Houve um tempo em que os homens pensavam nos homens. Uma era em que os espíritos seguiam desarmados pelas alamedas da vida. Os jardins possuíam um valor maior que apenas sua qualidade decorativa. Eram admirados e cultivados com amor pela natureza.

As crianças eram infantis, os adultos responsáveis e os velhos respeitados.

Então alguém instaurou a "bestificação" da massa. A exaltação do ego com a exacerbação do ter em detrimento do ser. O culto ao ego instaurou o narcisismo extremado, onde duvidosos conceitos de beleza passaram a reinar.

Tudo se tornou singular, desejos no plural se tornaram ultrapassados. Eu. Meu. Cada um por si. A vantagem pessoal e o resto que se lixe. Levar vantagem acima de qualquer princípio e principalmente preço.

O lucro nunca foi crime, mas seu exagero causando lesões sociais irreparáveis é.

Apagou-se o discernimento de que a aceitação da morte planejada e consentida de toda forma de vida era, na verdade, um suicídio.

Pode parecer amargo, cruel, mas é real. Tão real que assusta aqueles que possuem, ainda, a capacidade de perceber a velocidade com que as piores coisas acontecem e são aceitas com uma estranha naturalidade.

Basta um olhar para o lado e descobrir que o medo substitui, agora, o brilho de alegria e despreocupação na maioria dos olhares. Que a miséria, patrocinada pelos "eleitos", discrimina e pune somente os mais fracos. Até que o nós agonize indefinidamente numa loucura planejada.

A troca da espiritualidade pelo materialismo não foi uma boa ação, afinal. Soterrou a ética e transformou o bom caráter em defeito.

A confiança não se restabelece mais nem com a assinatura de contratos, mesmo porque ela deveria preceder a celebração de tais instrumentos. Os espertos se tornam inadimplentes amparados pela lei, quando alguém utiliza o que aprendeu para ludibriar, não para defender o que é direito.

Quem governa hoje, é criminoso detido em presídio de segurança máxima, como se fosse hotel "n" estrelas, com direito a jatinhos e segurança para deslocamentos quase continentais. Matam por telefone ouvindo os gritos das vítimas.

E o traficante continuará vendendo seu veneno, exceto para seus próprios filhos, ampliando seu poder, independentemente de estar preso ou não. É o poder paralelo provando que é mais forte que o poder oficial. Quem é o poder afinal.

Um sentimento quase concreto de desconfiança, praticamente destruiu a boa vizinhança. Existem vizinhos de apartamentos, porta a porta, que jamais se conhecerão.

É a solidão opcional cada dia mais adotada, por conta da ilusão de se resgatar, assim, a segurança perdida.

O medo de se sentir – ou ser – usado se ampliou, sufocando a possibilidade da solidariedade, do desprendimento puro e simples.

Não se trata aqui de ampliar o desconforto ou fomentar preconceitos. Nada disso. É que quando as desgraças se tornam estrelas na mídia, cada vez mais aceleradamente, algo em nós se agita. Pois somos vítimas potenciais, cada vez mais perigosamente longe de apenas potenciais, para próximas de reais.

Talvez seja indignação ou uma reação natural contra o desespero que se quer instalar, o que senos agita por dentro. Ou simplesmente a raiva pela cegueira e a indolência coletiva que tudo assiste e nada faz.

Há um implícito acordo espúrio em tudo. Estamos combinados assim: somos cúmplices, mas fingimos que não sabemos de nada. E ninguém mexerá uma palha contra o poder usurpado, o abuso econômico e o gigantismo da fome. Tornamo-nos monstros uniformizados, de vários matizes, mas nenhum coração: sociedade!

As guerras levadas a cabo por puro interesse econômico, são aceitas como algo heroicamente montado por paladinos da justiça, como se as crianças de países invadidos fossem terroristas. Políticos travestidos de semi-deuses a determinar quem pode viver e quem deve morrer.

As filosofias baratas espalhadas pela televisão para confundir a mente das crianças e dos jovens seguirão impunes. E cada voz que se levantar contra, será abatida imediatamente. Quanto mais anomalias programas mostrem mais sucesso fazem. Quanto mais ridículos, mais valorizados. Enquanto tudo que é relevante, passa desapercebido por tevês educativas quase sem audiência. É a televisão aberta, tão aberta quanto podre.

Quem pode mais, chora menos. Essa é a lei que vale.

Houve uma época, até certo tempo, que as fronteiras entre lícito e ilícito eram visíveis. Hoje quase não mais. Tempos em que a palavra dada era mais forte que mil documentos assinados. A honra de uma pessoa era defendida por ela como o seu mais rico patrimônio. Nome limpo, agora, nada significa se a conta bancária estiver à míngua, se a roupa não for de grife e tantas outras superficialidades mais.

Naquela época roubo era roubo, a honestidade não comportava "elasticidade" e não eram tão comuns, pois a receptação também era (é????) crime!

Hoje, o roubo de cargas possui destino certo e os receptadores, impunidade garantida. Motoristas assassinados é apenas um detalhe, nada importante. Mas os receptadores com sua logística sofisticada, possuem redes de lojas que crescem geometricamente.

Quem imagina que uma carga de medicamentos roubada, por exemplo, sai do país para ser vendida fora, sofre da ilusão coletiva de que "o que os olhos não vêem o coração não sente". 

Os homens pensavam nos homens, hoje o homem só pensa no homem que vê todos os dias no espelho enquanto se barbeia, planejando a quem irá despojar de alguma coisa nesse novo dia. Esquecem que estão, eles mesmos, despojando seus filhos de um provável futuro.

As empresas são mais importantes que as pessoas, embora não consigamos imaginar uma empresa sem nenhuma pessoa além de seu proprietário. Explorar e poluir são atos tão corriqueiros, que ninguém se importa mais. Movimentos, em favor da preservação do meio ambiente, fogem da polícia.

A exploração do desespero das pessoas por parte de organizações que se auto-intitulam "religião", cresce a olho nu. Assim uns poucos ficam milionários à custa da miséria de uma multidão de famintos de tudo.

Na área social, governos apenas se recordam daqueles que entendem como a "parte de baixo" da população, por ocasião das eleições, salvo algumas esmolas aqui e ali, para que não morram as "galinhas dos ovos de ouro". No mais, é uma aposentadoria ofensivamente miserável para quem trabalhou a vida toda e milhares de reais em "aposentadoria" para vagabundos que fingiram legislar ou governar durante algum tempo.

A segurança saiu das mãos do Estado omisso. Grupos a vendem hoje a peso de ouro àqueles que se iludem com a falsa certeza de que estarão seguros.

Para onde vamos? Onde foi parar a vergonha? Será que alguém está seguro? Será que algo está errado?

Estas são perguntas suspensas no ar, que ninguém ousa tentar responder. No entanto, se a renda é "per capita", a responsabilidade (leia culpa) também o é.

Assim, enquanto nada é revisto e a ordem reinstalada, caminharemos todos para o mesmo destino. O irônico destino comum que restabelece a Justiça com sua horizontal democracia.

Nada permanece como antes naquele quartel de Abrantes, piorou muito. Seria (que heresia!) melhor que não tivesse havido mudanças. Tem gente (outra heresia!) que se diz saudosa da época da ditadura, mesmo sendo intelectual reconhecido. Até estes pensam que nossos ouvidos sejam penicos.

Enfim, valor hoje é apenas uma palavra do passado. Princípio é uma piada de mau gosto.Honestidade é sinônimo de autismo e família um arcaico comportamento a caminho acelerado da extinção...