste, sem esperanças e abatido. Além disso, pode perder o interesse em atividades que davam prazer outrora, tais como passatempos de lazer e esportes. Ainda, a pessoa adquire alterações em seu ciclo biológico, no que toca ao sono e à fome. Pode ser acometido de insônia, acordando no meio da noite ou mais cedo que o habitual, sem conseguir voltar a dormir. Sobre a fome, pode a pessoa tanto perdê-la como aumentá-la excessivamente, diminuindo ou aumentando de peso, respectivamente.

O mais grave, no entanto, são os pensamentos suicidas e sobre morte em geral. A pessoa começa a pensar sobre sua própria morte e dos outros, e começa a encarar o suicídio como a única saída para sair de todo o sofrimento. Segundo entendimento médico:

Freqüentemente a pessoa pode pensar muito em morte, em outras pessoas que já morreram, ou na sua própria morte. Muitas vezes há um desejo suicida, às vezes com tentativas de se matar, achando ser esta a " única saída " ou para " se livrar " do sofrimento, sentimentos estes provocados pela própria depressão, que fazem a pessoa culpar-se, sentir-se inútil ou um peso para os outros. Esse aspecto faz com que a depressão seja uma das principais causas de suicídio, principalmente em pessoas deprimidas que vivem solitariamente. É bom lembrar que a própria tendência a isolar-se é uma conseqüência da depressão, a qual gera um ciclo vicioso depressivo que resulta na perda da esperança em melhorar naquelas pessoas que não iniciam um tratamento médico adequado. (KOCH e ROSA, 2001)

Os relacionamentos pessoais, também, se tornam difíceis. O indivíduo não consegue começar o dia com disposição, por conta da tristeza. Cuidar de coisas habituais torna-se um verdadeiro fardo, que acaba por cansar ainda mais o doente. Aqui, os relacionamentos começam a declinar: falta  interesse no sexo, dificuldades conjugais em geral, além da perda de amizades.

Sucede que, há possibilidade de cura da depressão, inclusive total. Sendo a doença, portanto, é completamente reversível.

3        O DIREITO DO TRABALHO E A DEPRESSÃO

 

No Brasil, a primeira lei sobre acidentes de trabalho aprovada foi o Decreto-lei N 3.724 de 1919. Nela, as doenças provocadas pelo trabalho ao empregado eram equiparadas aos acidentes de trabalho. Mas foi somente com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio que o governo estabeleceu sua atuação preventiva e de vistoria sobre as condições de trabalho no país.

Com a Constituição Federal de 1988 em seu art. 7º, inciso XXII, a saúde foi elevada ao patamar de direito social, assegurando aos trabalhadores o direito à redução dos riscos intrínsecos à atividade laboral através de regras sobre saúde, higiene e segurança. A lei nº 8.213 de 1991 estabelece a diferença entre doenças profissionais e doenças do trabalho, ambas sendo espécies de acidente de trabalho:

        Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

        I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

        II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

§2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho

A relação mencionada no inciso I  é aquele rol existente no anexo II do Regulamento da Previdência social, que é exemplificativo, e não exaustivo, como se defere pelo §2º do art. 20 citado acima. Tal anexo reconhece a depressão somente em quadros específicos em que ela decorre da exposição a certos produtos tóxicos, enquanto que para outros transtornos mentais ela admite sua decorrência por fatores relacionados às condições de trabalho, má adaptação social, etc. Sendo assim, mesmo não estando expressamente prevista como doença do trabalho em si, é possível considerá-la como tal quando houver íntima ligação sua com os transtornos mentais descritos no mesmo grupo do anexo II, averiguando-se essa situação em cada caso concreto.

No plano jurídico-legal, para que a depressão, quando desvinculada de exposição às mencionadas substâncias químicas, possa ser considerada acidente do trabalho, deve-se verificar se esta doença resultou das condições especiais em que o trabalho é executado, bem como se com ele se relaciona diretamente, conforme a regra prevista no § 2º do art. 20 da Lei 8.213/1991. No entanto, como é evidente, são diversas as dificuldades, concretas e práticas, de se fazer subsumir a depressão a estes estritos requisitos legais. É necessário que se faça o reconhecimento do nexo causal mediante o entendimento de que a síndrome depressiva foi desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho foi realizado. (GARCIA, 2006)

Tal ligação deve ser comprovada por perícia, e a jurisprudência é farta de casos de indeferimento de pedidos pela falta de comprovação do nexo causal entre a depressão e a relação de emprego.

RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. DOENÇA PROFISSIONAL. DEPRESSÃO. A constatação de doença profissional do empregado garante-lhe o direito à estabilidade provisória prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/91, desde que guarde relação de causalidade com a execução das atividades do empregado, conforme estabelece o item II da Súmula nº 378 do C. TST. No presente caso, ainda que se possa reconhecer a depressão como doença decorrente da relação de emprego, o laudo pericial indica apenas que o ambiente de trabalho é fator que agrava os sintomas da depressão, esta que não tem relação direta com a execução do contrato de trabalho, concluindo o v. acórdão recorrido que o autor não comprovou que as cobranças feitas pela ré fossem de ordem tão arrojadas que levaria os empregados a distúrbios psicológicos e não há qualquer indício nos autos de que o ambiente de trabalho do autor fosse hostil a ponto de acarretar-lhe a alegada perturbação emocional, não se perfazendo o nexo causal. Recurso de revista não conhecido.

(2239 2239/2006-007-12-00.7, Relator: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 07/10/2009, 6ª Turma,, Data de Publicação: 16/10/2009)

Caso o nexo seja comprovado, o empregado enfermo terá direito às garantias previdenciárias relacionadas aos pagamentos dados ao acidentado ou seus dependentes, como o auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez ou pensão por morte. Poderá ainda, nesse caso, pleitear ação indenizatória por danos morais e materiais decorrentes de doença do trabalho, de acordo com o inciso XXVIII do art. 7º da Constituição Federal e artigos 186 e 927 do Código Civil.

Quando não há o reconhecimento dessa conexão causal entre depressão e ambiente de trabalho, não haverá o recolhimento do FGTS correspondente ao período de afastamento, além de perder o empregado o seu direito à estabilidade provisória prevista no artigo 118 da lei 8.213/91:

“Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.”

A lei 11.430 de 26 de dezembro de 2006, que incluiu o artigo 21-A na lei 8.213/91 estabelece como se dará a constatação do nexo técnico epidemiológico:

“Art. 21-A.  A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças - CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento. 

Tal inovação representa um avanço, pois antes da edição do artigo, o reconhecimento do nexo de causalidade só era garantido com a emissão da própria empresa de uma Comunicação de Acidente de Trabalho. Sendo que agora, ele poderá obter seus direitos referentes ao reconhecimento através de um laudo médico do Instituto Nacional de Seguridade Social de acordo com a classificação internacional de doenças.

CONCLUSÃO

Os transtornos mentais e a depressão ocupam um lugar importante na lista de causas de afastamento do trabalho, e essa tendência só deve aumentar tendo em vista o estilo de vida ao qual as constantes transformações da tecnologia, relegando ao empregado muitas vezes a ocupação de mero autômato, vêm a fomentar. Como consequência, aumenta-se a competitividade e a ansiedade no mercado de trabalho, o que pode levar, em longo prazo, a um enfraquecimento psíquico que pode desaguar em uma doença de fato como a depressão.

Concluímos que legalmente, a enfermidade em questão não é reconhecida como doença profissional pelo Ministério da Previdência Social, equiparando-a a acidente de trabalho. Sendo assim, segundo o estabelecido no §2º do art. 20 da Lei n. 8.213/91, é de extrema necessidade que se prove a relação direta entre a depressão e a incapacidade para o trabalho através de perícia.

Dessa forma, um empregado com tendências depressivas pode reforçá-la caso esteja em atividade sob condições árduas, com uma alta demanda sobre si, excesso de competitividade, exigências exageradas, e ritmo estafante. Fato esse que nos leva a crer eu a depressão deve ser conhecida como um acidente de trabalho

 

 

 

REFERÊNCIAS:

 

BRASIL, Lei 8.213, de 24 de Julho de 1991. Dispõe sobre os Planos e Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.

BRASIL, Lei 11.430, de 26 de Dezembro de 2006. Altera as Leis nos 8.213 e 9.796, aumenta o valor dos benefícios da previdência social; revoga a Medida Provisória no 316; dispositivos das Leis nos 8.213, 8.444, e da Medida Provisória no 2.187-13; e a Lei no 10.699.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Dano Moral nas Relações de Trabalho. Revista Jurídica Consulex – Ano X – nº 233 - 30 De setembro/2006. Disponível em <http://www.nucleotrabalhistacalvet.com.br/novidades/entrevista_rjc233.pdf>. Acesso em: 25 de jun. 2012    

KOCH, A. S. e ROSA, D. D DEPRESSÃO. Publicado em 01 de novembro de 2001. Disponível em: <http://www.abcdasaude.com.br/artigo.php?102> acesso em 19/05/2012

TEIXEIRA, SUELI. A depressão no meio ambiente do trabalho e sua caracterização como doença do trabalho. Disponível em: <http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_76/Sueli_Teixeira.pdf> acesso em 25/04/2012

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. 6ª Vara. Recurso de Revista. Relator: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 07/10/2009, Data de Publicação: 16/10/2009. RR 2239 2239/2006-007-12-00.7. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5669110/recurso-de-revista-rr-2239-2239-2006-007-12-007-tst>. Acesso em 20 de maio de 2012.



[1] Paper apresentado à disciplina de Direito Individual do Trabalho, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluno do 7º Período do curso de Direito da UNDB.

[3] Aluno do 7º Período do curso de Direito da UNDB.