Às vezes parece que a ausência é mais forte que a presença... Dizem que é preciso perder alguém pra valorizar essa pessoa. Quanto a isso, não tenho tanta certeza, mas o que sei é que quando perdemos alguém essa pessoa parece ganhar mais força nas nossas lembranças.

Uma paciente assim contou ao psicanalista vienense Igor Caruso: “O tempo todo, ele é minha única ocupação. Escrevo para ele, penso nele, mando-lhe livros que possam lhe agradar; muitas vezes chego até a pensar que ele existe mais na minha consciência do que na realidade. Na realidade ele continua com seus hábitos triviais: dorme, fuma, lê o jornal; mas dentro de mim, vive com intensidade.”

Talvez porque, com o vazio que fica, somos obrigados a olhar para nossos próprios abismos... Sempre fomos impelidos a achar que a felicidade reside na completude, tal como no Mito do Andrógino, descrito no “Banquete” de Platão, onde se conta que o ser humano era uma forma inteira, completa, até que os deuses resolveram nos condenar nos dividindo em dois e fazendo com que passássemos a vida toda procurando a nossa “outra metade”, a nossa alma gêmea...

Missão um tanto quanto pesada para delegarmos ao outro, a de ser nossa outra metade, de ser a única forma de nos sentirmos felizes, de sermos completos.

Talvez uma grande idealização. Projetamos no outro aquilo que parece nos faltar e entregamos a ele a missão de nos cuidar. Amamos os sonhos que fazemos, os planos que criamos juntos. Juntos? Rubem Alves bem dizia que é mais fácil amar o retrato, que “o que se ama é a “cena”. “Cena” é um quadro belo e comovente que existe na alma antes de qualquer experiência amorosa. A busca amorosa é a busca da pessoa que, se achada, irá completar a cena.”

Freud explica? Para ele “nós nunca somos tão desamparadamente infelizes como quando perdemos um amor.” A perda do objeto amado nos coloca em uma situação de verdadeiro luto. Para a psicanálise o luto ocorre não só com a morte de um ente querido, mas também com a “morte” do objeto amado. Nasio revela: “O que dói não é perder o ser amado, mas continuar a amá-lo mais do que nunca, mesmo sabendo-o irremediavelmente perdido. Amor e saber se separam. O eu fica esquartejado entre um amor que faz o ser desaparecido reviver, e o saber de uma ausência incontestável.”

O luto seria então nesses casos uma condição normal (embora se torne patológico quando prolongado além da conta).

Mas depois de pensar tudo isso, ainda não respondemos a pergunta que fica rondando infinitas vezes nossa cabeça: Como esquecer? Superar esse luto é realmente uma grande luta.

Uma luta por vezes injusta, aterrorizante. Porque é uma luta com nós mesmos. Dias difíceis aqueles... A cena de nossa alma fica de repente em preto e branco. As noites não tem fim, o golpe no coração atinge todo nosso corpo, estomago dói, peito fica apertado, a comida não desce, os rompantes do choro são inevitáveis, o corpo todo chora junto com nosso coração (e até Deus é desafiado pra nossa luta,  seja quando pedimos a volta ou esbravejamos o fim). Mas meu Deus! Será que essa angústia nunca vai acabar?

E lá no fundo nós bem sabemos a resposta. Até nossas avós já sabiam a resposta! A resposta é mesmo o tempo. Curar dor de amor é igual curar gripe: repouso, muito líquido e tempo. Padre Fábio de Melo também sabia: “A cura do resfriado vem com o tempo. O corpo se encarrega de expulsar os vírus invasores, e, aos poucos, os sintomas desagradáveis são aliviados, e o organismo se reconcilia com o bem-estar. Intuo que a vida afetiva sobreviva sob as mesmas regras. Amores desfeitos são como os resfriados. Num primeiro momento são agudos, doídos. Ficamos prostrados, indispostos. Mas é só uma questão de paciência. Afetos também carecem de repouso. Precisamos deixar que o movimento natural da vida venha inflar novos ares dentro de nós. O tempo se empenha de ajeitar as coisas em seu lugar. Pode acreditar. Este momento doloroso vai passar.”

E quando nossa única saída é ser forte, somos. E a cura só acontece de dentro pra fora. Ana Jácomo falava que “quando a gente dói, a gente precisa saber formas de cuidar da própria dor, com o jeito carinhoso com que gostaríamos de ser cuidados pelos outros,  com a delicadeza com que cuidamos de outras pessoas.  A gente precisa se ter, antes de tudo.  O beijo precisa começar em nós.”

Pra curar “coração resfriado” é preciso cuidar com carinho dos machucados. É preciso aquecê-lo bem, com música boa e meditação. Com uma taça de vinho, livros e filmes. Com caminhados no fim da tarde e colo de mãe. Com ombro amigo, um pouco de choro e a descoberta de novas risadas. E com a fé nesse Ser Superior, que sabe muito bem como cuidar dos seus filhos que andam “doentes do coração”.

E o “resfriado” vai sarando, pouco a pouco, dia após dia. Vamos nos refazendo, nos reinventando, dando uma nova interpretação as nossa vidas.

As coisas não serão como antes. Mas, quem sabe possam ser até melhores. Só temos que ter cuidado para essa “gripe” não nos pegar de novo. Guardando a certeza que nosso coração é valioso demais para colocarmos no altar de outra pessoa. Carregamos o sagrado, portanto honremos o deus que existe em nós (Om Namah Shivaya!). E se o sagrado, o bonito, o bom e o alegre estão escondidos em nós mesmos, aprendamos a dividir isso com o outro, ao invés de exigir seja ele a descobrir o caminho de nossa felicidade.