Com frequência, têm sido observadas evoluções legislativas no que tange à Infância, com o intuito de romper definitivamente com qualquer tipo de discriminação e adotar a Doutrina da Proteção Integral. De fato, essa evolução aponta aspectos relevantes sobre direitos da criança e do adolescente trazidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Por outras palavras, a partir dessas legislações, as crianças e os adolescentes, sem distinção de raça, classe social, ou qualquer forma de discriminação, passaram a ser "sujeitos de direitos", considerados em sua peculiar condição de pessoas em desenvolvimento. Nesse sentido, são legislações inovadoras, reintegrando família, Estado e sociedade visando à participação dos cidadãos nos processos de formulação, execução e monitoramento das políticas públicas de atendimento à infância e à adolescência.
Outrossim, a Doutrina da Proteção Integral prima pela proteção aos direitos garantidos às crianças e adolescentes, em qualquer situação, visto que são sujeitos de direitos universalmente conhecidos ? inclusive de direitos especiais, com prioridade absoluta ? não sendo mais obrigação exclusiva da família e do Estado e sim um dever social. Nessa seara, surge a questão do testemunho infantil como fundamentador de sentença judicial, que, atrelado a outros meios de prova, poderá ser considerado para o livre convencimento do juiz.
Acerca da produção e obtenção da prova processual penal para a solução dos conflitos ? principalmente na seara da Infância e Juventude ? ponderou-se que o testemunho infantil, efetivamente, sempre preocupou a justiça penal, em todas as suas fases, constituindo-se em fator que, muitas vezes, incapacitava a pessoa de testemunhar. Ademais, fica claro que se admite o depoimento infantil como meio de prova, mesmo porque, em certos crimes, é a única existente; mas, por outro lado, reconhecem-se os óbices em se estabelecer, por meio dele, certeza necessária para um juízo de reprovação criminal.
Porém, por ocasião da tomada do depoimento da criança ou adolescente, é preciso ter alguns cuidados para que o trauma (situação sobre a qual vão depor) não se agrave, uma vez que a criança se encontra fragilizada e não deve ser exposta a mais constrangimentos. E por não existir, no Brasil, uma lei que assegure uma conduta diferenciada para a criança depor, é que se criou um projeto chamado "Depoimento Sem Dano".
Verificou-se que as novas alternativas de inquirição trazidas pelo Projeto "Depoimento Sem Dano" ? criado e defendido por Daltoé Cezar, Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre/RS, que defende a existência de mediadores (psicólogos e assistentes sociais) para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e maus tratos, reduzindo assim os possíveis danos causados por uma exposição direta ? vem sendo disseminado pelo Brasil e busca melhorar a qualidade do atendimento que é feito à criança e ao adolescente em casos tão extremados de violação propôs mudanças no texto legal e na dinâmica da audiência nos casos que envolvem crianças e adolescentes e trouxe a possibilidade de punir o agressor pela efetividade do depoimento, fazendo-se necessários dispositivos que minimizem o sofrimento psíquico evidentemente presente neste tipo de caso.
De tudo isto, tem-se que o projeto em comento não quer apenas possibilitar a oitiva dessas crianças e adolescentes para a obtenção de provas, mas exige também segurança de sua integridade física e emocional, em relação aos depoimentos, razão por que é fundamental que se encontre o ponto de equilíbrio entre os dois pesos dessa balança. Este é o desafio que os operadores do direito, juntamente com profissionais de outras áreas, aceitaram para enfrentar esse novo método de inquirição, oferecendo uma estrutura adequada para ouvi-las, bem como, prezando pelo resguardo de seus direitos embasados em princípios fundamentais.
Portanto, este projeto piloto sustenta a eficácia dos depoimentos realizados por crianças e adolescentes. O motivo é simples: além de resguardar todos os princípios norteadores do Estatuto da Criança e do Adolescente, não se excluíram ? e nem poderia - da apreciação do judiciário, todos os demais tipos de provas em direito admitidas. É, pois, possível concluir que tal projeto, apesar de seu caráter inovador, e de certa forma, de raras críticas que vem sofrendo, não há dúvidas que o mesmo tem sido aprovado e reconhecido como um meio efetivo para inquirir crianças e adolescentes, alcançando seus objetivos de redução do dano durante a produção da prova, a garantia, proteção e prevenção dos seus direitos, inclusive a melhoria na produção da prova. Através do projeto, esses depoimentos são realizados de forma mais profissional e tranqüila, em ambiente mais receptivo, com a intervenção de profissionais previamente preparados para tal tarefa, desviando-se dessa forma questionamentos inapropriados, impertinentes, agressivos e desconectados não só do objeto do processo, mas principalmente das condições pessoais do depoente.